ARTIGO ARTICLE

 

Fatores associados ao índice de cessação do hábito de fumar em duas diferentes populações adultas (Projetos Bambuí e Belo Horizonte)

 

Factors associated with smoking cessation in two different adult populations (Bambuí and Belo Horizonte Projects)

 

 

Sérgio Viana PeixotoI, II; Josélia Oliveira Araújo FirmoI; Maria Fernanda Lima-CostaI, II

INúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi verificar o índice de cessação do tabagismo e os fatores associados ao mesmo. O estudo foi conduzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte e na cidade de Bambuí, em Minas Gerais, Brasil. Participaram, respectivamente, 13.261 e 1.018 adultos (> 20 anos) selecionados aleatoriamente entre os residentes das áreas de estudo. O índice de cessação do tabagismo foi igual a 40,6% (IC95%: 39,1-42,3) na Região Metropolitana de Belo Horizonte e 38,8% (IC95%: 34,4-43,1) em Bambuí. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, associações independentes e positivas com esse índice foram observadas para idade (> 40 anos), escolaridade (4-7 e > 8 anos de estudo), número de condições crônicas (> 2) e número de consultas médicas no último ano (1-3 e > 4); associação negativa foi observada para estado civil (não casados). Em Bambuí, foi observada associação independente e positiva com idade (> 40 anos) e negativa com número de hospitalizações no último ano (> 2). A heterogeneidade dos fatores associados à interrupção do tabagismo dificulta a identificação de grupos vulneráveis, visando estratégias de prevenção. São necessários novos estudos para um melhor entendimento dessa heterogeneidade.

Tabagismo; Abandono do Hábito de Fumar; Nível de Saúde


ABSTRACT

The aim of this study was to verify smoking cessation rates and associated factors. The study was performed in Greater Metropolitan Belo Horizonte and the town of Bambuí, both in the State of Minas Gerais, Brazil. Study participants included 13,261 and 1,018 adults (> 20 years), respectively, randomly selected among residents of each area. The smoking cessation rate was 40.6% (95%CI: 39.1-42.3) in Greater Metropolitan Belo Horizonte and 38.8% (95%CI: 34.4-43.1) in Bambuí. In Greater Metropolitan Belo Horizonte, smoking cessation showed an independent and positive association with age (> 40 years), schooling (4-7 and > 8 years), number of chronic conditions (> 2), and number of medical visits in the previous year (1-3 and > 4), and a negative association with marital status (unmarried). Bambuí showed an independent and positive association with age (> 40 years) and a negative association with number of hospitalizations in the previous year (> 2). The heterogeneity of factors associated with smoking cessation made it difficult to identify vulnerable groups in order to target prevention strategies. Further research is important to elucidate this heterogeneity.

Smoking; Smoking Cessation; Health Status


 

 

Introdução

O tabagismo é a principal causa de morte evitável em todo mundo, sendo responsável atualmente por 4 milhões de óbitos anuais. Em 2030, este número pode chegar a 10 milhões, sendo que 70% destes óbitos deverão ocorrer nos países em desenvolvimento 1. Além da mortalidade, o hábito de fumar está associado com o desenvolvimento de diversas doenças e condições crônicas, principalmente com neoplasias 2,3,4, doenças do aparelho respiratório 5 e doenças cardiovasculares 6,7.

No Brasil, segundo os dados de um inquérito domiciliar realizado em 15 capitais e no Distrito Federal em 2002 e 2003, a prevalência de fumantes regulares na população com 15 ou mais anos de idade varia entre 12,9%, em Aracajú (Sergipe), e 25,2% em Porto Alegre (Rio Grande do Sul) 8. Em algumas capitais (Belo Horizonte – Minas Gerais, Curitiba – Paraná e Florianópolis – Santa Catarina, por exemplo), essa prevalência é semelhante à observada entre adultos norte-americanos (21,6%) 9.

Os benefícios da interrupção do hábito de fumar estão bem estabelecidos. Os ex-fumantes apresentam uma redução do risco de morte e conseqüente aumento da expectativa de vida, além de redução do risco de câncer, sobretudo de pulmão, de doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral, e de doenças pulmonares crônicas 10,11.

