REVISÃO REVIEW

 

Consumo de cafeína entre gestantes e a prevalência do baixo peso ao nascer e da prematuridade: uma revisão sistemática

 

Caffeine consumption during pregnancy and prevalence of low birth weight and prematurity: a systematic review

 

 

Alice Helena de Resende Nóra PachecoI; Nathália Silva Raposo BarreirosI; Iná S. SantosII; Gilberto KacI

IInstituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Realizou-se revisão sistemática sobre o consumo de cafeína em gestantes na ocorrência de baixo peso ao nascer e prematuridade, enfocando métodos para quantificação deste consumo e confundimentos controlados na análise. A revisão consistiu na busca de artigos publicados de 1996 a 2006 nas bases MEDLINE, LILACS e PubMed, utilizando-se as palavras-chave: "caffeine", "coffee", "low birth weight", "birth weight", "preterm", "premature" e "prematurity". Dez artigos foram selecionados. Os métodos utilizados para quantificar o consumo de cafeína foram: questionário de freqüência alimentar semiquantitativo – da dieta ou apenas de produtos cafeinados, sendo um do tipo auto-aplicado; recordatório alimentar; perguntas sobre tipo e modo de preparo; análise de amostras; e dosagens urinária e plasmática. Em três estudos revisados, o consumo elevado de cafeína associou-se com baixo peso ao nascer e/ou prematuridade. Contradições nos achados devem-se a dificuldades na mensuração do consumo de cafeína; às fontes abordadas; a variações no preparo e na quantidade consumida; e ao tamanho amostral. Não foi demonstrada associação entre ingestão moderada de cafeína e crescimento fetal, sendo necessária uma avaliação mais precisa do consumo dessa substância.

Cafeína; Gravidez; Recém-Nascido de Baixo Peso; Prematuridade


ABSTRACT

This article reports on a systematic review of studies on caffeine intake during pregnancy and prevalence of low birth weight and prematurity, focusing on methods to quantify intake and control for confounding. The review consisted of an article search from 1996 to 2006 in MEDLINE, LILACS, and PubMed, using the key words: "caffeine", "coffee", "low birth weight", "birth weight", "preterm", "premature", and "prematurity". Ten articles were selected. Methods used to quantify caffeine consumption were: semi-quantitative food frequency questionnaires for diet or only caffeinated products, including one self-applied questionnaire; food recall; questions on type and method of preparation; analysis of samples; and urine and plasma caffeine levels. In three studies, high caffeine consumption was associated with low birth weight and/or prematurity. Contradictions between studies may be due to difficulties in measuring caffeine consumption; assessment of different caffeine sources; variations in the mode of preparation and amount consumed; and sample size. Association between moderate caffeine consumption and fetal growth was not demonstrated, so a more precise measurement of caffeine intake is necessary.

Caffeine; Pregnancy; Low Birth Weight Infant; Prematurity


 

 

Introdução

A cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é um alcalóide farmacologicamente ativo 1 que atua como estimulante do sistema nervoso central 2 e está presente em uma grande quantidade de alimentos (cerca de 60 espécies de plantas, no mundo, contêm compostos do tipo metilxantina), como café, guaraná, refrigerantes à base de cola, cacau, chocolate, chás e também nos remédios do tipo analgésicos, medicamentos contra gripe e inibidores de apetite 1,2.

Esse alcalóide é o estimulante mais comum atualmente, é barato e facilmente encontrado, o que contribui para seu elevado consumo. No que diz respeito às gestantes, freqüentemente, ocorre aversão aos produtos cafeinados, particularmente ao café, no primeiro trimestre de gestação, levando à interrupção ou redução do consumo de cafeína ao longo da gravidez 3,4.

Desde os anos 70, alguns estudos têm sugerido associação entre o consumo materno de cafeína e desfechos fetais, tais como: redução do crescimento fetal, prematuridade, restrição de crescimento intra-uterino, baixo peso ao nascer, aborto espontâneo e malformações, levando à recomendação para diminuição do consumo de cafeína no período gestacional 5,6,7,8,9.

Em 1980, baseada em resultados de estudos com ratas grávidas, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, aconselhou as mulheres grávidas a evitarem cafeína em sua dieta; embora, naquele momento, as implicações para a saúde humana fossem desconhecidas 10.

