ARTIGO ARTICLE
Estudo de base populacional dos fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
A population-based study on factors associated with functional disability among older adults in the Great Metropolitan Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil
Karla C. Giacomin; Sérgio V. Peixoto; Elizabeth Uchoa; Maria Fernanda Lima-Costa
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi determinar os fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. O modelo teórico adotado foi baseado em características predisponentes (sócio-demográficas), fatores extra-individuais (apoio social, uso de serviços de saúde) e intra-individuais (condições de saúde). Participaram do estudo 1.786 idosos (> 60 anos) selecionados por meio de amostra probabilística. A variável dependente foi a incapacidade funcional, definida como incapacidade leve ou moderada (alguma dificuldade) e grave (total dependência) para realizar atividades da vida diária. A prevalência da incapacidade foi de 16% (8% leve e 8% grave). Idade e pior auto-avaliação da saúde apresentaram associações positivas e independentes com ambos os níveis de incapacidade. Hipertensão e artrite apresentaram associações com incapacidade leve ou moderada, enquanto diabetes e acidente vascular cerebral apresentaram associações com incapacidade grave. Associação negativa com incapacidade grave foi observada para visita de amigos nos últimos trinta dias. Esses resultados mostram que as condições crônicas associadas à incapacidade na população estudada são passíveis de prevenção e que o apoio social externo à família é menor em idosos com incapacidade grave.
Saúde do Idoso; Idoso Débil; Atividades Cotidianas
ABSTRACT
This study assessed factors associated with functional disability in old age in Greater Metropolitan Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. The theoretical model was based on predisposing (socio-demographic), extra-individual (social support, use of health services), and intra-individual factors (health conditions). The study was conducted in a probabilistic sample of 1,786 subjects aged > 60 years. The dependent variable was disability defined as mild (some difficulty) or severe (total dependence) in performing at least one basic activity of daily living. Prevalence of disability was 16% (8% mild; 8% severe). Age and worse self-rated health were independently and positively associated with mild and severe disability. Self-reported hypertension and arthritis were associated with mild disability, while diabetes and stroke were associated with severe disability. Severe disability was independently and negatively associated with number of visits by friends in the previous 30 days. According to the results, chronic conditions associated with disability in the study population are preventable, and severely disabled elderly had less extra-family social support.
Health of the Elderly; Frail Elderly; Activities of Daily Living
Introdução
A ampliação da expectativa de vida é um dos maiores feitos da humanidade. Essa conquista, que não acontece de forma eqüitativa nos diferentes países e contextos sócio-econômicos 1, produz um desafio para a saúde pública que é o aumento da prevalência e da incidência da incapacidade funcional 2.
Verbrugge & Jette 3 inicialmente definiram a incapacidade funcional como a dificuldade experimentada em realizar atividades em qualquer domínio da vida devido a um problema físico ou de saúde, com impactos sobre a habilidade da pessoa para exercer papéis e atividades na sociedade 4. Tais atividades são agrupadas em atividades de vida diária (AVD) que caracterizam a habilidade para realizar tarefas de autocuidado (banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, ser continente e alimentar-se) e de mobilidade; e as atividades instrumentais de vida diária (AIVD) que incluem as tarefas que permitem a vida em comunidade (compreendendo a limpeza da casa, as compras, o preparo da comida, o uso do telefone, a administração de finanças) 2.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) 5 (p. 3), redefiniu a incapacidade como um "termo 'guarda-chuva' para comprometimentos, limitações de atividade ou restrições na participação de uma pessoa, representando a interação dinâmica entre as condições de saúde (doenças, lesões, traumas etc.) e os fatores contextuais, incluindo atributos pessoais e ambientais". A CIF não restringe a incapacidade a um nível prévio de funcionamento nem estabelece que ela deva ter uma causa específica 6. Isso evita a falácia de que a incapacidade seja um problema apenas médico ou de que seja exclusivamente um produto social 6.
A incapacidade funcional é uma condição multifatorial que difere em relação a: causas, natureza, forma de aparecimento, ritmo e implicações sociais 7, consistindo mais em um processo do que em um estado estático 8. Verbrugge & Jette 3 propõem um modelo teórico do processo de tornar-se incapaz, considerando três aspectos: (i) fatores predisponentes (características sócio-demográficas); (ii) fatores intra-individuais (estilo de vida, atributos psicossociais, mudanças de comportamento, maneiras de lidar com as dificuldades, com as doenças e com as modificações de atividades que podem afetar o processo de incapacidade); e (iii) extra-individuais (intervenções dos serviços de saúde e de reabilitação, uso de medicamentos, suportes externos e ambiente físico e social).
