ARTIGO ARTICLE

 

Fauna anofélica da cidade de Belém, Pará, Brasil: dados atuais e retrospectivos

 

Anophelines in Belém, Pará, Brazil: current and retrospective data

 

 

Ana de Nazaré Martins da SilvaI, II; Habib Fraiha-NetoI; Carla Christiani Bastos dos SantosII; Maria de Nazaré de Oliveira SeguraII; Jane Cristina de Oliveira Faria AmaralIII; Inocêncio de Sousa GorayebIV; Raimundo Nonato da Luz LacerdaII; Izis Mônica Carvalho SucupiraII; Leôncio Nazaré PimentelV; Jan E. ConnVI; Marinete Marins PóvoaII

INúcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Brasil
IISeção de Parasitologia, Instituto Evandro Chagas, Ananindeua, Brasil
IIIInstituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IVCoordenação de Zoologia, Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, Brasil
VDivisão de Controle de Endemias, Secretaria Municipal de Saúde de Belém, Belém, Brasil
VIGriffin Laboratory, Slingerlands, U.S.A

Correspondência

 

 


RESUMO

Relato de coletas de anofelinos realizadas em Belém, Pará, Brasil, de 1995 a 2004, comparando os dados obtidos com os de levantamentos anteriores, feitos a partir da década de 1930. Nesses, vinte espécies haviam sido identificadas: Anopheles albitarsis s.l., An. aquasalis, An. argyritarsis, An. braziliensis, An. darlingi, An. eiseni, An. evansae, An. galvaoi, An. intermedius, An. kompi, An. mediopunctatus, An. nimbus, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui, An. punctimacula, An. shannoni, An. strodei, An. thomasi e An. triannulatus. Sete (An. argyritarsis, An. eiseni, An. galvaoi, An. kompi, An. nimbus, An. punctimacula e An. thomasi) não são agora registradas. A permanência de tantas outras espécies provavelmente decorre da preservação de áreas de mata no âmbito urbano. Duas delas são consideradas de importância vetorial (An. darlingi e An. aquasalis). Esta última continua sendo a de maior densidade nas coletas (46,26% dos adultos e 99,21% das larvas) e é a única registrada em todos os distritos administrativos. Existe, portanto, risco potencial de transmissão de malária em todo o município.

Anopheles; Vetores de Doenças; Ecologia de Vetores; Insetos Vetores


ABSTRACT

We present the results of anopheline captures in Belém, Pará, Brazil, from 1995-2004, and a comparison with captures from 1930-1999. In the earlier period, 20 species were identified: Anopheles albitarsis s.l., An. aquasalis, An. argyritarsis, An. braziliensis, An. darlingi, An. eiseni, An. evansae, An. galvaoi, An. intermedius, An. kompi, An. mediopunctatus, An. nimbus, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui, An. punctimacula, An. shannoni, An. strodei, An. thomasi, and An. triannulatus. Seven of these species were not found in 1995-2004 (An. argyritarsis, An. eiseni, An. galvaoi, An. kompi, An. nimbus, An. punctimacula, and An. thomasi). The persistence of so many species is probably due to the local preservation of forest areas. Two species are of vectorial importance (An. darlingi and An. aquasalis). An. aquasalis is still the most abundant species (46.26% of adults, 99.21% of larvae) and the only one detected in all capture sites. There is thus a potential risk of malaria transmission in the entire municipality of Belém.

Anopheles; Disease Vectors; Vectors Ecology; Insect Vectors


 

 

Introdução

Os primeiros levantamentos sobre a fauna anofélica de Belém, capital do Estado do Pará, na Região Norte do Brasil, datam da primeira metade do século XX 1,2,3. Nesses trabalhos foram identificadas ao todo 17 espécies de anofelinos, duas das quais foram incriminadas como de importância vetora de malária, com base em dissecções de glândulas salivares e de intestino médio: Anopheles darlingi e An. aquasalis 1,2. Atualmente, ambas continuam envolvidas em transmissão de malária no âmbito do município 4.

