ARTIGO ARTICLE
Poluição do ar e baixo peso ao nascer no Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2002
Air pollution and low birth weight in the city of Rio de Janeiro, Brazil, 2002
Washington Leite Junger; Antonio Ponce de Leon
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito da poluição do ar sobre o peso ao nascer de recém-nascidos a termo e de gestação única no Município do Rio de Janeiro, Brasil. O desenho deste estudo foi o de corte transversal tendo como base o ano de 2002. Os dados sobre os nascimentos foram obtidos do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde. Baixo peso foi definido como menos de 2.500g. A exposição das mães foi estimada como a média do poluente para cada trimestre de gestação. Razões de odds (RO) ajustadas foram estimadas para cada fator de risco em potencial. Para PM10, CO e NO2 foram encontrados aumentos não significativos. Para SO2, a RO do quarto intervalo interquartil de exposição no terceiro trimestre de gestação foi 1,149 (IC95%: 1,016;1,301). Para o O3, a RO estimada foi 0,830 (IC95%: 0,750;0,987). Quando a variável de exposição foi introduzida no modelo como uma medida contínua, as RO para PM10, CO e SO2 no terceiro trimestre foram não significativas e iguais a 1,089, 2,223 e 1,259, respectivamente.
Poluição do Ar; Recém-Nascido de Baixo Peso; Exposição Materna
ABSTRACT
The objective of this study was to evaluate the effect of air pollution on low birth weight in full term singleton newborns in the city of Rio de Janeiro, Brazil. The study adopted a cross-sectional design based on the year 2002. Data on live births were obtained from the Live Birth Information System of the Brazilian Ministry of Health. Low birth weight was defined as less than 2,500g. Maternal exposure to air pollution was defined as the mean for a given pollutant over each trimester of pregnancy and was assessed taking birth date into account. Adjusted odds ratios (OR) were estimated for each potential risk factor. For PM10, CO, and NO2, no significant increases were detected. For SO2, the OR of the fourth interquartile range of exposure in the third trimester of pregnancy was 1.149 (95%CI: 1.016-1.301). For O3, the estimated OR was 0.830 (95%CI: 0.750-0.987). When exposure variable was regarded as a continuous measure, the OR for PM10, CO, and SO2 in the third trimester were not statistically significant and were 1.089, 2.223, and 1.259, respectively.
Air Pollution; Low Birth Weight Infant; Maternal Exposure
Introdução
Um número crescente de estudos publicados por todo o mundo, principalmente nos últimos 20 anos, tem mostrado evidências consistentes dos efeitos nocivos da poluição do ar na saúde humana. Esses efeitos têm sido observados na morbidade e na mortalidade mesmo quando os níveis de poluição atmosférica são considerados moderados ou baixos 1. Embora os mecanismos pato-fisiológicos dos efeitos da poluição não sejam completamente conhecidos, a literatura sugere que os grupos mais suscetíveis são as crianças, os idosos e portadores de doenças crônicas 2,3. Os eventos de saúde mais freqüentemente estudados são a morbidade e mortalidade por doenças respiratórias e cardiovasculares 4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14, câncer de pulmão 15,16, diminuição da função respiratória 17,18 e absenteísmo escolar 19.
O crescimento populacional e a conseqüente demanda por transporte e geração de energia, aumentando a emissão de poluentes derivados da queima de combustíveis fósseis, é de grande preocupação nas áreas urbanas na região da América Latina e Caribe 20.
Recentemente, os efeitos da poluição do ar sobre desfechos relacionados com a gravidez têm sido considerados em alguns estudos 21,22,23. Pesquisas indicam que o feto e o recém-nascido são mais suscetíveis que os adultos às substâncias tóxicas ambientais 24. A hipótese de que substâncias presentes no ambiente podem interferir com a gestação é plausível se forem considerados os efeitos do fumo materno ativo e ambiental no feto 25,26,27.
