CARTAS LETTERS

 

Ocorrência de espécies de Culicoides Latreille (Diptera, Ceratopogonidae) na área metropolitana de São Luís, Maranhão, Brasil

 

Occurrence of Culicoides Latreille species (Diptera, Ceratopogonidae) in Greater Metropolitan São Luís, Maranhão State, Brazil

 

 

Vera L. L. de Barros; Robert M. Marinho; José M. M. Rebêlo

Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil

Correspondência

 

 

Os culicóides constituem um gênero de dípteros hematófagos da família Ceratopogonidae bastante diversificado, abrangendo mais de 1.200 espécies distribuídas por todos os continentes 1. No Brasil, são conhecidas 75 espécies, mas ainda são pouco estudadas, quando comparadas com outros grupos de insetos vetores, sendo poucas as Unidades Federativas com registros taxonômicos.

A importância epidemiológica dos culicóides no território brasileiro está na função que algumas espécies desempenham como vetores do vírus que causa a febre oropouche 2 e de helmintos do gênero Mansonella 3. O vírus Oropouche provavelmente infectou, de 1961 a 1996, mais de 500 mil pessoas somente na Amazônia brasileira. A infecção por esse vírus pode causar cefaléia, dor muscular, nas articulações, pode ocorrer meningite asséptica, sem óbitos e sem seqüelas 1.

No Maranhão, Brasil, os estudos sobre a composição e distribuição das espécies de culicóides são ainda incipientes. Em 1999, Silva & Rebêlo 4 publicaram uma lista de 15 espécies presentes na ilha de São Luís. Desde essa época, nenhum trabalho foi feito com o propósito de ampliar os conhecimentos sobre a composição e ecologia do grupo no estado. Neste estudo, apresentam-se novas informações sobre a freqüência de algumas espécies de culicóides na área metropolitana de São Luís.

O estudo foi realizado nos bairros urbanos do Sacavém, Cidade Olímpica e numa reserva florestal, situada na área metropolitana de São Luís, e também no povoado rural de Santana, pertencente ao Município de São José de Ribamar, todos situados na ilha de São Luís (2º32'S e 44º43'O), Estado do Maranhão, no litoral setentrional brasileiro. Os culicóides foram capturados em armadilhas luminosas do tipo CDC, alimentadas com pilhas e instaladas sobre os animais (boi, jumento, galinha e ganso), das 18 às 6 horas, de julho de 2002 a junho de 2003. Todos os exemplares capturados eram mortos em câmaras de acetato de etila e acondicionados em frascos contendo álcool a 70% para posterior transporte ao Laboratório de Entomologia e Vetores, Departamento de Patologia da Universidade Federal do Maranhão, onde eram montados e identificados, seguindo-se a proposta de Wirth & Blanton 5 e Wirth et al. 6. Todos os espécimes encontram-se depositados na coleção entomológica do Laboratório de Entomologia e Vetores.

Foram encontradas quatro espécies de culicóides, e, capturados 2.874 espécimes no Sacavém (66,8%), Santana (31,2%), Cidade Olímpica (0,9%) e reserva florestal (1,1%). A espécie mais freqüente foi C. phlebotomus (63,6%), seguida por C. paraensis (24,9%), C. leopodoi (8,4%) e C. limai (3,1%).

A maior freqüência dos culicóides no Sacavém (1.920 espécimes) demonstra o grau de adaptação deles à área urbana, pois esse bairro é um dos mais antigos de São Luís e dista do centro da cidade cerca de três quilômetros. A espécie mais freqüente nesse bairro foi C. phlebotomus (70,5%), seguida por C. paraensis (21,6%); C. leopoldoi (6,2%) e C. limai (1,7%). No povoado rural de Santana, a freqüência também foi elevada, e os 897 indivíduos capturados distribuíram-se entre C. phlebotomus (50,4%), C. paraensis (31%), C. leopodoi (13,5%) e C. limai (5,1%).

Houve uma redução na freqüência das espécies tanto na gleba florestal quanto na Cidade Olímpica, distantes do centro cerca de 3 e 13 quilômetros, respectivamente. Os 25 exemplares capturados na Cidade Olímpica distribuíram-se entre C. phlebotomus (44%), C. paraensis (36%) e C. limai (20%). Os 32 indivíduos obtidos na reserva florestal pertenciam a C. paraensis (43,7%), C. phlebotomus (34,4%) e C. limai (21,9%).

