ARTIGO ARTICLE
Estudo dos determinantes clínicos e epidemiológicos das concentrações de sódio e potássio no colostro de nutrizes hipertensas e normotensas
Clinical and epidemiological determinants of sodium and potassium levels in the colostrum of nursing mothers with and without hypertension in Brazil
Marília Alfenas de Oliveira SírioI; Marcelo Eustáquio SilvaII; Heberth de PaulaII; Maria Cristina PassosII; Antônio Otávio de Souza SobrinhoII
ISociedade Beneficente São Camilo, Hospital Monsenhor Horta, Mariana, Brasil
IIEscola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Brasil
RESUMO
O objetivo do presente trabalho foi avaliar se a hipertensão arterial e outras variáveis clínicas e epidemiológicos influenciam as concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas de nutrizes. Para tal, contou-se com a participação de 105 nutrizes, sendo 72 (68,6%) normotensas e 33 (31,4%) hipertensas. Coletou-se uma única amostra de colostro de 48 horas de cada nutriz, no período da manhã. As amostras foram analisadas em fotômetro de chama para determinação das concentrações de sódio e potássio. Quando se testaram as associações das concentrações de sódio e potássio com as variáveis: idade, paridade, história familiar de hipertensão, idade gestacional, peso do recém-nascido e fatores socioeconômicos, encontrou-se associação significativa da idade das nutrizes com a concentração de potássio no colostro. As médias das concentrações de sódio e potássio no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas não apresentaram diferenças significativas. Portanto, a prática de aleitamento materno por nutrizes hipertensas provavelmente não aumenta o risco de seus filhos desenvolverem a hipertensão arterial na idade adulta.
Colostro; Hipertensão; Sódio; Potássio
ABSTRACT
This study aimed to determine whether maternal hypertension and other clinical and epidemiological determinants have an impact on sodium and potassium levels in the 48-hour colostrum of breastfeeding mothers. The study included 105 randomly selected breastfeeding mothers, of whom 72 (68.8%) had normal blood pressure and 33 (31.4%) were hypertensive. Colostrum was collected in-hospital in the morning, and sodium and potassium concentrations were measured using a flame photometer. When sodium and potassium concentrations were compared to the variables age, parity, family history of hypertension, gestational age, birth weight, and socioeconomic factors, colostrum potassium level was associated with maternal age. Average sodium and potassium levels in 48-hour colostrum non-hypertensive and hypertensive breastfeeding mothers showed no significant differences. Thus, breastfeeding by hypertensive mothers probably does not increase the risk of their children developing hypertension in adulthood.
Colostrum; Hypertension; Sodium; Potassium
Introdução
A hipertensão arterial, uma doença crônico-degenerativa de grande prevalência na população mundial, vem, na atualidade, alcançando elevadas taxas de morbi-mortalidade. Sua etiologia passa por fatores genéticos e ambientais, dentre estes a nutrição humana. Já é fato cientificamente comprovado que dietas ricas em sódio, aliadas ao baixo consumo de potássio, desencadeiam a hipertensão arterial em indivíduos geneticamente predispostos.
Em se tratando de nutrição, o primeiro alimento natural destinado à espécie humana logo após o nascimento é o leite materno, particularmente denominado colostro um líquido amarelado, espesso, secretado em pequenos volumes (2 a 20mL por mamada) nos primeiros dias pós-parto, mas suficiente para garantir a nutrição, hidratação e proteção do recém-nascido.
Inúmeros trabalhos já investigaram a composição química do leite materno, entretanto poucos trabalhos têm investigado a possível relação do leite materno, e mais especificamente do colostro, a doenças crônico-degenerativas. Vale ressaltar trabalhos como o de Hoffman et al. 1, que verificaram que crianças alimentadas com dieta pobre em sódio desde o nascimento, tiveram pressões arteriais significativamente menores aos seis meses de vida que aquelas alimentadas com fórmulas artificiais desde o nascimento.