Um estudo conduzido na República Tcheca entre 1986 e 1988, usando dados de rotina, encontrou associação positiva entre partículas totais em suspensão (PTS), dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de nitrogênio (NOx) e mortalidade neonatal e pós-neonatal 28. Em Seul, Coréia do Sul, um estudo conduzido nos anos 1996 e 1997, encontrou associação positiva entre exposição a monóxido de carbono (CO), SO2, dióxido de nitrogênio (NO2) e PTS no primeiro trimestre de gestação e baixo peso ao nascer de recém-nascidos a termo, isto é, com idade gestacional entre 37 e 44 semanas 29. Num estudo desenvolvido na região nordeste dos Estados Unidos, entre 1994 e 1996, Maisonet et al. 30 encontraram associação positiva entre CO e SO2 e baixo peso ao nascer de recém-nascidos a termo, no terceiro e segundo trimestres da gestação, respectivamente. Em outro estudo realizado na Lituânia, em 1998, também foi encontrada associação entre NO2 e baixo peso ao nascer de recém-nascidos de gestação única durante o primeiro trimestre de gestação 2. Na Califórnia, Estados Unidos, no ano 2000, foi encontrada associação entre material particulado até 2,5 micra de volume aerodinâmico (PM2,5) e baixo peso ao nascer de recém-nascidos a termo 31. Também foi encontrada associação entre PM2,5 e o tamanho do recém-nascido para a idade gestacional 32 e material particulado até 10 micra de volume aerodinâmico (PM10) e CO e baixo peso entre 1994 e 2000 33. Ainda na Califórnia, em outro estudo, entre 1975 e 1987, foi encontrada associação entre ozônio (O3), PM10 e CO e baixo peso ao nascer e retardo do crescimento intra-uterino, para exposições nos primeiro e terceiro trimestres da gestação 34. Em Sydney, Austrália, entre 1998 e 2000, Mannes et al. 35 encontraram associação positiva entre CO e NO2 e baixo peso ao nascer e tamanho pequeno para a idade gestacional (small for gestational age), que neste estudo foi definido como mais que dois desvios-padrão abaixo da média de pesos. Num estudo de coorte retrospectivo realizado no leste do Canadá, entre 1988 e 2000, Dugandzic et al. 36 encontraram associação positiva entre concentrações de PM10 e SO2 no primeiro trimestre da gestação e baixo peso ao nascer.
No Brasil, também se tem encontrado associações positivas entre poluentes atmosféricos e desfechos da gravidez. Em São Paulo, Pereira et al. 37, em 1991 e 1992, encontraram associação positiva entre NO2, SO2 e CO e mortalidade intra-uterina. Evidência da exposição do feto à poluição ambiental foi corroborada pela associação positiva entre carboxi-hemoglobina presente no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos de mães não-fumantes e concentrações ambientais de CO. Ainda em São Paulo, no ano de 1997, Gouveia et al. 38 encontraram associação positiva entre os níveis de PM10 e CO e baixo peso ao nascer de recém-nascidos a termo de gestação única. Embora vários estudos acerca dos efeitos da poluição do ar sobre os desfechos da gravidez tenham sido desenvolvidos em todo o mundo, o conhecimento destes efeitos sobre a população é ainda muito restrito.
Baixo peso ao nascer está fortemente relacionado com a mortalidade infantil e é um indicador bastante sensível dos efeitos ambientais. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar o efeito da poluição do ar sobre o peso ao nascer de recém-nascidos a termo e de gestação única no Município do Rio de Janeiro no ano de 2002.
Metodologia
Neste estudo de base populacional foram analisados todos os nascimentos a termo (37 ou mais semanas) de gestação única ocorridos no Município do Rio de Janeiro no ano de 2002. Foram excluídos recém-nascidos com peso inferior a 1.000g e superior a 5.500g por serem mais prováveis de terem nascido de uma gravidez de risco, podendo contribuir para a superestimação dos efeitos da poluição do ar. O mesmo critério se aplica às gestações múltiplas. Foi considerada na análise uma variável binária com valor igual a 1 para peso ao nascer menor que 2.500g e 0 no caso contrário, denominada baixo peso ao nascer.
