ARTIGO ARTICLE

 

Adaptação transcultural para o Brasil da Exercise Benefits/Barriers Scale (EBBS) para aplicação em idosos: uma avaliação semântica

 

Cross-cultural adaptation of the Exercise Benefits/Barriers Scale (EBBS) for application in elderly Brazilians: preliminary version

 

 

Janaina Fonseca VictorI; Lorena Barbosa XimenesII; Paulo Cesar de AlmeidaIII

ICentro de Ciências da Saúde, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, Brasil
IIFaculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza
IIICentro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo descreve a adaptação transcultural da Exercise Benefits/Barriers Scale (EBBS) para o idioma português para aplicação em idosos. A EBBS foi originalmente desenvolvida nos Estados Unidos com o objetivo de identificar a percepção quanto às barreiras e benefícios da prática de exercícios e, assim, conhecer os fatores que interferem nesta prática. O processo de adaptação transcultural envolveu as seguintes fases: tradução inicial; síntese da tradução; tradução de volta à língua de origem (back-translation); revisão por um comitê de juízes para avaliar a equivalência semântica, idiomática, experimental e conceitual; e pré-teste da versão final com trinta idosos. A partir da adaptação transcultural da EBBS foi possível propor uma versão preliminar em português. No entanto, para se aceitar com garantia que a equivalência transcultural entre o original e a versão traduzida tenha sido inteiramente conseguida, faz-se necessária a comparação entre as propriedades psicométricas da versão em português e do instrumento original, uma tarefa primordial que já está sendo realizada e oportunamente será apresentada.

Atividade Motora; Idoso; Estudo de Validação


ABSTRACT

This article describes the cross-cultural adaptation of the Exercise Benefits/Barriers Scale (EBBS) to the Portuguese language and its application in elderly Brazilians. The EBBS was originally developed in the United States to identify perceptions concerning the barriers to (and benefits of) physical exercise, and thus to determine factors affecting this practice. Cross-cultural adaptation involved the following phases: initial translation, summary of the translation, retranslation into the original language (back-translation), review by an expert panel to evaluate semantic, idiomatic, experimental, and conceptual equivalence, and pre-test of the final version with 30 elderly subjects. The EBBS cross-cultural adaptation allowed proposing a preliminary Portuguese-language version. However, to ensure that the cross-cultural equivalence between the original version and the translation has been fully achieved, it is necessary to compare the psychometric properties of the Portuguese version and the original instrument, a crucial task that is now being performed and will soon be published.

Motor Activity; Aged; Validation Studies


 

 

Durante o envelhecimento, o organismo é objeto de alterações fisiológicas em sua capacidade física, principalmente, alterações cardiovasculares e musculoesqueléticas 1. Em idosos, as evidências clínicas e epidemiológicas revelam que a prática de atividade física regular tem efeito positivo na promoção da saúde, possibilitando prevenção e minimização dos efeitos deletérios do envelhecimento 1,2,3.

A prática de atividade física em idosos melhora a densidade mineral óssea, a força, a flexibilidade articular, a glicemia, o perfil lipídico, a auto-estima e a autoconfiança, além de auxiliar no controle do peso corporal, da pressão arterial, da função pulmonar, do equilíbrio, da marcha, permitindo menor dependência para realização das atividades diárias e diminuindo a incidência de quedas, o risco de fraturas, a ansiedade e a depressão. Todos esses benefícios são incontestáveis quanto à repercussão na qualidade de vida dos que a praticam 2,4,5.

Em idosos, em particular, iniciativas mundiais para a promoção da saúde, mediante a prática de atividade física, são desenvolvidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1996, quando elaborou o protocolo The Heiderberg Guidelines for Promoting Physical Activity Among Older Persons 6, o qual traz evidências científicas dos benefícios da prática de atividade física. Em 1999, a OMS instituiu o Ano Internacional do Idoso, e criou a Internacional Society for Aging and Physical Activity (ISAPA).

O American College of Sports Medicine Position Stand publicou em 1998, o documento Exercise and Physical Activity for Older Adults 7, trazendo as mudanças observadas na função cardiovascular, na força muscular, flexibilidade, estabilidade postural e capacidade funcional dos idosos com a atividade física.