Holliday et al. 2 realizaram um estudo com ratas nutrizes hipertensas e normotensas e observaram que filhotes de ratas predispostas à hipertensão, quando amamentados por ratas nutrizes normotensas, tornaram-se menos hipertensos na idade adulta que aqueles amamentados por ratas nutrizes hipertensas. Isso devido, em parte, ao maior teor de sódio e mais alta razão Na/K que caracterizam o leite das ratas nutrizes hipertensas.
Estudos epidemiológicos de hipertensão arterial na infância têm sido fonte importante de subsídios, fornecendo indícios de que a hipertensão arterial sistêmica do adulto começa na infância 3. Nesse contexto, poderia o colostro de mulheres hipertensas conter níveis de sódio e potássio inapropriados à nutrição do recém-nascido, expondo-o à condição de risco para a hipertensão arterial na vida futura?
Para avaliar possíveis associações da hipertensão materna e de outras variáveis clínicas e epidemiológicas com as concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas de mulheres nutrizes, realizou-se o presente estudo.
Material e métodos
Este é um estudo de delineamento transversal e natureza quantitativa, envolvendo 105 puérperas nutrizes de um hospital do Estado de Minas Gerais, Brasil. Foram convidadas a participar do estudo todas as nutrizes hipertensas e, dentre as normotensas, aquelas cujos números de registro de entrada no bloco obstétrico foram múltiplos de 5. Na composição dos grupos de nutrizes foram incluídas apenas aquelas que deram seu consentimento, livre, esclarecido e por escrito, manifestando sua participação espontânea e voluntária, Foram excluídas as nutrizes que eram tabagistas, que apresentaram gestação múltipla e intercorrências no pré e pós-parto. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto.
As nutrizes foram selecionadas para o grupo das normotensas (n = 72; 68,6%) ou para o das hipertensas (n = 33; 31,4%), dentre estas: as portadoras de hipertensão arterial sistêmica crônica (HASc, n = 1; 3%), as que apresentaram doença hipertensiva específica da gestação (DHEG, n = 27; 81,8%) ou que apresentaram a DHEG superposta à HASc (n = 5; 15,2%), conforme valores de pressões arteriais aferidas à internação e diagnóstico clínico relatado em prontuário médico.
As pressões arteriais foram aferidas à internação e no dia da coleta do colostro por pessoal da enfermagem devidamente treinado. A coleta do colostro (2 a 5mL) foi realizada nas 48 horas pós-parto pela nutriz sob a supervisão da autora (M. A. O. S.), ou pela própria autora. As amostras de colostro foram congeladas e posteriormente encaminhadas ao Laboratório de Química, Universidade Federal de Ouro Preto para preparo: centrifugação e diluição a 1:10. Para determinação das concentrações de sódio e potássio utilizou-se o fotômetro de chama (marca Micronal B-462, São Paulo, Brasil) no Laboratório de Química da Universidade Federal de Ouro Preto. Para checagem dos dados, amostras aleatórias de colostro foram enviadas ao hospital para determinação das concentrações de sódio e potássio. A dieta das nutrizes durante o período de internação foi normossódica e normocalêmica (aproximadamente 2.400mg de sódio e 3.000mg de potássio ao dia), prescrita pela autora (M. A. O. S.).
Utilizou-se um formulário de entrevista estruturada para obtenção dos seguintes dados: idade, paridade, história familiar de hipertensão arterial sistêmica e indicadores sócio-econômicos (renda familiar bruta em salários mínimos, procedência, freqüência ao pré-natal e acesso a orientações para o sucesso do aleitamento materno). Dados como idade gestacional na ocasião do parto, peso do recém-nascido, pressão arterial de internação e pressão arterial no dia da coleta do colostro foram obtidos dos prontuários médicos das nutrizes e dos seus respectivos neonatos.
