ARTIGO ARTICLE

 

Vigilância pós-alta das infecções de sítio cirúrgico em crianças e adolescentes em um hospital universitário de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

Post-discharge surveillance of children and adolescents treated for surgical site infections at a university hospital in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil

 

 

Maria A. MartinsI, II; Elisabeth FrançaI; José C. MatosII; Eugenio M. A. GoulartI

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIHospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

As infecções hospitalares são as principais complicações na prática cirúrgica e, dentre estas, as infecções de sítio cirúrgico são as mais freqüentes. Apesar dessas infecções poderem se manifestar após a alta, no Brasil, a maioria dos serviços não faz vigilância pós-alta. Para avaliar a importância dessa vigilância e o perfil das infecções em crianças e adolescentes, acompanhou-se uma coorte de 730 pacientes cirúrgicos de um hospital universitário de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de 1999 a 2001. Calculou-se a incidência acumulada, aplicou-se o teste t de Student na comparação de médias e o método de Kaplan-Meier na análise do tempo de ocorrência das infecções; considerou-se significativo o valor p < 0,05. Foram diagnosticadas 87 infecções de sítio cirúrgico na coorte estudada, sendo 37% após a alta hospitalar. A taxa de incidência de infecções de sítio cirúrgico foi de 11,9%; mas seria apenas de 7,5% sem o controle pós-alta. Verificou-se no grupo dos pacientes com infecções identificadas após a alta uma média de aparecimento das infecções de 11,3 ± 6,4 dias; que os tempos de permanência pré e pós-operatórios foram significativamente menores em relação aos pacientes com infecções intra-hospitalares. O estudo indica que a vigilância pós-alta é importante para se conhecer a real incidência das infecções de sítio cirúrgico.

Infecção Hospitalar; Cirurgia; Pediatria; Avaliação em Saúde


ABSTRACT

Hospital infections are the main complications in surgical practice. Surgical site infections are the most frequent, and can manifest after hospital discharge. In Brazil, the majority of clinical services do not maintain infection surveillance after discharge. In order to evaluate the importance of such surveillance and the profile of these post-discharge infections, a cohort of 730 child and adolescent surgical patients was followed in a teaching hospital, from 1999 to 2001. The accumulated incidence was calculated. Student's t test was used to compare mean values and the Kaplan-Meier method to analyze the period until infection, using a p value of < 0.05. A total of 87 surgical site infections were diagnosed, 37% of which after discharge. The overall surgical infection rate was 11.9%; without outpatient follow-up, the rate would have been 7.5%. Post-charge infections were diagnosed after a mean of 11.3 ± 6.4 days, and in these patients the preoperative and postoperative hospital stays were significantly lower than in the group with in-hospital infections. The study indicates the importance of post-discharge surveillance in determining the real incidence of surgical site infections.

Cross Infection; Surgery; Pediatrics; Health Evaluation


 

 

Introdução

As infecções hospitalares podem ser atribuídas ao hospital e se manifestar durante a internação ou após a alta hospitalar. É notória a sua importância, pois aumentam a morbidade, mortalidade e os custos hospitalares, sendo as principais complicações nos pacientes cirúrgicos nos quais as infecções de sítio operatório são as mais freqüentes 1.

As infecções de sítio cirúrgico, anteriormente denominadas infecções de ferida operatória, acometem tecidos e órgãos incisados e cavidades manipuladas durante um procedimento cirúrgico 2. Sabe-se que um extensivo programa de vigilância pode reduzir as taxas de infecções de sítio cirúrgico em 30% a 40%, mas para que este programa seja efetivo deve-se conhecer a real incidência destas infecções e os fatores de risco associados 3. As freqüências das infecções de sítio cirúrgico têm sido utilizadas como um importante indicador da performance dos cirurgiões e do hospital, sendo que o retorno dos dados da vigilância à equipe cirúrgica pode reduzir as taxas de infecção em até 35% 3,4.

