ARTIGO ARTICLE

 

Versão brasileira do Fear Avoidance Beliefs Questionnaire

 

The Brazilian version of the Fear Avoidance Beliefs Questionnaire

 

 

Ana Maria de AbreuI; Christina Danielli Coelho de Morais FariaII; Sônia Maria Vicente CardosoIII; Luci Fuscaldi Teixeira-SalmelaIII

IDepartamento de Fisioterapia, Universidade José do Rosário Vellano, Divinópolis, Brasil
IIDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIIDepartamento de Promoção de Saúde, Universidade de Franca, Franca, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar as propriedades psicométricas e validar a versão em português do Fear Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-Brasil): um instrumento de avaliação sobre as crenças e medos dos indivíduos com dor lombar e de como esta dor pode afetar suas atividades físicas, subescala FABQ-Phys, e ocupacionais, subescala FABQ-Work. O questionário foi traduzido para o português segundo metodologia recomendada e aplicado em 53 indivíduos com dor lombar crônica não específica. Coeficientes de correlação intraclasse (CCI) do teste-reteste e consistência interna do instrumento (a de Cronbach) foram adequadas, tanto para a FABQ-Phys (0,84 e 0,80, respectivamente) quanto para a FABQ-Work (0,91 e 0,90, respectivamente). A regressão múltipla stepwise revelou correlação significativa entre todos os itens isolados e suas respectivas subescalas, com a variação dos escores em cada uma delas sendo explicada em 99% pelo conjunto de seus itens. Correlação de Pearson entre as subescalas não foi significativa, mas entre estas e a intensidade da dor (escala visual numérica) e a incapacidade física (Questionário de Roland-Morris-Brasil) foi significativa e positiva. Portanto, o FABQ-Brasil apresentou propriedades psicométricas adequadas para ser utilizado na população brasileira com dor lombar crônica.

Dor Lombar; Psicometria; Estudos de Validação


ABSTRACT

The aim of the present study was to investigate the psychometric properties and validate the Portuguese version of the Fear Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-Brazil). This instrument assesses how beliefs and fear of individuals with lower back pain affect two subscales related to their physical activities (FABQ-Phys) and work (FABQ-Work). The questionnaire was translated into Brazilian Portuguese, following the recommended methodology, and applied to 53 individuals with non-specific chronic lower back pain. The test-retest intra-class correlation coefficients (ICC = 0.84 and 0.91) and the internal consistency (Cronbach's = 0.80 and 0.90) for FABQ-Phys and FABQ-Work, respectively, were acceptable. The stepwise multiple regression analyses revealed statistically significant correlations between all isolated items with their respective subscales, and the set of the items explained 99% of the changes in scores for each subscale. No significant correlations were found between the subscales; however, both the FABQ-Phys and FABQ-Work subscales were positively associated with pain intensity (visual numerical scale) and degree of disability (Roland Morris Questionnaire). These findings supported the evidence that the FABQ-Brazil showed adequate psychometric properties for individuals with chronic lower back pain.

Low Back Pain; Psychometrics; Validation Studies


 

 

Introdução

A dor lombar é uma disfunção de etiologia variada, complexa e altamente discutida 1,2, podendo ser desencadeada por fatores de risco biológicos, mecânicos e cognitivos 1,2,3. Apresenta elevada prevalência, acometendo aproximadamente 60% a 80% da população economicamente ativa 4,5,6. Dentre os distúrbios dolorosos, a dor lombar constitui uma causa freqüente de morbidade e incapacidade, sendo ultrapassada somente pela cefaléia 7. Pelos elevados índices de prevalência, morbidade, diminuição de produtividade, absenteísmo e incapacidade para o trabalho, as lombalgias são consideradas um dos grandes problemas de saúde pública dos países industrializados 8.

Com o intuito de facilitar a abordagem terapêutica, as lombalgias são classificadas em categorias ou fases, dependendo de sua especificidade e origem e tempo de duração 3. A lombalgia denominada específica é decorrente de uma causa conhecida e caracterizada por um diagnóstico muito bem definido, sendo as causas mais comuns a hérnia discal, a espondilólise, as fraturas, os tumores, as infecções e as doenças inflamatórias 9. Já as lombalgias inespecíficas são idiopáticas, apresentam um diagnóstico pouco definido, representam 80% de todos os casos registrados em pacientes adultos com dor lombar 3,9 e acometem, principalmente, indivíduos entre 20 e 55 anos 10. Dependendo do tempo de duração da dor, as algias lombares são classificadas em agudas, subagudas e crônicas 3,11: aguda quando o tempo de dor está entre 0 e 4 semanas de duração; subaguda entre 4 e 12 meses; e crônica dentro de um período de 12 ou mais meses.