Os dados foram armazenados em um banco criado no programa Epi Info 6.04d (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), e testes para comparação das médias de pressão arterial, idade, peso ao nascer e das concentrações de sódio e potássio obtidas dos dois grupos de nutrizes (teste t de student e análise de variância ANOVA) e de testes de associações entre as variáveis independentes e as concentrações de sódio e potássio (qui-quadrado, correlação de Pearson e análise multivariada) foram realizados. Adotou-se como faixa de normalidade para as concentrações de sódio no colostro valores de 5 a 85mmol/L, conforme achados de Grumash et al. 4, e para as concentrações de potássio no colostro valores de 12 a 25mmol/L, segundo achados de Gross et al. 5. Esses estudos foram selecionados em função do período lactacional em que se coletou o leite materno ter sido semelhante ao do presente estudo, ou seja, leite materno nas primeiras 48 horas fase de colostro. Considerou-se significância estatística quando p assumiu valores < 0,05.
Resultados
A idade média das nutrizes adultas normotensas foi 26,4 ± 5,5 anos e das adultas hipertensas 29,7 ± 6,6. A idade média das nutrizes adolescentes normotensas foi 17,2 ± 1,3 anos e a idade da única nutriz adolescente hipertensa foi 17 anos.
Na Tabela 1 verifica-se que, dentre as 105 nutrizes participantes do estudo, 27 (25,7%) eram adolescentes (idades de 10 a 19 anos segundo a OMS 6) e 78 (74,3%) eram adultas (idade igual ou superior a 20 anos). Quanto à paridade, 6 (18,2%) eram nutrizes primíparas hipertensas e 27 (81,8%) eram multíparas hipertensas. Quanto à história familiar de hipertensão, 20 (60,6%) das nutrizes hipertensas e 33 (45,8%) das normotensas relataram história materna de hipertensão e 10 (30,3%) das nutrizes hipertensas e 22 (30,5%) das normotensas relataram história paterna de hipertensão. Dentre as hipertensas, 7 (21,2%) tinham ambos os pais hipertensos e dentre as normotensas, 11 (15,3%) tinham ambos os pais hipertensos. Analisando-se a idade gestacional, 18 (17,1%) nutrizes do estudo tiveram gestação pré-termo, sendo que 13 (18,1%) cujos partos foram pré-termos eram normotensas e 5 (15,2%) eram hipertensas. Com relação ao peso ao nascer do recém-nascido, 81 (77,1%) nutrizes tiveram seus bebês com peso normal (igual ou superior a 2.500g). Dentre as nutrizes hipertensas (n = 33), 7 (21,2%) tiveram seus bebês com baixo peso ao nascer e dentre as normotensas (n = 72), 17 (23,6%) tiveram seus bebês com baixo peso ao nascer. Quando se compararam as médias de peso ao nascer dos recém-nascidos de nutrizes normotensas e hipertensas, não se encontrou diferença significativa. Quanto aos aspectos do pré-natal, 101 (96,2%) compareceram ao exame e, dentre estas, encontram-se 100% das nutrizes hipertensas; 99 (94,3%) receberam orientações para o sucesso no aleitamento materno, dentre estas 31 (96,9%) nutrizes hipertensas. Quanto à renda familiar em termos de salários mínimos, observa-se porcentuais bastante próximos, sendo que 37 (35,2%) das nutrizes recebem menos de um salário mínimo mensal. Quanto à procedência das nutrizes, o porcentual de hipertensas provenientes da zona urbana foi o dobro daquelas hipertensas provenientes da zona rural (66,7% e 33,3%, respectivamente).
Na Tabela 2, a associação entre as variáveis maternas: idade, paridade, história familiar de hipertensão, peso ao nascer do recém-nascido, idade gestacional na ocasião do parto, freqüência ao pré-natal, acesso às orientações para o sucesso do aleitamento materno, renda familiar e procedência das nutrizes, foram testadas e apenas a idade e paridade mostraram associação significativa com a presença de hipertensão nas nutrizes.
