ARTIGO ARTICLE

 

Adesão às precauções padrão pela equipe do atendimento pré-hospitalar móvel de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

Adherence to standard precautions by the public pre-hospital health team in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil

 

 

Aline Cristine Souza LopesI; Adriana Cristina OliveiraI; Jussara Teixeira SilvaII; Maria Henriqueta Rocha Siqueira PaivaIII

IEscola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIInstituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIISistema de Atendimento Móvel de Urgência, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Estudo transversal com profissionais do Serviço de Atendimento Pré-hospitalar de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com o objetivo de avaliar a adesão às precauções padrão. Instrumento constou de questões sobre conhecimento, atitude e fatores facilitadores à adesão das precauções. Para verificar a adesão considerou-se percentual de adequação: > 75% de respostas corretas. Condutores apresentaram menor e médicos maior grau de conhecimento. No relato das atitudes, profissionais não alcançaram adequação para uso de máscara facial, óculos e equipamento proteção individual (EPI), e, condutores relataram atitude inadequada para todos itens. Na análise univariada, categoria profissional, sexo e unidade de lotação foram associados à adoção das precauções. Já na multivariada, apenas categoria profissional (condutor e técnico/auxiliar enfermagem). Fatores facilitadores mais citados para melhorar adesão foram: treinamentos sobre infecções, riscos ocupacionais e uso de EPI; reuniões periódicas de equipe; e criação de central para limpeza, desinfecção e esterilização de material. Profissionais do Serviço de Atendimento Pré-hospitalar demonstraram atitudes compatíveis com conhecimento. No entanto, a profissão interferiu no conhecimento das medidas de precaução e no relato de atitudes adequadas.

Serviços Pré-Hospitalares; Pessoal de Saúde; Precaução


ABSTRACT

This was a cross-sectional study of workers in the pre-hospital care team in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil, aimed at evaluating adherence to precautions. The study instrument included questions on knowledge, attitudes, and facilitating factors for adherence to standard precautions. Adherence was verified by percentage of adequacy: > 75% correct answers. Drivers showed the lowest degree of knowledge and physicians the highest. In self-reported answers, none of the workers demonstrated adequate use of face masks, goggles, or personal protective equipment (PPE), and drivers reported inadequate attitudes on all the items. In the univariate analysis, job position, gender, and specific rescue unit were associated with adoption of precautions. Meanwhile, in the multivariate analysis, only job position was related (drivers and nurse technicians/aides). The most frequently cited facilitating factors for improvement of adherence were: training focusing on infections, occupational risks, and use of PPE; periodic team meetings; and creation of a central unit for cleaning, disinfecting, and sterilizing equipment and materials. Workers in the pre-hospital care service demonstrated attitudes that were compatible with knowledge, but professional class affected knowledge on standard precautions and self-reported adequate attitudes.

Prehospital Services; Health Personnel; Precaution


 

 

Introdução

Estudos têm demonstrado o risco de profissionais de saúde em adquirir infecções durante o desenvolvimento de suas atividades ocupacionais 1,2,3. Infecções tais como hepatites B e C, e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) têm sido descritas em trabalhadores da saúde após a exposição acidental a material biológico, sejam por lesões percutâneas e/ou contato do sangue contaminado com a membrana mucosa ou pele não íntegra 4,5.

Dentre os trabalhadores em saúde, destacam-se aqueles do serviço de atendimento pré-hospitalar por prestarem assistência direta ao paciente, fora do âmbito hospitalar, visando à manutenção da vida e a minimização das seqüelas às vítimas em situação de urgência e emergência, antes da sua chegada a uma instituição de atendimento especializado.

A complexidade e a invasibilidade dos procedimentos realizados durante o atendimento pré-hospitalar ao usuário têm se tornado cada vez mais freqüentes, tais como realização de entubação, aspiração de conteúdo traqueal, ráfia de vasos por amputação traumática, contenção de hemorragias por outras lesões, acesso central e periférico, massagem cardíaca a céu aberto, dentre outras. Tais procedimentos tornam o profissional do atendimento pré-hospitalar tão susceptível aos riscos ocupacionais e acidentes de trabalho quanto qualquer outro que preste assistência à saúde. Esses riscos de contaminação aumentam de acordo com a função do profissional na equipe, na proporção direta em que este contato é maior e mais direto com o paciente 6.