Normalmente, a dor lombar aguda não específica apresenta evolução satisfatória e a maioria dos pacientes retorna às atividades entre quatro e oito semanas 12. No entanto, entre 10% e 20% dos casos de lombalgia evoluem para um quadro crônico, os quais são responsáveis pela maior parte dos custos associados às doenças ocupacionais 13.

Na maioria dos casos de dor lombar crônica, os indivíduos apresentam comportamentos distorcidos resultantes de crenças e sentimentos vivenciados. É muito comum associarem o aumento da dor com a realização de qualquer tipo de atividade física 14. O termo cinesiofobia é utilizado para definir o medo excessivo, irracional e debilitante do movimento e da atividade física, que resulta em sentimentos de vulnerabilidade à dor ou em medo de reincidência da lesão 11. Esse tipo de crença leva o indivíduo à inatividade e, nestes casos, o medo da dor é mais provocativo que o movimento realizado 15,16,17. Assim sendo, a dor crônica não deve ser diferenciada da dor aguda somente considerando o tempo de evolução de dor, mas, também, pelos seus aspectos biopsicossociais 5, uma vez que é influenciada por variáveis psicológicas e culturais 5,8,10,18,19,20.

Considerando esse processo, a avaliação dos aspectos psicológicos e culturais na dor lombar crônica é tão importante quanto a avaliação dos aspectos físicos e biológicos 6,12,19, tornando a abordagem da dor lombar crônica complexa e extensa 10,21. Para essa avaliação, são necessários métodos que sejam capazes de monitorar os resultados dos tratamentos existentes e, especificamente, os aspectos psicológicos e culturais envolvidos no processo saúde-doença 14,15,17,22,23,24.

Após extensa revisão bibliográfica por métodos de busca sistemática a bases de dados eletrônicas, como PubMed, SciELO e LILACS, foi encontrado um instrumento de avaliação desenvolvido segundo modelos cognitivos comportamentais que abordam o medo, as crenças e os comportamentos de evitação dos indivíduos com dor lombar crônica em relação à atividade física e ao trabalho: o Fear Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ) 17,23,24. Originalmente desenvolvido e validado na língua inglesa por Waddell et al. 17, o FABQ já foi traduzido e validado nos idiomas alemão 24, francês 25 e espanhol 23, e tem sido comumente utilizado em indivíduos com dor lombar crônica 5,15,16.

O FABQ é constituído por 16 itens de auto-relato, que são divididos em duas subescalas: a que aborda os medos e as crenças dos indivíduos em relação ao trabalho (FABQ-Work) e a que aborda seus medos e crenças em relação às atividades físicas (FABAQ-Phys) 24. Cada item é graduado em uma escala Likert de sete pontos, que varia de 0 (discordo completamente) a 6 (concordo completamente) 22. Wadell et al. 17 relataram uma consistência interna de a = 0,88 para a subescala relacionada ao trabalho e de a = 0,77 para a relacionada às atividades físicas. Na análise isolada dos itens, os de número 13, 14 e 16 foram considerados redundantes, e os de número 1 e 8 apresentaram uma correlação pequena com os demais. Dessa forma, esses itens foram excluídos da soma do escore final, apesar de continuarem fazendo parte do questionário. Para diferenciar os medos e crenças em relação às atividades físicas e ocupacionais, o escore deve ser obtido isoladamente em cada uma das subescalas 17.

Considerando que não foi encontrado nenhum instrumento desenvolvido e/ou adaptado para o português do Brasil que se proponha a avaliar esse desfecho, e as vantagens associadas à tradução e à adaptação transcultural de instrumentos desenvolvidos e já validados em outros países, como a simplicidade, economia e universalização das medidas 26,27, os objetivos deste estudo foram: realizar a adaptação transcultural do FABQ para o português; verificar suas propriedades psicométricas (especificamente sua validade de construto, consistência interna e confiabilidade teste-reteste) para utilização em uma amostra de indivíduos com dor lombar crônica; e indicar as contribuições e limitações do uso do instrumento nesta população.