Mais recentemente, em 1994, Rocha & Mascarenhas 5 publicaram levantamento de culicídeos realizado na mata secundária do campus de pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), situado na periferia da cidade de Belém, no período de junho de 1991 a maio de 1992, e registram a ocorrência das seguintes espécies de anofelinos: An. aquasalis, An. intermedius, An. mediopunctatus, An. nuneztovari e An. triannulatus.

Póvoa et al. 4 realizaram também levantamento de anofelinos do subgênero Nyssorhynchus no Município de Belém entre 1993 e 1999. Foram feitas coletas de adultos em seis dos oito distritos administrativos e identificadas dez espécies: An. albitarsis s.l., An. aquasalis, An. braziliensis, An. darlingi, An. evansae, An. galvaoi, An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. strodei e An. triannulatus.

As condições de saneamento e urbanismo da capital nas décadas de 30 e 40 eram bem diferentes das atuais. Naquela época as áreas mais baixas de Belém sofriam intensamente a ação das enchentes provocadas pelas grandes marés de fevereiro a abril. Poucas eram as vias públicas revestidas de calçamento com paralelepípedos e o asfalto ainda não havia chegado. As ruas eram, na maioria, de terra preta. Próximo ao centro da cidade havia ruas apenas carroçáveis, onde as rodas dos carros de boi deixavam depressões que se prestavam ao desenvolvimento de larvas de An. aquasalis 2.

Nos bairros localizados em terrenos mais baixos formavam-se variados tipos de criadouros de anofelinos, como valas e remansos de igarapés que cortavam a cidade, certamente de águas não poluídas. Naqueles localizados em terrenos mais altos (chamados de terra firme), a alta pluviosidade levava também à formação de criadouros de An. darlingi, especialmente em covões de areia e em tanques de abastecimento de água 2.

Estudos sobre a evolução urbana de Belém mostram que a ocupação inicial se deu notadamente em terras altas, livres de inundação. Já em fins de 1950, a cidade havia ocupado praticamente todos os seus terrenos considerados firmes. Não tendo mais para onde crescer rumo ao interior, para além da chamada Primeira Légua Patrimonial, dado que cercada por verdadeiro cinturão de terras cedidas pelo poder público a instituições governamentais ou militares, seu crescimento passou a se caracterizar nos anos 60 por uma tendência de ocupação mais intensa das áreas alagáveis na periferia (áreas de baixada, voltadas para o rio Guamá e para a Baía do Guajará) e pelo início de um processo de verticalização na área central 6.

A partir dos anos 70 ocorreu uma nova tendência de crescimento, agora caracterizado pelo adensamento da ocupação ao longo da Rodovia BR-316 ­ que termina por estabelecer uma interligação com o Município de Ananindeua, Pará, Brasil, e pela ocupação de áreas até então consideradas rurais, mediante a construção de conjuntos habitacionais e loteamentos 6,7. Começam, também, a surgir aí ocupações desordenadas na periferia urbana, configurando o fenômeno chamado das "invasões" 8, de tão grande interesse atual no contexto da epidemiologia de malária na capital 9.

Todo este processo de evolução implicou acentuadas alterações no ambiente natural da cidade, condicionando eliminação de criadouros de mosquitos e, até mesmo, o surgimento de novos focos, com possível influência no elenco de espécies locais e mudanças no padrão de distribuição, biologia e comportamento desses mosquitos. Exemplo disso é o ressurgimento de An. darlingi no espaço urbano do município a partir dos anos 90, após mais de vinte anos sem registro, como evidenciado por Póvoa et al. 4 em sua análise dos dados epidemiológicos locais de malária nos últimos setenta anos.

O objetivo do presente estudo é o de uma avaliação da fauna anofélica da cidade de Belém, com base em levantamentos feitos desde a década de 1930 e de coletas realizadas num período recente de dez anos (1995/2004).