Na vigilância das infecções de sítio cirúrgico, utiliza-se o componente cirúrgico do sistema de vigilância das infecções hospitalares National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS) do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, Estados Unidos) 5, no qual os pacientes devem ser acompanhados até o 30º dia do pós-operatório ou até um ano, se houver implante de prótese 2.

No Brasil, a maior parte dos serviços de vigilância dos hospitais não inclui o acompanhamento sistemático dos pacientes cirúrgicos após receberem alta 6,7. Considerando que de 12% a 84% das infecções de sítio cirúrgico são diagnosticadas fora do hospital, a vigilância pós-alta é imprescindível para reduzir as subnotificações destas infecções 6,7,8.

Durante a internação do paciente, na vigilância das infecções de sítio cirúrgico, utiliza-se o método de busca ativa no qual é feito o exame direto da ferida operatória em busca de sinais de infecção. Na vigilância após a alta hospitalar ainda não foi validado nenhum método e vários têm sido utilizados: método de busca ativa, notificação passiva pelo cirurgião ou pelo paciente, revisão de prontuários, avaliação de exames microbiológicos e revisão de bancos de dados de planos de saúde 3. Não se pode afirmar que um único método seja totalmente eficiente, mas é provável que a observação direta da ferida cirúrgica, geralmente usada como "padrão ouro" na detecção das infecções de sítio cirúrgico, apresente maior sensibilidade e especificidade 8.

Ao contrário da vasta literatura mundial em adultos, são escassos os estudos de incidência de infecções de sítio cirúrgico que incluem a vigilância pós-alta em crianças e adolescentes 8,9. Sabe-se que a incidência de infecções de sítio cirúrgico situa-se entre 2,5% e 20% 10,11,12,13,14. Entretanto, os estudos disponíveis variam em critérios de definição de infecções de sítio cirúrgico e em métodos de vigilância e de análise estatística.

Com o objetivo de identificar o perfil das infecções de sítio cirúrgico diagnosticadas após a alta hospitalar e verificar a importância da vigilância destas infecções fora do hospital, desenvolveu-se um estudo de coorte de pacientes pediátricos operados em um hospital universitário de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

 

Métodos

População

Realizou-se um estudo de coorte de 730 crianças e adolescentes admitidos em um hospital universitário, geral, com 400 leitos, localizado em Belo Horizonte. Foram incluídos os pacientes admitidos nas unidades pediátricas e submetidos a um único procedimento cirúrgico NNIS, pela equipe de cirurgia pediátrica do hospital, constituída por oito cirurgiões permanentes e quatro médicos residentes. Considerou-se como procedimento cirúrgico NNIS aquele realizado no bloco cirúrgico, em uma única ida do paciente NNIS, com no mínimo uma incisão em pele/mucosa, que deve ser suturada antes da saída do paciente da sala cirúrgica 15. Paciente NNIS é o que tem a data de admissão no hospital diferente da data de saída 5. Foram excluídos os pacientes submetidos a cirurgias oftalmológicas, neurológicas, ortopédicas e otorrinolaringológicas. Optou-se por excluir os pacientes que requeriam colocação de prótese e definiu-se o tempo de acompanhamento como até trinta dias após a cirurgia 2.

Definição de caso e variáveis

Foram adotados os critérios do NNIS/CDC que definem as infecções de sítio cirúrgico em incisional superficial, incisional profunda e infecção em órgãos e cavidades 2. As infecções diagnosticadas durante a internação foram denominadas infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares e aquelas identificadas após a alta hospitalar de infecções extra-hospitalares. As cirurgias foram classificadas pelo cirurgião, de acordo com o potencial de contaminação da ferida operatória, em: limpas (realizadas em tecidos estéreis), potencialmente contaminadas (em tecidos com flora microbiana pouca numerosa), contaminadas (em tecidos com flora bacteriana abundante) e infectadas (em tecidos ou órgãos em presença de processo infeccioso) 16. Utilizou-se o índice de risco de infecção cirúrgica (IRIC) do NISS na classificação dos pacientes operados 17. Apenas a primeira infecção de sítio cirúrgico de cada paciente foi registrada.