Dessa forma, para reduzir o risco de transmissão, principalmente de hepatite B e HIV, e de acidentes ocupacionais por exposição a material biológico e possíveis infecções são necessárias medidas preventivas 7. Para isso, em 1996, o CDC (Centers for Disease Control and Prevention, Estados Unidos) editou o Guideline for Isolation and Precaution com recomendações a serem adotadas no atendimento de todo e qualquer paciente independente de seu diagnóstico, denominado precauções padrão 4. Tais medidas incluem a higienização das mãos, o uso de equipamento de proteção individual (EPI), a vacinação contra a hepatite B e o descarte adequado de materiais pérfuro-cortantes 5,6,8. No Brasil, em 1998, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria nº. 2.616 7 que contempla as diretrizes e normas para a prevenção e o controle das infecções hospitalares, além das ações mínimas necessárias a serem desenvolvidas com vistas à redução máxima possível da incidência e gravidade das infecções hospitalares, compondo o Programa de Controle de Infecções Hospitalares (PCIH). Em seus anexos, a Portaria trata da organização dos PCIH, conceitos e critérios diagnósticos das infecções hospitalares, vigilância epidemiológica e indicadores epidemiológicos das infecções hospitalares, sendo que, no anexo IV trata exclusivamente da padronização da lavagem de mãos, e por fim as considerações gerais.

Entretanto, para que tais precauções sejam efetivas na prática médica torna-se necessário a adesão dos profissionais a estas durante a realização de procedimentos assistenciais. Adesão significa manter atitudes adequadas, exigindo do profissional motivação e conhecimento técnico. No entanto, a relação existente entre conhecimento e a atitude pode ser baixa. E, entre os fatores que podem contribuir para isso estão: a falta de motivação, o déficit de conhecimento técnico da equipe, a qualificação insuficiente dos profissionais, sobrecarga de trabalho e o comportamento inadequado de membros mais experientes influenciando negativamente os demais profissionais da equipe, dentre outros 9.

A não-adesão às medidas de precaução padrão podem refletir em elevadas taxas de incidência de acidentes de trabalho por exposição a fluidos corporais e materiais pérfuro-cortantes. Em estudo realizado por Florêncio et al. 6, registrou-se uma incidência de 27,3% para acidentes de trabalho por exposição a material biológico em profissionais da equipe de resgate pré-hospitalar do Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás. No entanto, os resultados divergem bastante entre os estudos, apresentando incidências que variam desde 18,4% a 100% entre os trabalhadores da saúde 10,11,12,13,14. O Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, não dispõe de uma série histórica da incidência de acidentes de trabalho no atendimento pré-hospitalar. Entretanto, nesta pesquisa verificou-se que, a incidência entre os profissionais do atendimento pré-hospitalar foi de 20,6%, sendo que, destes, 49% foram por contato com fluidos corporais com mucosas, 40,8% por manuseio de materiais pérfuro-cortantes e 10,2% por ambos (dados não apresentados).

Diante desse contexto, e considerando que a equipe de atendimento pré-hospitalar atua constantemente em condições de alto risco ocupacional, torna-se fundamental analisar o conhecimento e a atitude destes profissionais em relação à adoção das precauções padrão, e os conceitos básicos em controle de infecção. Neste artigo, portanto, objetivou-se identificar os fatores associados ao conhecimento e as atitudes relatadas sobre a adoção das medidas de precaução padrão e os fatores que podem favorecer sua adoção entre equipe multiprofissional do atendimento pré-hospitalar público de Belo Horizonte.