Desde então, mais estudos foram feitos para determinar os efeitos da cafeína no feto. Mais recentemente, a FDA aconselhou as mulheres grávidas a evitarem, sempre que possível, alimentos e drogas contendo cafeína ou, pelo menos, manterem, durante a gravidez, o consumo abaixo de 200mg/dia. Outros pesquisadores definem o limite de consumo para gestantes em 300mg diários 11.

Uma vez que a prevalência de exposição à cafeína é relativamente presente durante a gestação 12 e que o baixo peso ao nascer e a prematuridade estão associados à maior morbi-mortalidade infantis, a influência da cafeína sobre o crescimento fetal é vista como uma importante questão de Saúde Pública 4.

Assim, esta revisão tem como objetivo investigar estudos sobre o consumo de cafeína em gestantes e seus possíveis efeitos na ocorrência de baixo peso ao nascer e na prematuridade. Serão discutidas questões metodológicas sobre quantificação do consumo de cafeína e influência das potenciais variáveis de confundimento.

 

Métodos

O método adotado foi o de revisão sistemática da literatura, consistindo na busca retrospectiva de artigos científicos, neste caso, sobre a associação entre o consumo de cafeína na gestação e os desfechos: baixo peso ao nascer e prematuridade. Para tal, foram utilizadas as bases de dados bibliográficos MEDLINE e LILACS (http://bases.bvs.br, acessado em 11/Nov/2005) e PubMed (http://www.pubmed.com, acessado em 06/Dez/2005) e selecionados apenas os estudos publicados no período de janeiro de 1996 a janeiro de 2006.

O período escolhido para as publicações nesta revisão foi limitado em dez anos pelo fato de já existirem revisões 13,14,15,16,17 abrangendo períodos maiores de tempo: 1966 a 1995, 1974 a 1996, 1966 a 2000, 1974 a 2001 e 1977 a 2003. Assim, optou-se por incluir apenas os artigos mais recentes sobre o tema.

Na estratégia de busca foram utilizadas as seguintes palavras-chave: "caffeine" and "coffee" para definir a exposição, "low birth weight", "birth weight", "preterm", "premature" and "prematurity" para os desfechos. Outra estratégia foi a busca manual em listas de referências dos artigos identificados e selecionados pela busca eletrônica.

Foram considerados critérios de inclusão os estudos com desenhos do tipo coorte, caso-controle e transversal que tenham sido publicados em português, inglês ou espanhol, sendo excluídos estudos nos demais idiomas.

A busca bibliográfica, segundo a estratégia estabelecida, resultou em 1.728 artigos, sendo 1.067 na base PubMed e 661 nas bases MEDLINE e LILACS. Desses artigos, 113 abordavam especificamente o tema e o período em questão; no entanto, foram excluídos: as revisões de literatura (5), os estudos repetidos nas diferentes bases de dados (70), os repetidos quando as palavras-chave foram variadas (25), e os que não foram encontrados na íntegra (3). Ao final, foram selecionados dez artigos para esta revisão.

Os estudos selecionados foram avaliados em relação aos seguintes aspectos: país de origem, idioma, tipo de desenho, duração do estudo, idade média das participantes, tamanho da amostra analisada e perdas; posteriormente, fontes de cafeína incluídas no estudo, consumo médio referido ou medido, métodos adotados para quantificar tal consumo, quantidade de cafeína considerada de risco e quantidade nas fontes avaliadas; e finalmente, período da gestação em que o consumo foi avaliado, número de vezes que tal consumo foi medido, os desfechos abordados, os principais resultados, os estimadores adotados e as variáveis de confundimento controladas na análise.

Segundo diversos autores 4,16,18,19,20, a relação do consumo de cafeína com os desfechos abordados sofre influência do emprego de metodologias de baixa qualidade, as quais, por não conseguirem quantificar o consumo ideal da substância, geram resultados pouco confiáveis. Destarte, o enfoque principal do presente estudo foi no modo de medir o consumo de cafeína, bem como nos confundimentos que poderiam influenciar os resultados finais.

Os artigos selecionados foram avaliados e pontuados conforme os critérios metodológicos propostos por Downs & Black 21, aplicáveis ao delineamento dos artigos para avaliação da qualidade dos mesmos. Tais critérios avaliam a qualidade da informação, a validade interna (vieses e confundimentos), o poder do estudo e também a validade externa. É composto, originalmente, por 31 itens; no entanto, utilizou-se, no presente artigo, a versão composta por 27 itens, da qual, os itens relacionados a estudos experimentais foram excluídos. Assim, ao final, foram avaliados 19 itens, pontuando, no máximo, 20 pontos.