 

Metodologia

Participantes

Trata-se de uma pesquisa do tipo metodológica, de corte transversal de uma amostra de 53 indivíduos atendidos em ambulatórios ou clínicas particulares do Município de Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, de ambos os sexos, com idade entre 20 e 75 anos e com diagnóstico de um médico especialista em ortopedia e traumatologia de dor lombar crônica não específica. Todos apresentavam queixas há mais de três meses, caracterizando a dor crônica 3,11, e ausência de diagnóstico de tumores, traumas, infecções ou outras desordens inflamatórias agudas, compressão de raízes nervosas e déficits neurológicos, caracterizando a dor inespecífica 3,9. Além disso, foram excluídos todos os que faziam uso de medicação controlada, que não apresentassem um nível de compreensão suficiente para entendimento do instrumento, que fossem analfabetos e que apresentassem déficits visuais sem correção, uma vez que era necessário ler, entender e responder aos questionários aplicados.

O tamanho da amostra foi baseado no número mínimo necessário (50 indivíduos) sugerido para estudos de adaptação cultural e validação de questionários 11.

O instrumento

O instrumento com 16 itens, conforme desenvolvido por Waddell et al. 17, foi traduzido para o português do Brasil, retrotraduzido e submetido a um comitê de juízes especialistas, constituído por profissionais da área da saúde com domínio do tema e fluentes nos dois idiomas, seguindo metodologia recomendada por Guillemin et al. 26 e utilizada em outros estudos 11,27. O comitê discutiu a equivalência semântica, idiomática, cultural ou experimental, e conceitual entre a versão traduzida (FABQ-Brasil) e a original (FABQ). Todos os componentes do comitê estavam cientes do objetivo do instrumento avaliado.

Após exaustiva discussão de item por item, o comitê chegou à conclusão de que o item 8 da versão original: "I have a claim for compensation for my pain" deveria ser adaptado para a língua portuguesa como: "Eu tenho uma reivindicação de pensão em virtude da minha dor", para adequado entendimento dos indivíduos. Com o intuito de preservar a linguagem internacionalmente utilizada e conhecida para se referir ao instrumento, decidiu-se manter a sigla FABQ acrescida de Brasil para o instrumento adaptado para o português (FABQ-Brasil), FABQ-Work para a subescala que aborda as crenças em relação às atividades ocupacionais, e FABQ-Phys para a subescala que aborda os medos e crenças relacionados ao trabalho, como utilizada em outros estudos 15,23,28. A versão final do FABQ-Brasil está apresentada na Tabela 1.

Como na versão original, os itens 1, 8, 13, 14 e 16 foram excluídos da soma do escore final, apesar de continuarem fazendo parte do questionário. Além disso, o escore deve ser obtido isoladamente em cada uma das subescalas, sendo a distribuição dos pontos da subescala relacionada ao trabalho feita somando-se os itens 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 15 (total variando entre 0 e 42) e da subescala relacionada às atividades físicas somando-se os itens 2, 3, 4 e 5 (total variando entre 0 e 24) 17.

Procedimentos

Inicialmente, foram preenchidos os dados demográficos para a caracterização da amostra (nome, idade, sexo, endereço, profissão e escolaridade). Em seguida, os indivíduos também responderam ao questionário individualmente, na forma auto-administrada, supervisionados por um único examinador. Na fase de pré-teste do instrumento, foram avaliados: o entendimento de 10 dos 53 indivíduos incluídos neste estudo, bem como a consistência de suas respostas. Os participantes foram esclarecidos dos objetivos do estudo e responderam ao questionário individualmente, na forma auto-administrada, supervisionados por um único examinador, em dois momentos diferentes, com um intervalo de dez dias. Como eles não verbalizaram dificuldades nem dúvidas a respeito dos itens abordados pela versão final do FABQ-Brasil (Tabela 1), a validade de construto do mesmo foi investigada, aplicando-o da mesma forma em mais 43 indivíduos, em uma única administração.

Logo após, foram aplicados a escala numérica de dor 29 e o questionário Roland-Morris-Brasil 30, com o intuito de avaliar a intensidade da dor e o grau de incapacidade física, respectivamente. A escala numérica de dor 29 apresenta dez pontos, em que a dor pode ser classificada em escores que variam de 0 (ausência de dor) a 10 (dor de intensidade insuportável). O questionário Roland-Morris Brasil 30 apresenta 24 alternativas sobre o grau de incapacidade dos indivíduos com dor lombar, em que a resposta "sim" é dada às alternativas que descrevem seu estado físico atualmente e "não" para as alternativas que não se enquadram no mesmo. O ponto de corte para determinar incapacidade física pelo questionário, recomendado por Nusbaum et al. 30 é de 14.