Do ponto de vista epidemiológico, a incapacidade é geralmente mensurada por meio do relato de dificuldade ou necessidade de ajuda para realizar as AVD e as AIVD 8. Pesquisas relevantes utilizam AVD e AIVD como preditores de uma variedade de desfechos de satisfação social e de saúde física e mental. Muitos estudos utilizam escalas sumárias de AVD ou AIVD usualmente como variáveis independentes 9,10,11,12; outras vezes, como variável dependente 13,14,15. A maioria dos estudos utiliza escalas de AVD e AIVD exclusivamente como agregados 7,16.
No Brasil, a avaliação da condição funcional em estudos populacionais é relativamente nova e a prevalência de incapacidade entre idosos pode variar de 2% a 47%, segundo a população, a faixa etária considerada e as escalas utilizadas 17,18,19, 20,21,22,23,24,25,26. A preocupação com a incapacidade como assunto de saúde pública justifica-se pelo envelhecimento populacional rápido e intenso, pelo baixo nível sócio-econômico e educacional, e pela alta prevalência de doenças crônicas causadoras de limitações funcionais e de incapacidades entre os idosos brasileiros 20,27.
O presente estudo tem por objetivos: (i) estimar a prevalência da incapacidade funcional entre idosos residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte , Minas Gerais, Brasil, e (ii) examinar as características a ela associadas, utilizando o modelo teórico proposto por Verbrugge & Jette 3.
Metodologia
Área estudada e fontes de dados
O presente trabalho foi conduzido na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como parte de um amplo inquérito de saúde realizado entre maio e julho de 2003. A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a terceira maior do país em tamanho da população (4,4 milhões) e produção econômica. O inquérito de saúde foi baseado em uma amostra probabilística em dois estágios, delineada para produzir estimativas da população com dez ou mais anos de idade, não institucionalizada, residente nos cerca de vinte municípios que compõem a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Todos os participantes do inquérito mencionado com idade igual ou superior a sessenta anos (1.844 indivíduos) foram selecionados para este trabalho; 1.786 (96,9%) participaram. Maiores detalhes podem ser encontrados em Lima-Costa 21.
Variáveis do estudo
A variável dependente do estudo foi a incapacidade funcional, definida como nenhuma dificuldade, alguma dificuldade (incapacidade leve ou moderada) ou ser totalmente dependente (incapacidade grave) para realizar pelo menos uma entre seis das seguintes AVD: banhar-se, vestir-se, alimentar-se, ir ao banheiro, caminhar de um cômodo a outro dentro de casa e levantar-se da cama para uma cadeira 16,28.
De acordo com o modelo proposto por Verbrugge & Jette 3 foram considerados três conjuntos de variáveis independentes, que podem ser agrupadas em fatores predisponentes (características sócio-demográficas), fatores extra-individuais (rede social de apoio e uso de serviços de saúde) e fatores individuais (condições de saúde). Entre os fatores predisponentes foram considerados o sexo, a idade, o estado conjugal e o número de anos completos de escolaridade. Entre os fatores extra-individuais foram considerados indicadores de apoio social (a co-habitação com filhos, o número de visitas de filhos que residem em outro domicílio nos últimos trinta dias, a freqüência de visitas de parentes no último mês e o número de amigos que encontrou nos últimos trinta dias) e indicadores do uso de serviços de saúde (o número de consultas médicas nos últimos 12 meses e a filiação a plano privado de saúde). Entre os fatores intra-individuais foram consideradas a percepção da saúde e a história de diagnóstico médico para hipertensão arterial, de artrite, de diabetes e de acidente vascular cerebral/derrame. As informações foram obtidas por meio de entrevistas realizadas no domicílio dos participantes. Maiores detalhes podem ser vistos em Lima-Costa 21.