Coleta de dados

À admissão, os pacientes ou responsáveis eram entrevistados por uma equipe previamente capacitada que os acompanhava desde a cirurgia até a alta hospitalar. Eles eram orientados a comunicarem as intercorrências e a retornarem ao ambulatório para controle nos 7º e 30º dias de pós-operatório, onde eram atendidos pelo cirurgião e pela equipe do trabalho. Os dados eram registrados em protocolos específicos. Na vigilância das infecções de sítio cirúrgico durante a internação utilizou-se o método de busca ativa das infecções. Na vigilância pós-alta a metodologia foi mista: busca ativa das infecções de sítio cirúrgico, notificação pelos médicos e/ou família, revisão dos prontuários e revisão dos resultados microbiológicos. Os pacientes que não retornavam eram procurados em outros serviços ou no domicílio. Nesse último caso, a entrevista era feita por telefone (ou pessoalmente, no caso de não ter telefone) utilizando-se questionário padronizado, respondido preferencialmente pela mãe. A combinação desses variados métodos permitiu localizar praticamente todos os pacientes, exceto três que se mudaram sem deixar endereço. Para a vigilância pós-alta, além desses três pacientes perdidos, foram excluídos 55 pacientes que apresentaram infecção durante a internação, dois pacientes que faleceram antes de apresentarem sinais de infecções de sítio cirúrgico e trinta que permaneceram hospitalizados por mais de um mês sem apresentarem infecção. A soma desses pacientes resultou em um total de noventa indivíduos que não demandaram a vigilância pós-alta conforme definido nos critérios do CDC 2. Dessa forma, dos 730 pacientes iniciais restaram 640 para o seguimento pós-alta hospitalar. Desses, 74% foram acompanhados duas vezes sendo o primeiro controle em torno do 7º dia e o segundo controle em torno do 30º dia de pós-operatório; 26% foram avaliados apenas uma vez perfazendo um total de 1.113 controles, como mostrado na Figura 1.

Análise estatística

Utilizou-se o programa Epi Info 6.0 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) para a entrada e processamento dos dados. Calculou-se a incidência acumulada, aplicou-se o teste t de Student na comparação de médias e o método de Kaplan-Meier na análise do tempo de ocorrência das infecções de sítio cirúrgico. Como limiar de significância estatística considerou-se o valor de p < 0,05.

Aspectos éticos

O projeto seguiu as normas preconizadas para as pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Resultados

De fevereiro de 1999 a junho de 2001 foram acompanhados 730 pacientes cirúrgicos, com a idade média de 4,9 anos, sendo 68% do sexo masculino. O tempo médio de internação desses pacientes foi de 11 ± 4,6 dias. Predominaram as cirurgias limpas (54,6%), seguidas das potencialmente contaminadas (20,8%), contaminadas (16,2%) e infectadas (8,4%).

Na coorte, foram diagnosticadas 87 infecções de sítios cirúrgicos sendo 55 identificadas durante a internação (intra-hospitalares) e 32 após a alta hospitalar (extra-hospitalares); dentre estas últimas, 29 foram detectadas no primeiro controle do paciente. No grupo das infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares, a apendicectomia foi a cirurgia mais freqüente enquanto que, no grupo das extra-hospitalares, predominou a correção de hipospádia. Em ambos os grupos, o sítio cirúrgico mais acometido foi o incisional superficial, e os patógenos mais freqüentes foram a Escherichia coli e os estafilococos, como mostrado na Tabela 1.

A média de aparecimento das 87 infecções de sítio cirúrgico foi de 7,9 ± 5,6 dias após a cirurgia (variação de 2 a 28 dias), sendo que no grupo das infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares esta média foi de 5,9 ± 3,9 dias (mediana = 5), com 82% dos casos identificados na primeira semana. No grupo das infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares, a média foi de 11,3 ± 6,4 dias (mediana = 11), sendo 34% diagnosticadas até o 7º dia e 91% até o 21º dia do pós-operatório (dados não apresentados).