O índice de cessação do tabagismo é um dos indicadores mais utilizados para expressar a interrupção do hábito de fumar em uma dada população. Esse índice corresponde ao percentual de ex-fumantes entre aqueles que já fumaram alguma vez na vida (fumantes atuais e ex-fumantes). Em inquéritos realizados na população maior de 15 anos da Espanha, o índice de cessação do tabagismo foi igual a 32,4% na Catalunha 12, e a 40,1% na capital desta província espanhola 13. Nos Estados Unidos, o índice de cessação do hábito de fumar para a população adulta foi igual a 50,3% 9. Entre coreanos que vivem na Califórnia observou-se um índice um pouco mais elevado (55%) entre os maiores de 18 anos 14. No Brasil, os dados do inquérito domiciliar, anteriormente mencionado, mostraram que este índice variou entre 44 e 58,3% nas capitais pesquisadas 8.

O conhecimento das características associadas à interrupção do hábito de fumar é importante para subsidiar programas de controle do tabagismo. Essa informação permite identificar grupos na população com maior e menor probabilidade de deixar de fumar. Apesar da sua relevância, os fatores associados à cessação do hábito de fumar ainda são desconhecidos em países em desenvolvimento. Estudos de base populacional conduzidos em países desenvolvidos têm mostrado que a cessação do tabagismo é maior nos indivíduos mais velhos, naqueles com renda mais alta e naqueles com escolaridade mais elevada 15,16,17. Por outro lado, sexo, estado civil e indicadores da condição de saúde apresentam-se associados à cessação desse hábito em alguns estudos, mas não em todos 12,15,18,19.

O objetivo do presente trabalho foi determinar o índice de cessação do tabagismo em duas diferentes populações adultas: uma residente em uma grande área metropolitana (Belo Horizonte) e outra residente em uma pequena cidade do interior do Estado de Minas Gerais (Bambuí). Um objetivo adicional do estudo foi examinar os fatores sócio-demográficos, condições de saúde auto-referidas e uso de serviços de saúde associados à cessação do tabagismo nessas populações.

 

Metodologia

Áreas estudadas

Belo Horizonte é a capital do Estado de Minas Gerais, situada na Região Sudeste do Brasil. A Região Metropolitana de Belo Horizonte é constituída por 24 municípios, sendo a terceira maior Região Metropolitana brasileira em tamanho da população (4,4 milhões de habitantes) e produção econômica. Em 2000, o índice de desenvolvimento humano (IDH) do Município de Belo Horizonte era igual a 0,839, a esperança de vida ao nascer era de 70,5 anos e a taxa de mortalidade infantil (TMI) igual a 27,3 por mil. As principais causas de morte na população adulta da Região Metropolitana de Belo Horizonte eram as doenças cerebrovasculares (CID-10: I60-I69) 20, doenças isquêmicas do coração (CID-10: I20-I25) 20 e agressões (CID-10: X85-Y09) 20, com taxas de mortalidade iguais a 79, 62 e 36 por 100 mil, respectivamente 21.

O Município de Bambuí situa-se a 215km da Região Metropolitana de Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, em uma área caracterizada por economia agrícola. Este município possui cerca de 20 mil habitantes, 81% dos quais vivendo na cidade de Bambuí. Em 2000, o IDH neste município era igual a 0,788, a esperança de vida ao nascer era igual a 73,6 anos e a TMI era igual a 18,7 por mil. As principais causas de óbito na população adulta deste município eram doença de Chagas (CID-10: B57) 20, doenças cerebrovasculares (CID-10: I60-I69) 20, e doenças isquêmicas do coração (CID-10: I20-I25) 20, com taxas de mortalidade iguais a 115, 102 e 61 por 100 mil, respectivamente 21.

Populações estudadas

O inquérito de saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte foi realizado entre maio e julho de 2003. A amostra para este inquérito foi delineada para produzir estimativas da população adulta não institucionalizada com dez ou mais anos de idade, residente nos municípios que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Trata-se de uma amostra probabilística em conglomerados, estratificada em dois estágios, sendo o setor censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a unidade primária de seleção e o domicílio, a unidade amostral. As perdas estimadas para o cálculo amostral foram de 20%. Dos 7.500 domicílios selecionados para este inquérito, 5.922 (79%) participaram da entrevista e foram incluídos no presente estudo. A distribuição por sexo e idade dos participantes deste inquérito de saúde foi muito semelhante àquela observada para a população total da Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo o censo demográfico de 2000 22. Os 13.701 residentes com vinte anos ou mais foram selecionados para o presente trabalho. Maiores detalhes podem ser vistos em outra publicação 22.

