ARTIGO ARTICLE
Critérios de positividade para cervicografia digital: melhorando a sensibilidade do diagnóstico do câncer cervical
Digital cervicography criteria: improving sensitivity in uterine cervical cancer diagnosis
Eugênio Santana FrancoI; Silvia Bomfim HyppólitoII; Rosana Gomes de Freitas Menezes FrancoIII; Mônica Oliveira Batista OriáIV; Paulo César de AlmeidaV; Lorita Marlena Freitag PagliucaIV; Nelson Fernando Pacheco da RochaVI
IEscola Superior de Saúde, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil
IIICentro de Saúde Anastácio Magalhães, Fortaleza, Brasil
IVDepartamento de Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil
VUniversidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil
VISecção Autónoma de Ciências da Saúde, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi validar critérios de positividade para cervicografia digital. Estudo realizado com 300 mulheres submetidas a protocolo clínico composto por exame citológico, uma avaliação por meio de cervicografia digital sem ampliação de imagem (Avaliação 1), e outra avaliação também usando cervicografia digital mas com ampliação adicional de imagem e os critérios de positividade propostos neste estudo (Avaliação 2). A idade média das mulheres foi de 27,6 anos. Os critérios de positividade para cervicografia digital foram identificados em 111 casos (100%) dos testes positivos para lesões precursoras do câncer do colo uterino e em 8 casos (2,6%) considerados falso-positivos. As avaliações 1 e 2 classificaram os exames como positivos (163; 54,3%) e suspeitos (146; 48,6%), respectivamente. Os resultados revelam que a cervicografia digital foi mais sensível (99,1%) e a citologia mais específica (100%). O desempenho alcançado pela cervicografia digital, quando aplicado os critérios de positividade, alcançou sensibilidade 4,5 vezes superior ao desempenho da citologia oncológica, além do baixo custo, sugerindo ser uma técnica factível.
Neoplasia Intra-epitelial Cervical; Colposcopia; Saúde da Mulher
ABSTRACT
This study aimed to validate the scoring criteria for digital cervicography. The study enrolled 300 women submitted to a clinical protocol using cytological examination alone, digital cervicography without image magnification (Evaluation 1), and digital cervicography plus additional image magnification and considering the positive criteria (Evaluation 2). Women's mean age was 27.6 years. Positive criteria for digital cervicography were identified in 111 positive cases with pre-cancerous cervical lesions (100%) and in 8 cases classified as false positives (2.6%). Evaluations 1 and 2 classified the tests as positive (163; 54.3%) and suspected (146; 48.6%), respectively. According to the findings, digital cervicography was more sensitive (99.1%) and cytology more specific (100%). Digital cervicography sensitivity increased by 4.5 times when the positive criteria were applied as compared to cytology alone, besides involving low cost, thus suggesting that it is a viable technique.
Cervical Intraepithelial Neoplasia; Colposcopy; Women's Health
Introdução
No mundo inteiro, o segundo tipo de câncer mais comum entre as mulheres é o do útero 1, cujo principal risco etiológico é a infecção genital pelo HPV, a doença sexualmente transmissível viral mais freqüente na população sexualmente ativa. Pesquisadores estimaram que em 2000 ocorreram mais de 10 milhões de novos casos de câncer em todo o mundo, dos quais 53% aconteceriam nos países em desenvolvimento 2.
Para o Brasil, estimam-se 19.260 novos casos de câncer de colo uterino, o que equivale a um risco estimado de 20 casos para cada 100 mil mulheres 3. O aumento significativo de novos casos da doença e suas conseqüências têm levado pesquisadores, em todo o mundo, a repensar os métodos e estratégias utilizadas para a prevenção do câncer do colo uterino, tendo em vista que a experiência clínica mostra que, em geral, um único teste não é suficiente para detectar todos os casos da doença.
No Brasil, o Ministério da Saúde tem como principal estratégia para o controle dessa doença a oferta da citologia de Papanicolaou para mulheres com idades entre 25 e 59 anos 1. Apesar dos esforços despendidos, a morbidade e a mortalidade ocasionadas pelo câncer do colo do útero ainda têm se mostrado persistentes, mesmo diante de significativo aumento do número de mulheres submetidas à coleta citológica, o que suscita questionamentos quanto à sua efetividade, quando utilizada como único método de triagem. Vale ressaltar que a coleta citológica sofre bastante influência de quem a realiza, de forma que as lâminas produzidas pela técnica podem ser satisfatória, insatisfatória ou satisfatória com limitação. Estudo realizado em Florianópolis, Santa Catarina, identificou 36,17% de lâminas insatisfatórias e satisfatórias com limitação nos anos de 2003 e 2004 4, proporcionando um aumento do número de exames falso-negativos, prejudicando o sistema de saúde e o seguimento da saúde da mulher.