Os artigos foram avaliados quanto aos seguintes aspectos: (1) hipóteses ou objetivos; (2) principais desfechos; (3) características dos pacientes incluídos; (4) distribuição das principais variáveis de confusão em cada grupo de sujeitos a ser comparado; (5) principais achados; (6) informação sobre estimativas da variabilidade aleatória nos dados para os principais desfechos; (7) informação sobre características das perdas; (8) informação sobre valores de probabilidade para os principais desfechos; (9) representatividade dos indivíduos convidados a participar do estudo; (10) representatividade dos indivíduos incluídos no estudo; (11) caso os resultados não tenham sido baseados em hipóteses estabelecidas a priori, se isto foi deixado claro; (12) se, em ensaios clínicos e estudos de coorte, a análise ajustou para diferentes durações de acompanhamento, ou, se em estudos de casos e controles o tempo entre a intervenção e o desfecho foi o mesmo para casos e controles; (13) se os testes estatísticos utilizados para medir os principais desfechos foram apropriados; (14) se as medidas utilizadas para os principais desfechos foram acuradas; (15) se os pacientes em diferentes grupos foram recrutados na mesma população; (16) se os pacientes nos diferentes grupos foram recrutados no mesmo período de tempo; (17) se a análise incluiu ajuste adequado para as principais variáveis de confusão; (18) se foram consideradas as perdas de pacientes durante o acompanhamento; (19) se o estudo tinha poder suficiente para detectar um efeito importante, com um nível de significância de 5%.

 

Resultados

As revisões anteriormente conduzidas apresentaram conclusões divergentes. Santos et al. 13 realizaram uma meta-análise (1966 a 1995) evidenciando inconsistência quantitativa dos estudos na estimativa do efeito do consumo de cafeína sobre o peso ao nascer e a idade gestacional. Fernandes et al. 14 fizeram também uma meta-análise (1974 a 1996) e observaram aumento, estatisticamente significativo, nos riscos de aborto espontâneo e de baixo peso ao nascer entre gestantes que consumiam mais que 150mg/dia de cafeína.

Em 2002, Santos 15 investigou estudos de 1966 a 2000 que sugeriram um possível efeito da cafeína sobre o baixo peso ao nascer, enquanto a idade gestacional não foi associada. Tal efeito, na maioria dos estudos que compuseram a revisão, foi estatisticamente significativo. No mesmo ano, Leviton & Cowan 16 publicaram uma revisão (1974 a 2001) concluindo não haver evidência convincente de que o consumo de cafeína aumentasse o risco de baixo peso ao nascer, prematuridade, aborto espontâneo e anomalias congênitas.

Por fim, Souza & Sichieri 17 revisaram estudos de 1977 a 2003 apontando que, apesar dos achados serem inconclusivos, era fundamental alertar as gestantes sobre o risco do elevado consumo de cafeína na gravidez. A despeito dos achados, todas as revisões foram unânimes em afirmar a necessidade de mais estudos que contemplem aspectos metodológicos, tais como: tamanho suficiente da amostra, aferição adequada da exposição e controle das potenciais variáveis de confusão.

Atendendo aos objetivos e aos critérios de inclusão pré-definidos, foram selecionados dez artigos para compor a presente revisão. Quanto ao idioma, dois estudos eram em língua portuguesa 22,23 e oito em língua inglesa 8,19,20,24,25,26,27,28 (dado não apresentado em tabela). Quatro artigos apresentaram desenho do tipo caso-controle, três eram transversais e três de coorte (Tabela 1).

Entre os dez artigos analisados, um abordou como fonte de cafeína somente o mate – erva típica da América do Sul, muito consumida no Sul e Sudeste do Brasil e produzida pela Argentina, Brasil e Paraguai 25, enquanto os dois estudos mais completos incluíram quase todas as fontes de cafeína, desde café (cafeinado e descafeinado), passando por chá, refrigerantes, mate, cacau, chocolate, até medicamentos 19,26. Os métodos utilizados para quantificar o consumo desses produtos e, conseqüentemente, da cafeína foram: questionário de freqüência alimentar semiquantitativo – da dieta 23 ou apenas de produtos cafeinados 19,20,22,24,25,26,27,28, sendo um do tipo auto-aplicado 27; recordatório alimentar 8; perguntas acerca do tipo e do modo de preparo 19,20,26; análise de amostras das bebidas 19; e dosagens da cafeína urinária e plasmática 20,24 (Tabela 2).

