RESENHAS BOOK REVIEW
Eduardo R. Pina
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. edupina@ensp.fiocruz.br
EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA EDUCACIONAL: INTERFACES COM O CAMPO DA SAÚDE. Monteiro S, Vargas E, organizadoras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. 252 pp.
ISBN: 85-7541-087-3
No Brasil, as críticas ao modelo tradicional de educação em saúde, herdadas das ciências biomédicas, têm apontado para uma visão simplista dos problemas de saúde pública. O caráter muitas vezes superficial e/ou autoritário das ações educativas em saúde tem incitado a busca de novas práticas e de uma problematização que contribuam para reconhecer as diversas vozes envolvidas na produção e consumo de materiais educativos no campo da saúde pública.
A obra Educação, Comunicação e Tecnologia Educacional: Interfaces com o Campo da Saúde, organizada por Simone Monteiro & Eliane Vargas, situa-se nessa linha de pensamento, problematizando diversos aspectos das tecnologias educacionais produzidas frente às demandas da saúde e em especial da AIDS. Reúne o trabalho de 11 autoras que realizam estudos voltados à produção, utilização e avaliação do uso de tecnologias educacionais em saúde pública.
O livro destina-se a todas as pessoas interessadas em aprofundar o tema educação em saúde. São textos de fácil apreensão e que contêm importantes reflexões para se compreender o fenômeno das tecnologias educacionais aplicadas nessa área.
A estrutura do livro apresenta-se dividida em duas partes: a primeira contém seis capítulos distintos escritos por diversos autores e percorre diversos aspectos das tecnologias educacionais com o objetivo de promoção à saúde. A segunda parte descreve e, em seguida analisa grande parte da produção nacional de materiais educativos voltados à saúde.
Para abrir a primeira parte do livro, o capítulo Desenvolvimento e Uso de Tecnologias Educacionais no Contexto da AIDS e da Saúde Reprodutiva: Reflexões e Perspectivas, desenvolvido por Simone Monteiro, Eliane Vargas & Marly Cruz, observa a utilização de materiais educativos no campo da saúde, por meio de uma revisão bibliográfica e do levantamento de materiais sobre DST/HIV/AIDS e de temas ligados a essa área. Propõe o desenvolvimento de uma visão crítica do contexto de produção e utilização desses materiais contribuindo, assim, para uma leitura que tenha como compromisso principal refletir e levantar conceitos que possam se tornar relevantes para a compreensão do fenômeno de comunicação/educação em saúde.
Na seqüência, o texto de Inesita Araújo, Materiais Educativos e a Produção de Sentidos na Intervenção Social, apresenta um estudo de recepção de diversas mídias em um público rural, avalia a maneira como este material é percebido e indica a necessidade dos produtores destes materiais reverem os processos de intervenção. Assim sendo, a percepção de que todo o enunciado traz em seu interior uma diversidade de vozes e discursos que influenciam direta ou indiretamente o autor, implica considerar que o receptor tem peso direto na forma final do discurso.
No terceiro texto, Tecnologia Educacional na Área da Saúde: A Produção de Materiais Audiovisuais no Nutes/UFRJ, a autora Vera Helena Siqueira mostra a importância da multidisciplinaridade e da transdisciplinaridade na construção coletiva dos vídeos e de outros materiais educativos produzidos pelo Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em um primeiro momento o texto aborda os diversos momentos da instituição que contribuíram para o seu fortalecimento na área da tecnologia educacional voltada para a saúde. A autora lembra ainda, o caráter pioneiro do NUTES que tem como prática a integração do conteúdo, a técnica e a contextualização político-social, com a finalidade de incorporar e problematizar a utilização destas tecnologias na construção de cidadãos críticos e capazes de transformar a sua realidade.
Estamos imersos no mundo das imagens e da sedução por meio dos apelos da mídia. Dessa forma, podemos dizer que as mensagens visuais, produzidas por diferentes tecnologias, oferecem múltiplas visões de mundo, traduzindo as mesmas em termos visuais. Entretanto, essa tradução seja por qualquer meio, não é inocente. Essas imagens não são janelas transparentes para o mundo. Elas interpretam o mundo e o dispõe de forma muito particular. No capítulo Experiências de Desenvolvimento e Avaliação de Materiais Educativos sobre Saúde: Abordagens Sócio-históricas e Contribuições da Antropologia Visual, as representações de leishmaniose nos vídeos educativos são analisadas por Denise Pimenta, Anita Leandro & Virgínia Schall por meio de referenciais do cinema e da antropologia visual. O texto faz uma revisão dos estudos desenvolvidos no Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e no Laboratório de Saúde e Educação do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR). Assinalam para a importância da promoção do diálogo entre as diversas áreas envolvidas na produção desses materiais para se desenvolver uma visão crítica e, assim, estabelecer novas formas de comunicar. Na última parte do texto, são analisados catorze vídeos educativos, tendo como fio norteador a importância de se compreender a educação em saúde mediada pelas imagens.