Todos os participantes do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pré-aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca, sob o parecer de número 098/04, concordando em participar do estudo e com a divulgação dos seus resultados.

Análise estatística

A confiabilidade teste-reteste e a consistência interna do instrumento foram avaliadas usando-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) e a de Cronbach, respectivamente. A consistência interna reflete a dimensão com que os itens de um questionário medem o mesmo fenômeno, propiciando, desta forma, a avaliação de confiabilidade do mesmo. A homogeneidade de uma escala é garantida pela correlação moderada entre os itens e a correlação de cada item com o escore total. Dentre as medidas de CCI mais utilizadas e indicadas está o coeficiente de a de Cronbach 31. Ambos os testes estatísticos foram realizados utilizando-se o pacote estatístico SPSS versão 13.0 (SPPS Inc., Chicago, Estados Unidos).

A validade de construto da medida foi avaliada pelo método de regressão múltipla stepwise 31,32, utilizando-se o programa estatístico SAS (SAS Inst., Cary, Estados Unidos). No presente estudo, utilizou-se como variável dependente o resultado dos escores no FABQ-Work ou FABQ-Phys e como variáveis independentes cada item da respectiva subescala. Como preconizado pelo método 31,32, verificou-se no passo 1 qual item apresentava maior correlação, dentre os que apresentavam correlação significativa pela correlação de Pearson, utilizando-se também o programa estatístico SAS, com a variável dependente (subescalas do FABQ-Brasil), para que fosse incluído no modelo. No passo 2, verificou-se entre os itens restantes qual o segundo com maior correlação para que também fosse incluído no modelo, e assim por diante nos demais passos, até que todos os itens com correlação significativa fossem incluídos. A proporção da variância da regressão foi representada pelo coeficiente de determinação R2. Quando todos os itens que apresentavam correlação significativa com a variável dependente foram incluídos, obteve-se o modelo final ajustado das duas subescalas.

Para verificar a correlação entre as pontuações das subescalas com a medida de intensidade de dor e de incapacidade também foi utilizada a correlação de Pearson. O nível de significância estabelecido para todas as análises realizadas foi de a < 0,05.

 

Resultados

Participaram deste estudo 53 indivíduos com diagnóstico médico de dor lombar crônica não específica, com tempo de evolução de dor superior a três meses, com média de idade de 45,98 ± 13,03 anos (entre 20 e 74 anos), dos quais 51% eram mulheres. O tempo de evolução do quadro doloroso foi de 16,9 ± 14,31 meses (entre 3 e 60 meses).

A média da pontuação da FABQ-Work foi de 27,72 ± 10,75 (entre 0 e 42) e da FABQ-Phys de 13,08 ± 7,31 (entre 0 e 24). Na avaliação da intensidade da dor e do grau de incapacidade física, a média foi de 5,68 ± 1,90 (entre 1 e 9) e de 12,55 ± 6,02 (entre 1 e 22), respectivamente.

Para a confiabilidade teste-resteste, foram encontrados CCI de 0,91 e 0,84, e para a consistência interna foram encontrados a de Cronbach de 0,90 e 0,80, para o FABQ-Work e FABAQ-Phys, respectivamente.

A análise de regressão múltipla stepwise evidenciou que todos os itens apresentaram correlação significativa e positiva com suas respectivas subescalas (Tabelas 2 e 3). Na FABQ-Phys, todos os itens explicaram 99% da variação do seu escore final, sendo que o item 4 sozinho explicou 83% desta variação, enquanto que o item 2 explicou 10% e cada um dos outros dois itens (itens 3 e 5) explicou 3% (Tabela 2). Na FABQ-Work, todos os itens também explicaram 99% da variação do seu escore final, sendo que o item 11 sozinho explicou 76% da variação, o 9 explicou 10%, enquanto os itens 15 e 6 explicaram 7% e 3%, respectivamente, os itens 12 e 10 explicaram 1% cada e o 7 apenas 0,5%.

A Tabela 4 apresenta os resultados da correlação de Pearson entre as medidas de intensidade de dor e de incapacidade com os escores das subescalas. Todas as correlações foram positivas e significativas (p < 0,05), sendo os valores de r maiores entre o FABQ-Work e a medida de intensidade de dor (valor da correção – r = 0,76; p < 0,001) e de incapacidade (r = 0,72; p < 0,001). Essa tabela apresenta, também, o resultado da correlação entre cada uma das subescalas, a qual não foi significativa (r = 0,07; p = 0,633), o que indica a independência entre as duas subescalas e, portanto, sua validade discriminante, outra forma de avaliar a validade de construto de uma medida.