 

Material e métodos

Local do estudo

O estudo foi realizado no Serviço de Atendimento Pré-hospitalar Público de Belo Horizonte em 18 unidades móveis, sendo três de unidades de suporte avançado e 15 de suporte básico. A equipe multiprofissional da unidade de suporte avançado constitui-se de um médico, um enfermeiro e um condutor; e a unidade de suporte básico de dois técnicos/auxiliares de enfermagem e um condutor.

População do estudo

A população deste estudo foi composta pela equipe multiprofissional atuante no atendimento pré-hospitalar público de Belo Horizonte, unidades de suporte avançado e unidades de suporte básico, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos/auxiliares de enfermagem e condutores que aceitaram participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e que não estavam de férias, folga ou licença médica no período de estudo.

Dos 262 profissionais do atendimento pré-hospitalar público de Belo Horizonte, 238 participaram do estudo, havendo um perda de apenas 9,2%, sendo que, de acordo com a categoria profissional estes dois grupos foram semelhantes entre si (dados não apresentados).

Tipo de estudo e coleta de dados

Foi realizado estudo transversal no período de junho a dezembro de 2006, mediante agendamento prévio com a coordenação do Serviço de Atendimento Pré-hospitalar Público de Belo Horizonte. O instrumento utilizado era entregue e recolhido pelo supervisor de campo da pesquisa, que lia e recolhia a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O questionário anônimo, estruturado e auto-aplicável abordou aspectos referentes aos dados demográficos, questões sobre conhecimento e atitude em relação ao controle de infecção, precauções padrão e fatores facilitadores para sua adoção. O instrumento foi validado por especialistas em áreas distintas, sendo elas infecção hospitalar, epidemiologia e segurança do trabalho. O teste piloto foi realizado em um serviço de atendimento pré-hospitalar com características semelhantes ao do estudo.

O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.

Análise

Para verificar se os profissionais do atendimento pré-hospitalar adotavam ou não as precauções padrão, considerou-se como adequado um percentual igual ou superior a 75% de respostas adequadas como descrito por Sax et al. 9.

Foi realizada análise descritiva dos dados. E para verificar a associação das variáveis foram utilizados os testes de qui-quadrado e teste exato de Fischer (p < 0,05), regressão logística univariada (p < 0,20) e multivariada (p < 0,05).

 

Resultados

Dos que efetivamente participaram do estudo (N = 238), 14,3% eram médicos, 10,5% enfermeiros, 47,5% técnicos/auxiliares de enfermagem e 27,7% condutores. A maioria dos profissionais era do sexo masculino (66,8%), com tempo de exercício na instituição igual ou inferior a dois anos (58,4%) e lotados em unidades de suporte básico (69,7%). Não houve diferença significativa quanto à distribuição por faixa etária e por ano de formação dos profissionais.

Na análise do conhecimento relatado observaram-se respostas inadequadas (> 75%) para diferentes categorias profissionais. Médicos apresentaram percentual insatisfatório para adoção das precauções padrão (58,8%) e acondicionamento do lixo produzido durante o atendimento pré-hospitalar (70,6%); e enfermeiros para o risco de transmissão cruzada de agentes infecciosos ao realizar punção de acesso venoso (72%) e risco de infecção por contato de sangue com a mucosa ocular (72%). Já entre técnicos/auxiliares de enfermagem, o percentual foi inadequado para infecção por contato do sangue com mucosa ocular (48,7%), adoção de precauções padrão (56,6%), doenças transmitidas pelo sangue (66,4%) e risco de transmissão cruzada de agentes infecciosos na punção venosa periférica (71,7%). Por fim, condutores apresentaram elevado percentual de respostas incorretas para a quase totalidade dos itens avaliados, exceto aqueles relacionados à higienização das mãos (80,3%), esquema completo de vacinação contra a hepatite B (80,3%) e cuidados após acidentes com material pérfuro-cortante (81,8%) (Tabela 1).

