FÓRUM FORUM
Fórum: racionamento dos cuidados de saúde. Posfácio
Forum: rationing health care services. Postscript
Paula Alexandra Correia Veloso Veiga
Núcleo de Investigação Microeconomia Aplicada, Universidade do Minho, Braga, Portugal
O tema deste fórum é a problemática da escassez de recursos e a necessidade de racionar e priorizar os cuidados de saúde. O problema de racionamento e de priorização dos recursos não é exclusivo do setor da saúde. Virtualmente o problema põe-se em todos os setores. O que torna o debate mais apaixonante e dramático na saúde é o "carácter especial" do bem saúde, para a qualidade de vida dos indivíduos e para a promoção da igualdade de oportunidades na sociedade. O debate sobre o racionamento explícito dos cuidados de saúde está na agenda política de todos os países desenvolvidos, apesar do debate "na rua" aparecer apenas esporadicamente em situações como encerramento de serviços, adoção de novos fármacos, ou casos mediatizados de negação de cuidado de saúde.
Independentemente dos países e do seu grau de desenvolvimento, a procura de cuidados de saúde excede a oferta, e a distribuição dos cuidados tem de ser feita pela "capacidade de pagar" ou pela "necessidade". Enquanto a "capacidade de pagar" é a forma privilegiada de racionamento nos Estados Unidos, os países europeus e outros países com sistemas nacionais de saúde continuam a basear-se na "necessidade", um conceito freqüentemente mal definido. Em conseqüência, o racionamento nos sistemas nacionais de saúde tende a ser mais burocrático e a requerer maior cooperação dos diferentes agentes do setor da saúde.
A negação de cuidados de saúde dos quais o paciente pode se beneficiar desafia os alicerces do contrato social vigente nas sociedades, em particular nos países com sistemas nacionais de saúde baseados nos princípios da solidariedade e da cobertura universal. A reflexão acadêmica multidisciplinar poderá (e deverá) contribuir para a definição de um novo contrato social para a saúde de acordo com as preferências sociais. A discussão é um debate em aberto, multidisciplinar e aceso, como mostram os artigos apresentados ao Fórum. Com poucas exceções o debate assume o racionamento explícito como inevitável e centra a discussão em questões como: A que nível racionar? Quais os critérios de priorização? Quais as conseqüências distributivas e éticas dos critérios? Quem deve participar na fixação de prioridades? Qual o processo de racionamento a privilegiar: técnico ou político?
Os artigos aqui apresentados versam sobre algumas das questões deste debate e ilustram a complexidade do tema. O artigo da Micaela Moreira Pinho sumaria os principais aspectos do processo de racionamento explícito e a conseqüente problemática que lhe está associada. Dos assuntos tratados destacam-se a diferenciação entre as tipologias de racionamento implícito e explícito; uma descrição dos diferentes níveis em que decorre a priorização, sobretudo o estabelecimento de prioridades entre programas de saúde (macro) ou entre pacientes (micro); uma análise das conseqüências do processo de racionamento em termos de justiça distributiva e, por fim, uma apresentação das diferentes metodologias técnicas usadas para a tomada de decisões de priorização. Adicionalmente, o artigo apresenta um resumo das experiências internacionais de racionamento, caracterizadas pela diversidade, morosidade e complexidade dos processos técnicos e políticos. A falta de estudos empíricos que avaliem o impacto do conjunto de políticas de racionamento limita a análise comparativa das experiências internacionais e a capacidade dos países adotarem o melhor dos diferentes modelos.
As questões éticas e a importância do contributo da reflexão bioética para a procura da maximização do consenso são apresentadas neste Fórum por Paulo Antonio de Carvalho Fortes. O autor começa por questionar quais deveriam ser os critérios éticos orientadores de uma boa e justa priorização dos cuidados de saúde. No entanto, o pluralismo de valores morais existente nas sociedades contemporâneas comprometem a resposta; cada sociedade tem de decidir se perante determinada escolha segue uma orientação utilitarista (eficiente) ou antes uma vertente equitativa e, optando por esta última, por qual das interpretações enveredar.
Eva Rodríguez, Begoña Álvarez & Pilar Abad propõem a avaliação de políticas alternativas para a melhoria do racionamento via listas de espera. As autoras do artigo concluem não existir uma única política que solucione o problema das listas de espera devido aos incentivos adversos que cada uma pode desencadear. Propõem assim, que a abordagem a esta problemática passe por uma combinação de medidas tanto do lado da procura e da oferta como da melhoria dos resultados da saúde. O artigo sugere, ainda, que políticas explícitas de priorização dos pacientes poderão promover a melhoria do bem-estar e minimizar os efeitos negativos das listas de espera.
O racionamento e a priorização dos cuidados de saúde são uma realidade e, muitos concordarão, uma necessidade. As políticas de racionamento não podem, porém, ignorar as preferências e os valores da sociedade, nem podem ser o único pilar das reformas dos sistemas de saúde. É importante insistir que o controle de custos e a distribuição dos recursos deve assentar, preferencialmente, na redução do desperdício e em políticas de incentivos no setor ao invés de no racionamento/priorização. Redistribuir os recursos reforçando os cuidados preventivos e liberando recursos dos cuidados curativos deve ser também uma prioridade dos sistemas de saúde. Por outras palavras, os sistemas de racionamento devem ser melhorados, mas as medidas de racionamento explícito não devem ignorar medidas alternativas para a promoção da eficiência, eqüidade, qualidade e controle de custos nos sistemas de saúde.
Correspondência:
P. A. C. V. Veiga
Núcleo de Investigação Microeconomia Aplicada
Departamento de Economia
Escola de Economia e Gestão
Universidade do Minho
Campus de Gualtar
4710-057, Braga, Portugal
paulav@eeg.uminho.pt
Recebido em 07/Nov/2007
Aprovado em 10/Jan/2008