RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Carlos E. A. Coimbra Jr.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. coimbra@ensp.fiocruz.br

 

 

THE BIOARCHAELOGY OF TUBERCULOSIS: A GLOBAL VIEW ON A REEMERGING DISEASE. Roberts CA, Buikstra JE. Gainesville: University Press of Florida; 2003. 343 pp.

ISBN: 0-8130-2643-1.

A tuberculose constitui uma das mais antigas doenças infecciosas endêmicas da humanidade. Lesões ósseas em esqueletos encontrados em sítios arqueológicos no vale do Rio Nilo, Norte da África, datados de aproximadamente cinco mil anos, são provas incontestes da antigüidade da doença. Ao longo dos milênios, as mais diferentes sociedades, sob o peso de tamanho flagelo, procuraram desenvolver explicações que lhe dessem algum sentido, assim como formas de tratamento e prevenção.

Em que pesem os avanços da biomedicina, que dispõe de técnicas diagnósticas altamente sensíveis e específicas para detectar o bacilo de Koch, além de poderoso arsenal quimioterapêutico, a tuberculose, dentre as causas infecciosas, continua liderando as estatísticas mundiais de mortalidade. Do ponto de vista sócio-epidemiológico, acomete principalmente grupos socialmente vulneráveis, fazendo-se fortemente presente naquelas comunidades ou grupos sociais marcados pela pobreza e exclusão.

The Bioarchaelogy of Tuberculosis: A Global View on a Reemerging Disease, de autoria de duas renomadas bioantropólogas – Charlotte A. Roberts & Jane E. Buikstra –, é uma preciosa contribuição aos que desejam se atualizar acerca das múltiplas facetas da história, da antropologia e da epidemiologia social da tuberculose. No esforço de lançar luzes sobre o passado da doença, em particular sobre como acometia as populações humanas séculos atrás, as autoras procuraram sumarizar os conhecimentos contemporâneos sobre a doença. Diante disso, há desequilíbrios internos significativos no livro, com o passado, no qual reside a expertise das autoras, recebendo um tratamento mais pormenorizado e concatenado do que o presente.

O livro é dividido em seis capítulos. Os dois primeiros compõem um bloco dedicado à revisão acerca da etiopatogenia, clínica e epidemiologia da tuberculose. A despeito da louvável intenção das autoras em escrever uma revisão que pudesse ser útil principalmente aos leitores menos familiarizados com os aspectos biomédicos da tuberculose (arqueólogos e antropólogos), o resultado é frágil e, acredito, os interessados estarão mais bem servidos se consultarem diretamente um livro-texto de medicina. Há afirmações que não se sustentam à luz dos conhecimentos médicos e microbiológicos contemporâneos. Em algumas seções do capítulo 1, como, por exemplo, quando discorrem sobre a clínica e história natural da doença, as autoras nem sempre são claras. A discussão sobre tuberculose primária e seu prognóstico é confusa e carece de fundamentação em referências mais correntes. Ainda no campo da clínica, a longa lista de "sintomas da tuberculose" apresentada a partir da página 20 mereceria maiores considerações. Por um lado, por se tratarem de sintomas inespecíficos e, portanto, passíveis de estarem associados a muitas outras doenças infecciosas, não podem ser considerados patognomônicos (ou seja, definidores) da tuberculose. Por outro lado, a expressão de tantos possíveis sintomas é função de muitas variáveis intervenientes (idade do paciente, estado nutricional etc.), fazendo-se necessária maior discussão para evitar uma tipologização (que não existe no mundo real) da doença. A tuberculose é uma doença desafiadora e, do ponto de vista de seus sinais e sintomas, pode se apresentar diferentemente, não raro surpreendendo o especialista. Outro ponto frágil do livro é a discussão sobre "constituição física" e tuberculose (p. 52-4). As autoras remontam a Hipócrates e logo saltam para um conjunto de literatura que sugere associação entre tipo físico e tuberculose produzida em meados do século XIX que, no máximo, tem algum interesse histórico. A seção não é bem desenvolvida à luz dos conhecimentos gerados pela moderna epidemiologia da tuberculose. Poderia ter sido melhor não inclui-la no livro.