Observou-se diferença estatisticamente significante para o nível de conhecimento entre as diferentes categorias profissionais. Condutores apresentaram menor nível de conhecimento do que os demais profissionais para itens tais como veículo de transmissão de agentes infecciosos (p < 0,01), indicação do uso de luvas (p < 0,01), higienização das mãos (p < 0,01) e vacinação antitetânica (p = 0,04). Por outro lado, apenas os médicos demonstraram ter conhecimento correto sobre o risco de contrair infecção por contato de sangue com mucosa ocular (p = 0,001), risco de transmissão cruzada (p = 0,051) e infecções que podem ser contraídas pelo contato com fluidos corporais e sangue (p < 0,01) (Tabela 1).

Na análise de atitude por categoria profissional, ressalta-se que, nenhuma das categorias atingiu o percentual de adequação desejável (> 75%) para uso de máscara facial e óculos de proteção, e utilização adequada de EPI durante atendimento pré-hospitalar. Além disso, condutores não alcançaram o percentual preconizado para nenhuma das atitudes avaliadas (Tabela 1).

O uso de máscara facial e óculos de proteção (p = 0,018), e descarte de material pérfuro-cortante (p < 0,01) relatado foi estatisticamente diferente entre as categorias profissionais. Enfermeiros relataram menor percentual de atitudes corretas para indicação do uso de máscara facial e óculos de proteção (44%). Em relação ao descarte de material pérfuro-cortante, apenas os condutores (53%) apresentaram valores abaixo do recomendado.

Na Tabela 2 estão descritos os resultados da análise logística univariada. Observou-se que, categoria profissional (p = 0,01), sexo (p = 0,009) e unidade de lotação (p < 0,001) foram variáveis estatisticamente associadas à adoção das medidas de precaução.

Ao ajustar o modelo na análise multivariada, apenas a categoria profissional permaneceu associada às medidas de precaução padrão, permanecendo, portanto, o modelo univariado. O indivíduo ser da categoria profissional condutor aumentava em aproximadamente 21 vezes (odds ratio – OR = 20,7; intervalo de 95% de confiança – IC95%: 5,7-75,1) a chance em não adotar as precauções padrão em relação ao profissional médico, enquanto que, ser técnico/auxiliar de enfermagem aumentava esta chance em cerca de 5 vezes (OR = 4,6; IC95%: 1,3-16,2) (Figura 1).

Na Tabela 3 estão descritos os fatores que poderiam facilitar a adoção das medidas de precaução padrão pela equipe multiprofissional. Os fatores mais citados (> 82%), independente da categoria profissional, foram treinamentos sobre riscos ocupacionais, uso adequado de EPI e noções básicas sobre infecções; reuniões periódicas para facilitar entrosamento da equipe e criação de uma central para limpeza, desinfecção e esterilização de material. Entre as categorias profissionais, os fatores facilitadores estatisticamente significantes foram distribuição eqüitativa de ocorrências entre as unidades de atendimento pré-hospitalar (p = 0,001) e criação de uma central para limpeza, desinfecção e esterilização do material (p = 0,039).

 

Discussão

Profissionais do atendimento pré-hospitalar relataram atitudes compatíveis com o nível de conhecimento relatado, ou seja, quanto maior o conhecimento mais positivas foram as atitudes, como encontrado no estudo realizado por Askarian et al. 15 entre enfermeiras de um hospital universitário da Austrália. No entanto, ressalta-se, um importante grau de desconhecimento das medidas de precaução padrão e relato de atitudes inadequadas, estando estreitamente relacionadas à categoria profissional. Médicos e enfermeiros consistentemente demonstraram maior conhecimento, estando mais aptos a adotarem as medidas de precaução padrão do que condutores e auxiliares/técnicos de enfermagem.

A equipe multiprofissional apresentou desconhecimento importante sobre a adoção de medidas de precaução padrão. Em trabalho realizado com profissionais da equipe de resgate pré-hospitalar do Corpo de Bombeiros do Estado de Goiás resultados semelhantes foram encontrados. A equipe expõe-se a riscos biológicos pela não-adoção de medidas preventivas que parecem relacionar-se ao pouco conhecimento destes profissionais em relação às medidas de precaução padrão 6. No presente estudo tal desconhecimento também pode relacionar-se à recente formação técnica da equipe e ao pouco tempo de atuação no atendimento pré-hospitalar. O tempo médio de formação acadêmica desses profissionais esteve em torno de seis anos, evidenciando uma atividade profissional em consolidação, principalmente ao considerar a ausência de conteúdos específicos sobre o atendimento pré-hospitalar nos cursos técnicos e de graduação, além da provável inexperiência profissional nesta atividade (58,8% dos entrevistados atuavam a menos de dois anos no serviço – dados não apresentados).

