EDITORIAL
Febre amarela e saúde pública no Brasil
Luiz Antonio B. Camacho
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. luiz.camacho@ensp.fiocruz.br
É provável que em breve a febre amarela desapareça do noticiário porque a temida epidemia não se confirmou ou porque outros temas ganharam maior visibilidade. O tratamento dado pelos meios de comunicação ao tema foi muitas vezes confuso e superficial, contribuindo para alimentar a insegurança do público ao dar destaque a dados incompletos ou descontextualizados, parciais, e a comentários de profissionais de saúde sem experiência específica no tema. Análises distorcidas sobre "ressurgimento" da febre amarela mostraram desinformação sobre a condição de doença sujeita ao regulamento sanitário internacional com exigência de vacinação para viajantes. É curioso que na grande imprensa as notificações de casos suspeitos e as confirmações laboratoriais de febre amarela tenham sido acompanhadas caso a caso, como que para documentar uma epidemia que as autoridades estariam querendo ocultar. O mesmo escrutínio não se observa para tétano acidental (166 óbitos em 2006), meningite por Haemophilus influenzae (19 óbitos em 2005) e raiva humana (44 óbitos em 2005), só para citar alguns exemplos de doenças graves com programas de controle estruturados e vacinas eficazes disponíveis na rede pública de serviços de saúde. Assim como a febre amarela, cada caso daquelas doenças representa um evento sentinela indicando falha nas ações de controle e necessidade de ajustes e correções independentemente das taxas de incidência.
Diferentemente dos surtos epidêmicos ocorridos em Minas Gerais em 2001 e 2003, a dispersão dos casos confirmados em janeiro de 2008 não configurou epidemia. Mas na vigilância da febre amarela, níveis endêmicos e limite máximo esperado perdem relevância nas decisões sobre intervenção, até porque a flutuação de número pequeno de casos, dispersos em grande extensão territorial, dificulta a caracterização de epidemia. Além disso, considerando a relevância da doença para saúde pública, apenas um caso poderia ser abordado como epidemia potencial ou inicial, com intensificação de medidas de controle pertinentes. Os casos ocorridos na Região Centro-oeste em janeiro de 2008 mostraram uma vigilância atuante com notificação e investigação oportuna de casos, e elevação do alerta em áreas do país de onde vem a maior parte dos suscetíveis que se infectam nas regiões endêmicas. No futuro, situações de pânico poderão ser evitadas com estratégias para fazer cumprir a recomendação de vacinar viajantes para áreas endêmicas.
Mas a inovação na vigilância da febre amarela tem vindo da detecção de epizootias em primatas que constituem hospedeiros conhecidos da febre amarela silvestre. A vigilância de epizootias permitiu antecipar ações de vacinação de populações das áreas antes que ocorressem casos humanos. É possível que a expansão da vigilância de epizootias continue aumentando a área onde a vacina contra febre amarela é parte do calendário básico de imunizações. A circulação do vírus da febre amarela em pequenos primatas de regiões urbanas ainda não aparece com potencial para reurbanização da doença, como o nível de infestação pelo Aedes aegypti em muitas cidades brasileiras. Não obstante, a ampliação da área de risco que inclui estados populosos como Minas Gerais e se aproxima de outras áreas com grande densidade demográfica, e o freqüente deslocamento de suscetíveis de áreas indenes para áreas endêmicas, poderia justificar a inclusão da vacina contra febre amarela no calendário básico de imunizações de todo o país, tal como já é feito em grande parte do território brasileiro. A extensão gradual das altas coberturas vacinais à população brasileira reduziria a necessidade de campanhas de vacinação em massa. Parece oportuno rever as ações de controle em curso considerando que a febre amarela não pode ser erradicada, e que o risco de reurbanização, considerado muito pequeno, não é desprezível.