No Brasil, em 1999, a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, em parceria com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, elaboraram o texto sobre atividade física e saúde dos idosos, cujo propósito é ampliar a recomendação da prática de atividade física pelos profissionais de saúde que lidam com indivíduos idosos 8. Em 2006, o Ministério da Saúde brasileiro propôs a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que prioriza a prática corporal e a atividade física, tanto para a população como um todo quanto para grupos vulneráveis, como os idosos 9.

É mister esclarecer que as expressões atividade física e exercício físico não se apresentam como sinônimos, pois a primeira se refere a qualquer movimento do corpo produzido por músculos esqueléticos e que resulta em dispêndio de energia, enquanto o exercício é a atividade planejada, realizada de forma repetitiva e feita com algum propósito 2.

Embora ciente da diferença das expressões, neste estudo concorda-se com Pitanga & Lessa 10, que definem atividade física como movimento corporal produzido pela musculatura esquelética que resulte em gasto energético, tendo componentes e determinantes de ordem biológica, psicossocial, cultural e comportamental, podendo ser exemplificada por jogos, lutas, danças, esportes e exercícios físicos.

É imprescindível ressaltar ainda que a inatividade em pessoas idosas acontece, muitas vezes, por determinações sócio-culturais, e não verdadeiramente por uma incapacidade funcional. Os comportamentos conferidos aos idosos referem-se à dependência e imobilidade, com baixo nível de atividade física. Sabe-se, entretanto, que muitas das alterações funcionais observadas nos idosos são conseqüências da inexistência de estímulos e não essencialmente das alterações atribuídas ao envelhecimento 11,12.

Dentre os múltiplos fatores que levam à inatividade, o desconhecimento sobre como se exercitar, as finalidades de cada exercício, limitações de grupos específicos e percepções distorcidas em relação à atividade física são apontados como possíveis fatores para o sedentarismo 13.

O conhecimento sobre os benefícios da atividade física não implica necessariamente adoção de um estilo de vida fisicamente ativo, todavia, sem o conhecimento e percepção adequados sobre este tema é improvável que atitudes de mudança no padrão de comportamento sejam postas em prática. Nesse sentido, estudos realizados acerca da relação entre o conhecimento sobre atividade física e sua prática, evidenciaram o fato de que, quando se conhecem as percepções a respeito de atividade física em populações mais vulneráreis, como os idosos, as intervenções, principalmente, no âmbito primário, são mais efetivas 4,5,14.

Uma opção para os profissionais de saúde no entendimento das facilidades e dificuldades para a prática de atividade física é a utilização de escala de medida que possa avaliar o conhecimento que as pessoas têm sobre este tema. O uso de escalas fornece uma medida objetiva e psicometricamente rigorosa. No entanto, após vasto levantamento bibliográfico, na literatura nacional, realizado nos principais bancos de dados, nenhum instrumento foi encontrado. Há instrumentos que medem o nível de atividade física das pessoas, mas não o conhecimento sobre o assunto.

Entretanto, encontra-se na literatura internacional o instrumento de avaliação psicométrica denominado Exercise Benefits/Barriers Scale (EBBS), desenvolvido por Sechirist et al. 15. Ao aplicar o instrumento pode-se identificar tanto a percepção sobre as barreiras encontradas para ser fisicamente ativo quanto os benefícios relacionados à prática de exercícios. A EBBS foi elaborada com base no modelo teórico denominado Modelo de Promoção da Saúde de Nola J. Pender. Relevante destacar ainda, que esse instrumento não foi desenvolvido especificamente para idosos, mas para aplicação em adultos.

Neste estudo, estabeleceu-se como objetivo a adaptação transcultural para o Brasil da EBBS para aplicação em idosos. A decisão pela tradução do instrumento para idosos deu-se pela importância dessa atividade para esse grupo etário, além de não existir na literatura instrumento específico.