Assim, apesar da citologia de Papanicolaou ser um exame de alta especificidade fica evidente que apresenta baixa sensibilidade, sendo relevante valorizar outros aspectos que possam auxiliar o examinador no diagnóstico precoce do câncer, tais como: a inspeção visual dos aspectos macroscópicos da cérvice.
Na prática, durante a coleta para a citologia de Papanicolaou, significativo número de mulheres apresenta, à inspeção visual, alterações no colo uterino bastante distintas dos aspectos da normalidade, especialmente após aplicação do ácido acético a 5%. Entretanto, o resultado do exame de algumas mulheres, em contradição aos achados da inspeção visual e às recomendações do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo Uterino e de Mama, revela-se inocente para o câncer cérvico uterino e suas lesões precursoras, com diagnóstico citológico compatível com processo inflamatório em seus vários graus 5.
Logo, nossa hipótese é de que a presença de pelo menos um dos critérios de positividade justifica o aprofundamento da investigação diagnóstica por meio da biópsia dirigida pela colposcopia, reduzindo assim o número de mulheres com resultados falso-negativos no screening. Assim, esta investigação teve o objetivo de validar os critérios de positividade para a cervicografia digital (que já tem sido validada como método de rastreamento das diversas patologias que acometem a cérvice uterina 5,6,7).
Metodologia
Este estudo foi desenvolvido em um centro de saúde da rede pública municipal de Fortaleza, Estado do Ceará. As estatísticas do Ceará indicaram para o ano de 2006 uma expectativa de 1.050 novos casos (taxa bruta = 24,94%) para o estado e 360 (taxa bruta = 28,38%) para Fortaleza 3.
De acordo com o censo demográfico realizado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Fortaleza é de 2.141.402 habitantes, sendo 1.425.825 mulheres com idades entre 10 e 49 anos. A população deste estudo constituiu-se de 1.286 mulheres submetidas ao exame preventivo para o câncer do colo uterino, sendo a amostra relativa a 300 (23,32%) mulheres com resultado positivo quando submetidas à inspeção visual com ácido acético a 5% (IVA).
Essas mulheres procuraram de forma espontânea a unidade de saúde para realização do preventivo de rotina, e após cadastro realizado pelo Setor de Arquivos Médicos e Estatística (SAME) foram encaminhadas aos diversos consultórios, obedecendo-se a ordem de chegada à unidade de saúde. Às mulheres encaminhadas aos consultórios onde se desenvolvia a investigação, após receberem todos os esclarecimentos sobre a pesquisa e os procedimentos a serem realizados, era proposto participarem da investigação, o que se fazia após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todas as pacientes foram submetidas a rigoroso protocolo clínico, em que inicialmente era realizada a anamnese e o exame físico, seguida da inspeção da vulva e do colo uterino, coleta citológica de Papanicolaou, a inspeção visual com ácido acético a 5% e uma avaliação por meio de cervicografia digital sem ampliação de imagem e substanciada em critérios colposcópicos e experiência clínica do examinador (Avaliação 1), e outra avaliação também usando-se cervicografia digital mas com ampliação adicional de imagem e os critérios de positividade propostos neste estudo (Avaliação 2).
Os casos considerados negativos, tanto na Avaliação 1 como na Avaliação 2, eram agendados para recebimento dos resultados dos exames e novo atendimento médico para tratamento e/ou encaminhamentos necessários. Os casos considerados suspeitos ou positivos, detectados tanto pela Avaliação 1 quanto pela Avaliação 2, foram submetidos à biópsia dirigida. O exame histopatológico foi utilizado como padrão ouro nessa investigação. As mulheres com histopatológico compatível com alterações celulares causadas pelo HPV, precursoras e/ou câncer do colo uterino foram submetidas a tratamento com médico especialista na unidade de saúde ou encaminhadas, quando necessário, a serviço de maior complexidade.
A avaliação de ocorrência de resultados falso-positivos, tanto na Avaliação 1 como na 2, foi determinada pela discordância entre a positividade da cervicografia digital e o resultado histopatológico negativo para o câncer do colo uterino e sua lesões precursoras, ou seja, os casos em que a cervicografia digital sugeriu a presença de lesão pelo HPV que não tiveram confirmação pela histopatologia (padrão ouro) foram considerados falso-positivos.