Na Figura 2, são apresentados os tempos de ocorrência das infecções de sítio cirúrgico intra e extra-hospitalares no pós-operatório, tendo sido considerado como tempo zero a data da cirurgia para a análise destas infecções. Observa-se que o tempo mediano é maior nas infecções extra-hospitalares (11 dias) em relação às infecções intra-hospitalares (5 dias).

Na Tabela 2 são mostrados os resultados referentes ao tempo de internação e à duração da cirurgia para os pacientes com infecções de sítio cirúrgico intra e extra-hospitalares. No grupo das infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares, o tempo médio de internação foi de 34 ± 28 dias, e no grupo das infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares foi de 6 ± 8 dias (p < 0,001). Cerca de uma semana após a cirurgia, 87,5% dos pacientes já tinham recebido alta. Os tempos médios de internação pré-operatória foram de 8 ± 13 dias e 2 ± 4 dias, e os de internação pós-operatória foram de 26 ± 25 dias e 4 ± 5 dias para os grupos de infecções de sítio cirúrgico intra e extra-hospitalares, respectivamente. A duração média do tempo cirúrgico foi de 121 ± 70 minutos no primeiro grupo e de 95 ± 50 minutos no segundo. Na comparação dos diversos tempos entre os dois grupos das infecções de sítio cirúrgico, observou-se que os tempos foram significativamente menores no grupo das infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares, exceto para a duração do procedimento cirúrgico.

Na Tabela 3, são apresentadas as incidências acumuladas das infecções de sítio cirúrgico segundo alguns fatores de risco. As menores taxas de infecções de sítio cirúrgico foram detectadas nas cirurgias limpas e nos pacientes classificados como IRIC zero (menor índice de risco de infecção cirúrgica).

 

Discussão

No presente estudo, cerca de 63% das infecções de sítio cirúrgico foram identificadas no hospital e 37% após a alta. Verificou-se uma taxa global de 11,9% mas que seria apenas de 7,5% caso não fossem incluídas as infecções diagnosticadas após a alta hospitalar.

Sabe-se que o acompanhamento dos pacientes cirúrgicos após a sua saída do hospital aumenta a acurácia da vigilância das infecções, principalmente em certos tipos de cirurgias em crianças, em que a duração da internação pós-operatória é muito curta 13. Considerando a tendência mundial em se reduzir cada vez mais a permanência hospitalar, as infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares dificilmente serão diagnosticadas caso não haja controle de egressos, uma vez que de 12% a 84% destas infecções manifestam-se após a alta do hospital 6,7,8,18,19,20. No Brasil, entretanto, na maioria dos hospitais a vigilância das infecções de sítio cirúrgico é feita apenas durante a internação do paciente e é interrompida no momento da alta hospitalar 6,7.

Para a adequada vigilância das infecções de sítio cirúrgico não há ainda consenso em relação ao tempo de acompanhamento no pós-alta 11. Apesar dos critérios para este tempo de seguimento e para a taxa de retorno dos pacientes não estarem bem definidos, a maioria dos autores preconiza trinta dias e um índice de acompanhamento maior que 80% 20. Neste estudo, 98,6% dos pacientes da coorte foram acompanhados durante trinta dias. Tanto para as infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares quanto para as extra-hospitalares, o diagnóstico da maioria das infecções foi feito até a terceira semana de pós-operatório, sendo que as infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares manifestaram-se mais tardiamente. Resultados semelhantes foram encontrados em um seguimento de trinta dias de uma coorte de 16.453 pacientes, nos quais 35% das infecções de sítio cirúrgico foram detectadas após a alta e, dentre estas, 90% manifestaram-se até o 21º dia após a cirurgia. Os autores sugerem então, que um seguimento de 21 dias seria suficiente 11.