Exercise Benefits/Barriers Scale

A EBBS é um instrumento com 43 itens, sendo 14 da barrier scale e 29 da benefits scale. Ele pode ser aplicado conjunta ou separadamente. A escala apresenta opções de resposta do tipo Likert com os escores dos itens variando de 1 a 4: strongly agree (4), agree (3), desagree (2), strongly desagree (1). Quando usadas juntas, a EBBS apresenta escore reverso aos itens da barriers scale podendo variar de escores de 43 a 172. Quando usadas isoladamente, entretanto, a maior pontuação é para a benefits scale, que varia de escores 29 a 116, e para barriers scale varia de escores 14 a 56, representando melhor percepção sobre os benefícios e as barreiras, respectivamente 15.

A confiabilidade da EBBS foi testada pela análise da consistência interna (alfa de Cronbach), que foi de 0,954 para benefitis scale e 0,866 para barriers scale. A confiabilidade teste-reteste foi de 0,89 no instrumento total, sendo 0,89 para benefits scale e 0,77 para barriers scale 15.

 

Métodos

Os procedimentos metodológicos para tradução e adaptação da EBBS seguiram os estágios do processo proposto por Beaton et al. 16, envolvendo a adaptação de itens, instruções e opções de repostas da escala. A proposta compreendeu cinco fases: tradução inicial, síntese da tradução, tradução de volta à língua de origem (back-translation), revisão por um comitê de juízes e pré-teste da versão final. Esse processo de adaptação é o refinamento da versão anteriormente proposta por Guillemin et al. 17.

A autorização para o uso do instrumento foi obtida por meio de correio eletrônico junto à Professora Doutora Nola J. Pender.

Fase I: tradução inicial

Foram realizadas duas traduções independentes para a língua portuguesa. O tradutor um ou (T1) não era da área de saúde (corretora de imóveis), tem dupla nacionalidade (americana e brasileira), é residente nos Estados Unidos, é bilíngüe e filha de brasileiros; foi informada do objetivo da tradução. O segundo tradutor ou (T2) é profissional de saúde (médica) com fluência em inglês e não foi informada do objetivo da tradução.

Fase II: síntese das traduções

Procedeu-se a sintetização dos resultados das traduções, trabalhando com o instrumento original, bem como, com as traduções do T1 e T2. Essa síntese foi cuidadosamente registrada quanto a cada item do instrumento. Após os ajustes entre as duas traduções, o instrumento foi chamado de T12, sendo utilizado na próxima fase.

Fase III: tradução de volta à língua de origem (back-translation)

O procedimento adotado nesta etapa consistiu no envio do instrumento traduzido (T12) para a sua língua original, etapa denominada de back-translation, por dois tradutores, os quais não tiveram conhecimento dos objetivos da back-translation e não foram informados quanto ao que estava sendo feito. O back-translation foi realizado por dois professores de inglês, que já estudaram e moraram nos Estados Unidos, e foram chamados de B1 e B2, em referência ao termo back-translation. Após a realização do B1 e B2, os instrumentos foram encaminhados à próxima fase.

Fase IV: revisão por um comitê

Todos os instrumentos produzidos até esta fase - as duas traduções T1 e T2, a tradução T12 e as duas versões do back-translation (B1 e B2), além da versão original - foram examinados por um comitê de juízes formado por um educador físico, mestre em epidemiologia que desenvolve atividades com idosos; uma enfermeira, mestre em saúde pública e coordenadora de um grupo de idosos; e dois professores de língua inglesa.

Enviou-se a cada membro do comitê os instrumentos há pouco citados, como também os aspectos a serem avaliados, a saber: (a) equivalência semântica - avaliação gramatical e do vocabulário; (b) equivalência idiomática - a formulação de expressões equivalentes para o idioma português, quando a tradução de termos e expressões idiomáticas for de tradução difícil; (c) equivalência experimental - a tradução deve utilizar termos coerentes com a experiência vivida pela população à qual se destina; (d) equivalência conceitual - os conceitos traduzidos devem ser explorados e os eventos experimentados pela população brasileira.

Após a avaliação pelos membros do comitê, procedeu-se à revisão de todas as anotações realizadas para a síntese do instrumento final; realizou-se uma reunião com os membros do comitê para avaliação da versão final. O instrumento foi, então, aprovado para ser utilizado no pré-teste.

Fase V: pré-teste

Nesta fase, buscou-se a equivalência das versões original e final, a fim de que fosse verificada sua compreensão pela população-alvo.