Os dados sobre os nascimentos foram obtidos do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC) do Ministério da Saúde. Todos os nascimentos resultam numa certidão necessária para o registro da criança. Para cada nascimento são registradas informações da mãe: idade, escolaridade, local de residência, número de filhos vivos, número de filhos mortos, número de consultas pré-natal; e do recém-nascido: data do nascimento, peso, sexo, raça/cor, Apgar, tipo de gravidez (simples, gêmeos ou múltiplos), tempo de gestação (em semanas), local do nascimento (casa, hospital etc.) e método do parto (cesáreo ou vaginal).
O SINASC apresenta boa cobertura, principalmente em alguns campos como peso, sexo, método do parto e idade da mãe 39. Entretanto, alguns campos como quantidade de filhos vivos e quantidade de filhos mortos apresentam um grande número de dados faltantes.
A exposição à poluição atmosférica foi medida por meio da média diária das medidas horárias de SO2 e PM10, máximo diário das medidas horárias de NO2 e O3 e máximo diário das médias móveis de oito horas de CO, e obtidas das duas estações de monitoramento operadas pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) e das quatro operadas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAC), no Município do Rio de Janeiro. A exposição média para o município num dado dia foi calculada quando ao menos uma estação tinha a medida disponível. Algumas estações apresentavam dados faltantes para alguns poluentes, neste caso um método de imputação foi aplicado para preencher parte das lacunas 40.
A exposição da mãe foi estimada a partir da média dos poluentes em cada trimestre de gestação usando como referência a data de nascimento da criança. Cada nascimento foi relacionado com a exposição média da mãe em cada trimestre de gestação. Para cada intervalo interquartil do indicador de poluição atmosférica foi atribuído uma categoria ou nível de exposição. O primeiro intervalo interquartil foi usado como referência. Os efeitos da poluição também foram avaliados com a exposição representada por uma variável contínua.
As variáveis representando os potenciais fatores de confusão considerados nos modelos foram: idade gestacional medida em semanas e categorizada em 37 a 41 semanas e 42 semanas ou mais; escolaridade da mãe medida em anos e categorizada em até 11 anos e 12 anos ou mais; a idade da mãe em anos categorizada em até 19 anos, de 20 a 29, 30 a 34, 35 a 39, 40 anos ou mais; número de consultas pré-natal categorizada em nenhuma, 1 a 3, 4 a 6 e 7 ou mais; o método do parto categorizado em vaginal e cesáreo; sexo da criança; estado civil da mãe categorizado em casada ou união consensual, solteira e separada ou viúva; raça e cor da pele categorizada em branca, preta, amarela, parda e indígena. A variável indicando que se tratava do primeiro filho não foi considerada no modelo final devido a quantidade de dados faltando.
O efeito da sazonalidade foi ajustado utilizando-se uma spline cúbica da variável mês de nascimento com seis graus de liberdade. Os demais fatores foram introduzidos no modelo por meio de variáveis binárias indicando o nível de exposição. Para os fatores ordenados foram considerados o de menor valor como categoria de referência, exceto idade da mãe em que se tomou como referência a categoria 20 a 29 anos. A variável raça e cor da pele foi usada como um indicador de desigualdade sócio-econômica. A variável escolaridade da mãe foi usada como proxy para tabagismo materno. A exposição à poluição do ar referente a cada trimestre de gestação foi avaliada separadamente.
Para investigar o efeito da poluição do ar, bem como identificar os fatores maternos e da gravidez associados com o baixo peso ao nascer foi utilizada a regressão logística. Razões de odds (RO) ajustadas foram estimadas para os fatores de risco determinantes de baixo peso ao nascer. A qualidade de ajuste do modelo estimado foi avaliada usando-se estatísticas de diagnóstico corrigidas pelo número de padrões de co-variáveis, como descritas por Hosmer & Lemeshow 41. As análises foram realizadas com o Stata versão 8 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) e R versão 2.3.0 (R Development Core Team, Viena, Áustria). Foi adotado um nível de significância igual a 0,05 em todas as análises.
Resultados
Durante o ano de 2002, ocorreram no Município do Rio de Janeiro 86.949 nascimentos. Desses, foram efetivamente incluídos na análise 77.987 (87%) recém-nascidos a termo, ou seja, com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas, de gestações únicas e com peso maior que 1.000g (muito baixo peso) e menor que 5.500g (alto peso).