Na Tabela 3 é mostrada a freqüência com que as nutrizes, caracterizadas pelas diferentes variáveis: ser ou não portadora de hipertensão, idade, paridade, história familiar materna e paterna de hipertensão arterial sistêmica, idade gestacional na ocasião do parto, peso ao nascer do recém-nascido, aspectos do pré-natal e indicadores sócio-econômicos, apresentam concentrações de sódio e potássio dentro ou fora da faixa de normalidade. Considerou-se dentro da faixa de normalidade valores de sódio igual ou superior a 5mmol/L e igual ou inferior a 85mmol/L; para o potássio, considerou-se como normalidade valores iguais ou superiores a 12mmol/L e iguais ou inferiores a 25mmol/L. Observou-se que a história familiar paterna de hipertensão se associava significativamente às concentrações de sódio no colostro, sendo que as nutrizes filhas de pai hipertenso foram as mais prováveis de possuir concentrações de sódio no colostro de 48 horas fora da faixa de normalidade. Observou-se também que a idade das nutrizes associou-se significativamente às concentrações de potássio, sendo que as nutrizes adolescentes foram as mais prováveis de apresentarem concentrações de potássio no colostro de 48 horas fora da faixa de normalidade.
As médias de pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) à internação, no grupo das nutrizes normotensas e hipertensas, são mostradas na Tabela 4 e foram significativamente diferentes entre os dois grupos, sendo que as médias das pressões arteriais das nutrizes hipertensas foram superiores a 140/90mmHg. As médias de PAS e PAD de coleta no grupo das nutrizes hipertensas foram significativamente diferentes daquelas de internação no mesmo grupo, apontando para uma redução significativa dos valores obtidos à internação, como pode ser visto na Tabela 4.
As médias das concentrações de sódio e potássio do colostro de nutrizes normotensas e hipertensas não apresentaram diferenças significativas. O mesmo foi observado quando se compararam as médias da razão sódio/potássio no colostro de 48 horas das nutrizes dos dois grupos (Tabela 5). Também não houve diferença estatística das concentrações de sódio e potássio no colostro em função das diferentes variáveis clínicas e epidemiológicas das nutrizes.
Discussão
As nutrizes envolvidas no estudo foram provenientes da clínica obstétrica da Sociedade Beneficente São Camilo, Hospital Monsenhor Horta, em Mariana, Minas Gerais, Brasil, no período de junho a novembro de 2003. O colostro foi coletado por expressão manual segundo técnica relatada por Vinha 7. As amostras de colostro foram preparadas e analisadas segundo recomendações de Keenan et al. 8, que afirmaram não existir diferença significativa entre os valores encontrados para o sódio e o potássio no leite humano, quando obtidos por fotometria de chama ou utilizando-se a digestão ácida seguida de espectrofotometria de absorção atômica.
Dados do presente estudo mostraram associação significativa das variáveis maternas idade e paridade, à condição de hipertensão arterial na gestação, ocorrendo uma maior prevalência de hipertensão em gestantes adultas e multíparas. Segundo Saunders 9 e Cabral 10, a ocorrência de DHEG é preferencialmente em adolescentes e primíparas. Outrossim, os achados do presente estudo estão em concordância com aqueles de Sibai et al. 11, que encontraram um grande porcentual de multíparas (75,3%) dentre as 761 gestantes hipertensas.
Considerando-se a variável história familiar de hipertensão, esta não apresentou associação positiva com a hipertensão na gestação, entretanto pode-se observar que a prevalência de hipertensão na gestação foi duas vezes maior em nutrizes filhas de mães hipertensas que naquelas filhas de mães normotensas e filhas de pais hipertensos. Prata-Martins 12 relatou que há uma tendência familiar para DHEG e Qiu et al. 13 concluíram que mulheres com parentes maternos e paternos com história de hipertensão tinham um risco aumentado para DHEG. Nossos achados confirmam a influência genética na gênese da HAS.