Esta investigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal do Ceará (protocolo nº. 15/04) e foram cumpridas as determinações ético-legais das pesquisas envolvendo seres humanos.
Avaliação da qualidade fotográfica, interpretação e classificação da cervicografia digital
Para avaliação da qualidade fotográfica, interpretação e classificação da cervicografia digital definiu-se três importantes parâmetros (Tabela 1).
Para avaliação da qualidade fotográfica dos cervicogramas utilizou-se três critérios, quais sejam: a resolução, o foco, e a adequação luminosa. As cores contidas nos cervicogramas foram fundamentais para a interpretação e classificação da cervicografia digital, e o histograma foi utilizado para avaliar os tons da imagem e traduzir de forma rápida a quantidade e a qualidade de luz e informações contidas na fotografia.
Foram definidos como critérios de positividade para a cervicografia digital alterações de caráter morfológico e colorimétrico de fácil identificação e observáveis à inspeção visual, antes e após a aplicação do ácido acético a 5%. Tais critérios fundamentam a avaliação do profissional a partir da existência de lesão branca detectada antes do teste do ácido acético (alterações colorimétricas não reativas - ACNR); presença de lesão de cor branca, em alto relevo ou em plano zero, em suas diversas tonalidades, evidenciada após 2 a 5 minutos da aplicação do ácido acético a 5% sobre a cérvice uterina, paredes vaginais e fundo de saco (alterações colorimétricas reativas - ACR); presença de lesões em relevo que apresentem um padrão de superfície grosseiro e diferenciado do aspecto normal do epitélio de revestimento do colo uterino, paredes vaginais e/ou fundo de saco (projeções positivas - PP); e presença de formas ulceradas no colo uterino, paredes vaginais e fundo de saco (projeções negativas - PN).
As cervicografias digitais foram classificadas como teste positivo, negativo ou não conclusivo. O resultado foi considerado positivo quando revelou a presença de alterações morfológicas e/ou colorimétricas antes e/ou após aplicação do ácido acético a 5%, divergentes dos aspectos da normalidade, sugestivas de infecção pelo HPV. O resultado negativo indicou ausência de estruturas diferenciadas dos aspectos da normalidade, no colo uterino, antes e/ou após aplicação do ácido acético a 5%, em que não puderam ser observadas, mesmo sob ampliação, alterações morfológicas e/ou colorimétricas divergentes dos aspectos da normalidade. Por fim, a cervicografia digital foi considerada não conclusiva quando apresentava interferência de fatores intrínsecos ou extrínsecos à execução da técnica.
Os fatores extrínsecos se reportavam às características anatômicas anômalas além de fatores comportamentais passíveis de dificultar a realização do procedimento. Os fatores intrínsecos são relativos a materiais e técnicas, e vão desde a utilização de equipamento fotográfico e/ou de iluminação inadequados, a erros de execução técnica, resolução inadequada ou insuficiente, erros de armazenagem e transmissão de imagem. Esses erros, porém, quase sempre podem ser evitados ou corrigidos.
Para as análises da sensibilidade e especificidade da citologia, da inspeção visual com ácido acético, da colposcopia e da cervicografia digital, utilizou-se o intervalo de 95% de confiança (IC95%).
Resultados
A idade média das mulheres do estudo foi de 27,6 anos. A maioria delas (85,4%) tinha menos de 37 anos. De acordo com os antecedentes obstétricos, 132 mulheres (44%) eram nulíparas, 230 (76,7%) nunca tinham abortado, 17,3% relataram um aborto e 6% tiveram mais de dois abortos.
Os critérios de positividade foram identificados isoladamente ou associados em 111 casos (100%) dos testes positivos e em oito casos negativos (2,6%), o que foi confirmado por biópsia. Os dados obtidos com o exame citológico de Papanicolaou já foram descritos anteriormente 7. A citologia não rastreou nenhum caso de câncer.
A Avaliação 1 classificou como positivos 163 casos (54,3%) que foram submetidos a exame colposcópico. Essa avaliação determinou como suspeitos 113 casos, ou 37,6% da amostra, os quais foram submetidos à biópsia dirigida. Nas biópsias dirigidas das lesões suspeitas foram identificados 89 (78,8%) diagnósticos positivos de lesão precursora. Foram considerados falso-positivos 14 casos diagnosticados como cervicite crônica ao exame histopatológico. A Avaliação 2 classificou como suspeitos 146 casos (48,6%) da amostra.