No presente trabalho, foram empregados variados métodos na vigilância das infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares, com predomínio do método ativo (exame direto da ferida operatória) em 64% dos pacientes acompanhados. O segundo método mais usado foi o uso do questionário via telefone (28%), sendo a mãe a principal informante (78%). Todos os pacientes suspeitos de infecções de sítio cirúrgico foram avaliados e as infecções diagnosticadas pela observação direta da ferida cirúrgica, diferentemente de alguns estudos em que a maioria das infecções de sítio cirúrgico foi diagnosticada via telefone 19,20.

Sabe-se que nenhum desses métodos apresenta sensibilidade e especificidade de 100%. Alguns autores consideram o exame direto da ferida operatória um dos métodos de maior sensibilidade e especificidade 10, enquanto outros defendem os métodos passivos, já que o ativo é mais trabalhoso e oneroso, o que poderia inviabilizar a vigilância pós-alta 13,21. Entretanto, nenhum método de vigilância das infecções de sítio cirúrgico após a alta hospitalar ainda foi validado de forma sistemática. Dentre todos os métodos, o exame direto da ferida operatória parece ser o mais confiável, mas é trabalhoso e de alto custo 21. Talvez o custo-benefício compense, pois o retorno dos dados de uma vigilância bem feita pode diminuir as taxas de infecções de sítio cirúrgico em até 35% e, conseqüentemente, os custos, considerando-se que cerca de 95% dos ganhos com a prevenção de infecções de sítio cirúrgico beneficiam diretamente o hospital 3.

A incidência de infecções de sítio cirúrgico de 11,9% verificada neste trabalho situa-se abaixo de alguns achados de outros estudos, com valores que chegam até a 20% 9,12,13,14. Sabe-se que as taxas esperadas de infecções de sítio cirúrgico variam de acordo com o potencial de contaminação da ferida operatória: 1% a 5% em feridas limpas; 3% a 11% em potencialmente contaminadas; 10% a 17% em contaminadas; e acima de 27% em infectadas, segundo o CDC 17,22. Neste estudo, as taxas observadas foram semelhantes às esperadas para todos os tipos de feridas operatórias, exceto no caso das cirurgias potencialmente contaminadas. Isso provavelmente ocorreu devido à dificuldade em se distinguir os procedimentos potencialmente contaminados dos contaminados, gerando classificações equivocadas e taxas mais altas. No grupo das infecções diagnosticadas durante a internação, as taxas de infecções de sítio cirúrgico observadas situaram-se na faixa de valores já relatados 1,17,22, e nas infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares, exceto em cirurgias limpas, foram mais baixas que as esperadas 17,22.

Alguns autores, ao controlarem o tempo de internação no pós-operatório, verificaram que as infecções de sítio cirúrgico detectadas no pós-alta provavelmente ocorreriam mais em cirurgias limpas, com menor tempo cirúrgico e menor tempo de internação pós-operatório, e sugerem que este tempo poderia ser uma variável de confusão 10,11,19. Neste estudo, no grupo das infecções intra-hospitalares houve um predomínio de cirurgias infectadas (apendicectomias) que apresentaram um risco vinte vezes maior de infecções de sítio cirúrgico que as cirurgias limpas. No grupo das infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares, esse risco foi 2,5 vezes maior, com predomínio de cirurgias potencialmente contaminadas (correção de hipospádia) e limpas (hernioplastias), com menor duração e menor tempo de internação no pós-operatório. Infelizmente, os estudos sobre as possíveis diferenças epidemiológicas entre as infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares e as infecções de sítio cirúrgico extra-hospitalares são escassos, além de serem realizados geralmente em adultos, o que dificulta a comparação dos resultados 23.