 

Material e métodos

Área de estudo

Foi constituída de oito distritos administrativos da cidade de Belém, com os seguintes bairros ou pontos trabalhados:

(i) DABEL (Distrito Administrativo de Belém): Parque Zoobotânico do MPEG, área de mata circunscrita a uma quadra do bairro de São Brás, em pleno centro da capital;

(ii) DAGUA (Distrito Administrativo do Guamá): bairros do Jurunas, Cremação e Terra Firme;

(iii) DASAC (Distrito Administrativo da Sacramenta): bairros da Sacramenta, Barreiro, Miramar e Maracangalha;

(iv) DAENT (Distrito Administrativo do Entroncamento): Souza, Curió-Utinga, Castanheira, Águas Lindas, e as áreas de matas do Utinga e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA);

(v) DABEN (Distrito Administrativo do Bengüí): bairro do Tapanã;

(vi) DAICO (Distrito Administrativo de Icoaraci): Parque Guajará, Tenoné, Ponta Grossa e Distrito Industrial do bairro da Maracacuera;

(vii) DAOUT (Distrito Administrativo do Outeiro): Bairro de Brasília; e

(viii) DAMOS (Distrito Administrativo de Mosqueiro): bairros do Bonfim, São Francisco, Natal do Murubira, Marahu e Paraíso (Figura 1).

Coletas de anofelinos

As coletas foram feitas por técnicos das equipes de entomologia do Instituto Evandro Chagas (IEC) e da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA).

Fêmeas de anofelinos foram coletadas no horário das 18h às 21h, com atração humana, no peri e no extradomicílio das áreas estudadas. Somente na área da EMBRAPA os mosquitos foram coletados com isca animal, utilizando-se búfalos no interior dos estábulos. Lotes de até trinta exemplares foram acondicionados em vasilhames adequados, telados, até o processamento no laboratório.

Foram também realizadas coletas de larvas em criadouros localizados no DABEL, no interior do Parque Zoobotânico do MPEG (tanques de peixes, tartarugas, peixe-boi e vitória-régia) ou representados por remansos de igarapés, pequenos lagos etc., em cinco outros Distritos Administrativos: DAGUA, DAENT, DABEN, DAOUT e DAMOS. Para isso, utilizaram-se conchas entomológicas com capacidade de 300ml, superficialmente mergulhadas nos criadouros. Quando encontradas, as larvas eram transferidas para recipientes de vidro com o auxílio de pipetas descartáveis.

Identificação

A identificação dos espécimes foi feita a nível específico seguindo as chaves propostas por Gorham et al. em 1967 10 e Forattini em 1962 11.

 

Resultados

Capturas de adultos

De 1995 a 2004 foram capturados 7.402 anofelinos adultos, pertencentes a 14 diferentes espécies: An. albitarsis s.l., An. aquasalis, An. braziliensis, An. darlingi, An. evansae, An. intermedius, An. mediopunctatus s.l., An. nuneztovari, An. oswaldoi, An. peryassui, An. shannoni, An. strodei, An. triannulatus s.l. e Anopheles sp., uma espécie próxima a An. galvaoi. Os resultados estão reunidos nas Tabelas 1, 2, 3 e 4, e na Figura 1.

Coletas de larvas

Conforme as Tabelas 1, 2, 3 e 4, foram coletadas formas aquáticas em apenas 13 das localidades trabalhadas, correspondentes a seis dos oito distritos administrativos de Belém: no Parque Zoobotânico do MPEG ­ DABEL; nos bairros do Jurunas e da Cremação ­ DAGUA; nos bairros do Curió-Utinga, Castanheira e Águas Lindas e na mata da EMBRAPA ­ DAENT; no bairro do Tapanã ­ DABEN; no de Brasília ­ DAOUT; e nos de Bonfim, São Francisco, Natal do Murubira e Marahú ­ DAMOS.