Quando foram testadas as associações entre o peso ao nascer do recém-nascido e a idade gestacional na ocasião do parto com a hipertensão na gestação, não encontraram-se resultados significativos. Além disso, não se encontrou diferença significativa entre as prevalências de baixo peso e prematuridade nos grupos de nutrizes hipertensas e normotensas. Kalhale et al. 14 relatam que a hipertensão materna pode ser uma condição para baixo peso ao nascer e prematuridade, e Nascimento et al. 15 relataram que outros fatores além da hipertensão arterial na gestação (outros filhos com baixo peso ao nascer, grande multiparidade, desnutrição materna, que não foram investigados no presente estudo) podem contribuir para o baixo peso ao nascer e/ou prematuridade.
Analisando-se as variáveis sócio-econômicas, estas não associaram-se significativamente à história de hipertensão das nutrizes, ao contrário dos relatos de Saunders 9 e Dórea & Lotufo 16 que afirmaram estar as diferenças sócio-econômicas (renda familiar, escolaridade, estado marital e outros) implicadas na alta prevalência da HAS. Acredita-se que a participação da maioria das gestantes (96,2%) no pré-natal tenha minimizado o efeito negativo das condições sócio-econômicas desfavoráveis na gênese da hipertensão arterial na gestação, ao ponto de não mostrar uma associação significativa.
Quando foram testadas as associações das variáveis maternas, incluindo a condição de ter apresentado ou não a hipertensão na gestação, com as concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas, observou-se que a variável idade influenciou as concentrações de potássio no colostro de 48 horas (p < 0,05), sendo as nutrizes adolescentes três vezes mais prováveis de apresentarem concentrações de potássio no colostro fora da faixa de normalidade (OR = 3,88; IC95%: 1,07-9,18). Justificativas para esse achado poderiam nortear os relatos de Keenan et al. 8, que concluíram que a dieta materna pode influenciar os níveis pós-prandiais de potássio no leite materno. Assim, considerando-se que a maioria das adolescentes possui um pobre padrão alimentar, principalmente com relação ao consumo de frutas e vegetais que, com poucas exceções, são fontes alimentares ricas em potássio, o colostro poderia ter concentrações inapropriadas deste nutriente. Para controlar esse possível viés, as dietas das nutrizes foram normais quanto aos teores de sódio e potássio no puerpério imediato. Entretanto, deve-se considerar que o colostro é produzido a partir do terceiro trimestre da gestação 17, quando não se teve nenhum controle sobre a dieta da gestante adolescente, o que pode ter favorecido a presença de concentrações inapropriadas de potássio no colostro das nutrizes adolescentes.
Pode-se observar também (Tabela 3) que a paridade não associou-se significativamente às concentrações de sódio e potássio no colostro, o que corrobora, em parte, os achados de Rodriguez et al. 18 e Alaudeen et al. 19. Estes, estudando as concentrações de sódio no leite materno do 1º ao 90º dia pós-parto, afirmaram que a paridade não afetou significativamente o nível de sódio no leite humano.
Quanto á história familiar de hipertensão, observou-se que a variável história paterna de hipertensão associou-se às concentrações de sódio no colostro de 48 horas (p < 0,05), sendo que as nutrizes filhas de pais hipertensos foram as mais prováveis de apresentarem concentrações de sódio fora da faixa de normalidade (OR = 3,09; IC95%: 1,07-9,18). Esperava-se uma possível relação das concentrações de sódio fora da faixa de normalidade para filhas de mães hipertensas, ou de ambos os pais hipertensos, corroborando a influência genética da hipertensão materna ou de ambos os pais hipertensos sobre a nutriz. Para testar a possível influência da variável "mãe hipertensa" no resultado encontrado, realizou-se uma análise estatística multivariada, não encontrando associação nem mesmo com a variável "pai hipertenso". Possivelmente esse achado se confirmaria se a amostra de nutrizes com história familiar de hipertensão fosse maior. Também não se observaram associações entre a história familiar materna de hipertensão com as concentrações de sódio no colostro de 48 horas das nutrizes do estudo.