Em relação à incidência de infecções de sítio cirúrgico nos pacientes avaliados de acordo com o IRIC, as taxas de infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares foram mais altas que as extra-hospitalares, exceto naqueles classificados como de menor risco de infecção cirúrgica (IRIC zero). Semelhante ao descrito na literatura 17, no presente estudo o risco de infecções de sítio cirúrgico aumentou proporcionalmente ao valor do IRIC nas infecções intra-hospitalares. O mesmo não ocorreu nas extra-hospitalares, provavelmente devido ao número reduzido dessas infecções na população acompanhada. É possível também que essas diferenças se devam ao próprio IRIC, cuja validade como preditor de risco de infecção de sítio cirúrgico tem sido questionada 24.

O sítio incisional superficial é o mais comum das infecções de sítio cirúrgico 13,22 e, também neste estudo foi o mais freqüente, tanto no grupo das infecções de sítio cirúrgico intra-hospitalares como nas extra-hospitalares. A E. coli e o Staphylococcus aureus foram os principais patógenos das infecções de sítio cirúrgico de ambos os grupos. Esse último tem sido o patógeno mais isolado nas infecções de sítio cirúrgico 8,13,25. Entretanto, os relatos existentes não especificam se a etiologia se refere às infecções intra ou às extra-hospitalares.

Em resumo, de uma maneira geral, apesar de algumas limitações deste estudo, como o fato de ter sido realizado em apenas um hospital, seus resultados ressaltam a importância da vigilância das infecções de sítio cirúrgico em crianças e adolescentes após a alta hospitalar, pois um número expressivo destas infecções manifesta-se fora do hospital, sendo, portanto, subnotificadas. Dessa forma, recomenda-se a institucionalização da vigilância pós-alta hospitalar. Apesar da recomendação do CDC de trinta dias de seguimento, é provável que 21 dias sejam suficientes, uma vez que até o 21º dia de pós-operatório a maioria das infecções de sítio cirúrgico já se manifestou. Para um melhor esclarecimento dessas questões, entretanto, mais estudos de vigilância pós-alta das infecções de sítio cirúrgico devem ser realizados.

 

Colaboradores

M. A. Martins participou de todas as etapas do estudo e da elaboração do artigo, sendo responsável pela versão final. E. M. A. Goulart participou do planejamento do estudo, da análise dos dados e da revisão do artigo.

J. C. Matos participou da coleta de dados, análise dos resultados e discussão do artigo. E. França participou do planejamento do estudo, análise dos dados, redação e revisão final do artigo.

 

Referências

1. Martins MA. Infecções no paciente pediátrico e adolescente. In: Martins MA, organizador. Manual de infecção hospitalar: epidemiologia, prevenção, controle. Rio de Janeiro: Editora Medsi; 2001. p. 237-61.         

2. Horan TC, Gaynes RP, Martone WJ, Jarvis WR, Emori TG. CDC definitions of nosocomial surgical site infections, 1992: a modification of CDC definitions of surgical wound infections. Am J Infect Control 1992; 20:271-4.         

3. Manian FA. Surveillance of surgical site infections in alternative settings: exploring the current options. Am J Infect Control 1997; 25:102-5.         

4. Reid R, Simcock JW, Chisholm L, Dobbs B, Frizelle FA. Postdischarge clean wound infections: incidence underestimated and risk factors overemphasized. Aust N Z J Surg 2002; 72:339-43.         

5. Emori TG, Culver RDH, Horan TC, Jarvis WR, White JW, Olson DR, et al. National nosocomial surveillance system (NNISS): description of surveillance methods. Am J Infect Control 1991; 19:19-35.         

6. Ferraz EM, Ferraz AA, Coelho HS, Pereira-Viana VP, Sobral SM, Vasconcelos MD, et al. Posdischarge surveillance for nosocomial wound infection: does judicious monitoring find cases? Am J Infect Control 1995; 5:290-4.         

7. Oliveira AC, Martins MA, Martinho GH, Clemente WT, Lacerda RA. Estudo comparativo do diagnóstico da infecção de sítio cirúrgico durante e após a internação. Rev Saúde Pública 2002; 36:712-22.         

8. Burns SJ, Dippe SE. Postoperative wound infections detected during hospitalization and after discharge in a community hospital. Am J Infect Control 1982; 10:60-5.         