Durante o período destas coletas (anos de 1998, 1999, 2001, 2002 e 2004) foram obtidas 11.680 larvas, correspondentes a sete diferentes espécies de anofelinos: An. albitarsis s.l., An. aquasalis, An. darlingi, An. intermedius, An. oswaldoi, An. triannulatus s.l. e Anopheles sp.

 

Discussão

A fauna local

Os resultados deste estudo mostram a presença em Belém, na última década, de 14 diferentes espécies de anofelinos (Tabela 1): em ordem alfabética, An. (Nyssorhynchus) albitarsis s.l. Arribalzága, 1878; An. (Nys.) aquasalis Curry, 1932; An. (Nys.) braziliensis (Chagas, 1907); An. (Nys.) darlingi Root, 1926; An. (Nys.) evansae (Brethes, 1926); An. (Anopheles) mediopunctatus (Theobald, 1903); An. (Ano.) intermedius (Chagas, 1908); An. (Nys.) nuneztovari Gabaldón, 1940; An. (Nys.) oswaldoi (Peryassú, 1922); An. (Ano.) peryassui (Dyar & Knab, 1908); An. (Ano.) shannoni Davis, 1931; An. (Nys.) strodei Root, 1926; An. (Nys.) triannulatus s.l. (Neiva & Pinto, 1922) e Anopheles (Nyssorhynchus) sp.

Esta última consta assim, indefinida, porque corresponde a exemplares de características muito próximas às de An. galvaoi, tomando por base os critérios da chave de Corrêa & Ramalho (1958) referidos por Forattini 11. Mas, de acordo com Sallum et al. 12, é problemática a identificação da espécie, facilmente confundível com An. benarrochi, An. aquasalis, An. strodei e An. evansae.

Os trabalhos de Davis 1, Galvão et al. 2 e Deane 3 haviam registrado aí a ocorrência de um total de 17 espécies, seis além das atuais: An. (Nys.) argyritarsis Robineau-Desvoid, 1827, An. (Ano.) eiseni Coquillett, 1902, An. (Stethomyia) kompi Edwards, 1930, An. (Ste.) nimbus (Theobald, 1903), An. (Ano.) punctimacula Dyar & Knab, 1906 e An. (Ste.) thomasi Shannon, 1933; e duas que não figuram entre as espécies por eles encontradas: An. evansae e An. strodei. Essas passam, assim, a ser reconhecidas como integrantes da fauna anofélica local.

An. evansae e An. strodei são espécies já descritas em 1926. Segundo Póvoa et al. 4, a raridade de tais espécies pode ter sido o motivo de não figurarem naqueles levantamentos.

As ausências de An. argyritarsis, An. eiseni, An. kompi, An. nimbus, An. punctimacula e An. thomasi nos levantamentos mais recentes podem ser entendidas como decorrentes de alterações ambientais resultantes da ação antrópica no espaço urbano (desmatamentos, urbanização etc.), tal como considerado por Tadei et al. 13 e Póvoa et al. 4. Deve-se considerar, também, a influência das ações de controle exercidas pelos órgãos públicos ao longo das últimas décadas, quer referentes ao emprego de inseticidas, quer à realização de obras de engenharia sanitária 14,15. Considere-se, ainda, a possibilidade de estarem hoje estas espécies confinadas em áreas silvestres ou rurais do município, não incluídas nos levantamentos recentes. Além disso, o método de coleta ­ desde a isca utilizada, o horário, se somente no nível do solo ou em várias alturas, até o local de coleta ­ pode, igualmente, influenciar a detecção de determinadas espécies.

An. intermedius, An. mediopunctatus, An. peryassui e An. shannoni são espécies do subgênero Anopheles e por isso não figuram no estudo de Póvoa et al. 4, dirigido exclusivamente às do subgênero Nyssorhynchus.