Análise dos dados
As características dos idosos com incapacidade leve ou moderada e grave foram comparadas às daqueles que não apresentavam qualquer dificuldade para realizá-las (categoria de referência). A análise univariada dos dados foi baseada em testes do qui-quadrado de Pearson. A análise multivariada foi baseada em estimativas de odds ratios e dos respectivos intervalos de 95% de confiança, obtidos por meio de regressão logística multinomial. As variáveis que apresentaram associação com a variável dependente em nível de significância inferior a 0,20 na análise univariada foram incluídas na modelagem da análise multivariada. Idade, sexo e quem respondeu à entrevista foram consideradas a priori variáveis de confusão no estudo e foram incluídas em todos os modelos logísticos. Foram mantidas no modelo logístico final todas as variáveis que apresentaram associação com a variável dependente em nível inferior a 0,05, além daquelas acima mencionadas. As análises foram realizadas utilizando-se procedimentos para inquéritos populacionais do programa Stata, versão 9.1 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), que incluem o peso das observações nas estimativas realizadas.
Resultados
Entre os participantes deste trabalho, a média da idade foi igual a 69,7 anos (variação de 60 a 91 anos), predominando o sexo feminino (58,9%) e a baixa escolaridade (somente 26,8% tinham oito ou mais anos de escolaridade completa).
Quanto à incapacidade funcional, 84% (IC95%: 82,0-85,9) dos idosos eram totalmente independentes nas seis AVD consideradas, 8% (IC95%: 6,6-9,6) apresentavam alguma dificuldade para realizar pelo menos uma AVD e 8% (IC95%: 6,7-9,5) eram totalmente incapazes para fazê-las. Outras características dos participantes do estudo podem ser vistas na Tabela 1.
Os resultados da análise univariada da associação entre incapacidade funcional e características predisponentes estão apresentados na Tabela 2. Associações significantes (p < 0,05) foram observadas para sexo, faixa etária e escolaridade, mas não para estado conjugal.
Com referência aos fatores extra-individuais, associações significantes com a incapacidade funcional (Tabela 3) foram observadas para co-habitação com os filhos, para freqüência de visitas de outros parentes, para o número de amigos que encontrou nos últimos trinta dias e para o número de consultas médicas nos últimos 12 meses, mas não para freqüência de visitas de filhos que não moram no mesmo domicílio, nem para filiação a plano privado de saúde.
Na Tabela 4 estão apresentados os resultados da análise univariada da associação entre grau de atividades para realizar AVD e fatores intra-individuais. Todos os indicadores considerados neste trabalho (percepção da saúde e história de diagnóstico médico de hipertensão arterial, de artrite, de diabetes e de acidente vascular cerebral) apresentaram associações significantes (p < 0,001) com a incapacidade funcional.
Os resultados finais da análise multivariada dos fatores associados à incapacidade funcional encontram-se na Tabelas 5. Com referência à incapacidade moderada, associações positivas e independentes foram observadas para idade igual ou superior a 80 anos (OR = 3,77; IC95%: 2,14-6,66), pior percepção da saúde (OR = 1,92; IC95%: 1,13-3,26 para regular e OR = 5,27; IC95%: 2,89-9,63 para ruim ou muito ruim), história de diagnóstico médico de hipertensão arterial (OR = 1,66; IC95%: 1,03-2,66) e de artrite (OR = 2,01; IC95%: 1,24-3,25). Quanto à incapacidade grave, foram observadas associações positivas para idade igual ou superior a 80 anos (OR = 6,87; IC95%: 3,91-12,09), pior percepção da saúde (OR = 3,60; IC95%: 1,99-6,52 para regular e OR = 20,96; IC 5%: 11,18-39,29 para ruim e muito ruim) e para história de diagnóstico médico de diabetes (OR = 2,10; IC95%: 1,17-3,77) e de acidente vascular cerebral (OR = 7,77; IC95%: 3,52-17,15). Associação negativa e independente foi observada para número de amigos que encontrou nos últimos trinta dias (OR = 0,31; IC95%: 0,16-0,60 para 1-5 amigos e OR = 0,13; IC95%: 0,06-0,26 para 6 ou mais amigos).
Discussão
O primeiro objetivo deste estudo foi estimar a prevalência da incapacidade funcional entre idosos residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os resultados mostraram que 16% dos idosos apresentavam algum grau de incapacidade para realizar AVD. Essa prevalência é semelhante à observada para o conjunto da população idosa brasileira 20 e entre idosos europeus e norte-americanos 2,29,30.
