REVISÃO REVIEW

 

Malária não complicada por Plasmodium vivax e P. falciparum no Brasil: evidências sobre fármacos isolados e associações medicamentosas empregados em esquemas terapêuticos recomendados pelo protocolo terapêutico oficial

 

Uncomplicated Plasmodium vivax and P. falciparum malaria in Brazil: evidence on single and combined drug treatments recommended by official guidelines

 

 

Letícia Figueira FreitasI; Gabriela Costa ChavesI; Lenita WannmacherII; Claudia Garcia Serpa Osorio-de-CastroI

IEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIUniversidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A malária é a endemia parasitária mais importante no mundo. No Brasil, 60% do território são favoráveis à transmissão, com cerca de 500 mil casos por ano. A doença não se distribui geograficamente de forma homogênea, fato que pode explicar diferenças na eficácia e efetividade dos tratamentos. Para identificar as evidências que poderiam ter embasado os tratamentos recomendados pelo Manual de Terapêutica da Malária 2001, foi realizada uma revisão dos estudos que abordassem tratamentos com antimaláricos no Brasil entre 1980 e 2005. Foram encontrados poucos estudos, e com baixa qualidade metodológica, nenhum deles capaz de gerar recomendações para protocolos baseados em evidência. Os artigos publicados após 2001 apresentaram nível de evidência maior, segundo classificação utilizada para definição de níveis de evidência farmacológico-clínicos. Espera-se que tais estudos também orientem conduta na próxima revisão do manual, prevista para o ano de 2007. Constatou-se que as referências do manual, utilizadas como base para recomendação dos tratamentos, são publicações desatualizadas e possivelmente consideradas clássicas, mas com pouca especificidade para região geográfica, população e/ou tipo de malária.

Protocolos de Tratamento; Antimaláricos; Malária


ABSTRACT

Malaria is the most important endemic parasitic disease in the world. Conditions are favorable for transmission of the disease in 60% of Brazil's territory. Over 500,000 cases per year are recorded in the country. However, the geographic distribution is uneven, which may explain differences in the efficacy and effectiveness of antimalarial drugs. We conducted an extensive literature review of antimalarial treatment in Brazil from 1980 to 2005 in order to identify evidence that might have been available for the 2001 Edition of the Malaria Treatment Manual, the official Ministry of Health guidelines. Only a few studies, of low methodological quality, were identified by the search. None of the studies would have been capable of generating evidence-based guidelines according to the current classification of levels of pharmacological and clinical evidence. Studies published after 2001 drew on more evidence and are expected to provide the basis for the next edition of the manual, due in 2007. References in the 2001 Edition were outdated, possibly perceived as traditional references in the field, but lacking in specificity for region, population, and/or type of malaria.

Treatment Protocols; Antimalarials; Malaria


 

 

INTRODUÇÃO

Segundo o Relatório Mundial da Malária 1, ao final de 2004, 107 países e territórios apresentavam áreas de risco de transmissão de malária. Aproximadamente 3,2 bilhões de pessoas vivem nestas áreas, o que corresponde à quase metade da população mundial. Noventa por cento da incidência mundial concentra-se na África e dois terços dos casos restantes ocorrem no Brasil, Índia e Sri Lanka 2. Surgem cerca de 350 a 500 milhões de novos casos da doença por ano, e ocorrem de 1 a 3 milhões de mortes 3.

No Brasil, mais de 60% do território é favorável à transmissão da malária. Cerca de 95% dos casos no país ocorrem na Amazônia Legal. Nesta região são registrados perto de 500 mil novos casos por ano 4. No país, a doença é causada por Plasmodium falciparum, P. vivax e, mais raramente, P. malariae. O P. vivax é responsável pelo maior número de casos e o P. falciparum é responsável pelo maior número de mortes 5.

A doença não se distribui geograficamente de forma homogênea, tampouco os vetores ou as cepas de plasmódio. Conforme ressalta López-Antuñano 6, a malária é um problema global, mas com características locais. Sendo assim, é extremamente importante que se conheça a epidemiologia da doença em cada lugar para implementar as medidas de prevenção e controle adequadas. As diferenças nos perfis de eficácia e efetividade dos tratamentos podem ser explicadas pelo contexto epidemiológico 1,7.

Segundo Phillips 8, vários fatores devem ser considerados no que tange ao controle da malária, quais sejam, presença de mudanças sociais e ecológicas, características biológicas, antropológicas, culturais e sociais da população, intensidade e periodicidade da transmissão da malária, espécies dos mosquitos vetores, seu comportamento e sua susceptibilidade aos inseticidas, características dos serviços de saúde existentes e, naturalmente, espécies dos parasitos e sua sensibilidade aos medicamentos antimaláricos.