 

Discussão

O FABQ-Brasil apresentou adequada validade de construto, consistência interna e confiabilidade teste-reteste. Da mesma forma como proposto pelo autor do instrumento original 17, os itens 1, 8, 13, 14 e 16 foram excluídos da soma do escore final, apesar de continuarem fazendo parte do questionário. Em concordância com o artigo original 17, as versões para o espanhol 23 e alemão 24 também apresentaram uma correlação pequena dos itens 1, 8, 13, e 16 com os demais. Pfingsten et al. 24 ressaltaram que o item 8 foi o que apresentou a menor correlação com os demais. Apesar dessas evidências, não foi objetivo deste estudo propor uma versão diferente do FABQ original. No entanto, estudos futuros são necessários para propor a reestruturação e/ou exclusão dos itens que apresentaram fraca correlação, com a concordância do autor do instrumento.

Além disso, o escore do FABQ-Brasil também foi obtido isoladamente em cada uma das subescalas com o intuito de diferenciar os medos e crenças dos avaliados específicos às atividades físicas e ocupacionais. Assim, a distribuição dos pontos da subescala relacionada ao trabalho deve ser feita somando-se os itens 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 15 (total variando entre 0 e 42 pontos) e da subescala relacionada às atividades físicas é feita somando-se os itens 2, 3, 4 e 5 (total variando entre 0 e 24 pontos).

As características demográficas dos indivíduos que participaram deste estudo foram semelhantes às de outros que investigam a mesma população quanto à idade 24,25, ao sexo 21,24 e à média de duração dos sintomas 17. As pontuações médias deste estudo em cada uma das subescalas foram semelhantes às de outros, os quais relataram que no FABQ, escores maiores que 15 para a escala de atividades físicas e maior que 34 para a escala de trabalho são indicadores potentes para a crença de medo e evitação de atividade físicas e laborais 25,33. Portanto, os indivíduos do presente estudo apresentaram crenças e medos moderados em relação ao modo como as atividades físicas e laborais poderiam interferir na sua dor lombar.

A média da intensidade da dor também foi semelhante à de outros estudos que utilizaram a mesma medida 15,30. Quanto ao nível de incapacidade, a média dos indivíduos deste estudo foi de 12,55, inferior ao ponto de corte 30 para determinar a incapacidade. Entretanto, os escores individuais variaram de 1 a 22, demonstrando uma grande variabilidade da amostra. Achados semelhantes foram encontrados por Woby et al. 34, que avaliaram o grau de incapacidade dos portadores de dor lombar crônica (13,1 ± 4,6). Nusbaum et al. 30 também relataram uma média do escore de 13,9 ± 5,44, a qual se aproxima dos resultados do presente estudo.

A confiabilidade teste-resteste do instrumento foi adequada e considerada elevada 31, indicando a consistência das medidas fornecidas. Chaory et al. 25 realizaram o teste-reteste do FABQ em um intervalo de apenas 14 horas e apresentaram resultados inferiores aos do presente estudo (CCI = 0,88 para a FABQ-Work e CCI = 0,72 para a FABQ-Phys). Já os resultados encontrados por Waddell et al. 17, que realizaram o teste-reteste em um intervalo de 48 horas, apresentaram valores maiores (kappa = 0,95 para a escala relacionada ao trabalho e kappa = 0,88 para a escala relacionada com as atividades físicas). Dessa forma, não podemos associar os resultados de acordo com o intervalo de tempo entre as aplicações. Provavelmente, um dos fatores decisivos para uma melhor consistência dos dados seja o grau de entendimento dos entrevistados em relação aos itens do questionário. No presente estudo, foram excluídos todos os indivíduos que não apresentassem um nível de compreensão suficiente para entendimento das questões do instrumento.

A consistência interna, outra medida de confiabilidade da medida, que reflete a dimensão com que os itens de um questionário medem o mesmo fenômeno, a homogeneidade de uma escala 31, foi considerada adequada, pois, segundo Landis & Kock 35 o a de Cronbach adequado para os instrumentos em estágios iniciais de desenvolvimento deve ser maior que 0,70, e para os instrumentos já desenvolvidos deve ser maior que 0,80. Estudos anteriores que avaliaram a consistência interna do instrumento para cada uma das suas subescalas, utilizando o mesmo teste estatístico, encontraram valores de a de Cronbach entre 0,84 e 0,93 para o FABQ-Work e entre 0,57 e 0,77 para o FABQ-Phys 15,17,22,23,24. No presente estudo, esses valores foram de 0,90 e 0,80, respectivamente, demonstrando um comportamento semelhante em relação aos outros estudos.