Para a realização do inquérito de saúde de Bambuí, foi feito um censo completo na cidade em 1994 para identificação dos participantes. Foi selecionada uma amostra aleatória simples de 1.664 residentes maiores de cinco anos de idade. Os participantes do estudo foram semelhantes à população total de Bambuí, avaliada pelo censo, em relação à faixa etária, sexo, número de residentes no domicílio, estado civil, renda familiar e escolaridade. Todos os 1.161 indivíduos com vinte anos de idade ou mais foram selecionados para o presente trabalho. Maiores detalhes podem ser vistos em publicação anterior 23.

Variáveis do estudo

A variável dependente deste estudo foi o hábito de fumar, utilizando-se a seguinte classificação: (1) não fumantes (aqueles que não fumaram ou fumaram menos de 100 cigarros durante toda a vida); (2) ex-fumantes (aqueles que já fumaram pelo menos 100 cigarros durante a vida, mas haviam parado de fumar); e (3) fumantes atuais (aqueles que já fumaram 100 ou mais cigarros durante a vida e continuavam fumando). Foi adotado o índice de cessação do tabagismo, obtido por meio da razão entre o número de ex-fumantes e o número de fumantes atuais e passados: índice de cessação = ex-fumantes/(ex-fumantes + fumantes atuais).

As variáveis independentes deste estudo foram escolhidas considerando a importância epidemiológica 12,15,16,17,18,19 para a cessação do tabagismo e a compatibilização dos dois bancos de dados utilizados. Foram incluídas: (a) características sócio-demográficas (idade, sexo, estado civil e anos completos de escolaridade); (b) condições auto-referidas de saúde (auto-avaliação da saúde e número de condições crônicas, obtido a partir da história de diagnóstico médico para hipertensão arterial, artrite, angina, infarto e diabetes); (c) uso de serviços de saúde (consultas médicas e hospitalizações nos últimos 12 meses, excluindo-se internações por parto). Maiores detalhes podem ser vistos em outras publicações 22,23.

As informações para ambos os inquéritos foram obtidas por meio de entrevistas, realizadas na residência do participante. Tanto no inquérito da Região Metropolitana de Belo Horizonte quanto no inquérito de Bambuí utilizou-se um respondente próximo quando havia impossibilidade de responder à entrevista devido a déficit cognitivo ou a algum problema de saúde. No primeiro inquérito, utilizou-se também outro respondente quando o indivíduo estava fora de casa. Desta forma, a proporção de entrevistas respondidas por um próximo foi maior no primeiro (28,1%) do que no segundo (0,9%) inquérito.

Análise dos dados

Para a análise dos dados referentes à Região Metropolitana de Belo Horizonte utilizou-se o procedimento para inquéritos populacionais do programa Stata versão 7.0 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos), que considera o peso do indivíduo na amostra. O inquérito de Bambuí incluiu uma amostra aleatória simples dos moradores da cidade, não sendo necessário a utilização de tal procedimento, uma vez que todos participaram com o mesmo peso.

A análise foi baseada na regressão logística univariada e multivariada, considerando o valor p do teste de Wald e o odds ratio (OR), e respectivo intervalo de confiança (IC95%). Foram incluídas no modelo inicial todas as variáveis que apresentaram associação com a variável dependente em nível de significância inferior a 0,20 na análise univariada. As variáveis eram então retiradas do modelo, iniciando por aquelas que apresentavam maior nível de significância. Aquelas que permaneceram associadas à interrupção do hábito de fumar em nível de significância inferior a 0,05 foram mantidas no modelo final. O uso de respondente próximo e o sexo foram considerados a priori variáveis de confusão no estudo e, portanto, incluídas no modelo logístico.

Todas as análises deste trabalho foram realizadas separadamente para cada inquérito, utilizando-se o programa Stata versão 7.0.

 

Resultados

A amostra para este trabalho incluiu 13.261 residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte e 1.018 residentes na cidade de Bambuí. A distribuição por sexo foi semelhante nos dois inquéritos (46,2 e 44,2% eram homens, respectivamente), assim como a média da idade (40,4 e 42,7 anos, respectivamente).

Entre os residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 20,2% eram fumantes atuais, 13,8% eram ex-fumantes e 66% nunca haviam fumado regularmente. Os resultados correspondentes para Bambuí foram 29,2%, 18,5% e 52,3%. Os indivíduos que jamais haviam fumado regularmente não foram incluídos nas análises subseqüentes.