Os gráficos da Figura 1 apresentam a média diária de peso e a proporção diária de baixo peso, menor que 2.500g, dos nascimentos em 2002 no Município do Rio de Janeiro. Apesar do estudo compreender apenas um ano, observa-se que a média diária do peso ao nascer apresenta um comportamento sazonal com médias mais baixas nos primeiros meses do ano. As proporções diárias de baixo peso ao nascer apresentam um padrão semelhante no sentido oposto.
O peso médio ao nascer dos recém-nascidos no ano de 2002 que atenderam o critério de elegibilidade foi 3.239g. As estatísticas descritivas do peso ao nascer e os poluentes PM10, SO2, CO, NO2 e O3 estão apresentados na Tabela 1. Mesmo após a imputação das concentrações de poluentes, 15% das medidas de NO2 e O3 ainda estavam faltando. Esses indicadores estão disponíveis apenas em dois dos seis monitores de poluição do ar instalados na cidade. Parte do ano de 2001 representa a exposição das mães cujos filhos nasceram no início do ano de 2002. As concentrações médias de PM10 seguem um padrão sazonal semelhante ao do peso ao nascer médio diário.
Na Tabela 2 estão apresentados o total e percentual de indivíduos, a média e o desvio-padrão de peso ao nascer, o percentual de baixo peso ao nascer e a RO ajustada para cada categoria de exposição das variáveis de controle de confusão. Algumas categorias foram agrupadas segundo a magnitude e significância estatística do efeito. A escolaridade da mãe foi agrupada em duas categorias: até 11 anos e 12 anos ou mais de escolaridade. A idade da mãe foi categorizada nas faixas até 19 anos, 20 a 29, 30 a 34, 35 a 39, 40 anos ou mais. A variável referente a paridade, denominada primeiro filho, estava altamente associada com o baixo peso ao nascer, porém foi excluída das análises por possuir uma cobertura em torno de apenas 32% no Município do Rio de Janeiro.
A fim de estimar o efeito de cada poluente foi definido um modelo de regressão logística composto pelas variáveis apresentadas na Tabela 2, denominado modelo central. A idade gestacional de 42 semanas ou mais apresentou um efeito protetor com RO igual a 0,31. A escolaridade da mãe não foi significativa e sua RO estimada foi 0,93 para a categoria 12 anos ou mais de estudos. Todas as faixas etárias das mães analisadas parecem aumentar a probabilidade de baixo peso do recém-nascido quando comparadas com a faixa de 20 a 29 anos: para a faixa até 19 anos a RO foi 1,34; para a faixa 30 a 34 a RO foi 1,12; para a de 35 a 39 foi 1,44 e para a de 40 anos ou mais a RO foi igual a 1,69.
O número de consultas pré-natal está associado inversamente com o baixo peso ao nascer. A RO para a faixa 4 a 6 consultas foi 0,72 e para 7 ou mais consultas foi 0,52. O método do parto, vaginal ou cesáreo, não parece influenciar o baixo peso ao nascer. Recém-nascidos do sexo feminino tiveram RO igual 1,52 para baixo peso ao nascer. Estado civil da mãe parece aumentar as chances de baixo peso, quando solteira a RO foi igual 1,11. Quanto à raça e cor de pele, apenas as cores preta e parda parecem estar associadas com o baixo peso ao nascer com RO iguais a 1,54 e 1,28, respectivamente.
Apesar de não ter sido considerada no modelo para a associação entre a poluição do ar e baixo peso ao nascer devido à grande quantidade de dados faltantes na variável paridade, a RO para o indicador de que se tratava do primeiro filho foi 1,17 e significativa. Quando considerada essa variável, mais de dois terços dos recém-nascidos eram excluídos da análise.
As RO para cada intervalo interquartil da distribuição dos poluentes estão apresentadas na Tabela 3. O primeiro intervalo interquartil de cada poluente foi usado com exposição de referência. Para todos os indicadores de poluição do ar foram encontradas associações positivas em pelo uma das categorias de exposição, embora para a maioria destes indicadores estas associações não sejam estatisticamente significativas.