O pré-teste foi realizado com trinta idosos e após o preenchimento da escala foi-lhes solicitado que avaliassem os itens do instrumento traduzido quanto à sua compreensão, pertinência, aprovação e relevância cultural. Dadas as características dos sujeitos quanto à escolaridade, aplicou-se a escala a vinte idosos e dez responderam à escala sozinhos. Após a aplicação, cada sujeito relatou suas impressões sobre o instrumento e suas respostas para cada item.

 

Resultados

Os itens da escala original e da versão traduzida e adaptada podem ser vistos na Tabela 1. A escala de graduação de respostas da EBBS foi considerada não equivalente; as opções de respostas na escala original são: strongly agree, agree, disagree, strongly disagree (a palavra strongly que significa fortemente, foi alterada para "totalmente"). Assim, as opções de respostas da escala passaram a ser: concordo totalmente, concordo, discordo e discordo totalmente.

As adaptações mais relevantes foram as substituições dos termos exercise que para o português seria exercício físico, e exercing (praticar exercício) por atividade física, em todos os itens da escala. Os juízes sugeriram a não-utilização do termo exercício e sim a expressão atividade física, uma vez que estes não se apresentam conceitualmente equivalentes no idioma.

No Brasil, as pessoas geralmente associam o termo exercício ao uso de equipamentos, como, por exemplo, a musculação, além de ginástica e treinamentos com instrutores. Atividades como caminhadas não são consideradas por muitas pessoas como um tipo de exercício. Esse fato foi confirmado durante a realização do pré-teste. Ao iniciar a aplicação do instrumento, perguntava-se: "Você faz exercícios?". Todos os sujeitos respondiam que "não", mesmo os que realizavam caminhadas. Quando a pergunta era substituída por: "Você faz atividade física?", a caminhada era citada. No intuito de garantir a equivalência cultural, os termos foram alterados.

Os itens 03, 07, 08, 15, 17, 20, 22, 23, 31, 32 e 34, além de traduzidos, foram exemplificados. A utilização de exemplos para esses itens foi recomendação dos sujeitos durante o pré-teste. O comitê de juízes julgou imprescindível essa sugestão para facilitar o entendimento da escala pela população do estudo.

Os itens 07, 15, 17, 22, 23 e 31 são termos específicos da Educação Física e foram exemplificados por dois educadores físicos (não-membros do comitê). O item 07 ("exercise increase my muscle strength") foi traduzido para "atividade física aumenta a força dos músculos". Exemplo: capacidade de empregar um esforço, como empurrar um objeto.

Em relação à expressão muscle tônus (tônus muscular) do item 17, dois exemplos foram sugeridos (músculos mais endurecidos ou músculos preparados para realizar um movimento de contração). Optou-se pelo segundo exemplo após consulta à literatura sobre o tema.

Os itens 15, 22 e 31 trazem palavras como physical fitness, stamina, physical endurance. Tais expressões estão relacionadas à capacidade funcional das pessoas em relação a exercícios, não apresentando clara correlação com o idioma português, sendo de compreensão difícil para a população do estudo. Os itens foram traduzidos pelo comitê e exemplificados pelos educadores físicos, respectivamente, como aptidão física (capacidade para caminhar, subir escada); condicionamento físico (capacidade de subir escada, dançar, varrer a casa sem se cansar) e resistência física (conseguir caminhar por trinta minutos ou mais). Relevante é destacar que os itens foram exemplificados levando-se em consideração as características da população do estudo (idosos), e não retratam todas as possibilidades para exemplificação dos vocábulos.

Segundo os educadores físicos, os itens 15 e 22, quando traduzidos para o idioma português, apresentaram o mesmo significado (resistência) e foram considerados itens ambíguos. Fato esse comprovado em consulta a três dicionários do tipo inglês-português, em que todas as traduções encontradas para as palavras stamina e endurance são absolutamente iguais 18,19,20.

Em virtude desse impasse, buscou-se na literatura estudos envolvendo adaptação transcultural de instrumentos de medidas para observar a ocorrência de situação análoga, todavia, nos estudos avaliados, nenhum pesquisador relatou a ocorrência de itens ambíguos 21,22,23,24,25,26,27, 28,29,30,31,32,33,34,35,36,37.