A Figura 1 mostra a distribuição do índice de cessação do tabagismo, segundo faixa etária e local de residência. Em ambos os inquéritos observa-se um aumento desse índice com o aumento da idade. Entre os residentes com setenta anos ou mais de idade, esse índice foi superior na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em comparação com a população de Bambuí.

Na Tabela 1 está apresentado o índice de cessação do tabagismo na Região Metropolitana de Belo Horizonte e em Bambuí, segundo algumas características sócio-demográficas. Esse índice foi semelhante nas duas populações, sendo igual a 40,6% (IC95%: 39,1-42,3) na Região Metropolitana de Belo Horizonte e 38,8% (IC95%: 34,4-43,1) em Bambuí. Tanto na Região Metropolitana de Belo Horizonte quanto em Bambuí, faixa etária apresentou associação significativa (p < 0,05) com o índice de cessação do tabagismo na análise univariada. Observou-se ainda uma associação significativa entre estado civil e índice de cessação do tabagismo na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A distribuição do índice de cessação do tabagismo na Região Metropolitana de Belo Horizonte e em Bambuí, segundo indicadores da condição de saúde e uso de serviços de saúde está apresentada na Tabela 2. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte todos os indicadores investigados estavam significativamente associados a esse índice, ao passo que em Bambuí associação significativa foi observada apenas para número de condições crônicas.

Os resultados finais da análise multivariada mostram uma composição diferente de fatores associados ao índice de cessação do tabagismo nas duas populações (Tabela 3). Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, associações positivas foram observadas para faixa etária (maiores de quarenta anos), escolaridade (4-7 e 8 ou mais anos de estudo), relato de condições crônicas (duas ou mais) e realização de consultas médicas no último ano (1-3 e 4 ou mais); associação negativa foi observada para estado civil (não casados). Em Bambuí, foi observada associação positiva para idade (maiores de quarenta anos) e negativa para número de hospitalizações no último ano (duas ou mais).

 

Discussão

Os resultados deste trabalho mostram que o índice de cessação do hábito de fumar foi semelhante nas duas populações estudadas. Este índice foi também semelhante ao observado em estudo conduzido na cidade espanhola de Barcelona (40%) 13, mas inferior ao índice de cessação observado na população adulta norte-americana (50%) 9 e em algumas capitais brasileiras (44 a 58%) 8.

A idade foi a única característica consistentemente associada ao índice de cessação do tabagismo nas duas populações estudadas, confirmando observações de outros estudos 12,24. O aumento do índice de cessação do tabagismo com a idade pode ser atribuído aos seguintes fatores: (1) por ser uma medida acumulativa, a probabilidade de indivíduos mais velhos reportarem a interrupção do hábito de fumar é maior do que entre os mais jovens 12; (2) o hábito de fumar reduz com a idade como conseqüência de problemas de saúde e/ou devido a preocupações com a mesma 14,25; e (3) viés de sobrevivência, devido à maior sobrevida dos ex-fumantes, em comparação aos indivíduos que permanecem fumando 10,11,26.

Estudos têm mostrado que o índice de cessação do tabagismo é maior entre pessoas com maior escolaridade 19,24,27 e entre os indivíduos casados 12,24. De uma maneira geral, acredita-se que aqueles com menor escolaridade tenham maior dificuldade para parar de fumar devido a baixa motivação e falta de recursos 28. Em relação ao estado civil, o maior índice de cessação observado entre os indivíduos casados reflete maior suporte social deste grupo, favorecendo a interrupção do hábito de fumar 15,29,30. No presente trabalho, observou-se maior índice de cessação do tabagismo entre aqueles com maior escolaridade e entre os casados residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entretanto, essas associações não foram observadas em Bambuí.

