RESENHAS BOOK REVIEWS
Nilson do Rosário Costa
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. nilson@ensp.fiocruz.br
HOSPITAL PERFORMANCE IN BRAZIL: THE SEARCH FOR EXCELLENCE. La Forgia GM, Couttolenc BF. Washington DC: The World Bank; 2008. 411 pp.
ISBN: 978-0821373583
Os hospitais sempre foram no Brasil o objeto estigmatizado pela reforma sanitária. Foram sistematicamente associados à deformação do modelo assistencial e à ineficiência alocativa na atenção à saúde. A despeito dessa condenação, raros estudos elegeram a organização hospitalar como objeto sistemático e abrangente de análise. Quando o fizeram, abordaram as dimensões particulares dos mecanismos de remuneração de serviços ou o modelo de governança. Alguns escassos estudos situaram a oferta hospitalar brasileira como parte da indústria de produção de saúde.
O recém-lançado livro de La Forgia & Couttolenc, Hospital Performance in Brazil: The Search for Excellence, preenche de modo notável essa lacuna na literatura, oferecendo novas respostas sobre a complexa relação entre a política pública, o setor privado e organizações prestadoras de serviços. A singularidade deste estudo é que o objeto central da publicação é a experiência brasileira e, especialmente, o Sistema Único de Saúde (SUS).
A publicação pretende atingir três ambiciosos e importantes objetivos: contribuir para o desenvolvimento de uma estratégia de reforma hospitalar no médio prazo; desenvolver opções viáveis para aprimorar o desempenho de hospitais que atendam à população carente; e construir consenso sobre a reforma hospitalar entre formuladores de políticas e atores do setor. Para atingir tais objetivos, a publicação recorreu a uma substancial revisão das publicações brasileiras e internacionais e às evidências quantitativas para validar conclusões e recomendações.
O livro utiliza uma interessante estrutura conceitual para situar o desempenho hospitalar. Considera o ambiente externo que condiciona o desempenho organizacional: políticas, regulamentos, condições de mercado e mecanismos de pagamento que, juntos, são decisivos para a definição do sistema de incentivos de um hospital. Define o que seria o ambiente organizacional: conjunto de estruturas e arranjos organizacionais que permitem ao hospital responder aos incentivos produzidos pelo ambiente externo. Esses elementos incluem a estrutura e formalidade dos mecanismos de responsabilização, a amplitude da autoridade para tomada de decisões, o grau de exposição ao mercado e disciplina financeira. E conceitua o ambiente interno onde os recursos são convertidos em serviços prestados. São os elementos operacionais da organização, que compreendem as práticas de gerenciamento de recursos (humanos, materiais, clínicos, financeiros etc.) e as condições infra-estruturais da prestação de serviços, como instalações, equipamentos e qualidade e quantidade da força de trabalho.
Esses processos afetam os resultados do desempenho hospitalar diretamente, conforme medido pelos resultados de saúde, pela qualidade de tratamento, pela e-qüidade, pela eficiência e pela satisfação dos pacientes.
Os autores identificam um padrão pluralista de arranjos financeiros, de propriedade e de modelo organizacional no setor público e no setor privado hospitalar. Evidenciam que os hospitais brasileiros são altamente estratificados e desiguais em eficiência.
As conclusões da publicação são inquietantes para a saúde pública: poucos hospitais brasileiros podem ser conceituados como o que os autores denominam world-class centers of excellence. Estes servem à elite econômica do país. A maioria dos hospitais que prestam serviços ao SUS é descrita como abaixo dos padrões aceitos internacionalmente. Esses hospitais - que dependem do financiamento público - são "ineficientes e de baixa qualidade" considerando os dados disponíveis.
A publicação tem o mérito de propor uma agenda para a reforma hospitalar no país. Recomenda a maior autonomia e transparência para os hospitais públicos, o uso do poder de compra dos setores público e privado para influenciar o comportamento do hospital, maior coordenação (em rede) entre hospitais e destes com a atenção primária e ambulatorial especializada, ampliação do padrão de qualidade dos hospitais para padrões aceitáveis internacionalmente, confiabilidade e disponibilidade de informação para monitoramento e avaliação de qualidade, eficiência e custos. Afirma que a sistemática ausência dessas informações subverte quaisquer esforços para a melhoria do hospital brasileiro.
A publicação recebeu uma entusiástica receptividade na mídia brasileira. Um aspecto muito destacado nos comentários é a experiência bem-sucedida na gestão de hospitais públicos no esquema de parceria público e privado. Tomando como base as evidências da publicação, Pinheiro 1 destacou, por exemplo, que o esquema favoreceu uma melhor gestão dos recursos humanos, com menos absenteísmo e uma melhor utilização de serviços especializados, como resultado da melhor supervisão, da possibilidade de impor sanções e da maior flexibilidade contratual. O autor chama a atenção que, na experiência relatada pelo estudo, o setor público também supervisiona mais intensamente os gestores privados do que as suas próprias unidades, à semelhança do ocorrido com as empresas privatizadas. Também contribui o fato de que se criaram estruturas separadas, bem equipadas e com mandato claro para supervisionar essas instituições.
Pinheiro destaca que a existência dessas estruturas permitiu uma relação contratual mais flexível, capaz de incorporar o aprendizado com esses novos esquemas e as mudanças nas prioridades de política pública. O uso efetivo de conjunto amplo e freqüente de informações tem sido essencial para a administração dos contratos e a definição de remunerações, como também para planejar e avaliar a gestão.
Infelizmente, as experiências de contratação e responsabilização no setor público contemplam uma fração marginal dos hospitais brasileiros. Por isso, a publicação Hospital Performance in Brazil: The Search for Excellence se apresenta desde já como uma imprescindível referência ao oferecer uma agenda de reflexão para o futuro da política pública hospitalar do país.
Os leitores menos familiarizados com o sistema de saúde brasileiro talvez tenham dificuldade em compreender as intricadas relações entre as dimensões governamentais (ou públicas) e privadas na organização da prestação de serviços hospitalares do Brasil. O livro poderia conter um esquema resumido do fragmentado sistema de saúde brasileiro. Do mesmo modo, o trabalho se ressente de uma explícita caracterização das tendências estruturais do mercado de planos privados de assistência à saúde e do seu efeito sobre a demanda e oferta de serviços hospitalares e trabalho médico especializado. A agenda de reforma hospitalar certamente exigirá uma reflexão abrangente desse tema.
1. Pinheiro AC. Saúde: promessa social, desafio econômico. Valor Econômico 2008; 20 jun.