Essa situação ímpar vivenciada pelo comitê colocou em questão as seguintes opções: manter dois itens iguais ou sugerir a retirada de um deles. Entretanto, nos estudos que envolvem adaptação transcultural não é comum a retirada de itens sem a avaliação das propriedades psicométricas, uma vez que isto poderá comprometê-la 38. Devido à particularidade dos termos em questão, nenhuma outra palavra ou expressão poderia ser utilizada sem envolver mudança no sentido e o no conteúdo dos itens da escala original. Assim, optou-se pela retirada do item 22, pois resistência física é uma expressão mais conhecida do que condicionamento físico.

No item 23, a palavra flexibility, em português flexibilidade, foi exemplificada como capacidade de realizar movimentos com as articulações, curvar o corpo, levantar o braço.

Nos itens 04, 09, 12, 14, 16, 19, 22, 23, 27, 34, 38, 39 e 41 acrescentou-se a palavra "praticar" à expressão atividade física no sentido de dar uma conotação de ação aos itens.

Durante a fase de pré-teste da escala traduzida, os idosos sugeriram a retirada dos pronomes da maioria dos itens. Segundo os idosos, o item passava a ter uma instrução afirmativa mais compreensiva especialmente quando a escala era aplicada verbalmente.

Essa observação na tradução corrobora as recomendações quanto à versão de instrumentos de medida que devem incluir sentenças curtas, palavras-chave, voz ativa e termos específicos 28.

O item 18 traz a expressão cardiovascular system, que traduzida é sistema cardiovascular, que foi alterada após o pré-teste para coração e vasos sanguíneos, pois os idosos solicitavam exemplos do que seria sistema cardiovascular.

O item 28 "I think people in exercise clothes look funny" foi alterado, pois sua tradução é "eu acho que pessoas em roupas de exercícios parecem engraçadas", trazendo uma situação que não tem significado no contexto brasileiro. As roupas utilizadas para praticar atividades físicas pela população dos Estados Unidos são diferentes das utilizadas no Brasil, especialmente por questões climáticas. Nesse item foi necessário realizar a equivalência experimental, o que necessitou explorar aspectos relacionados às roupas que representassem a percepção de brasileiros na prática de atividades físicas. As roupas utilizadas no Brasil precisam ser leves e em sua maioria justas ao corpo; relevante destacar que esta realidade não se aplica a todas as regiões brasileiras, no entanto, este estudo foi desenvolvido no Nordeste, onde as temperaturas são altas durante todo o ano.

Durante o pré-teste, foi solicitado que os idosos opinassem sobre as roupas utilizadas para praticar atividades físicas, sendo observado se estas representam estímulo ou obstáculo. A reação dos idosos em relação a esse item foi de receio em evidenciar a silhueta; assim como no item da versão original, nesta população percebeu-se que a vestimenta influenciou de forma negativa na prática de atividades físicas. Para o item 28 os idosos sugeriram "As roupas para praticar atividade física mostram muito o corpo". A sugestão foi aprovada pelo comitê, pois embora o vocabulário tenha sido alterado buscou-se preservar a equivalência experimental e cultural.

O item 35 traz a expressão normal activities, cuja tradução coincide com atividades normais. Durante o pré-teste, muitos idosos não entendiam o item e sugeriram que fosse exemplificado o que são "atividades normais". O item foi então alterado para atividades do dia-a-dia. O comitê julgou não haver prejuízo com a mudança.

O item 36 "exercise improves the quality of my work" apesar de corresponder, em português, a exercício melhora a qualidade do meu trabalho, foi traduzido para "atividade física melhora a qualidade das atividades que faço", pois a palavra trabalho, para o português, tem uma conotação de emprego, cargo, função, e haja vista que muitos idosos são aposentados, tendo-se, então, optado por atividade, o que engloba outras tarefas não necessariamente relacionadas a trabalho.

Após a tradução e adaptação transcultural, a escala ficou com 42 itens que foram então renumerados. Com a saída do item 22, o valor total dos escores da versão traduzida da EBBS foi alterado, porquanto na escala original era de 43 a 172, na versão traduzida e adaptada ficou de 42 a 168.