As características peculiares do tratamento de malária merecem destaque. O tratamento apresenta complexidade – diferentes medicamentos em diferentes regimes terapêuticos e duração variável. Além disso, a demora e a pouca precisão diagnóstica, o emprego de terapêutica inapropriada e o uso indiscriminado de antimaláricos também contribuem para a alta incidência da malária e desenvolvimento de resistência 4,9,10.

As principais estratégias no combate à malária são a identificação precoce do plasmódio 9 e o tratamento medicamentoso, feito com a associação de pelo menos dois antimaláricos diferentes, com o intuito de intervir em pelo menos duas das fases do ciclo do plasmódio 11. Portanto, uma combinação medicamentosa deve incluir: esquizonticidas sangüíneos, gametocitocidas, e, para o P. vivax, hipnozoiticidas.

Um protocolo terapêutico nacional deve ser um conjunto claro e direto de recomendações, harmonizando-se com a lista de medicamentos essenciais do país e ancorando-se nas melhores e mais robustas evidências disponíveis na literatura para sinalizar as condutas preconizadas 12. A seleção dos medicamentos deve seguir critérios de eficácia, segurança, conveniência para o paciente e comparação de custo favorável. Todos esses critérios devem ser fortemente embasados em evidências, provenientes de estudos metodologicamente adequados, com validade interna e externa, com comprovada isenção de conflito de interesses de seus autores, com aplicabilidade ao cenário em estudo e, por isso, capazes de gerar graus de recomendação confiáveis 13.

Sendo a malária uma doença prevalente no Brasil, com morbidade e mortalidade definidas, é absolutamente necessário que qualquer documentação elaborada para orientar seu tratamento e controle seja embasada em evidências. O protocolo terapêutico nacional deve basear-se nas publicações brasileiras, quando existentes, para que sua aplicabilidade se coadune com a realidade vigente no país.

O Manual de Terapêutica da Malária do Ministério da Saúde 4 está organizado por esquemas de tratamento recomendados de primeira escolha e esquemas alternativos para malária não complicada causada por P. vivax ou P. falciparum. Tais esquemas contemplam cinco diferentes associações medicamentosas e dois regimes que empregam fármacos isolados, envolvendo cloroquina, sulfato de quinina, mefloquina, primaquina, doxiciclina e artesunato de sódio. Para a escolha do esquema de tratamento adequado considera-se, além da espécie parasitária, peso corporal do paciente, idade, presença de gestação e evolução da doença.

Outros esquemas terapêuticos são citados no Manual de Terapêutica da Malária, configurando potenciais alternativas. Incluem tetraciclina, clindamicina, artemeter, diidroartemisinina, amodiaquina e halofantrina. Esses medicamentos estão inseridos no capítulo de farmacologia dos antimaláricos, porém não constam nas tabelas de tratamentos recomendados.

Frente à multiplicidade de medicamentos e associações medicamentosas apresentados pelo Manual de Terapêutica da Malária, e tendo em vista a diversidade geográfica apresentada pela endemia, objetivou-se investigar que estudos geradores de evidências na população brasileira poderiam ter substanciado os esquemas de tratamento preconizados no Manual.

Essa revisão encontra-se no âmbito de um projeto de pesquisa sobre prescrição, dispensação e adesão a antimaláricos na Amazônia Legal 14. Objetiva subsidiar a investigação, no tocante ao exame da literatura e das evidências sobre eficácia e efetividade das associações medicamentosas adotadas pelo protocolo nacional.

 

Material e métodos

Descrição da busca e análise

A identificação dos artigos publicados sobre prescrição, dispensação e adesão a antimaláricos foi feita mediante busca nas bases de dados SciELO e PubMed abrangendo estudos brasileiros publicados entre janeiro de 1980 e dezembro de 2005.

Na base de dados SciELO, a busca foi realizada em dezembro de 2005, utilizando como palavras-chave "antimalarials" e "malaria and treatment", combinando com cada um dos seguintes termos: "prescribing", "prescription", "dispensing", "adherence" e "compliance". Também foram utilizados os mesmos termos em português: "antimaláricos" e "malária e tratamento", combinando com "prescrição", "dispensação" e "adesão".

Na base de dados PubMed, a busca foi realizada em fevereiro de 2006, utilizando as palavras-chave "malaria and treatment", "malaria and treatment and Brazil", "antimalarials and Brazil", combinando com cada um dos seguintes termos: "prescribing", "prescription", "dispensing", "adherence" e "compliance".