Os culicóides foram encontrados em todos os meses, favorecidos pelo clima quente e úmido da ilha, caracterizado por elevados índices de umidade e temperatura o ano inteiro. Todavia, a freqüência dos espécimes foi maior no período chuvoso (85%) do que na estiagem (15%).

Dos 2.842 exemplares capturados em iscas de animais, 39,5% foram atraídos pelo boi, os outros exemplares ficaram assim distribuídos: galinha (30,6%), jumento (26,3%) e ganso (3,6%). C. phlebotomus foi atraído principalmente pelo boi (44,6%), seguido pelas galinhas (26,4%) e jumento (24,1%); enquanto C. paraensis preferiu galinhas (43,6%) a jumento (28,6%) e boi (26,1%). Já C. leopoldoi foi mais freqüente no boi (42,5%) e jumento (28,3%); e C. limai preferiu jumento (49,4%) e boi (32,5%) à galinha (18,1%).

Das espécies encontradas a C. paraensis é a que tem sido mais estudada, não apenas pela sua aproximação ao ambiente humano, mas também pela ampla distribuição geográfica, pois ocorre da Argentina até os Estados Unidos. É incriminada como vetor da febre de oropouche urbana no Estado do Pará 2, onde pica pessoas tanto fora como dentro das casas 7. No Maranhão, foram registrados vários casos no período de dezembro de 1987 a março de 1988, num surto ocorrido, no período chuvoso, no Município de Porto Franco.

De um modo geral, pode-se concluir que as espécies deste estudo são ecléticas, pois foram atraídas por todas as iscas de animais utilizadas no estudo, mostrando a capacidade de picar mamíferos de grande porte e aves, com bastante avidez, no mesmo ecótopo. Também mostraram a capacidade de adaptar-se ao ambiente humano, rural e urbano, ocorrendo no peridomicílio, com possibilidade de invadir os domicílios para sugar sangue humano, durante o início da noite, declinando nas primeiras horas da manhã, conforme o depoimento dos moradores locais.

 

Colaboradores

V. L. L. Barros e R. M. Marinho participaram do planejamento das atividades, coleta e identificação dos culicóides, organização dos dados e revisão do manuscrito. Coube a J. M. M. Rêbelo a coleta de culicóides, análise dos dados e elaboração do artigo.

 

1. Neves DP, Melo AL, Linardi PM, Vitor RWA. Parasitologia humana. São Paulo: Editora Atheneu; 2005.

2. Pinheiro FP, Rosa APAT, Vasconcelos PFC. Febre por Oropouche. In: Leão RNQ, organizador. Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Belém: Editora Cejup; 1997. p. 285-98.

3. Nathan MB. Transmission of the human filarial parasite Mansonella ozzardi by Culicoides phlebotomus (Williston) (Diptera: Ceratopogonidae) in coastal north Trinidad. Bull Entomol Res 1981; 71:97-105.

4. Silva SS, Rebêlo JMM. Espécies de culicóides Latreille (Diptera, Ceratopogonidae) de São Luís, Maranhão, Brasil. Bol Mus Para Emilio Goeldi, Zool 1999; 15:169-79.

5. Wirth WW, Blanton FS. A review of the maruins or biting midges of the genus Culicoides (Diptera: Ceratopogonidae) in the Amazon Basin. Amazoniana 1973; 4:405-70.

6. Wirth WW, Dyce AL, Espinelli GR. An atlas on wing photographs, with a summary of the numerical characters of the neotropical species of Culicoides (Diptera: Ceratopogonidae). Contributions of the American Entomological Institute 1988; 25:1-72.

7. Hoch AL, Roberts DR, Pinheiro FP. Host-seeking behavior and seasonal abundance of Culicoides paraensis (Diptera: Ceratopogonidae) in Brazil. J Am Mosq Control Assoc 1990; 6:110-4.

 

 

Correspondência:
J. M. M. Rebêlo
Departamento de Biologia
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
Universidade Federal do Maranhão
Praça Madre Deus 2
São Luís MA 65025-560, Brasil
macariorebelo@uol.com.br

Recebido em 10/Ago/2006
Versão final reapresentada em 30/Jul/2007
Aprovado em 07/Ago/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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