O resultado da análise revelou que a cervicografia digital foi o teste com maior sensibilidade (99,1%) e a citologia de Papanicolaou o de maior especificidade (100%). Na prática clínica são mais úteis os resultados negativos de um teste sensível e os resultados positivos de um teste específico (Tabela 2).
A cervicografia digital e o teste da IVA apresentaram alto valor preditivo negativo: 99,3% e 99%, respectivamente. Isso representa a proporção de verdadeiro-negativos entre todos os indivíduos com teste negativo, enquanto a citologia e a colposcopia apresentaram o mais baixo valor preditivo negativo entre os testes, com 68,7% e 60%, respectivamente.
Todos os casos de lesão intra-epitelial leve estiveram distribuídos entre as mulheres de 18 a 57 anos, com 65,6% dos casos incidindo sobre a faixa etária de 18 a 27 anos. Dos três casos de câncer, dois deles (66%) foram diagnosticados em mulheres com idades entre 48 e 57 anos, e um (33,3%) em mulher com idade entre 28 e 37. Em contraposição ao baixo valor preditivo negativo, a citologia mostrou o mais alto valor preditivo positivo entre os testes da investigação (100%), expressando a possibilidade de um paciente com o teste positivo ter a doença (Tabela 2).
A cervicografia digital apresentou VPP (valor preditivo positivo) de 76%, selecionando, com maior precisão quando comparada à IVA (VPP = 37%), os casos verdadeiro-positivos entre todas as mulheres com teste positivo. A cervicografia digital reduziu, também em comparação à IVA, mais de 50% dos resultados falso-positivos, o que, na prática, pode significar uma redução substancial de custos e a otimização dos recursos diagnósticos, em nível secundário, disponibilizados à população.
Entre as 189 mulheres submetidas à colposcopia, 50 (26,4%) apresentaram resultado normal. Nessas mulheres também não foram identificados critérios de positividade da cervicografia digital.
O teste de kappa com IC95% (0,173-0,295) foi aplicado para averiguar a existência de concordância entre a colposcopia e a cervicografia digital, obtendo-se k = 0,234 e p < 0,001, o que indica baixa associação entre os testes.
Na investigação, lesões com bordos definidos foram as mais observadas e ocorreram em 87 casos (62,5%); bordos mistos foram identificados em 42 lesões (30,3%) e somente 8 lesões (5,8%) não tiveram seus bordos visualizados. O aspecto geográfico das lesões foi o mais observado no estudo, o qual esteve presente em 114 (82%) casos, e em 19 casos de cervicites crônicas esta característica também foi encontrada. A forma polipóide (n = 2; 1,4%) foi associada exclusivamente a casos negativos.
Não foram observados casos de cervicografia digital com resultado negativo em pacientes com resultados histopatológicos positivos. Em um caso o resultado citológico foi positivo (NIC I) e discordante da cervicografia digital (negativo). Há de se considerar, porém, que a cliente em análise tinha 54 anos e, como era de se esperar para esta condição, a junção escamocolunar (JEC) não estava visível. Segundo registrado na literatura, nem mesmo o exame colposcópico é um método diagnóstico suficiente quando a junção escamocolunar não é visível 8.
A aceitação da cervicografia digital como teste de rastreio pelos sujeitos da pesquisa foi de 100%, e seu desempenho na investigação melhorou em 4,5 vezes a detecção de lesões intra-epiteliais cervicais se comparado aos resultados obtidos quando a citologia de Papanicolaou foi o único teste utilizado.
Discussão
O diagnóstico de câncer cérvico-uterino em mulheres submetidas sistematicamente ao exame citológico e com sucessivos resultados falso-negativos para células neoplásicas suscita questionamentos quanto ao aspecto preventivo do exame e sua eficácia, quando se busca a prevenção do câncer. A citologia de Papanicolaou é um teste de rastreamento que apresenta baixa sensibilidade para detectar lesões displásicas. Isso, somado a uma coleta de material inadequada, leva a um sistema de screening falho 9.
A sensibilidade alcançada pelos testes citológicos chega a médias de 60%, significando que os testes de um grande número de mulheres, portadoras de lesões com algum potencial cancerígeno, foram considerados negativos 10. As taxas de resultados falso-negativos da citologia divergem extensamente. Conforme diversos autores concluíram, a citologia convencional apresenta sensibilidade de 30% a 87% e especificidade de 86% a 100%, mas estas taxas são bastante variadas 7,8,11.