A distribuição das espécies no município

As coletas recentes não tiveram a mesma regularidade em todos os oito distritos trabalhados. Apesar disso, os dados da Tabela 1 permitem observar que An. aquasalis está sempre presente em todos eles e permanece a espécie de maior densidade no município: 3.424 adultos (46,26%) e 11.588 (99,21%) larvas. Essa predominância da espécie confere com as observações de Galvão et al. 2, Rocha & Mascarenhas 5 e Póvoa et al. 4.

Ressalte-se que An. aquasalis foi coletada em maior abundância no bairro do Barreiro e no Parque Zoobotânico do MPEG, áreas bem diversas quanto à disponibilidade de fontes para o repasto sangüíneo. A primeira, situada no DASAC, de grande densidade populacional humana; a segunda, antiga fazenda hoje situada em área central da cidade (DABEL), que corresponde a um enclave de mata margeado por área urbanizada em todo o seu entorno, o que pode estar condicionando um fator de isolamento dessa população. A abundância de espécies animais nos viveiros do parque, que constituem sua fonte alimentar mais próxima, talvez exclusiva, reforça o conceito de hábitos alimentares ecléticos do An. aquasalis já referido por Deane et al. 16 e Flores-Mendoza et al. 17.

A densidade e ampla distribuição local deste anofelino, já observadas desde as décadas de 30 e 40, refletem a persistência de condições ambientais ainda favoráveis ao desenvolvimento da espécie, a despeito das obras de saneamento e urbanização.

Dentre os distritos estudados, o do Entroncamento se destaca como o de maior diversidade de espécies, maior número de espécimes adultos coletados e maior densidade de An. darlingi (Tabela 1). Curiosamente, o índice parasitário anual (IPA) nele registrado entre janeiro e agosto de 2004 foi inferior a 9, considerado baixo (SESMA ­ dados não publicados). Este distrito é formado por bairros limítrofes de Belém com os municípios de Ananindeua e Marituba. Compreende amplas áreas de mata preservada e nele estão localizados os dois lagos de abastecimento de água da capital, com condições ambientais propícias ao desenvolvimento de anofelinos. Também nele se situam os criadouros de há muito caracterizados como o foco mais importante de An. darlingi no município 2,18. O pequeno número de larvas desta e de outras espécies aí coletadas resulta do reduzido número de coletas de formas imaturas. Somente no Parque Zoobotânico do MPEG foram elas sistematicamente realizadas.

Evidencia-se, ainda, não terem sido identificados os criadouros de várias espécies no espaço urbano, de que somente adultos foram capturados.

Importância médico-sanitária

Sabe-se que existe transmissão de malária no município de Belém, inclusive na área urbana 4. Estudo realizado pelo IEC no período de 1994 a 1999 caracterizou a malária autóctone de Belém como de baixa variação sazonal, tendendo ao comportamento endêmico 19.

Tanto o An. darlingi quanto An. aquasalis já foram e continuam sendo aí incriminados como vetores primários de malária 2,4.

O An. darlingi é reconhecido como de importância primordial na transmissão da malária na Amazônia Legal, devido a seus hábitos endófilo e antropófilo, e à alta susceptibilidade aos plasmódios humanos 20,21. Já foi incriminado, inclusive, como vetor primário de Plasmodium falciparum no Estado do Pará 21. No presente estudo a espécie foi encontrada em três dos oito distritos de Belém (DAENT, DABEN e DAICO), com maior concentração nas coletas realizadas no bairro do Curió-Utinga (DAENT). Em dois destes distritos a espécie foi recentemente encontrada portando infecção natural: por P. vivax e por P. falciparum no DAICO; e por este último no DAENT 4.

A presença, acima enfatizada, do An. aquasalis em todos os distritos do município, aliada ao fato de já haver sido aí encontrado em três deles (DAENT, DAICO e DASAC) portando infecção natural por P. vivax, P. falciparum e P. malariae 4, significa, por si só, que em todos esses distritos existe a possibilidade de transmissão de malária. A maior densidade da espécie encontrada no presente estudo corresponde ao DASAC (Tabelas 1, 2, 3 e 4), onde somente ela tem sido responsabilizada pela transmissão de malária desde 1993 4.