A incapacidade leve ou moderada prediz a incapacidade grave 31. No presente estudo, quando avaliada segundo a sua gravidade, 8% dos idosos apresentavam incapacidade leve ou moderada, ao passo que 8% apresentavam incapacidade total de fazê-la sem a ajuda de outra pessoa.
Quanto ao gênero, a incapacidade funcional é um fenômeno que difere entre homens e mulheres. Embora a incidência de incapacidade seja semelhante em ambos os sexos, a sua prevalência é geralmente maior entre as mulheres. Algumas hipóteses foram levantadas para explicar essa diferença: (i) maior sobrevivência das mulheres em relação aos homens 32, (ii) maior prevalência de condições incapacitantes não-fatais entre as mulheres (osteoporose, osteoartrite e depressão, por exemplo) e (iii) maior habilidade de a mulher reportar maior número de condições de saúde em relação aos homens da mesma faixa etária 33. No presente trabalho, a prevalência da incapacidade para a realização de AVD foi significativamente mais alta entre as mulheres, em comparação aos homens, mas esta diferença desapareceu após ajustamentos por características intra- e extra-individuais.
Estudos têm mostrado que, entre idosos, o risco da incapacidade funcional dobra a cada década de vida 34. Na população estudada, a prevalência de alguma dificuldade e da dependência total para realizar AVD aumentou progressivamente com a idade. A faixa etária superior apresentou forte associação com a incapacidade funcional, de forma independente dos demais fatores considerados no estudo.
Estudos brasileiros, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), têm mostrado que a capacidade funcional dos idosos é fortemente influenciada pela renda domiciliar per capita. Essa associação persiste mesmo após ajustamentos por vários indicadores das condições de saúde 22. No presente estudo, a incapacidade funcional não apresentou associação significativa com a escolaridade, que é um indicador da condição sócio-econômica. Ainda que a prevalência de total dependência observada entre os idosos com menor escolaridade tenha sido o dobro da observada entre aqueles com maior escolaridade, a diferença não foi estatisticamente significante.
Quando considerado o apoio social, observou-se no presente trabalho associação negativa e independente entre incapacidade grave e encontro com amigos. Cerhan & Wallace 35 afirmam que a interação entre as relações sociais e a saúde é bidirecional: a piora no estado de saúde induz a uma restrição da rede social, enquanto um decréscimo nas redes sociais, de maneira repetida e prospectiva, prediz a mortalidade e morbidade graves. Isso ocorre tanto em estudos populacionais quanto em indivíduos com morbidade conhecida 36,37 e piora com a idade 39. Um estudo multicêntrico conduzido na Finlândia, Holanda e Espanha, que comparou a prevalência, a incidência e a recuperação da incapacidade entre idosos que vivem na comunidade, demonstrou que ainda que existam diferenças culturais, os laços sociais (familiares e não-familiares) são protetores da incapacidade na velhice 39. Quando considerada a incidência da incapacidade, os laços familiares têm maiores efeitos protetores do que os laços não-familiares, mas quando considerada a prevalência da incapacidade, os laços não-familiares são mais protetores. No presente estudo, os idosos dependentes vivenciam a incapacidade com menor apoio dos amigos. Os indicadores de laços familiares (visitas de filhos e de parentes) não diferiram significativamente entre idosos com e sem incapacidade. Entretanto, cabe salientar, que nesta população a co-habitação com filhos foi muito freqüente (66,2% daqueles sem incapacidade, 52,8% com incapacidade leve ou moderada e 65,1% daqueles com incapacidade grave; resultados não apresentados), mas, dada a natureza seccional do estudo, não é possível saber se a co-habitação acontece porque o idoso precisa de ajuda ou se são os filhos que dependem financeiramente dos mais velhos 40.
A auto-avaliação da saúde é muito utilizada em estudos epidemiológicos, não apenas devido à sua importância per si, mas também devido à sua associação com condições clínicas e com maior risco de morbidade e mortalidade subseqüentes. Ela representa a percepção geral de saúde, incluindo suas dimensões: biológica, psicossocial e social 41,42,43. No presente trabalho, observou-se uma piora gradual da auto-avaliação da saúde com o aumento da incapacidade, tendo esta associação persistido, mesmo após ajustamentos para outras características relevantes, incluindo doenças crônicas.
