RESENHAS BOOK REVIEWS

 

Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: passos para o pluralismo na saúde

 

 

Nelson Filice de BarrosI; Pâmela SiegelII; Carmen De SimoniIII

IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil. nelfel@uol.com.br
IIFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IIIMinistério da Saúde, Brasília, Brasil

 

 

POLÍTICA NACIONAL DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NO SUS – PNPIC-SUS. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. 92 pp.

ISBN: 85-334-1208-8

A noção de pluralismo foi originalmente desenvolvida na Ciência Política, com o fim de defender o princípio de que cidadãos socialmente iguais, em direitos e deveres, podem ser diferentes, em percepções e necessidades. No campo da saúde este preceito ainda sofre grande resistência, no entanto em maio de 2006, com a publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC-SUS, o Ministério da Saúde deu mais um passo para a expansão da pluralidade na saúde brasileira.

Neste livro de 92 páginas, de acesso irrestrito e disponível na página eletrônica do Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde (DAB/SAS/MS; http://dtr2004.saude.gov.br/dab/publicacoes.php), é possível identificar que o desenvolvimento da PNPIC no SUS é um aprofundamento do cuidado em saúde, em busca da integralidade da atenção, acesso a serviços e exercício da cidadania. Também, é possível compreender que várias práticas complementares têm sido desenvolvidas na rede pública estadual e municipal de saúde de diferentes estados brasileiros, de forma desigual e descontinuada devido à ausência de diretrizes específicas.

No Brasil, a legitimação e institucionalização das práticas complementares teve início nos anos de 1980, principalmente, após a descentralização, participação popular e crescimento da autonomia municipal, promovidos pelo SUS. Em 1985 foi celebrado o primeiro ato de institucionalização da Homeopatia na rede pública de saúde e desta data até a publicação da PNPIC muitos atos foram registrados. No entanto, um marco nesse processo foi a produção do diagnóstico nacional da oferta de práticas complementares no SUS e a criação de grupos de trabalho multiinstitucionais, para tratar da Homeopatia, Medicina Tradicional Chinesa-Acupuntura, Medicina Antroposófica e Plantas Medicinais e Fitoterapia.

 

Conhecer a realidade para propor

No período de março a junho de 2004 o DAB/SAS/MS enviou um questionário (disponível para consulta no anexo do livro) aos 5.560 gestores municipais e estaduais de saúde brasileiros. Retornaram 1.340 questionários, levando à conclusão de que em 232 municípios, dentre estes 19 capitais, em 26 estados, disponibilizam algum tipo de práticas complementares em seus serviços públicos de saúde.

Os resultados completos do diagnóstico estão disponíveis no Capítulo 3 do livro e dele destacamos: (i) que as práticas complementares mais freqüentes no SUS são Reiki, Lian Gong, Fitoterapia, Homeopatia e Acupuntura; (ii) que as práticas complementares são ofertadas preferencialmente na Atenção Básica – Saúde da Família; (iii) que a capacitação dos profissionais é desenvolvida principalmente nos próprios serviços de saúde; (iv) que apenas 9,6% dos medicamentos homeopáticos e 35,5% dos fitoterápicos são distribuídos por farmácias públicas; e (v) que apenas 6% do total de municípios e estados dispõem de Lei ou Ato Institucional criando serviços de práticas complementares.

 

A proposta

Os marcos teóricos para a construção da PNPIC-SUS são vários, mas destacam-se o documento da Organização Mundial da Saúde, publicado em 2002 com o título Traditional Medicine Strategy 2002-2005 1, e o trabalho seminal de Luz 2, sobre as racionalidades médicas.

No livro, encontram-se os objetivos e as diretrizes para cada uma das práticas em processo de inserção ou expansão. É preciso que se registre que desde 1999 foi introduzida no Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS a consulta médica em Homeopatia e em Acupuntura, de forma que a PNPIC atenderá a lógica de dispositivo de expansão e de inserção em diferentes municípios brasileiros.

Em relação aos objetivos da PNPIC para o SUS, foram enfatizados: (i) a prevenção de agravos e a promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde; (ii) a contribuição ao aumento da resolubilidade e a ampliação do acesso, garantindo qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso; (iii) a promoção e racionalização das ações de saúde; (iv) o estímulo das ações de controle/participação social, promovendo o envolvimento responsável e continuado dos usuários, gestores e trabalhadores da saúde.

No que diz respeito às diretrizes da PNPIC, foram nomeadas 11 principais, com o fim de definir estratégias de inserção, gestão e avaliação das práticas complementares no SUS, quais sejam: 1. estruturação e fortalecimento da atenção; 2. desenvolvimento de qualificação para profissionais; 3. divulgação e informação de evidências para profissionais, gestores e usuários; 4. estímulo às ações intersetoriais; 5. fortalecimento da participação social; 6. acesso a medicamentos; 7. acesso a insumos; 8. incentivo à pesquisa sobre eficiência, eficácia, efetividade e segurança; 9. desenvolvimento de acompanhamento e avaliação; 10. cooperação nacional e internacional; 11. monitoramento da qualidade.

O último conjunto de informações do livro é sobre as responsabilidades institucionais dos diferentes níveis de gestão do SUS. Em comum, prevê-se para todos os gestores responsabilidades, como: elaborar normas técnicas para inserção da PNPIC na rede de saúde; definir recursos orçamentários e financeiros para a implementação da PNPIC; promover articulação intersetorial para a efetivação da Política; implementar a educação permanente em consonância com a realidade loco regional; estabelecer instrumentos e indicadores para o acompanhamento e avaliação da Política; acompanhar e coordenar a assistência farmacêutica com plantas medicinais, fitoterápicos e medicamentos homeopáticos; exercer vigilância sanitária e incentivar estudos de farmacovigilância e farmacoepidemiologia; apresentar e aprovar proposta de inclusão da PNPIC nos Conselhos de Saúde.

 

As implicações da proposta

Este livro tem um caráter formativo fundamental, pois, além de aprofundar conhecimentos específicos sobre Homeopatia, Medicina Tradicional Chinesa-Acupuntura, Fitoterapia e Crenoterapia, conduz o leitor pelo processo de construção social de uma política de saúde no Brasil. Por um lado, apresenta o histórico dos atos formais relativos às práticas complementares, por outro, deixa ver o processo de passagem de movimento social à política nacional. Assim, mostra: como os grupos de trabalho foram organizados; como as diferentes propostas foram sendo formatadas, com o fim de compor um único documento; como ocorreu a aprovação parcial, com recomendações de alterações e inclusão do Termalismo Social/Crenoterapia, em dezembro de 2005, até alcançar a aprovação final e a publicação da Portaria Ministerial nº. 971, em 3 de maio de 2006.

Ao leitor, ao findar o livro, cabe o exercício crítico, uma vez que não se trata de uma obra analítica. Do nosso ponto de vista, as implicações da proposta são de ordem nacional e internacional. Internamente, trata-se de mais um exercício de democracia, suporte à pluralidade e respeito ao usuário, na medida em que veicula informações claras, precisas e atuais, referentes aos tipos de terapias e racionalidade disponíveis para o cuidado. Internacionalmente, a PNPIC-SUS traz implicações que reforçam a visão de que o sistema público de saúde brasileiro, modelo mundial em relação a várias ações, segue competente na defesa da construção de um "paradigma prudente para uma vida decente".

 

1. World Health Organization. Traditional medicine strategy 2002-2005. Geneva: World Health Organization; 2002.

2. Luz MT. Racionalidades médicas e terapêuticas alternativas. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1996. (Série Estudos em Saúde Coletiva, 62).

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br