 

Discussão

Muitos autores realizaram adaptação transcultural de instrumentos, contudo, ainda não há consenso quanto à melhor metodologia a ser adotada 38,39,40,41. O modelo de adaptação transcultural seguido neste estudo foi selecionado por ser abrangente e por exigir a explicitação pormenorizada dos passos realizados.

A adaptação transcultural da EBBS foi objeto de mudanças relacionadas, principalmente, à redação das instruções dos itens que traziam termos de tradução difícil, o que não permitiu uma versão considerada simétrica. Essas mudanças envolveram exemplificações e substituições de termos e expressões, cujo objetivo principal foi facilitar a compreensão dos itens do instrumento pelos sujeitos do estudo e assim assegurar a equivalência transcultural.

Vale registrar que a adaptação transcultural não deve considerar, apenas, as diferenças entre os países ou seus idiomas, deve-se considerar também a realidade local ou regional, analisando-se o quanto se ganha com a aproximação cultural e o quanto se perde com a generalização e comparabilidade 38,41,42.

Neste estudo a realização da adaptação transcultural da EBBS demandou muito mais do que a combinação de palavras e sentenças, pois foram necessárias importantes adequações em sua estrutura original. Alguns dilemas merecem ser pontuados como: as dificuldades relacionadas à complexidade e especificidade de palavras e expressões próprias da Educação Física, e o fato do instrumento não ter sido desenvolvido especificamente para idosos, estes eventos potencializaram as dificuldades no processo de tradução e trouxeram elementos para discussão de estudos futuros. É importante destacar, ainda, que a maioria (66,6%) dos idosos não sabia ler e escrever. Pode-se considerar fator atenuante para esses eventos a existência de um educador físico no comitê de revisão e a participação efetiva dos idosos na etapa do pré-teste, na qual cada item foi minuciosamente explorado para ser compreendido.

É relevante esclarecer que os dilemas surgidos enriquecem as experiências de adaptação de instrumentos e possibilitam novos debates 43, pois, muitas vezes, são as limitações que contribuem para o incremento e descobertas de novas pesquisas. Sobre as facilidades na adaptação transcultural, alguns autores afirmam que a tradução torna-se simples quando os itens do instrumento são de tradução fácil e inteiramente aplicáveis à realidade brasileira 32,43,44.

A partir da adaptação transcultural da EBBS foi possível propor uma primeira versão em português. No entanto, para se aceitar com garantia que a equivalência transcultural tenha sido inteiramente conseguida, faz-se necessária a comparação entre as propriedades psicométricas da versão em português e do instrumento original, uma tarefa primordial já em realização.

Para avaliação das propriedades psicométricas da versão traduzida da EBBS serão utilizados para analise da confiabilidade o alfa de Cronbach e o teste-reteste, já a validade será analisada pela "validade de construto" por meio da investigação de associações entre os resultados da EBBS e as características sócio-demográficas (idade, escolaridade, estado civil, ocupação, com quem reside e renda), clínicas (índice de massa corporal - IMC, nível glicêmico, patologias crônicas degenerativas) e de estilo de vida (indivíduo ativo, sedentário, prática de atividades físicas regulares). O intuito de tal procedimento será avaliar se essas variáveis interferem no resultado da EBBS.

Por fim, é importante pontuar que a versão traduzida deve ser apreciada por profissionais interessados, já que o aperfeiçoamento do instrumento adaptado depende de discussões e críticas contínuas.

 

Colaboradores

J. F. Victor, L. B. Ximenes e P. C. Almeida foram responsáveis pelo processo de coleta e análise dos dados, pelo acompanhamento da etapa de adaptação transcultural da Exercise Benefits Barriers Scale (EBBS), pela discussão teórica sobre o tema e pela elaboração do texto do artigo.

 

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Correspondência:
J. F. Victor
Departamento de Enfermagem
Centro de Ciências da Saúde
Universidade de Fortaleza
Av. Rui Barbosa 2700, apto. 1401
Fortaleza, CE 60115-222, Brasil
janainavictor@uol.com.br

Recebido em 22/Nov/2007
Versão final reapresentada em 27/Fev/2008
Aprovado em 28/Abr/2008

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br