Excluindo-se os artigos repetidos, obteve-se o número total de textos de interesse para a pesquisa. A seleção dos artigos foi feita em etapas, por título, leitura do resumo e leitura dos artigos completos. Considerou-se perda no estudo os artigos completos que não foram encontrados, não permitindo a leitura crítica.

A leitura crítica dos artigos escolhidos permitiu categorizar sua validade interna (desenho experimental, tamanho de amostra, controle de vieses sistemáticos e erros aleatórios, categorização dos desfechos medidos, resultados apontados, conclusões, limitações), seu nível de evidência, sua capacidade de gerar recomendações e sua concordância com a terapêutica constante no Manual de Terapêutica da Malária de 2001.

Os estudos também foram classificados por estado e tipo de malária no intuito de identificar que áreas afetadas pela malária foram as mais estudadas.

Hierarquização dos estudos em níveis de evidência

A determinação dos níveis de evidência dos estudos teve como base uma das classificações correntemente propostas 15, conforme pode ser verificado na Tabela 1.

De acordo com esta classificação, ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por fármacos entre si, com amostras amplas, controle adequado de vieses e de erros aleatórios e desfechos clinicamente relevantes, detêm a maior validade da informação farmacológico-clínica e constituem estudos de nível I. Também se incluem nesta categoria as metanálises e revisões sistemáticas desses ensaios clínicos randomizados.

Estudos farmacológico-clínicos geram graus de recomendação também hierarquizados (Tabela 1). O grau de recomendação A deve ser obrigatoriamente seguido para a tomada de decisão, pois determina benefício terapêutico definido. Já o grau D apenas sugere condutas, pois os estudos têm pobre capacidade de generalização 5.

 

Resultados

A busca bibliográfica, realizada na base de dados SciELO, resultou em 58 artigos. Após leitura dos títulos, 33 foram selecionados. Desses, 9 foram excluídos após leitura dos resumos, resultando em 24 artigos. Após leitura dos textos, no entanto, mais 3 artigos foram excluídos do grupo, por não serem condizentes com os objetivos deste trabalho, restando 21.

Na base de dados PubMed, foram encontrados 210 artigos. Desses, 58 foram selecionados pela leitura dos títulos. Cinco já haviam sido identificados na base SciELO e duas referências se repetiam, sendo, então subtraídos. Dos 51 artigos restantes, 12 foram excluídos após leitura dos resumos e 7 não foram encontrados em sua forma integral, mesmo após busca nos sistemas de bibliotecas da BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde). Trinta e dois artigos foram mantidos após leitura (Figura 1).

 

 

Dos 53 artigos, 45 (84,9%) incluíam tratamento da malária causada por P. falciparum e 12 (22,6%) por P. vivax. Quatro deles (7,6%) tinham como objeto os dois tipos de plasmódio.

A quantificação de estudos por estados brasileiros considerou a procedência dos participantes, quando identificada e, como segunda opção, o local de realização do estudo (quando não identificada a procedência dos participantes). A realização de estudo em determinado estado não garantia que os pacientes incluídos tivessem sido infectados no mesmo local ou área próxima; muitos estudos envolveram pacientes de mais de um estado, sendo, por conseguinte, contabilizados mais de uma vez. De 1981 a 2004, foram 18 estudos envolvendo o Pará, 11 o Amazonas, 10 Rondônia, 8 Mato Grosso, 6 o Acre, 4 Goiás, 3 o Maranhão, 1 Roraima e 1 Mato Grosso do Sul. Em cinco trabalhos nem a procedência dos participantes nem o local de realização do estudo puderam ser identificados.

Artigos brasileiros contemplando fármacos e associações recomendadas no Manual de Terapêutica da Malária

Dos 53 artigos selecionados, foram excluídos os ensaios in vitro, os estudos clínicos que envolveram apenas um paciente e os que tratavam da epidemiologia da malária, totalizando 14 estudos, restando 39. Dentre eles, 13 (33%) investigaram algum tratamento previsto no protocolo oficial 16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28. A Tabela 2 mostra que dos 2 fármacos isolados e das 5 associações medicamentosas recomendadas pelo protocolo oficial, apenas 4, entre ambas as categorias, foram avaliadas em estudos nacionais.

Seis, dentre os treze estudos identificados, foram publicados antes de 2001 16,20,23,24,25,27, sendo, portanto, potenciais fontes de informação para a elaboração do Manual de Terapêutica da Malária. Cinco são trabalhos originais e um é revisão narrativa – não sistemática, e assim, não classificável (Tabela 1).