Em relação ao consumo de cafeína na população avaliada, um artigo não o relatou 22, enquanto cinco encontraram um consumo médio de cafeína menor que 150mg/dia 8,19,20,23,25, sendo este sempre maior entre os casos quando em estudos do tipo caso-controle. A quantidade de cafeína considerada de risco para a ocorrência dos desfechos estudados variou de &gt 100mg/dia 23 a > 4.000mg/semana (± 571mg/dia) 24, e o valor mínimo confirmado como risco foi &gt 71mg/dia 8.

Assim, para efeito de comparação, as informações sobre quantidade de cafeína nas fontes avaliadas foram padronizadas utilizando-se as seguintes medidas: 100ml, quando líquido; e 1g e 30g, quando chocolate em pó e chocolate em barra, respectivamente. Observaram-se as seguintes variações no teor médio de cafeína para cada um dos produtos: 20 a 152,86mg/100ml para o café; 17 a 33,89mg/100ml para o mate; 10 a 13,43mg/100ml para refrigerantes e/ou bebidas à base de cola; 18,89 a 30mg/100ml para chá; 9 a 20mg/30g para chocolate; 0,6 a 2mg/g para chocolate em pó ou achocolatado e 50 a 100mg/comprimido no caso de medicamentos. Dois artigos não relataram quantidades de cafeína em miligramas, mas apenas volume e freqüência de consumo em xícaras ou copos 27,28 (Tabela 2).

No que diz respeito aos principais resultados e estimadores adotados, três artigos 8,24,27 encontraram associação entre consumo de cafeína e baixo peso ao nascer e/ou prematuridade. Cook et al. 24 dividiram o consumo médio por grupo de semanas, encontrando associação do consumo de cafeína medido por questionário, mas não da concentração de cafeína no sangue, com baixo peso ao nascer em fumantes. Em 1997, Vlajinac et al. 8 encontraram redução no peso ao nascer em crianças nascidas de mães não-fumantes associada a um consumo médio de cafeína &gt 71mg/dia. E, os resultados de Eskenazi et al. 27 mostraram redução na média de peso ao nascer para consumo de café cafeinado e aumento para café descafeinado em gramas/xícara/semana. Também observaram um aumento do risco de parto prematuro para consumidoras de ambos os tipos de café, em comparação às consumidoras apenas do cafeinado (Tabela 3).

Quanto ao momento em que a exposição foi aferida, seis estudos 8,19,22,23,25,28 iniciaram a avaliação do consumo de cafeína logo após o parto até, no máximo, as primeiras 72 horas após o mesmo; tais estudos avaliaram retrospectivamente e apenas uma vez a exposição. Somente um estudo iniciou a aferição da exposição no primeiro trimestre e, depois, novamente entre a 32ª e a 34ª semanas de gestação 26.

De acordo com o critério proposto por Downs & Black 21, o escore médio atribuído aos artigos selecionados foi de 16,8, sendo 20 pontos o valor máximo atingido e 15, o mínimo. Por esse escore, destacaram-se seis artigos: um com 20 pontos 19, dois com 18 pontos cada 25,26 e três com 17 8,27,28 (Tabela 3).

Ainda segundo a avaliação pelo escore de Downs & Black 21, nota-se a fragilidade das publicações sobre os temas nos seguintes itens avaliados: sete artigos foram incapazes de determinar o poder do estudo; três artigos atenderam, parcialmente, as informações a respeito das variáveis de confusão, enquanto dois não descreveram a distribuição destas principais variáveis; dois artigos não informaram sobre as características das perdas, e três não especificaram os valores de probabilidade para os principais desfechos. Com relação à validade externa, os artigos em sua maioria foram representativos e passíveis de generalização, contudo, quatro foram incapazes de determinar a representatividade dos indivíduos convidados a participar do estudo e, cinco, a dos incluídos no estudo. Quanto à validade interna, quatro estudos foram incapazes de determinar se a análise ajustou para diferentes durações de acompanhamento ou se o tempo entre a intervenção e o desfecho foi o mesmo para casos e controles.

 

Discussão

Os estudos acerca do consumo de cafeína e sua influência em desfechos da saúde reprodutiva, seja esta materna ou fetal, vêm crescendo e melhorando do ponto de vista metodológico, sobretudo na última década. Contudo, esse fato não significa que resultados positivos e comprobatórios da associação entre consumo de cafeína e desfechos reprodutivos têm sido encontrados e colocado em risco a ingestão da substância. Pelo contrário, de acordo com as mais recentes pesquisas, não há razão para limitar ou mesmo interromper o consumo de cafeína durante a gestação.