Não houve correlação significativa entre os escores das subescalas no presente estudo (r = 0,07; p = 0,63). Alguns estudos apontaram uma forte correlação entre as duas subescalas 12,15,17,28, enquanto Woby et al. 34 também não encontraram correlação significativa entre elas. A ausência de correlação entre as duas subescalas é mais uma evidência da validade de construto do instrumento, uma vez que cada uma delas avalia condições independentes (trabalho e atividades físicas) e, portanto, conceitualmente diferentes, como reforçou Woby et al. 34.

Os resultados da correlação entre as subescalas e o grau de incapacidade foram significativos tanto para a FABQ-Work (r = 0,72; p < 0,001) quanto para a FABQ-Phys (r = 0,35; p < 0,001). Esses dados corroboram com os resultados de outros estudos 17,23,28,34 e com a evidência de que as crenças e os medos relacionados ao movimento em indivíduos com dor crônica são considerados importantes fatores contribuintes para a instalação ou manutenção de um quadro de incapacidade 13,15,16. No presente estudo, a correlação mais forte ocorreu entre a FABQ-Work e a incapacidade, assim como no estudo de Fritz & George 13. Segundo Pfingstein et al. 24 essas crenças e medos relacionados ao movimento devem ser levadas em consideração no processo de tratamento dos portadores de dor lombar crônica. Esses pacientes devem ser alertados que sua dor nas costas pode estar sendo gerada por comportamentos inadequados de evitação, que acarretam incapacidade, sendo, assim, motivados a participar do processo de reabilitação.

Em relação à associação da intensidade de dor com as subescalas, os resultados do presente estudo foram significativos (r = 0,76; p < 0,001 para a FABQ-Work e r = 0,35; p < 0,017 para a FABQ-Phys). Vowles & Gross 28, também encontraram uma associação positiva entre a intensidade da dor e as subescalas do FABQ (r = 0,27; p < 0,005 para a FABQ-Work e r = 0,39; p < 0,005 para a FABQ-Phys). Já Crombez et al. 15 relataram que somente a subescala FABQ-Work apresentou correlação com a intensidade da dor.

 

Conclusão

A versão brasileira do FABQ, o FABQ-Brasil, apresentou adequada adaptação semântica com a versão original, com índices significativos e adequados para a sua validade de construto, consistência interna e confiabilidade teste-reteste. Deve-se ressaltar que esses resultados refletem o padrão de desempenho de uma amostra de indivíduos adultos com dor lombar crônica inespecífica. Dessa forma, o FABQ-Brasil apresenta-se com propriedades psicométricas adequadas para avaliar as crenças e os medos dessa população em relação às suas atividades físicas e ocupacionais.

 

Colaboradores

A. M. Abreu contribuiu com a concepção, o planejamento, a organização e o desenvolvimento do projeto; participou de todo o seu desenvolvimento, desde a coleta dos dados e interpretação dos resultados até a elaboração do manuscrito, revisão crítica do seu conteúdo e aprovação da sua versão final. C. D. C. M. Faria participou das etapas de tabulação dos dados, cálculos estatísticos e interpretação dos resultados, elaboração e desenvolvimento do manuscrito, revisão crítica do seu conteúdo e aprovação da sua versão final. S. M. V. Cardoso contribuiu com a concepção, planejamento, organização, orientação e correção de todas as etapas do desenvolvimento do trabalho. L. F. Teixeira-Salmela colaborou com o planejamento e desenvolvimento do projeto e participou das etapas de tabulação dos dados, cálculos estatísticos e interpretação dos resultados, elaboração do manuscrito e revisão crítica do seu conteúdo e aprovação da sua versão final.

 

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Correspondência:
A. M. Abreu
Departamento de Fisioterapia
Universidade José do Rosário Vellano
Rua Tedinho de Alvim 1000
Divinópolis, MG 35500-000, Brasil
ana.abreu@unifenas.br
ana.will@uol.com.br

Recebido em 06/Mar/2007
Versão final reapresentada em 10/Jul/2007
Aprovado em 20/Set/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br