Os outros sete artigos, publicados após 2001, também foram classificados, segundo nível de evidência, para permitir comparação e prover elementos para a revisão do Manual de Terapêutica da Malária.

Vale ressaltar que estudos que subsidiassem o emprego no Brasil de esquemas envolvendo tetraciclina, clindamicina, artemeter, diidroartemisinina, amodiaquina e halofantrina não foram selecionados, uma vez que não há recomendação explícita de emprego desses esquemas no Manual de Terapêutica da Malária.

Classificação dos níveis de evidência

A classificação do nível de evidência dos cinco artigos originais anteriores a 2001 está apresentada na Tabela 3.

Pela tipologia dos estudos e baixa qualidade metodológica, três deles foram classificados como geradores de evidência nível VI, capazes apenas de sugerir condutas em relação a esquemas de tratamento para P. falciparum e P. vivax.

Um estudo de sensibilidade, randomizado e monocego, foi classificado em nível II. Não mostrou diferença significativa para cura clínica da malária por P. vivax, sendo testada a mesma associação (cloroquina + primaquina) em esquemas diferentes, em que apenas a duração do tempo de administração da primaquina variou.

Finalmente, um estudo que objetivou comparação entre esquemas terapêuticos para malária por P. vivax e por P. falciparum foi classificado como de nível III, por ser estudo aberto e não randomizado. O número de pacientes submetidos ao esquema convencional (14 dias) para P. vivax, e que alcançou cura clínica, foi similar ao que se submeteu ao tratamento com duração de três dias. No caso da investigação em P. falciparum, cloroquina + amodiaquina foi a associação que determinou maior incidência de recaídas, seguida por sulfa + pirimetamina. Quinina isoladamente não mostrou recidiva em relação à malária determinada por P. falciparum.

Os sete estudos publicados após 2001 17,18,19,21,22,26,28 estão apresentados no Tabela 4. Observou-se que o nível de evidência dos mesmos aumentou, segundo a classificação usada. Assim foram categorizados: 3 artigos de nível II, 2 de nível III e 2 de nível VI.

 

Discussão

Há, comparativamente a outras enfermidades, reduzido número de artigos brasileiros sobre malária na literatura, se forem consideradas especificamente questões relativas ao tratamento. Não foram encontrados estudos de prescrição ou dispensação. Apenas um estudo avaliou adesão, por meio de entrevistas abertas 29. Em revisão internacional, cita-se apenas este estudo brasileiro no contexto da adesão a antimaláricos 30.

O presente trabalho apontou também um baixo número de estudos brasileiros que enfocaram associações medicamentosas para tratamento de malária não complicada. Estudos contemplando fármacos ou associações não explicitamente recomendadas no Manual de Terapêutica da Malária não foram selecionados. Permanecem, contudo, dúvidas quanto aos motivos que levariam o Manual de Terapêutica da Malária a citar doses, posologia e associações possíveis de tetraciclina, clindamicina, artemeter, diidroartemisinina, amodiaquina e halofantrina como alternativas terapêuticas. Já que tais fármacos não estão incluídos nos esquemas recomendados, faz-se mister perguntar por que estariam presentes em um protocolo terapêutico. Em contrapartida, se seu emprego como alternativas terapêuticas se justifica, então a recomendação de uso deveria ser clara e direta, no molde das demais. Por meio dessa reflexão, pode-se aventar a necessidade de uma revisão de evidências farmacológico-clínicas que forneça embasamento à eventual indicação terapêutica desses fármacos.

Considerando que a maior parte dos tratamentos indicados remonta a, pelo menos, algumas décadas, seria de esperar maior acúmulo de evidências ao longo dos 25 anos cobertos pela revisão. Por outro lado, fármacos ou medicamentos considerados de uso "consagrado" ao longo do tempo são raramente desafiados em sua segurança, eficácia e efetividade por intermédio de ensaios clínicos de nível I, caros, difíceis de executar e normalmente voltados para as inovações terapêuticas 31. No caso da malária, considerada doença negligenciada justamente por não atrair o interesse dos setores voltados à inovação 32, os estudos publicados redundam em testes de novas associações de antigos fármacos, novos esquemas posológicos com associações antigas e contrastes entre diferentes associações já existentes.

Observa-se que as associações para malária por P. falciparum foram mais estudadas que para a malária por P. vivax. Dados do Sistema de Informação sobre Malária (SISMAL) mostram que malária causada por P. vivax é a mais prevalente no país; entretanto, tanto a malária por P. falciparum, que ocasiona mortalidade inegavelmente maior, quanto a resistência aos esquemas de primeira linha para ambos os tipos de malária, vem crescendo no país ao longo dos últimos anos 5. A maior parte dos estudos identificados envolveu o Pará, o Amazonas e Rondônia. A concentração de estudos brasileiros nesses Estados se justifica porque neles se concentram os casos de malária na Amazônia Legal (acima de 50% do total de casos entre os anos de 1999 e 2004) 5. Além disso, sabe-se que os maiores núcleos populacionais em regiões de malária endêmica da Amazônia estão nesses Estados.