A baixa concordância entre a citologia cervical e a histopatologia sugere que a prática de confiar no exame citológico como único método de triagem das mulheres que têm uma mancha típica deve ser evitado 11.
Nossos achados revelam que 61,6% das infecções acometiam mulheres na faixa etária entre 18 e 27 anos de idade, enquanto apenas 3,73% das mulheres entre 48 e 69 anos apresentavam diagnóstico de lesão intra-epitelial cervical.
Vários autores observaram aumento da incidência do câncer cervical em mulheres jovens que foram triadas adequadamente pela citologia de Papanicolaou. Isso demonstra a elevada taxa de resultados falso-negativos neste método 12.
Segundo observado na investigação, 275 mulheres (91,7%) apresentaram resultado negativo para câncer do colo uterino e suas lesões precursoras, em que a sensibilidade alcançada pela citologia (22,5%) contrasta com os resultados obtidos pelos demais métodos, nos quais o IVA demonstrou 99,1% de sensibilidade, a colposcopia 81,6% e a cervicografia digital 99,1%.
Estudos indicam casos em que lesões precursoras e até mesmo o câncer do colo uterino continuam passando despercebidos pelos profissionais da saúde. No exame citológico, a distorção interobservador e até mesmo intra-observador é, por conseguinte, altamente subjetiva 13. Os resultados alcançados nesta investigação corroboram com a literatura, pois a colposcopia, apesar de ter alcançado sensibilidade de 81,6%, demonstrou especificidade de 55,5%.
Em corroboração à literatura pertinente sobre a baixa sensibilidade da citologia e a necessidade de adoção de testes complementares para o rastreio do câncer cervical e suas lesões precursoras, no presente estudo foram verificados três casos de câncer do colo uterino rastreados pela cervicografia digital, e confirmados pelo estudo histopatológico, que, entretanto, apresentaram resultados negativos ao exame citológico. Tais resultados ocorreram a despeito dessas mulheres virem sendo submetidas à citologia de Papanicolaou regularmente, no mínimo, uma vez por ano, em serviços considerados de referência na cidade de Fortaleza, pelo menos nos últimos seis anos, sem que a doença fosse diagnosticada ou tratada adequadamente.
O teste da inspeção visual com o ácido acético a 5%, utilizado na seleção da amostra deste estudo, apesar de demonstrar alta sensibilidade (99,1%) para detecção do câncer cervical e suas lesões precursoras, encaminhou para o aprofundamento investigativo elevado número de resultados falso-positivos, no total de 189 mulheres (64,3%) da amostra. Isso, pelos possíveis custos adicionais aos serviços de saúde e pela dificuldade de acesso à colposcopia para um grande número de mulheres, torna o método questionável como única opção de rastreio complementar à citologia de Papanicolaou.
A fim de evitar referências dispensáveis ao exame colposcópico e à biópsia dirigida, inviabilizando, ainda mais, os sistemas de referência públicos para atendimento ao elevado número de mulheres, propõe-se a revalorização da inspeção visual e a adoção da cervicografia digital para o registro de lesões suspeitas da cérvice uterina, disponibilizando informações importantes para a elucidação diagnóstica.
Segundo confirmado, o acréscimo da cervicografia após o pincelamento da cérvice com solução de ácido acético a 5% aumenta em quatro vezes a eficiência do rastreamento de neoplasias intra-epiteliais cervicais feitas por meio da citologia oncológica.
Acredita-se que a técnica pode ser extremamente útil no controle de qualidade de programas de prevenção, técnicas de coleta citológica e resolutividade laboratorial, tudo visando à diminuição da morbi-mortalidade por câncer do colo uterino sempre tão elevada nos países em desenvolvimento. A partir daí, é possível ocorrer a redução de custos e das perdas sociais acarretadas pelo câncer cervical.
Um programa de prevenção do câncer do colo do útero bem estruturado deve disponibilizar o tratamento imediato das lesões suspeitas e aquelas com laudo citológico compatível com lesões de grau leve, e/ou no mínimo facultar à mulher a escolha do tratamento imediato ou a conduta expectante.
Apesar de justificar-se a conduta expectante, na afirmação de que uma grande parte das lesões de grau leve regride totalmente e de forma espontânea, o sistema de saúde não dispõe de meios para identificar as mulheres nas quais a lesão progredirá até o câncer invasor. Do mesmo modo, não dispõe de um sistema de seguimento e busca eficiente. Assim, a conduta expectante para lesões intra-epiteliais de grau leve, apesar de ser justificável sob o ponto de vista econômico, quando se busca uma aplicação mais racional dos recursos, e sob o ponto de vista ético, quando se busca a redução de iatrogenias provocadas pelo tratamento de lesões, que provavelmente regrediriam de forma espontânea, não suprime nem justifica o sofrimento psíquico e o desconforto das mulheres diagnosticadas e não tratadas prontamente.