Os resultados da maioria dos estudos revisados reforçam tal ponto de vista 19,20,22,23, a saber: Bracken et al. 20 afirmam que o consumo moderado de cafeína não influencia o crescimento fetal, porém destacam que grandes quantidades (&gt 600mg) devem ser evitadas; enquanto que, para Bicalho & Barros Filho 22, mesmo em doses acima de 300mg, a ingestão de cafeína não parece estar associada ao baixo peso ao nascer, considerando-se precipitada a diminuição do consumo da substância. Já para Souza & Sichieri 23, a ingestão elevada de cafeína é rara e, tendo em vista o padrão de consumo que observaram, não julgaram necessário difundir o não-consumo da substância em gestantes brasileiras. Assim também, segundo achados de Santos et al. 19, a completa proibição do consumo de cafeína durante a gestação não parece recomendada.

Por outro lado, entre os três estudos 8,24,27 que mostraram associação, Cook et al. 24 consideraram recomendável que mulheres fumantes reduzissem o consumo de cafeína durante a gestação, bem como abandonassem o hábito de fumar, visto que seus achados demonstraram associação negativa da ingestão de cafeína com o peso ao nascer, possivelmente, apenas em mulheres fumantes. Contrários a esse estudo, Vlajinac et al. 8 observaram tal associação apenas em crianças nascidas de mães não-fumantes, sugerindo que o efeito do fumo seria, provavelmente, maior que o da cafeína e, dessa forma, "anularia" o efeito desta nas mulheres fumantes. Também encontrando associação, Eskenazi et al. 27, sugeriram que o aumento no risco de parto prematuro para consumidoras tanto do café descafeinado quanto do cafeinado era devido a outros componentes do café que não a cafeína. Cabe ressaltar que duas dessas pesquisas eram do tipo transversal 8,27, não sendo este desenho de estudo o mais apropriado para inferir causalidade.

No estudo de Souza & Sichieri 23, o consumo foi aferido por meio de questionário de freqüência semiquantitativo previamente validado, o que minimizou importantes erros, possíveis vieses e ajustou o questionário à população investigada. Os resultados não mostraram risco de prematuridade com o consumo de cafeína. Contudo, não foram investigadas todas as fontes de cafeína e nem consideradas variações quanto ao preparo. Em estudo realizado por Santos et al. 25, analisou-se apenas o consumo de mate, bebida freqüentemente consumida na região, e tal consumo não foi associado a risco aumentado de prematuridade.

Assim, percebe-se que alguns estudos que abordam o assunto são limitados pela falta de informação acerca das várias fontes de cafeína; uns avaliam somente o café 5,29,30,31 e outros apenas o mate 25. Medir somente o consumo de café pode contribuir para a falta de resultados positivos quando a cafeína é a real exposição de interesse.

Ademais, muitos dos estudos que aplicaram questionário para quantificar o consumo de cafeína não consideraram fatores importantes, tais como: viés de memória, sobretudo quanto às informações de consumo coletadas retrospectivamente 8,19,22,23,25,28; forma de preparo; quantidade de cafeína nas fontes avaliadas, o tipo e a marca dos produtos 8,22,23,24,25,28. Além disso, um questionário foi do tipo auto-aplicado 27, o que pôde gerar viés na estimativa de associação por falta de entendimento das questões e de precisão nas respostas pelos entrevistados.

É possível também que as diferenças encontradas entre os estudos sejam atribuídas, em parte, às variações entre as populações no preparo do café. Camargo & Toledo 18, avaliando a quantidade de cafeína nos diferentes tipos de café normalmente consumidos pela população brasileira, observaram grande variabilidade no teor da substância, conforme a quantidade de pó utilizada, o tipo de café e a forma de preparo. Bracken et al. 20 observaram variação até quando a mesma pessoa fervia o café ou o chá em condições aparentemente idênticas e no mesmo dia.

Os países latinos e a Itália têm tradicionalmente o hábito de tomar café mais concentrado, com maior teor de cafeína, enquanto que os americanos preferem o café bem mais diluído. Logo, é evidente a importância de saber a quantidade de cafeína nas preparações consumidas nos países de origem dos estudos e as diferenças no modo de preparo, a fim de que os resultados possam ser generalizados para outras populações.