Dentre dados inéditos a respeito da epidemiologia de malária no município no período de janeiro a agosto de 2004, fornecidos pela SESMA, destaca-se que dois bairros do distrito do Mosqueiro e um do distrito do Outeiro apresentam IPA superior a 50, considerado alto: Marahú e Bonfim (DAMOS), respectivamente com 66,86 e 54,52; e a ilha de Cotijuba (DAOUT), com 60,32.

No DAMOS foram identificadas seis diferentes espécies de Anopheles (Tabelas 1, 2, 3 e 4), destacando-se o An. aquasalis, pela maior densidade. É ele, assim, o mais provável transmissor.

A ocorrência simultânea de An. darlingi e An. aquasalis nos distritos do Entroncamento, Bengüí e Icoaraci, requer especial atenção da parte da vigilância epidemiológica, mesmo porque neles se situa a imensa maioria dos conjuntos habitacionais, loteamentos e ocupações desordenadas do espaço urbano, configurando elevada concentração demográfica 22. Tanto no DAENT como no DAICO, ambas as espécies foram caracterizadas por Póvoa et al. 4 como presumivelmente vetoras de P. vivax e P. falciparum, com base em achados de infecção natural.

Eventualmente outras espécies constituintes da fauna anofélica local, tais como, An. albitarsis s.l., An. nuneztovari, An. triannulatus s.l., An. oswaldoi e An. intermedius têm sido encontradas naturalmente infectadas por plasmódios em outras localidades 21. Mas em Belém não há registro de importância dessas espécies em transmissão de malária. Vale ressaltar, porém, a elevada freqüência de An. triannulatus s.l. e An. nuneztovari nas coletas realizadas no DAENT (Tabelas 1, 2, 3 e 4).

Conclui-se pela caracterização de uma variada fauna anofélica local, constituída de 14 taxa diferentes, dois deles já antes reconhecidos como de importância vetora local (An. darlingi e An. aquasalis), esta última correspondendo à de maior densidade e mais ampla distribuição. Existe, portanto, risco potencial de transmissão de malária em todos os distritos administrativos do Município de Belém.

 

Colaboradores

R. N. L. Lacerda, L. N. Pimentel, J. C. O. F. Amaral, M. N. O. Segura, I. M. C. Sucupira, A. N. M. Silva, C. C. B. Santos e M. M. Póvoa produziram dados e análise de resultados de estudos específicos utilizados neste trabalho. M. M. Póvoa, H. Fraiha-Neto, A. N. M. Silva, C. C. B. Santos, I. S. Gorayeb e J. E. Conn participaram da análise dos dados, discussão dos resultados e elaboração do artigo.

 

Agradecimentos

Ao National Institute of Health dos Estados Unidos (auxílios AI R2940116 e AI 0154139 para J. E. Conn). A Raimundo Tadeu Lessa Souza, Edvaldo Santa Rosa e Deocleciano Galiza Primo, técnicos do Laboratório de Entomologia de Malária do Instituto Evandro Chagas, e à bióloga Cristina Vasconcelos Nunes, pela participação nas coletas e identificação dos anofelinos. Aos técnicos da SESMA, a Roberto Carlos Feitosa Brandão, geógrafo do laboratório de Geoprocessamento do Instituto Evandro Chagas.

 

Referências

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Correspondência
M. M. Póvoa
Laboratório de Entomologia de Malária
Seção de Parasitologia
Instituto Evandro Chagas
Rod. BR-316, Km 7, s/n
Ananindeua, PA 67030-000, Brasil
marinetepovoa@iec.pa.gov.br

Recebido em 14/Jun/2005
Versão final reapresentada em 08/Dez/2005
Aprovado em 14/Dez/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br