Ainda no contexto de diagnóstico de imagens, o quinto capítulo da primeira parte aborda temas como: sexualidade, saúde da mulher, doenças sexualmente transmissíveis, trabalho doméstico e outros. Essas questões constituem uma problemática de enorme complexidade, uma vez que a utilização de medidas de prevenção que visam à saúde da mulher implica um significante componente afetivo-emocional que envolve atitudes relacionadas às práticas do exercício da sexualidade.
Em Videoteca da Mulher. Mas Afinal, Vídeos para Quem?, Clarice Peixoto utiliza a análise fílmica e a antropologia para suscitar o debate sobre questões que possam servir de aporte para projetos educativos/preventivos. Indica, por meio dos 14 vídeos produzidos por organizações não-governamentais, que o material interessa mais aos profissionais que utilizam essa mídia do que ao público ao qual se destina as mensagens.
Os sujeitos em sua trajetória histórica elegem distintas possibilidades de leitura do mundo em que vivem, concebendo símbolos e formas de linguagem pelas quais decifram o mundo e nele se posicionam. Levando-se em conta a diversidade cultural e uma maior participação dos sujeitos nos processos educativos, o último capítulo da primeira parte desenvolvido por Miriam Struchiner e Taís Giannella: Novas Tecnologias de Informação e Comunicação na Formação de Recursos Humanos em Saúde aborda o tema tecnologias de informação e comunicação na formação continuada de recursos humanos em saúde, e aponta para a necessidade de se constituir uma visão diferenciada sobre a tecnologia e sua aplicabilidade. Observa a diversidade em torno da questão tecnológica propondo uma maior participação dos atores sociais no processo de desenvolvimento social.
Na segunda parte da obra: Banco de Materiais: Desenvolvimento e Estímulo a Novas Pesquisas, Eliane Vargas & Simone Monteiro apresentam e analisam o Banco de Materiais do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do IOC, relacionando os materiais que compõem o banco. Vale salientar a importância do resgate e compilação desse material (745 folders/folhetos, 334 manuais e 17 jogos produzidos por diversas organizações), com a finalidade de disponibilizar aos pesquisadores, profissionais da educação e da saúde, entre outros, uma importante fonte de consulta, até então caracterizada pela sua dispersão.
Dessa forma, esse interessante estudo possibilita compreender novas abordagens das tecnologias educacionais, voltadas à modificação do sujeito. A educação entendida como libertadora pressupõe a transformação do sujeito a partir de sua interação com o conhecimento, todavia, é preciso que o indivíduo se reconheça na mensagem para interagir com ela.
O reconhecimento da importância das ações de saúde para a vida humana não pode justificar a tendência de subordinação das atividades educativas e comunicacionais à racionalidade técnica, ou seja, a forma pelo conteúdo. As ações em saúde são parte de uma realidade, bem mais complexa, onde se acredita haver outras dimensões a serem consideradas e valorizadas.
O livro nos ajuda a refletir o quanto necessitamos levar em consideração o estado motivacional do indivíduo, seus sentimentos em relação à vida, seus interesses sócio-culturais para, assim, instigar nele o desenvolvimento de uma postura consciente e ativa para que encontre equilíbrio diante das recomendações quanto aos seus hábitos e atitudes de vida. Mostra a necessidade de perceber o conhecimento muito mais como um processo do que um produto. Assim, formar cidadãos não somente qualificados para o trabalho, mas principalmente aptos a refletir e produzir novos conhecimentos acerca de suas práticas. Isso significa constituir profissionais que estejam aptos a exercer suas funções de modo ético, sempre conscientes das implicações sociais de suas ações.
A dificuldade de comunicação no trabalho em saúde é um dos principais e atuais problemas de gestão nos serviços, e impacta diretamente na saúde da população.
Precisamos perceber saúde como um conceito ampliado e não apenas como ausência de doença.
Perceber mensagem em saúde como um processo dialético, onde o binômio emissor/receptor possa interagir continuamente.
Perceber educação como um processo permanente e ativo dos sujeitos do e no processo.
Perceber por fim, que a complementaridade inerente a todos esses temas educação, comunicação e saúde pode resultar em um trabalho em saúde mais eficaz, eficiente e ético.
Essa obra vem ao encontro desses anseios, nos mostrando caminhos e possibilidades de um melhor caminhar. Ampliando os horizontes de quem trabalha com educação em saúde e atuando como um facilitador do processo de criar, utilizar e praticar as diferentes tecnologias educacionais disponíveis.