Os capítulos três e quatro constituem o cerne do livro, quando as autoras abordam a paleopatologia da tuberculose. Tratam da história da doença no Velho e no Novo Mundo, respectivamente, e sistematizam cuidadosamente as evidências bioarqueológicas da tuberculose nos diversos continentes e regiões. De particular interesse é a discussão sobre a(s) possível(eis) origem(ns) da tuberculose na América, na qual são apresentadas criticamente as evidências osteológicas e biomoleculares da presença da doença principalmente na região andina, além de no sudoeste e meio-oeste norte-americano.

Vale destacar que o mapa das Américas no qual estão assinalados os sítios arqueológicos para os quais há evidências de tuberculose na Pré-História (p. 191) coloca o Brasil em destaque. Não pela presença, mas sim pela ausência de quaisquer registros. Isso apesar de alguns dos sítios arqueológicos americanos mais antigos que se conhecem estarem situados no país. Nesse ponto, restam ao leitor dois caminhos: aceitar (por falta de outras evidências) a tese mais corrente, ou seja, a que propõe a ausência da tuberculose na região até a chegada dos europeus, ou atribuir tal lacuna de informação à ainda pouco representativa pesquisa brasileira no campo da paleopatologia, sobretudo aquela veiculada internacionalmente. A primeira opção é fundamentada na visão segundo a qual as terras baixas sul-americanas teriam sido povoadas por sociedades predominantemente caçadoras e coletoras, cujas populações não atingiriam densidades suficientes para sustentar a transmissão em níveis endêmicos de uma doença como a tuberculose (curiosamente não se faz menção à sofisticada literatura arqueológica que emerge sobre a região, em especial a Bacia Amazônica, que demonstra a existência de sociedades relativamente complexas e com densidades demográficas consideráveis nas várzeas).

As evidências paleopatológicas de tuberculose na Pré-história são cuidadosamente apresentadas por Roberts & Buikstra, seguidas de detalhada revisão dos principais casos, em sua maioria caracterizados por acometimento da coluna vertebral. A discussão sobre a possível origem zoonótica da tuberculose humana é particularmente interessante, não deixando de considerar o potencial dos camelídeos sul-americanos (lhamas e alpacas) na disseminação da doença na região andina. As autoras também discutem criticamente as contribuições recentes da biologia molecular, aplicadas principalmente na elucidação de alguns casos sugestivos de tuberculose óssea em remanescentes humanos das Américas.

O capítulo 5 é dedicado à história do diagnóstico e tratamento da tuberculose. As autoras iniciam seu relato pelo período clássico greco-romano e, rapidamente, movem para o final do século XIX, dando grande ênfase aos sanatórios e seus esquemas de tratamento centrados na combinação de "ar livre" e alimentação. Nesse ponto, concentram sua revisão na Europa e Estados Unidos, nada dizendo acerca da presença do modelo do sanatório também em outras regiões do mundo, principalmente em ex-colônias européias. Essa seção também mereceria um maior detalhamento acerca do potencial e limites da estrutura dos programas de controle da tuberculose no mundo (calcados em princípios amplamente difundidos pela Organização Mundial da Saúde), assim como dos desafios ao sucesso da quimioterapia.

Por fim, o capítulo 6 sumariza os principais marcos da história da tuberculose na humanidade detalhados nos capítulos anteriores e discute sua permanência (e até mesmo expansão) na atualidade. Nas palavras das autoras, "...apesar de, em anos recentes, [a tuberculose] ter experimentado um declínio, é inconteste que a doença permanecerá entre nós por um longo tempo" (p. 272).

Roberts & Buikstra oferecem ao leitor um livro denso, cujo maior valor reside na excelência da revisão dos aspectos bioarqueológicos e paleopatológicos da tuberculose. Também merecem menção especial a extensa bibliografia, com aproximadamente oito centenas de referências, o glossário de termos técnicos (certamente útil para o leitor iniciante) e o índice remissivo. Trata-se, portanto, de uma obra importante de ser lida por todos aqueles interessados na história das doenças contagiosas. O valor do livro transcende a seara da bioantropologia e da arqueologia, tornando-se particularmente útil para médicos e epidemiologistas que, certamente, beneficiar-se-ão de uma visão histórica acerca da emergência e permanência da tuberculose nas sociedades humanas.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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