Em relação aos 13 estudos envolvendo fármacos isolados ou associações recomendadas no Manual de Terapêutica da Malária, é importante destacar que duas associações (mefloquina + primaquina e artesunato + mefloquina) sequer foram estudadas na população brasileira. Tendo em vista a pequena quantidade de opções terapêuticas, esperar-se-ia que todas as possíveis combinações tivessem sido abordadas em pesquisa clínica.

Quanto aos níveis de evidência em que se enquadram esses estudos, chama a atenção sua baixa qualidade metodológica. Dentre todos os artigos publicados, antes e após a publicação do Manual de Terapêutica da Malária, nenhum foi classificado como de nível I. Nenhuma recomendação de grau A – que indicaria adoção obrigatória da conduta ou tratamento – pôde ser, portanto, gerada até 2005, para subsidiar a versão de 2001 ou para revisão futura.

Cinco dos 13 estudos incluídos em nível VI corresponderam a séries de casos. O número amostral dos estudos foi variável. Os desfechos incluíram aqueles de real interesse (cura, recidiva) e outros secundários (cura parasitológica, sensibilidade dos parasitas aos antimaláricos). Objetivaram, primordialmente, a comparação entre esquemas com antimaláricos ou doses ou duração de tratamentos diferentes.

Nem sempre os trabalhos explicitaram todas as condições que determinam um dado esquema de tratamento. As doses apresentadas nos estudos, por exemplo, foram calculadas em relação ao peso/idade dos pacientes, mas esses dados não foram relatados. Não foi possível, assim, discutir se as doses estudadas foram efetivamente incorporadas ao protocolo nacional.

Como tão poucas evidências, e ainda de baixa qualidade, foram produzidas no país, conforme denota a revisão, estimar-se-ia então que a adoção de evidências produzidas fora do Brasil poderia se constituir em uma opção orientadora das condutas propostas no Manual de Terapêutica da Malária, ainda que desprovida da especificidade geográfica. Teriam sido esses estudos utilizados na construção do protocolo de 2001?

Ressalta-se que a análise dos níveis de evidência dos estudos citados pelo protocolo não foi objetivo principal deste estudo. Todavia, um breve apanhado do conteúdo das referências do Manual de Terapêutica da Malária mostra que muitas delas datam das décadas de 70, 80 e 90. Serão, possivelmente, fontes consideradas clássicas na área, algumas produzidas por organizações internacionais, outras publicadas como livros texto. Além delas, o Manual de Terapêutica da Malária de 2001 apresentou citação de três de estudos realizados no Brasil 33,34,35, diferentes dos seis selecionados nesta revisão. Tais trabalhos estavam entre os 53 artigos originalmente selecionados, mas dois foram descartados por não abordar tratamento previsto no protocolo oficial 34,35 e outro por envolver apenas um paciente 33. A inclusão de referências mais recentes e de grau de recomendação estabelecido teria sido bem-vinda.

Espera-se que os estudos brasileiros posteriores a 2001 possam ser orientadores de conduta na revisão do Manual de Terapêutica da Malária, previsto para o final de 2007.

 

Colaboradores

L. F. Freitas colaborou na busca bibliográfica, elaboração da matriz de análise, análise crítica dos artigos, redação e revisão. G. C. Chaves contribuiu na elaboração da matriz de análise, análise crítica dos artigos, redação e revisão. L. Wannmacher participou na análise de níveis e evidência e graus de recomendação dos artigos, redação e revisão. C. G. S. Osorio-de-Castro colaborou na análise crítica de artigos selecionados, redação e revisão final.

 

Agradecimentos

As autoras agradecem a Rachel Magarinos-Torres, Elaine Silva Miranda e Waldylene Pagoto Oliveira pela participação na leitura e discussão crítica dos dados.

 

Referências

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Correspondência:
C. G. S. Osorio-de-Castro
Núcleo de Assistência Farmacêutica
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
Fundação Oswaldo Cruz
Av. Brasil 4036
Rio de Janeiro, RJ 21040-361, Brasil
claudia.osorio@ensp.fiocruz.br

Recebido em 22/Dez/2006
Versão final reapresentada em 08/Mar/2007
Aprovado em 22/Mai/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br