A idade gestacional e peso do recém-nascido não associaram-se significativamente às concentrações de sódio e potássio no colostro. Gross et al. 5 relataram que as concentrações de sódio foram significativamente mais altas no leite de nutrizes que tiveram bebês pré-termo, que no leite daquelas que tiveram bebês a termo. Porém, Weffort 20 também não encontrou diferenças nas concentrações de sódio nos leites de nutrizes que tiveram bebês a termo ou pré-termo, estando os dados do presente estudo em concordância com aqueles de Weffort 20.
Quando foram comparadas as médias das concentrações de sódio e potássio no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas, estas não mostraram diferenças significativas (Tabela 5). Neville et al. 21 encontraram valores para o sódio nas primeiras 60 horas pós-parto, que variaram de 15 a 80mmol/L, sendo o maior valor encontrado nas primeiras horas pós-parto, devido muito provavelmente, segundo os autores, à permanência da via paracelular no início do processo de lactação. Grumash et al. 4 estudando os fatores nutricionais em colostro de mães brasileiras encontraram valores de sódio que variaram de 5 a 85mmol/L nas primeiras 48 horas pós-parto. No presente estudo, as médias de sódio no colostro de 48 horas das nutrizes normotensas e hipertensas foram superiores aos valores relatados por Neville et al. 21 e Grumash et al. 4, não havendo distinção entre aquelas de nutrizes normotensas e hipertensas. Ereman et al. 22 afirmaram que, dos minerais no leite humano, a concentração de sódio é a mais variável durante toda a lactação, e Wack et al. 23 relataram existir variações intra e inter-indivíduos quanto à secreção deste eletrólito no leite humano. A existência dessas variações inter e intra-individuais na composição do leite humano poderiam justificar, em parte, as diferenças encontradas entre as concentrações de sódio do presente estudo e os dados da literatura. Além disso, observaram-se diferentes delineamentos metodológicos na literatura, o que prejudica a análise comparativa entre os dados.
Quanto ao potássio, Woisky 24 encontrou uma média no colostro igual a 13mmol/L. Wack et al. 23 encontraram uma média de 585,0 ± 124,0mg/L (14,96mmol/L) de potássio em 140 amostras de leite de 30 nutrizes nos primeiros 60 dias pós-parto, e afirmaram existir maior variabilidade inter-individual com relação aos níveis de potássio no leite humano, em comparação aos níveis de sódio. As médias de potássio no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas deste estudo não diferiram estatisticamente, e foram ligeiramente superiores à média encontrada por Woisky 24 e bastante próximas àquela de Wack et al. 23. Gross et al. 5 investigando a composição do leite de mulheres que tiveram seus bebês a termo e pré-termo encontraram valores de potássio variando 12 a 25mmol/L, e afirmaram que as concentrações de potássio no leite dos diferentes grupos de nutrizes foram similares. Neville et al. 21 encontraram uma redução nos níveis de potássio nos primeiros dias pós-parto, sendo as médias de potássio no dia do nascimento igual a 18mmol/L e no 20º dia pós-parto igual a 14mmol/L. As médias de potássio no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas do presente estudo estão próximas à média relatada por Wack et al. 23 e se encontram dentro da faixa de variação encontrada por Gross et al. 5. As aparentes diferenças entre as médias de potássio do presente estudo e as encontradas nos outros estudos citados vêm confirmar as variações inter e intra-individuais das concentrações de potássio no leite humano, relatadas por Wack et al. 23 .