O processo de incapacidade que acomete as pessoas idosas, diferentemente daquele dos mais jovens, é causado por doenças crônicas que usualmente começam na meia-idade e acompanham o envelhecimento 3. Em um artigo de revisão da literatura sobre incapacidade funcional entre idosos residentes na comunidade, as condições de saúde descritas como mais freqüentemente associadas ao declínio funcional foram: a hipertensão, o acidente vascular cerebral, o diabetes e a artrite 32. Os resultados do presente trabalho confirmam essas observações. Eles, entretanto, acrescentam por mostrar diferenças com relação ao grau de incapacidade. Enquanto a hipertensão arterial e a artrite apresentaram associações com a incapacidade leve ou moderada, o diabetes e o acidente vascular cerebral fizeram-no com a incapacidade grave.
A hipertensão arterial é passível de prevenção e controle. Quando não controlada, ela representa um dos mais importantes fatores de risco para o acidente vascular cerebral e conseqüente incapacidade 16. O controle adequado da hipertensão arterial entre adultos e idosos tratados é baixo. Entre adultos norte-americanos tratados, somente 31% apresentam níveis de pressão arterial considerados adequados 44,45,46. Resultados do Projeto Bambuí, em Minas Gerais, mostraram resultados semelhantes para a população idosa, mostrando que, dentre os tratados, somente 39% apresentavam hipertensão arterial controlada 47. A artrite ou o reumatismo representa a principal causa de incapacidades, na população norte-americana, e espera-se que sua prevalência aumente com o envelhecimento populacional 48. No Brasil, apesar da sua alta prevalência 20,49, a artrite não está na pauta da saúde pública. Recomenda-se a sua inclusão nessa pauta para a melhora do seu diagnóstico e implementação de programas educacionais, enfatizando o autocuidado para prevenção da incapacidade 49,50. A associação diabetes e incapacidade funcional apresentada no presente trabalho é plausível e os mecanismos que a explicam são provavelmente multifatoriais 51. Apesar da vasta literatura sobre os benefícios do controle do diabetes, Koro et al. 29 demonstraram, em inquéritos populacionais norte-americanos, que de 1988 a 2000 houve um aumento da prevalência de diabetes e um declínio no controle glicêmico nesta população. A incidência cumulativa elevada de declínio cognitivo, de declínio físico e de síndromes geriátricas entre idosos diabéticos indica a necessidade de aumentar o foco de atenção da saúde pública para encontrar os meios de reduzir esta carga 51. O acidente vascular cerebral foi a condição de saúde mais fortemente associada à incapacidade funcional grave no presente trabalho. Como já mencionado anteriormente, essa é uma doença passível de prevenção e não se justifica a sua persistência como a principal causa de mortalidade entre os idosos brasileiros 52.
A principal limitação do presente é a sua natureza seccional, a qual não permite estabelecer as relações temporais entre as variáveis independentes e a incapacidade funcional. Por outro lado, estudos seccionais são importantes para mostrar a carga de incapacidades na população e os fatores associados aos casos existentes, como no presente trabalho. Estudos com esse delineamento estão sujeitos ao viés de sobrevivência, o que pode levar a uma subestimativa das associações observadas. Uma outra limitação de estudos de grandes bases populacionais como o presente trabalho é o uso de outros respondentes. De fato, 24% das respostas foram fornecidas por terceiros. Trabalhos anteriores têm mostrado concordância entre razoável e boa entre a incapacidade relatada pelo idoso e por outro informante, no que se refere à mobilidade e ao autocuidado 53. O uso de outro informante nesse tipo de estudo se justifica porque muitos idosos com incapacidade grave são incapazes de responder sozinhos aos questionários sobre o seu estado de saúde 54, e os resultados de inquéritos de saúde podem ser seriamente comprometidos se estes indivíduos forem excluídos da amostra 55. Para atenuar o viés do informante, a condição de respondente foi considerada a priori variável de confusão neste trabalho. Outra possível fonte de erro desta pesquisa é a não-inclusão de idosos institucionalizados, mas em Belo Horizonte menos de 1% da população idosa encontra-se institucionalizada 57. Dessa forma, o seu impacto nos resultados deste trabalho deve ser pequeno. Apesar dessas limitações, é importante salientar que este trabalho foi conduzido em uma população de idosos não-institucionalizados residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte, caracterizando-se como o primeiro estudo neste país sobre capacidade funcional desenvolvido em amostra representativa de idosos residentes em uma região metropolitana.