Para o PM10 os efeitos estimados no primeiro trimestre da gestação foram positivos e não significativos, com maior RO igual a 1,071 na categoria referente ao quarto intervalo interquartil da exposição. No segundo trimestre da gestação, os efeitos também não foram significativos. A maior RO foi referente ao segundo intervalo interquartil da exposição. Para o terceiro e quarto intervalos interquartis, a RO foi menor que 1. No terceiro trimestre da gestação, embora não significativas, foram estimadas RO iguais a 1,109 e 1,093 para o segundo e quarto intervalos interquartis da exposição, respectivamente.
Os efeitos de SO2 no primeiro trimestre da gestação foram não significativos com um pequeno aumento de 1,002 referente ao segundo intervalo interquartil da exposição. No terceiro e quarto intervalos interquartis as RO foram negativas. Quanto ao segundo trimestre da gestação, os efeitos também não foram significativos e apenas o terceiro intervalo interquartil não foi positivo. Para o segundo intervalo interquartil a RO estimada foi 1,092 e para o quarto 1,007. No terceiro trimestre, as RO referentes aos segundo e terceiro intervalos interquartis foram menores que 1. Entretanto, para o quarto intervalo interquartil de exposição a RO estimada foi 1,149 (IC95%: 1,016-1,301).
Quanto ao CO, apesar de não significativos, os maiores efeitos foram estimados no primeiro trimestre da gestação. Foi observado um gradiente de efeito que vai de 1,007 a 1,141 para exposições do segundo ao quarto intervalos interquartis. No segundo trimestre, a RO referente ao segundo intervalo interquartil de exposição foi igual a 1,016. Para o terceiro e quarto intervalos interquartis, as RO foram menores que 1. No terceiro trimestre da gestação, para o segundo e quarto intervalos interquartis de exposição os efeitos estimados foram 1,007 e 1,032, respectivamente, e para o terceiro 0,993. Esses também não foram significativos.
Os efeitos de NO2 também não foram significativos. O quarto intervalo interquartil de exposição no primeiro trimestre de gestação foi igual a 1,010. Os terceiro e quarto intervalos interquartis do terceiro trimestre de gestação foram iguais a 1,008 e 1,026, respectivamente. No segundo trimestre da gestação as RO foram menores que 1 e não significativas.
As estimativas do efeito do O3 foram menores que 1 para todos os níveis de exposição avaliados, exceto para o segundo intervalo interquartil no primeiro trimestre de gestação e o quarto intervalo interquartil do segundo trimestre. Esses foram iguais a 1,002 e 1,088, respectivamente, e sem significância estatística. Foi encontrado um efeito negativo significativo referente ao terceiro intervalo interquartil de exposição no terceiro trimestre da gestação igual a 0,860 (IC95%: 0,750-0,987).
Não foram encontradas associações estatisticamente significativas quando a variável de exposição foi introduzida no modelo como uma medida contínua. Os efeitos para a variação de 10µg/m³, exceto CO (que foi calculado para uma variação de 1µg/m³), estão apresentados na Tabela 4. Entretanto, no primeiro trimestre da gestação foram encontrados efeitos positivos para NO2 igual a 1,041 e O3 igual a 1,009. No segundo trimestre, foram encontradas RO iguais a 1,255 para SO2 e a 1,020 para O3. No terceiro trimestre da gestação as RO estimadas foram 1,089 para PM10, 1,259 para SO2 e 2,223 para CO.
Modelos com dois poluentes incluídos simultaneamente foram avaliados quando a correlação linear entre eles foi menor que 0,15, em valor absoluto, para cada trimestre de gestação. Foram avaliados os seguintes modelos com dois poluentes: SO2 e O3 no primeiro trimestre e PM10 e O3 no segundo e terceiro trimestres de gestação. Não foram encontradas associações significativas no modelo com múltiplos poluentes no mesmo trimestre de gestação.
Discussão
Os resultados deste estudo sugerem que existe uma associação entre poluição atmosférica e a ocorrência de baixo peso ao nascer no Município do Rio de Janeiro. Após controlar por diversos fatores de confusão em potencial, foi estimado que recém-nascidos de mães expostas a concentrações moderadas ou altas dos agentes poluentes da atmosfera analisados, principalmente nos primeiro e terceiro trimestres de gestação, são mais prováveis de nascer com peso inferior a 2.500g.