Ressalta-se que houve uma significativa redução das médias das pressões arteriais sistólica e diastólica das nutrizes hipertensas no dia da coleta do colostro, atingindo a faixa de normalidade (Tabela 4), conforme observações de Kalhale et al. 14, o que pode justificar, em parte, a ausência de significância estatística entre as concentrações de sódio e potássio e da razão Na/K no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas (Tabela 5). Fraxino et al. 25 descrevem os diferentes mecanismos para a regulação da pressão arterial (cardíacos, renais, neurais, hormonais vasoconstritores e hormonais vasodilatadores). Assim, pequenas diferenças nas concentrações de sódio e potássio no colostro de nutrizes normotensas e hipertensas seriam esperadas caso houvesse alguma falha nos mecanismos que regulam a pressão arterial, resultando na elevação das concentrações destes eletrólitos no plasma. Assim, através da via paracelular, uma das vias de secreção de componentes do colostro no período gestacional que permite livre fluxo de sódio e potássio da corrente sangüínea para o lúmen das células alveolares da glândula mamária 17, o sódio e o potássio passariam livremente para o colostro das nutrizes hipertensas em concentrações diferentes daquelas encontradas no colostro de nutrizes normotensas. Contudo, Guyton & Hall 26 afirmaram que o organismo dispõe de sensíveis mecanismos que impedem qualquer pequeno aumento de sódio e potássio no plasma. Possivelmente, em uma amostra mais expressiva quanto ao número de nutrizes normotensas e hipertensas, pequenas diferenças nas concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas poderiam ser encontradas.
Conclusões
Os resultados do presente estudo mostraram que, estatisticamente, as concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas de nutrizes normotensas e hipertensas não foram diferentes. Em contra partida, a pressão arterial das nutrizes hipertensas se normalizou nos primeiros dias do puerpério, podendo ser este o fator determinante da similaridade das concentrações dos eletrólitos no colostro das nutrizes normotensas e hipertensas.
Apenas as variáveis clínicas idade e paridade associaram-se significativamente com a condição de hipertensão das nutrizes, e as adolescentes foram as mais prováveis de apresentarem valores de potássio fora da faixa de normalidade, provavelmente em função de uma dieta pobre em potássio durante o último trimestre de gestação.
As variáveis epidemiológicas das nutrizes (freqüência ao pré-natal, acesso a orientações para o sucesso do aleitamento materno, renda familiar e procedência) não se associaram com a condição da nutriz de ser ou não hipertensa, bem como não interferiram nas concentrações de sódio e potássio no colostro de 48 horas das nutrizes do estudo.
Por bem, a hipótese de que a amamentação precoce de filhos de nutrizes hipertensas poderia expor o recém-nascido a quantidades inapropriadas de sódio e potássio, não foi confirmada neste estudo.
Conclui-se que a prática de aleitamento materno por nutrizes hipertensas provavelmente não aumenta o risco de seus filhos desenvolverem a hipertensão arterial na idade adulta. Portanto, a influência da história de hipertensão na gestação no desenvolvimento da hipertensão arterial sistêmica crônica provavelmente não se dá através do aleitamento materno precoce.
Colaboradores
M. A. O. Sírio foi responsável pela autoria do projeto, coleta e análise dos dados e redação do texto. M. E. Silva foi responsável pela autoria do projeto, análise dos dados e supervisão do estudo. H. Paula orientou a montagem do banco de dados e análises posteriores. M. C. Passos analisou os dados e revisou o texto. A. O. Souza Sobrinho auxiliou na padronização do método e realização das determinações de sódio e potássio nas amostras de colostro.
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Correspondência:
M. E. Silva
Departamento de Alimentos
Escola de Nutrição
Universidade de Ouro Preto
Morro do Cruzeiro, Campus Universitário, Ouro Preto
MG 35400-000, Brasil
mesilva@enut.ufop.br
Recebido em 24/Ago/2005
Versão final reapresentada em 13/Set/2006
Aprovado em 13/Mar/2007