As diretrizes recentes para a política nacional de saúde reconhecem a população idosa como prioridade para o SUS e a funcionalidade como paradigma de saúde do idoso 56. Entretanto, essas diretrizes não propõem os meios para abordar a capacidade já instalada. Da mesma forma, o Programa Saúde da Família é a primeira política de apoio à família vulnerável 57,58, mas ainda não conta com equipes de reabilitação. Assim, o cuidado aos idosos com incapacidade é prestado de forma quase exclusiva pela família 59. Políticas que retardem ou reduzam a incapacidade devem ser prioridade em saúde pública 60. Os resultados deste trabalho reforçam a necessidade dessas políticas. A prevalência de incapacidades entre idosos residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte foi alta, indicando a grande demanda por atividades de reabilitação (57% dos idosos da Região Metropolitana de Belo Horizonte dependem exclusivamente do SUS). Os resultados também mostraram que as condições crônicas associadas à incapacidade na população estudada são passíveis de prevenção e que o apoio social externo à família é menor em idosos com incapacidade grave.
Colaboradores
K. C. Giacomin participou do delineamento do estudo, realizou a análise dos dados e foi a redatora principal do artigo. M. F. Lima-Costa é a coordenadora geral do projeto de pesquisa, tendo orientado o delineamento do estudo, participado da análise e discussão dos resultados e da redação final do trabalho. S. V. Peixoto colaborou na análise dos dados e revisão crítica final do artigo. E. Uchoa participou da elaboração do delineamento do estudo e da revisão crítica final do artigo.
Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. S. V. Peixoto, E. Uchoa e M. F. Lima-Costa são bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Referências
1. Lima-Costa MFF, Veras R. Saúde pública e envelhecimento. Cad Saúde Pública 2003; 19:700-1.
2. Lollar DJ, Crews JE. Redefining the role of public health in disability. Annu Rev Public Health 2003; 24:195-208.
3. Verbrugge LM, Jette AM. The disablement process. Soc Sci Med 1994; 38:1-14.
4. Verbrugge LM. A global disability indicator. J Aging Stud 1997; 11:337-62.
5. World Health Organization. International classification of functioning, disability and health. Geneva: World Health Organization; 2001.
6. Leonardi M, Bickenbach J, Ustun TK, Kostanjsek N, Chatterji S. The definition of disability: what is in a name? Lancet 2006; 368:1220-1.
7. Iezzoni L. Using administrative data to study persons with disabilities. Milbank Q 2002; 80:347-9.
8. Freedman VA, Martin LG, Schoeni RF. Recent trends in disability and functioning among older adults in the United States a systematic review. JAMA 2002; 288:3137-46.
9. Angelelli JJ, Wilber KW, Myrtle R. A comparison of skilled nursing facility rehabilitation treatment and outcomes under Medicare managed care and Medicare fee-for-service reimbursement. Gerontologist 2000; 40:646-53.
10. Marottoli RA, De Leon CFM, Glass TA, Williams CS, Cooney Jr. LM, Berkman LF. Consequences of driving cessation: decreased out-of-home activity levels. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2000; 55:S334-40.
11. Simonsick EM, Kasper JD, Guralnik JM, Bandeen-Roche K, Ferrucci L, Hirsch R, et al. Severity of upper and lower extremity functional limitation: scale development and validation with self-report and performance-based measures of physical function. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2001; 56:S10-9.
12. Taylor Jr. DH, Schenkman M, Zhou J, Sloan FA. The relative effect of Alzheimer's disease and related dementias, disability, and comorbidities on cost of care for elderly persons. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2001; 56:S285-93.
13. Manton KG, Stallard E, Corder LS. Changes in the age dependence of mortality and disability: cohort and other determinants. Demography 1997; 34:135-57.
14. Spector WD, Fleishman JA. Combining activities of daily living with instrumental activities of daily living to measure functional disability. J Gerontol B Psyhcol Sci Soc Sci 1998; 53:S46-57.
15. De Leon CFM, Gold DT, Glass TA, Kaplan L, George LK. Disability as a function of social networks and support in elderly African Americans and whites: the Duke EPESE 1986-1992. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2001; 56:S179-90.
16. Reynolds SL, Silverstein M. Observing the onset of disability in older adults. Soc Sci Med 2003; 57:1875-89.
17. Ramos LR, Rosa TEC, Oliveira ZM, Medina MCG, Santos FR. Perfil do idoso em área metropolitana na região sudeste do Brasil: resultados de inquérito domiciliar. Rev Saúde Pública 1993; 27:87-94.
