EDITORIAL

 

Dengue no Brasil: desafios para o seu controle

 

 

Roberto de Andrade Medronho

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. ramedronho@globo.com

 

 

O combate ao Aedes aegypti é o único elo passível de intervenção no controle do dengue, pois até o momento não existe vacina nem tratamento específico para a doença. No Brasil, as condições sócio-ambientais e a ineficiência no combate ao vetor em muitas cidades contribuem sobremaneira para que o processo endêmico-epidêmico seja modulado pelo esgotamento de suscetíveis na população sob risco ao invés do controle do vetor.

A grande complexidade do ambiente antrópico torna essencial repensar a estratégia de controle do vetor. O mecanismo de produção da doença requer a adoção de políticas integradas entre diversos setores e não apenas a saúde. Além disso, as políticas de combate à doença devem extrapolar o âmbito municipal nas grandes metrópoles. É necessário ter a humildade de reconhecer que a atual estratégia, pelo menos, nos grandes centros urbanos, não deu certo e ter a ousadia de mudá-la. Para tal, deve-se mobilizar a academia e os técnicos dos serviços de saúde para a formulação de estratégias inovadoras e inteligentes de combate ao vetor, adaptadas à nossa realidade. Nosso país necessita se apropriar melhor do conhecimento sobre todos os aspectos do problema em seus diferentes níveis: virológico, entomológico, epidemiológico e social. As agências de fomento à pesquisa e o Ministério da Saúde devem induzir a criação de redes de pesquisa entre as diversas instituições para otimizar esse processo.

Recentemente, alguns processos epidêmicos têm se caracterizado pela gravidade dos casos e aumento proporcional nas crianças. Este padrão é característico de regiões hiperendêmicas, como o Sudeste Asiático. Nada indica que esse processo tenha sido particular de uma dada região, ao contrário, essa mudança no padrão da doença possivelmente deve se reproduzir em diversas outras regiões do Brasil. Nesse sentido, a capacitação dos profissionais de saúde e a organização prévia dos serviços de saúde são críticas para fazer frente a essa nova situação. Caso não seja possível deter um processo epidêmico, deve-se ter o compromisso ético e moral de evitar ao máximo o óbito pela doença.

Discute-se atualmente se o vírus 4 já entrou no Brasil. O primeiro registro dessa entrada ocorreu na epidemia de Boavista, Roraima, em 1981/1982, que foi produzida pelos vírus 1 e 4, embora o vírus 4 não tenha se disseminado para outras regiões do país. Recentemente, pesquisadores de Manaus, Amazonas, procederam ao seqüenciamento genético do vírus do dengue em residentes da cidade e detectaram o genoma do vírus 4. Independente da polêmica estabelecida em torno desses achados, não se pode fechar os olhos para uma realidade – o vírus 4 chegará ao Brasil – embora não se possa prever quando. Isso significa que se devem adotar as medidas de controle do vetor de forma efetiva, pois a introdução desse sorotipo tem o potencial de acarretar epidemias explosivas em diversas regiões com grande contingente populacional suscetível, e que se encontra previamente imunizada por infecções de um ou mais dos outros três sorotipos que já circulam no país. Dessa forma, o risco de ocorrência da forma grave da doença tende a aumentar.

Diante de um quadro tão preocupante, a sociedade não suporta mais a discussão sobre quem é o responsável pelo mosquito, é fundamental a construção de uma sólida aliança entre todos os setores para além de qualquer divergência ou vaidade, pois o inimigo é comum e tem demonstrado mais competência na sua luta pela sobrevivência, mesmo que involuntariamente à custa de sofrimento e de morte em humanos.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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