O desconhecimento sobre adoção das medidas de precaução padrão foi distinto de acordo com a categoria profissional. Maior grau foi relatado pelos condutores para os itens como transmissão de doenças, uso de EPI e imunização. Por outro lado, médicos relataram conhecimento superior em relação aos demais profissionais para o risco de infecções e transmissão de doenças. Tais diferenças referentes ao nível de conhecimento e à categoria profissional podem se relacionar à formação acadêmica e à função exercida na equipe. Entretanto, no atendimento pré-hospitalar todos os profissionais participam do acolhimento ao paciente, realizando procedimentos mais ou menos invasivos, de maior ou menor complexidade. Profissionais do atendimento pré-hospitalar, independente da categoria profissional, estão expostos a riscos ocupacionais relacionados à exposição a sangue e fluidos; devem, portanto, possuir conhecimentos mínimos sobre estes riscos e como proteger a si e ao paciente. Dessa forma, conhecer as medidas de precauções padrão devem também fazer parte da preparação técnica do profissional do atendimento pré-hospitalar para que o mesmo possa exercer adequadamente sua função na equipe.

Por outro lado, conhecer não significa ter atitudes corretas. Tem-se discutido bastante a lacuna existente entre o conhecimento e a atitude. Embora muitas vezes o profissional de saúde relate dispor de conteúdos teóricos, ele ainda apresenta atitudes incompatíveis com o mencionado. Portanto, quais seriam os fatores que levam os profissionais a não manterem atitudes adequadas em sua prática profissional? Aparentemente, neste estudo, o profissional de saúde do atendimento pré-hospitalar apresenta um problema anterior a este, ou seja, a equipe ainda não dispõe do conhecimento necessário para uma prática adequada, principalmente em algumas categorias profissionais. Como exemplo tem-se a atitude relatada para o uso de EPI.

Todos os profissionais do atendimento pré-hospitalar, independente da categoria profissional, apresentaram uso inadequado de EPI, o que é bastante preocupante. Ressalta-se que, para os itens de EPI máscara facial e óculos de proteção todos os profissionais relataram atitude incorreta, sendo esta ainda mais grave entre os enfermeiros, os quais mais da metade não utilizavam tais equipamentos durante os atendimentos. Em estudo realizado por Brevidelli & Cianciarullo 16 entre médicos e enfermeiros do hospital universitário da Universidade de São Paulo, a maioria dos itens obteve níveis intermediários de adesão, com exceção para "usa óculos protetor quando há possibilidade de respingar os olhos com sangue e outras secreções" que apresentou baixo nível de adesão.

A utilização de EPI no atendimento pré-hospitalar, tais como uniforme, luvas, óculos, máscara e botas são fundamentais para a proteção do profissional. No entanto, tais precauções nem sempre são adotadas, observando-se ainda alto índice de acidentes de trabalho com exposição a material biológico entre profissionais de saúde, que poderia ser evitado caso estivessem utilizando corretamente o EPI. Embora o uso de proteção individual não impeça que o trabalhador sofra o acidente, mas reduz o seu risco 16,17.

Associado ao uso incorreto dos equipamentos de proteção individual tem-se o descarte inadequado de material pérfuro-cortante. Os condutores foram os únicos profissionais que relataram atitudes inadequadas. Essa informação sobre descarte de material pérfuro-cortante é de extrema importância para o serviço, pois o condutor juntamente com os técnicos/auxiliares de enfermagem são os profissionais responsáveis por realizarem esta função. Canini et al. 18, em estudo realizado com profissionais de serviços de apoio hospitalar (profissionais de limpeza, coleta de lixo hospitalar, setor de manutenção e lavanderia) verificaram que 96,8% dos acidentes com materiais pérfuro-cortantes eram conse-qüência do descarte inadequado. Dos acidentes de trabalho relatados pela equipe no último ano, 51% eram devido à exposição a material pérfuro-cortante, sendo que, condutores foi a categoria profissional que apresentou a maior incidência (72,7% dos acidentes – dados não apresentados), confirmando o relato de descarte inadequado apresentado pela pesquisa.