9. Porras-Hernández JD, Vilar-Compte D, Cashat-Cruz M, Ordorica-Flores RM, Bracho-Blanchet E, Avila-Figueroa C. A prospective study of surgical site infections in a surveillance pediatric hospital in Mexico City. Am J Infect Control 2003; 31:302-8.         

10. Holtz TH, Wenzel RP. Postdischarge surveillance for nosocomial wound infection: a brief review and commentary. Am J Infect Control 1992; 20:206-13.         

11. Weigelt JA, Dryer D, Haley RW. The necessity and efficiency of wound surveillance after discharge. Arch Surg 1992; 127:77-82.         

12. Doig CM, Wilkinson AW. Wound infection in a children's hospital. Br J Surg 1976; 63:647-50.         

13. Horwitz JR, Chwals WJ, Doski JJ, Suescun EA, Cheu HW, Lally KP. Pediatric wound infections: a prospective multicenter study. Ann Surg 1998; 227: 1-10.         

14. Ulüdag Ö, Rieu P, Niessen M, Voss A. Incidence of surgical site infections in pediatric patients: a 3-month prospective study in an academic pediatric surgical unit. Pediatr Surg Int 2000; 16:417-20.         

15. Horan TC, Emori TG. Definitions of key terms used in the NNIS system. Am J Infect Control 1997; 25:112-6.         

16. Ministério da Saúde. Portaria nº. 2.616, 12 de maio de 1998. Diário Oficial da União 1998; 13 mai.         

17. Culver DH, Horan TC, Gaynes RP, Martone WJ, Jarvis WR, Emori G, et al. Surgical wound infection rates by wound class, operative procedure, and patient risk index. National Nosocomial Infections Surveillance System. Am J Med 1991; 91:152S-7S.         

18. Rosendorf LL, Octabio J, Estes JP. Effect of methods of postdischarge wound infection surveillance on reported infection rates. Am J Infect Control 1983; 11:226-9.         

19. Reimer K, Gleed C, Nicolle LE. The impact of postdischarge infection on surgical wound infection rates. Infect Control 1987; 8:237-40.         

20. Kent P, McDonald M, Harris O, Mason T, Spelman D. Post-discharge surgical wound infection surveillance in a provincial hospital: follow-up rates, validity of data and review of the literature. Aust N Z J Surg 2001; 71:583-9.         

21. Wey SB, Grinbaum RS. Vigilância epidemiológica das infecções hospitalares. In: Ferraz EM, organizador. Infecção em cirurgia. Rio de Janeiro: Editora Medsi; 1997. p. 57-69.         

22. Mangram AJ, Horan TC, Pearson ML, Silver LC, Jarvis WR. Guideline for prevention of surgical site infection. Am J Infect Control 1999; 27:97-120.         

23. Delgado-Rodríguez M, Gómez-Ortega A, Sillero-Arenas M, Llorca J. Epidemiology of surgical-site infections diagnosed after hospital discharge: a prospective cohort study. Infect Control Hosp Epidemiol 2001; 22:24-30.         

24. Oliveira AC, Ciosak SI, Ferraz EM, Grinbaum RS. Surgical site infection in patients submitted to digestive surgery: risk prediction and the NNIS risk index. Am J Infect Control 2006; 34:201-7.         

25. Rodrigues MAG. Infecções de sítio cirúrgico. In: Rodrigues MAG, Correia MITD, Savassi PR, organizadores. Fundamentos em clínica cirúrgica. Belo Horizonte: Cooperativa Editora e de Cultura Médica; 2006. p. 595-13.         

 

 

Correspondência
M. A. Martins
Departamento de Pediatria
Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Minas Gerais
Rua Adolfo Pereira 431, apto. 101, Belo Horizonte, MG
30310-350, Brasil.
mariaamartins@gmail.com

Recebido em 06/Set/2006
Versão final reapresentada em 11/Set/2007
Aprovado em 22/Out/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br