Alguns estudos relatam que o consumo médio de cafeína permanece o mesmo durante a gestação 7,32,33; no entanto, outros consideram importante que tal ingestão seja avaliada no terceiro trimestre gestacional, visto que o consumo neste período parece ser o mais relevante para analisar a ocorrência de parto prematuro 34.

A prematuridade e o baixo peso ao nascer são os fatores mais importantes na determinação da mortalidade neonatal 35 e podem ser influenciados por diversos outros fatores, dentre estes, a idade materna. Sendo assim, uma limitação metodológica de alguns desses estudos foi a inclusão de mulheres na faixa etária de risco, isto é, com idades inferior a 18 anos e maior que 35 20,22,23,25,26,27,28. Contudo, tal problema foi sanado com o ajuste da análise para o efeito da idade na maioria dessas publicações 20,26,27,28.

Bicalho & Barros Filho 22 mostraram que a ingestão de cafeína não foi associada à restrição do crescimento intra-uterino, ocorrência de baixo peso ao nascer, nem à duração da gestação e ressaltaram o problema do tamanho amostral, sobretudo a quantidade de pessoas com consumo elevado da substância, visto que menos de 19% da amostra informaram grande ingestão de cafeína (> 300mg/dia), podendo isto explicar a ausência de associação entre tal consumo e os desfechos analisados.

Na coorte realizada por Clausson et al. 26, o consumo médio de cafeína foi dividido entre fumantes (326mg/dia), não-fumantes (155mg/dia) e fumantes passivos (164mg/dia), mostrando que o consumo de cafeína é maior entre as mulheres fumantes. Vlajinac et al. 8 encontraram redução no peso ao nascer em crianças nascidas de mães não-fumantes associada a um consumo médio de cafeína &gt 71mg/dia, sendo esse o estudo que encontrou associação com a menor quantidade de cafeína consumida.

Percebe-se que, na literatura, ainda há dúvidas se o consumo habitual de cafeína pode causar conseqüências deletérias na reprodução humana, repercutindo em desfechos como baixo peso ao nascer e prematuridade 3,12,19,36,37,38. O mecanismo pelo qual a cafeína parece influenciar o crescimento fetal ainda não está definido 39, e mais, não é claro se a cafeína teria efeito independente do fumo e do álcool 40.

As razões para tais dúvidas e contradições incluem: seleção e tamanho da amostra; desenho do estudo; tempo de avaliação do consumo; ocorrências durante a gestação, tais como doenças ou outras que afetem a ingestão de cafeína; falta de um grupo de não-expostos para comparação; controle inadequado dos confundimentos, tais como o fumo e o consumo de álcool 9; e dificuldades na mensuração do consumo de cafeína por meio de questionário 23.

Apesar de alguns estudos serem limitados do ponto de vista metodológico, outros foram bem detalhados 19,20,26, coletaram informação de medicação contendo cafeína 19,26, os confundimentos foram controlados por análise multivariada 8,19,20,22,24,25,262,7,28 e os níveis corporais de cafeína (sangüíneo ou urinário) foram medidos 20,24. A atenção a esses critérios metodológicos rendeu aos estudos citados elevada pontuação pelo escore de Downs & Black 21.

Contudo, persistem limitações metodológicas na literatura disponível: a aferição detalhada e adequada da exposição, abordando todas as fontes de cafeína; o controle das variáveis de confundimento nas análises e a estimativa do poder do estudo. Logo, há a necessidade de mais estudos que se preocupem com essas limitações e tenham poder suficiente para detectar tais associações e inferir causalidade. Assim, será possível determinar se o consumo de cafeína influencia o perfeito desenvolvimento e crescimento fetais.

 

Colaboradores

A. H. R. N. Pacheco participou de todas as etapas do estudo, desde o planejamento, levantamento bibliográfico, pontuação pelo escore Downs & Black, análise dos resultados e elaboração final do artigo. N. S. R. Barreiros contribuiu no levantamento bibliográfico, pontuação pelo escore Downs & Black e análise dos resultados. I. S. Santos colaborou na revisão metodológica e na revisão final do artigo. G. Kac participou do planejamento, orientação e revisão do artigo.

 

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

 

Referências

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Correspondência:
G. Kac
Departamento de Nutrição Social e Aplicada
Instituto de Nutrição Josué de Castro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Av. Brigadeiro Trompowski s/n, CCS – Bloco J
Rio de Janeiro, RJ 21941-590, Brasil
kacetal@gmail.com

Recebido em 09/Fev/2007
Versão final reapresentada em 14/Mai/2007
Aprovado em 28/Mai/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br