DEBATE DEBATE
Debate sobre o artigo de Rigotto & Augusto
Debate on the paper by Rigotto & Augusto
Hans Michael van Bellen
Departamento de Ciências Contábeis, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. hansmichael@ces.ufsc.br
Uma apreciação aprofundada de cada um dos temas que constituem o eixo central do artigo Saúde e Ambiente no Brasil: Desenvolvimento, Território e Iniqüidade Social quando tomados isoladamente, já constitui uma tarefa complexa. Talvez, se considerarmos os tópicos abordados na primeira seção do artigo, a idéia de sustentabilidade seja aquela que foi menos debatida, mas este fato não ocorre em função de não existir polêmica a respeito deste conceito e sim pelo fato desta idéia ser a mais recente. Mesmo assim, dada a proeminência da discussão acerca da relação das sociedades humanas com seu ambiente natural, reforçada progressivamente pela percepção de uma crise ambiental crescente, o tema da sustentabilidade ganha dimensões que o equiparam aos temas, já mais clássicos, do desenvolvimento e da justiça.
O artigo vai além da discussão individualizada de cada um desses três temas, na medida em que procura tecer considerações a respeito das inter-relações que podem ser observadas nas relações entre desenvolvimento, justiça e a temática da sustentabilidade. O corte escolhido pelas autoras para essa análise foi a discussão sobre o território e a saúde.
A escolha do verbo sucumbir, para iniciar a discussão sobre as relações entre crescimento ilimitado e um desenvolvimento dito "sustentável", retrata adequadamente as origens da idéia de sustentabilidade, que surge a partir das diferentes maneiras de perceber o processo de transformação que ocorre nas sociedades contemporâneas. O termo desenvolvimento pode ter suas raízes na discussão sobre os limites do crescimento, que surge predominantemente nos países considerados "desenvolvidos", localizados, em sua grande maioria no Norte, e que enxergavam no crescimento zero a solução da crise ambiental. Essa abordagem passa a ser fortemente contestada por países ditos em desenvolvimento, que enxergavam nas propostas dos países ricos uma ameaça ao seu próprio desenvolvimento. Aproximadamente vinte anos de discussão conduzem ao surgimento de um suposto novo conceito: o de Desenvolvimento Sustentável, que é incorporado rapidamente pelos mais diferentes atores do campo social, desde governo e sociedade até, mais recentemente, o próprio Mercado 1.
A idéia de sustentabilidade surge como resultado de um determinado grau de consenso, pelo menos no campo do discurso, sobre as necessidades de adequar o crescimento puramente econômico a outras dimensões consideradas importantes na vida humana. A perspectiva mais difundida dessa idéia coloca como dimensões complementares ao desenvolvimento econômico as dimensões social e ambiental ou ecológica.
Esse processo explica, até certo ponto, o caráter polissêmico do conceito de Desenvolvimento Sustentável, que é visto como panacéia para todos os males do mundo atual. Dessa maneira, a noção de sustentabilidade passa a ser utilizada pelos mais diferentes grupos e com objetivos totalmente distintos. Se por um lado observamos pequenas comunidades traçando estratégias de desenvolvimento local com equilíbrio entre as dimensões ambiental e social, inspiradas talvez nas idéias de Ignacy Sachs 2 de ecodesenvolvimento, por outro vemos transformações tecnológicas nas indústrias que começam a trabalhar com conceitos de ecoeficiência e de emissão zero. Nos dois tipos de experiências é possível detectar avanços em relação ao modelo tradicional de desenvolvimento, mas alguns paradoxos ainda persistem e devem ser mais debatidos.
Um deles refere-se especificamente a um dos componentes de análise utilizados no artigo: o espaço territorial. O desenvolvimento, ou transformação das condições de determinados indicadores de uma comunidade, se dá dentro de um espaço definido, e as estratégias de desenvolvimento com ênfase no espaço local aparentemente apresentam como uma de suas características um impacto sobre seu entorno muito menor. Entretanto, quando se considera isoladamente a esfera econômica do processo de desenvolvimento, as experiências de desenvolvimento de base unicamente local tem mostrado algumas dificuldades de mudar a realidade social de algumas comunidades. No outro extremo, quando se observam as experiências das indústrias em gestão ambiental, a conclusão mais evidente, na maioria dos casos, é de uma aposta na capacidade humana de superar todos os seus limites por meio da criação de novas tecnologias.
Pode-se traçar um paralelo com as dimensões do ambientalismo abordadas por Pearce 3, que distinguia os atores que defendiam uma sustentabilidade do desenvolvimento considerada forte, com ênfase no preservacionismo, com forte regulação, redução da escala econômica de produção e bioética, dos atores relacionados com a sustentabilidade muito fraca, referente a uma exploração dos recursos naturais orientada pelo mercado e definida a partir do conjunto dos interesses individuais da sociedade. O primeiro modelo reflete, de alguma maneira, os princípios da ecologia profunda, e o segundo paradigma remete a uma aposta cornucopiana de fé ilimitada no progresso.
O outro paradoxo a ser observado, e que é explicitamente ressaltado no trabalho, é o referente à (in)justiça. Trata-se aqui de aprofundar a discussão sobre a apropriação cada vez mais desigual dos bens e serviços que são gerados pelos ecossistemas, e também da distribuição diferenciada dos impactos ambientais sobre as populações humanas. Muito embora pouco enfatizada, a discussão sobre a sustentabilidade do desenvolvimento determina a necessidade de refletir sobre o tema da justiça. Trata-se de aprofundar as questões relacionadas com a distribuição justa de recursos entre diferentes gerações ou, como é definido pelo Relatório Brundtland, "das necessidades das gerações futuras", mas também, e principalmente, das necessidades da geração presente. Mas não só o conjunto das necessidades, e sim encontrar uma maneira mais justa de distribuição dos serviços ambientais, ou melhor, uma apropriação menos injusta destes serviços, bem como de reduzir os impactos da degradação ambiental que ocorre em maior grau justamente entre os menos favorecidos socialmente. Essa distribuição injusta define as principais questões da relação sociedade e meio ambiente que surgem como problemas de saúde coletiva.
Embora os dois aspectos levantados anteriormente apontem para algumas contradições que cercam o debate sobre o conceito de sustentabilidade, é a partir destes paradoxos que emerge uma das principais vantagens de se trabalhar com esta idéia, não tomada no seu sentido puramente operacional, mas considerada dentro de uma abordagem normativa. Essa perspectiva é a mesma adotada muitas vezes para tratar do próprio conceito de justiça e desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento sustentável não pode determinar como deve ser a realidade, mas apontar para uma direção, definida pela própria sociedade, que respeite os critérios de uma distribuição mais justa dos recursos naturais. O desenvolvimento sustentável, nessa perspectiva, poderia ser tratado a partir da definição de tipo ideal de Weber 4, na qual existem múltiplas dimensões que definiriam o grau de sustentabilidade do processo de desenvolvimento de uma sociedade.
1. Leis H. A modernidade insustentável. Petrópolis: Editora Vozes; 1999.
2. Sachs I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Garamond; 2002.
3. Pearce D. Environmental economics. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 1993.
4. Weber M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 3ª Ed. Brasília: Universidade de Brasília; 1994.