18. Rosa TEC, Benício MHD'A, Latorre MRDO, Ramos LR. Fatores determinantes da capacidade funcional entre idosos. Rev Saúde Pública 2003; 37:40-8.
19. Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol 2005; 8:127-41.
20. Lima-Costa MFF, Barreto SM, Giatti L. Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde e gastos com medicamentos da população idosa brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2003; 19:735-43.
21. Lima-Costa MFF. A saúde dos adultos na Região Metropolitana de Belo Horizonte: um estudo epidemiológico de base populacional. Belo Horizonte: Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento, Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais; 2004.
22. Lima-Costa MFF, Matos DL, Camarano AA. Evolução das desigualdades sociais entre idosos e adultos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD, 1998, 2003). Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:941-50.
23. Giacomin KC, Uchôa E, Firmo JOA, Lima-Costa MF. Projeto Bambuí: um estudo de base populacional da prevalência e dos fatores associados à necessidade de cuidador entre idosos. Cad Saúde Pública 2005; 21:80-91.
24. Melzer D, Parahyba MI. Socio-demographic correlates of mobility disability in older Brazilians: results of the first national survey. Age Ageing 2004; 33:253-9.
25. Costa AJL. Methods and measures for the evaluation of functional capacity: a preliminary analysis based on the National Household Sample Survey Health Interviews PNAD, Brazil, 2003. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:927-40.
26. Parahyba MI, Simões CCS. A prevalência de incapacidade funcional em idosos no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:967-74.
27. Ramos LR. Epidemiologia do envelhecimento. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM, organizadores. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2002. p. 72-8.
28. Guralnik JM, Lacroix AZ. Assessing physical function in older populations. In: Wallace RB, Woolson RF, editors. The epidemiologic study of the elderly. New York: Oxford University Press; 1992. p. 159-81.
29. Koro CE, Bowlin SJ, Bourgeois N, Fedder DO. Glycemic control from 1988 to 2000 among U.S. adults diagnosed with type 2 diabetes: a preliminary report. Diabetes Care 2004; 27:17-20.
30. Spillmann B. Changes in elderly disability rates and implications for health care utilization and costs. Milbank Q 2004; 82:157-94.
31. Gill TM, Williams CS, De Leon CFM, Tinetti ME. The role of change in physical performance in determining risk for dependence in activities of daily living among nondisabled community-living elderly persons. J Clin Epidemiol 1998; 50:765-72.
32. Stuck AE, Walthert JM, Nikolaus T, Bula CJ, Hohmann C, Beck JC. Risk factors for functional status decline in community-living elderly people: A systematic literature review. Soc Sci Med 1999; 48:445-69.
33. Murtagh KN, Hubert HB. Gender differences in physical disability among an elderly cohort. Am J Public Health 2004; 94:1406-11.
34. Guralnik JM, LaCroix AZ, Abbott RD, Berkman LF, Satterfield S, Evans DA, Wallace RB. Maintaining mobility in late life. I. Demographic characteristics and chronic conditions. Am J Epidemiol 1993; 137:845-57.
35. Cerhan JR, Wallace RB. Predictors of decline in social relationships in the rural elderly. Am J Epidemiol 1993; 137:870-80.
36. House JS. Social isolation kills, but how and why? Psychosom Med 2001; 63:273-4.
37. Brummett BH, Barefoot JC, Siegler IC, Clapp-Channing NE, Lytle BL, Bosworth HB, et al. Characteristics of socially isolated patients with coronary artery disease who are at elevated risk for mortality. Psychosom Med 2001; 63:267-2.
38. DesMeules M, Turner L, Cho R. Morbidity experiences and disability among Canadian women. BMC Womens Health 2004; 4 Suppl 1:S10.
39. Zunzunegui MV, Rodriguez-Laso A, Otero A, Pluijm SMF, Nikula S, Blumstein T, et al. Disability and social ties: comparative findings of the CLESA study. Eur J Ageing 2005; 2:40-7.
40. Camarano AA. Envelhecimento populacional brasileiro: uma contribuição demográfica. In: Freitas EV, Py L, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM, organizadores. Tratado de geriatria e gerontologia. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2006. p. 88-105.