Com relação ao PM10, SO2 e CO, a maioria das associações estimadas é positiva, embora apenas para o SO2 referente ao quarto intervalo interquartil de exposição no terceiro trimestre da gestação tenha sido estatisticamente significativa. É importante considerar que a exposição materna foi estimada como a média de seis estações de monitoramento que medem esses poluentes em todo o município, considerando a data de nascimento e, portanto, a exposição materna individual pode estar superestimada em alguns casos e subestimada em outros. Logo, é inerente ao desenho de estudo adotado a possibilidade de erro de classificação não diferencial na exposição.
Esse aspecto pode se agravar para os indicadores de NO2 e O3 uma vez que estes foram medidos em apenas dois pontos da cidade. Nesse caso, é razoável supor que o erro de classificação da exposição possa ser ainda maior. Como conseqüência do erro de classificação não diferencial da exposição, os resultados encontrados neste estudo podem estar subestimados.
Mães que não estão sujeitas a uma gravidez de risco tendem a se locomover mais pela cidade, sobretudo nos primeiro e segundo trimestres da gestação, diminuindo o erro de classificação não diferencial da exposição. Portanto, a análise apenas dos nascimentos de mães residentes próximo aos monitores não diminuiria necessariamente o erro de classificação. Além disso, algumas mães residem mais próximo a fontes de emissão de poluição existentes que outras. A medida de exposição utilizada neste estudo, apesar de sua limitação, pode ser considerada adequada na falta de uma medida de exposição individual.
A escolha de uma janela de três meses para a estimativa da exposição da mãe à poluição do ar é baseada no fato de que muitos estudos que avaliam desfechos da gravidez utilizam o trimestre de gestação como unidade de mensuração. Na estimativa da exposição da mãe para cada trimestre foi usada apenas a data do nascimento como referência. Porém, a idade gestacional maior que 42 semanas ocorreu em menos de 1% dos nascimentos. Logo, pode haver um pequeno viés na estimativa da exposição materna nesses casos de forma não diferencial atenuando os efeitos encontrados.
Os pontos fortes deste estudo é que ainda foi possível encontrar efeito da poluição após controlar por muitos dos fatores determinantes de baixo peso ao nascer discutidos na literatura, como sexo, período gestacional, número de consultas pré-natal, estado civil, status sócio-econômico através da variável raça e cor da pele, idade e escolaridade da mãe. O peso ao nascer registrado no SINASC parece ter boa qualidade, logo não é provável que exista erro de classificação na condição de baixo peso ao nascer. Fatores como hábitos nutricionais, tabagismo ativo ou passivo durante a gestação, peso da mãe anterior à gestação, estado de morbidade materna e exposição ocupacional associados com o baixo peso ao nascer não estavam disponíveis. Entretanto, esses fatores variam de forma independente da poluição do ar e portanto não constituem fatores de confusão.
O tabagismo materno é um dos principais fatores determinantes de desfechos relacionados com a gestação, entre eles, o crescimento intra-uterino restrito e o baixo peso ao nascer 24,25,26,27. Entretanto, no Brasil, parece existir uma correlação entre tabagismo e escolaridade da mãe 42; assim, a primeira é parcialmente ajustada pela inclusão da última no modelo. Apesar de raça e cor da pele e classe social serem conceitos diferentes, raça e cor da pele é uma dimensão de estratificação social que pode diferenciar o acesso a serviços de saúde. Por estarem correlacionadas, a variável raça e cor da pele é freqüentemente usada como um indicador de status sócio-econômico 43. A inclusão dessa variável no modelo foi fundamentada nesse critério.
Os mecanismos envolvidos na redução do crescimento fetal associados com a exposição à poluição do ar podem variar durante a gestação, mas os diversos estudos não concordam sobre o período de maior suscetibilidade. O desenvolvimento fetal ocorre em diferentes estágios, o ganho de peso ocorre predominantemente no terceiro trimestre 38,44. Os resultados deste estudo são coerentes com esse aspecto. Nas duas estratégias de modelagem, categorias de exposição em intervalos interquartis e exposição contínua, os maiores efeitos, mesmo que não significativos, parecem ocorrer no terceiro trimestre da gestação. Exceto para CO que parece ter um efeito maior no primeiro trimestre.