Os resultados desta investigação demonstram a necessidade urgente de adoção de testes complementares à citologia de Papanicolaou nos programas de prevenção e controle do câncer do colo uterino para melhorar a qualidade do rastreamento, e reduzir, nos diversos aspectos envolvidos (psicossocial, físico e emocional), os danos causados às mulheres pela doença.
A cervicografia digital pode ser de extrema utilidade, particularmente em mulheres com história clínica e/ou comportamental de alto risco para câncer do colo uterino, especialmente em local onde o acesso à colposcopia é restrito, onde se deseja realizar um controle de qualidade sobre os dados clínicos e os seus correspondentes laboratoriais, e a citologia de Papanicolaou é o único método de rastreamento disponível. Por permitir a observação das imagens do colo uterino, pode até reduzir, a critério médico, a necessidade de encaminhamentos para exames colposcópicos e/ou biópsias.
Tratando-se de tecnologia a eficiência é condicionada à relação entre custos e conseqüências e pode ser medida sob condições da prática diária 14. O tempo médio para a análise e classificação das cervicografias digitais foi de quatro minutos e revelou que, do ponto de vista da resolução e técnica fotográfica, não houve diferença significativa na interpretação das imagens registradas nos modos de exposição automática ou manual e o custo médio de cada exame foi estimado em US$ 0,12. Esse valor foi determinado pelo custo da câmera fotográfica e insumos, divididos pelo número de capturas digitais esperadas para a vida útil do equipamento, segundo as especificações técnicas dos fabricantes.
A avaliação tecnológica tem sido cada vez mais utilizada nos países desenvolvidos, objetivando apreender as melhores formas de incorporação, gerenciamento do modo de utilização das tecnologias da saúde. A importância da avaliação tecnológica busca evitar que a incorporação e a utilização de tecnologias médicas ocorram de maneira lesiva à qualidade técnica dos serviços, seja do ponto de vista da eficácia, efetividade e do custo, com repercussões negativas para o financiamento do setor e para eqüidade no acesso e utilização de serviços 15.
Mesmo considerando que a conduta terapêutica em face da classificação positiva da cervicografia digital possa divergir, por estar ou ser condicionada a vários outros critérios objetivos e/ou subjetivos, a cervicografia digital permanecerá, ainda assim, como ponto de corte para futuras investigações, revisão de caso, e até como documentação legal para resguardo da paciente e/ou do profissional, pois a imagem refere-se a algo que efetivamente se encontra diante da lente, o que leva à inquestionabilidade de sua existência, porquanto a fotografia é um processo que permite o registro de imagens óticas sob uma forma definitiva.
O desempenho alcançado pela cervicografia digital, quando aplicados os critérios de positividade, alcançou sensibilidade 4,5 vezes superior ao desempenho da citologia oncológica e um baixo custo, sugerindo que a técnica é factível.
Vale ressaltar que quando se considera que o enfermeiro realiza a maioria das coletas citológicas no Brasil, a cervicografia digital, aliada aos critérios de positividade, também desenvolvidos por enfermeiros, pode ser, além de um importante instrumento na promoção da saúde da mulher, motor de uma valorização cada vez maior do trabalho deste profissional, pela substancial melhoria na qualidade do atendimento.
Colaboradores
E. S. Franco, L. M. F. Pagliuca e N. F. P. Rocha foram responsáveis pela concepção deste estudo. E. S. Franco, S. B. Hyppólito e R. G. F. M. Franco contribuíram igualmente na coleta e análise dos dados. P. C. Almeida foi responsável pelo tratamento estatístico. E. S. Franco e M. O. B. Oriá foram responsáveis pela escrita e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final a ser publicada.
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Correspondência:
E. S. Franco
Escola Superior de Saúde
Universidade de Aveiro.
Rua Caloustre Gulbenkian s/n, apto. 105
Residência dos Docentes, Universidade de Aveiro, Código Postal
3810-193, Aveiro, Portugal.
eugeniofranco@uol.com.br
efranco@ua.pt
Recebido em 06/Ago/2007
Versão final reapresentada em 27/Mar/2008
Aprovado em 16/Abr/2008