41. Lima-Costa MF, Firmo JOA, Uchôa E. A estrutura da auto-avaliação da saúde entre idosos: Projeto Bambuí. Rev Saúde Pública 2004; 38:827-34.
42. Szwarcwald CL, Souza-Júnior PRB, Esteves MAP, Damacena GN, Viacava F. Socio-demographic determinants of self-rated health in Brazil. Cad Saúde Pública 2005; 21 Suppl 1:S54-64.
43. Leinonen R, Heikkinen E, Jylha M. Changes in health, functional performance and activity predict changes in self-rated health: a 10-year follow-up study in older people. Arch Gerontol Geriatr 2002; 35:79-92.
44. Plan and operation of the Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-94. Series 1: programs and collection procedures. Vital Health Stat 1 1994; (32):1-407.
45. Centers for Disease Control and Prevention. 1999-2000 National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES). http://www.cdc.gov/nchs/about/major/nhanes/currentnhanes.htm (acessado em 16/Mai/2007).
46. Muntner P, DeSalvo KB, Wildman RP, Raggi P, He J, Whelton PK. Trends in the prevalence, awareness, treatment, and control of cardiovascular disease risk factors among noninstitutionalized patients with a history of myocardial infarction and stroke. Am J Epidemiol 2006; 163:913-20.
47. Firmo JOA, Barreto SM, Lima-Costa MF. The Bambuí Health and Aging Study (BHAS): factors associated with the treatment of hypertension in older adults in the community. Cad Saúde Pública 2003; 19:817-27.
48. Hootman J, Bolen J, Helmick C, Langmaid G. Prevalence of doctor-diagnosed arthritis and arthritis-attributable activity limitation United States, 2003-2005. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2006; 55:1089-92.
49. Matta-Machado GP, Barreto SM, Passos VMA, Lima-Costa MFF. Projeto Bambuí: prevalência de sintomas articulares crônicos em idosos. Rev Assoc Méd Bras 2004; 50:367-72.
50. Lorig KR, Mazonson PD, Holman HR. Evidence suggesting that health education for self-management in patients with chronic arthritis has sustained health benefits while reducing health care costs. Arthritis Rheum 1993; 36:439-46.
51. Gregg EW, Brown A. Cognitive and physical disabilities and aging-related complications of diabetes. Clinical Diabetes 2003; 21:113-8.
52. Lima-Costa MF, Peixoto SV, Giatti L. Tendências da mortalidade entre idosos brasileiros (1980-2000): epidemiologia e serviços de saúde. Revista do Sistema Único de Saúde 2004; 13:217-28.
53. Dorman PJ, Waddell F, Slattery J, Dennis M, Sandercock P. Are proxy assessments of health status after stroke with the EuroQol questionnaire feasible, accurate, and unbiased? Stroke 1997; 28:1883-7.
54. Pierre U, Wood-Dauphinee S, Korner-Bitensky N, Gayton D, Hanley J. Proxy use of the Canadian SF-36 in rating health status of the disabled elderly. J Clin Epidemiol 1998; 51:983-90.
55. Duncan PW, Lai SM, Tyler D, Perera P, Reker DM, Studenski S. Evaluation of proxy responses to the stroke impact scale. Stroke 2002; 33:2593-9.
56. Giacomin KC, Sartini CM, Gesteira SM. Modelo de atenção à saúde da pessoa idosa na Rede SUS-BH. Revista Pensar BH 2005; (13):3-9.
57. Ministério da Saúde. Pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
58. Gomes MA, Pereira MLD. Família em situação de vulnerabilidade social: uma questão de políticas públicas. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10:357-64.
59. Giacomin KC, Uchôa E, Lima-Costa MF. Projeto Bambuí: a experiência do cuidado domiciliário por esposas de idosos dependentes. Cad Saúde Pública 2005; 21:1509-18.
60. Gill T, Baker DI, Gottschalk M, Peduzzi PN, Allore H, Byers A. A program to prevent functional decline in physically frail, elderly persons who live at home. N Engl J Med 2002; 347:1068-74.
Correspondência:
K. C. Giacomin
Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento
Fundação Oswaldo Cruz/Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Augusto de Lima 1715, Belo Horizonte, MG
30190-002, Brasil
giacomin@cpqrr.fiocruz.br
Recebido em 05/Jul/2007
Versão final reapresentada em 15/Out/2007
Aprovado em 25/Out/2007