Estudos conduzidos em diferentes países têm mostrado que não existe homogeneidade nos indicadores de condição de saúde e uso de serviços de saúde associados ao índice de cessação do hábito de fumar. Nos Estados Unidos e no Japão foram observadas associações entre o índice de cessação do tabagismo e ocorrência de hospitalizações 25,30, de doença coronariana 30,31, história de diabetes 17 e de hipertensão 31. Por outro lado, em alguns estudos desenvolvidos na Europa esses fatores não apresentaram associação com a cessação do tabagismo 12,19,27. Os resultados observados nas duas populações adultas investigadas neste estudo confirmam esta heterogeneidade observada em outros países. De uma maneira geral, os resultados do presente estudo apontam para piores condições de saúde e maior número de consultas médicas entre pessoas que pararam de fumar na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esses resultados favorecem a hipótese de que a cessação do tabagismo nesta população pode ser devido a piores condições de saúde dos indivíduos. Os resultados de um estudo qualitativo desenvolvido entre homens coreanos que vivem nos Estados Unidos reforçam esta hipótese. Este estudo mostrou que a percepção do risco deste hábito para a saúde do indivíduo exerce papel importante na mudança de comportamento em relação ao tabagismo 32.

Por outro lado, em Bambuí observou-se que o maior número de hospitalizações (duas ou mais) apresentou associação negativa e independente com o índice de cessação do tabagismo, indicando que os indivíduos que mantêm o hábito de fumar apresentaram maior chance de relatar duas ou mais internações no último ano. Resultados semelhantes foram observados em outros países, mostrando que a probabilidade de internação entre os ex-fumantes é menor do que aquela observada entre os fumantes atuais 33,34. No presente estudo, este efeito pode ser conseqüência de menores cuidados, na atenção primária, às doenças relacionadas ao tabaco, na população de Bambuí. Essa hipótese é reforçada pelo fato de, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde não houve associação entre hospitalizações e índice de cessação do tabagismo, o número de consultas médicas ser maior que a média nacional 22. É possível que esse uso diferenciado tenha influenciado as hospitalizações devido ao tabagismo. Esses resultados apontam para a necessidade de realização de outros estudos para melhor compreensão do impacto das condições de saúde e dos serviços de saúde na cessação do hábito de fumar na população.

A principal limitação deste trabalho relaciona-se ao fato de ser um estudo transversal, que não permite estabelecer relação temporal entre a cessação do tabagismo e as variáveis exploratórias pesquisadas. Outro fato relacionado ao delineamento do estudo, e que deve ser considerado na interpretação dos resultados, é a possibilidade de viés de sobrevivência. Este viés é importante, sobretudo na população idosa, uma vez que a probabilidade de morte precoce entre fumantes é mais alta do que entre não fumantes 35,36, o que pode ter reduzido as forças das associações observadas. Em relação às variáveis exploratórias, o presente trabalho não incluiu o número diário de cigarros fumados e a idade de início do hábito de fumar, uma vez que essas informações não existiam no inquérito da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esses fatores têm sido descritos como associados à cessação do tabagismo em alguns estudos 12,15,16,19, mas não em todos 24,27. Um estudo recente mostrou que a inclusão dessas variáveis altera a força das associações entre a interrupção do hábito de fumar e algumas características sócio-demográficas, mas não modifica a direção dessas associações 37.

Os resultados deste trabalho mostram que, apesar da semelhança no índice de cessação do tabagismo nas duas populações estudadas, os fatores associados a esse índice apresentaram importantes diferenças. Enquanto na Região Metropolitana de Belo Horizonte diversos fatores estiveram associados à interrupção do hábito de fumar (idade, estado civil, escolaridade, número de condições crônicas e realização de consultas médicas), em Bambuí somente idade e hospitalizações apresentaram associações independentes com esse índice, confirmando observações anteriores da heterogeneidade desses fatores em diferentes populações. A heterogeneidade dos fatores associados à interrupção do tabagismo em diferentes populações torna mais difícil a identificação de grupos vulneráveis, visando estratégias de prevenção. São necessários novos estudos para um melhor entendimento dessa heterogeneidade.

 

Colaboradores

S. V. Peixoto realizou a análise dos dados, a interpretação dos resultados e a redação do manuscrito. J. O. A. Firmo coordenou o trabalho de campo de Bambuí, participou da discussão dos resultados e revisão do texto. M. F. Lima-Costa orientou o trabalho, participando da discussão dos resultados, redação e revisão do texto final.

 

Agradecimentos

À Financiadora de Estudos e Projetos (processo nº. 6694009-00), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processo nº. 520337/96-4) e Projeto Vigisus (Ministério da Saúde).

 

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Correspondência
S. V. Peixoto
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento
Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Augusto de Lima 1715
Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil
sergio@cpqrr.fiocruz.br

Recebido em 06/Fev/2006
Versão final reapresentada em 21/Nov/2006
Aprovado em 20/Dez/2006

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br