Já se sabe que CO interfere com o transporte do oxigênio para o feto. O CO pode cruzar a barreira placentária e, além disto, o feto é mais vulnerável ao envenenamento por CO pois existe um acúmulo 10% a 15% maior no sangue fetal que nos níveis maternos. Ainda, sua eliminação é menor no sangue do feto que no da mãe 29. Pereira et al. 37, encontraram uma significativa relação dose-resposta entre concentrações de CO e a presença de carboxi-hemoglobina no sangue do cordão umbilical de mães não-fumantes em São Paulo, reforçando a plausibilidade biológica entre concentrações de poluentes na atmosfera e mortes fetais.
Os resultados deste estudo são consistentes com aqueles encontrados em outras cidades ou regiões onde foram encontrados efeitos da exposição da mãe ao SO2 no primeiro ou terceiro trimestre da gestação. Na República Tcheca foram encontradas associações entre partículas PTS e SO2 e mortalidade neonatal por doenças respiratórias 28. Na Coréia do Sul foram encontradas RO 1,08 e 0,91 para CO referentes ao primeiro e terceiro trimestres; para NO2 com RO 1,07 e 0,95 referentes ao primeiro e terceiro trimestres; para SO2 com RO 1,06 e 0,93 referentes ao primeiro e terceiro trimestres, respectivamente e PTS com RO 1,04 e 0,95 referentes ao primeiro e terceiro trimestres 29. No nordeste dos Estados Unidos foram encontrados efeitos do CO com RO igual a 1,04 para o quarto intervalo interquartil no terceiro trimestre; para o SO2 com RO igual a 1,13 referente ao quarto intervalo interquartil no segundo trimestre de gestação e para PM10 não foram encontrados efeitos significativos 30. No Canadá, num estudo de coorte retrospectiva, foram encontradas associações referentes a SO2 com RO igual a 1,36 no primeiro trimestre da gestação, a PM com RO igual a 1,33 referente ao primeiro trimestre e não foram encontradas associações com O336.
Mesmo após a imputação de dados, os poluentes NO2 e O3 ainda permaneceram com cerca de 15% das médias diárias faltando. Logo, as estimativas dos efeitos para esses indicadores podem estar enviesadas. Os campos referentes ao número de filhos vivos e mortos do SINASC apresentam em torno de 60% de dados faltantes, assim, mesmo sendo um importante fator de risco para o baixo peso ao nascer, a variável paridade foi excluída da análise.
Apesar das limitações envolvidas neste trabalho, foi possível estimar, de forma consistente com a literatura, o efeito da poluição do ar sobre o peso ao nascer de recém-nascidos a termo, de gestação única, no Município do Rio de Janeiro. O desfecho baixo peso ao nascer tem sido fortemente relacionado com a mortalidade infantil e é um indicador bastante sensível dos efeitos ambientais. Esse importante desfecho tem sido pouco estudado em epidemiologia ambiental. Os resultados deste trabalho complementam aqueles desenvolvidos em São Paulo 37,38, permitindo um melhor entendimento dos efeitos da poluição sobre a saúde nas grande cidades brasileiras.
Colaboradores
W. L. Junger e A. Ponce de Leon participaram conjuntamente das etapas de planejamento, análise, discussão e redação deste artigo.
Agradecimentos
W. L. J. é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). À Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente e à Secretaria Municipal do Meio Ambiente do Rio de Janeiro que contribuíram com este estudo cedendo os dados de concentrações de poluentes atmosféricos. Aos revisores cujas sugestões enriqueceram este trabalho.
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Correspondência:
W. L. Junger
Departamento de Epidemiologia
Instituto de Medicina Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier 524, sala 7013D, Rio de Janeiro
RJ 20550-900, Brasil
wjunger@ims.uerj.br
Recebido em 09/Mai/2006
Versão final reapresentada em 18/Set/2006
Aprovado em 10/Out/2006