Entre os fatores que poderiam interferir na adoção das precauções padrão estavam, a princípio, ser do sexo masculino e lotado no suporte básico. No entanto, ao ajustar o modelo percebeu-se que a variável de maior importância foi categoria profissional, independentemente de onde estivesse lotado. O menor grau de conhecimento apresentado pelos condutores parece ter interferido nas atitudes relatadas, possuindo esta categoria profissional maior chance em não adotar as precauções padrão durante o atendimento pré-hospitalar do que os demais profissionais. Por outro lado, médicos e enfermeiros relataram atitudes mais adequadas, apesar de não fazerem uso correto de equipamentos de proteção individual. Técnicos/auxiliares de enfermagem apresentaram condição intermediária tanto no relato do conhecimento quanto da chance em adotarem as medidas de precaução padrão. Em suma, quanto maior o nível de conhecimento da categoria profissional maiores as chances em adotarem as medidas de precaução padrão.

No entanto, ressalta-se que a adesão às medidas de precaução padrão significa manter rigorosamente atitudes adequadas por longos períodos de tempo. Os elevados percentuais de atitudes inadequadas apresentadas neste estudo, principalmente para o uso de EPI, pode também se relacionar a outros fatores tais como: falta de motivação dos profissionais, profissionais aquém das necessidades do serviço, sobrecarga de atendimentos das unidades do atendimento pré-hospitalar e comportamento inadequado de membros mais experientes da equipe que é reproduzido pelos mais recentemente contratados 15. Dessas variáveis, uma das investigadas foi a sobrecarga de atendimentos que parece ser um problema apenas para o profissional condutor. Para esse profissional a distribuição mais eqüitativa de ocorrências poderia facilitar a adesão às precauções padrão. No entanto, a distribuição eqüitativa de ocorrências de serviços de urgência em grandes centros urbanos como Belo Horizonte é inviável, pois trafegar por grandes distâncias pode dificultar o rápido atendimento ao paciente, prejudicando as chances de sobrevivência. Além disso, existe outro problema, o profissional condutor desconhece quais são as medidas de precaução que ele deve de fato adotar, com exceção da vacinação contra a hepatite B e higienização das mãos ao cuidar de qualquer paciente, como pôde ser visto na análise do conhecimento. Portanto, para esse profissional adotar as medidas de precaução padrão primeiro falta conhecê-las, podendo desta forma estar capacitado para exercer suas funções na equipe com segurança.

Outra questão apontada que poderia facilitar a adesão às medidas de precauções padrão foi a criação de uma central de esterilização para limpeza, desinfecção e esterilização de materiais. No entanto, essa questão configura-se como importante apenas para os profissionais de enfermagem por estarem estes mais diretamente envolvidos nessas funções. Mas, de qualquer forma ressalta-se que tal medida poderia auxiliá-los na melhor execução de suas funções, além de permitir uma prática mais segura junto ao paciente.

Diante dos conhecimentos e atitudes relatados pela equipe multiprofissional do atendimento pré-hospitalar público de Belo Horizonte, recomenda-se para melhorar sua adesão às medidas de precaução padrão a realização de treinamentos multidisciplinares, periódicos e contínuos, que culminem em programas de educação permanente. A própria equipe coloca este como um fator facilitador importante e aponta temas como riscos ocupacionais, uso adequado de EPI e noções básicas de controle de infecção como lacunas no seu conhecimento que certamente refletiram nas atitudes relatadas. No entanto, é necessário garantir que esses treinamentos tenham como foco a educação para a consciência de uma prática segura tanto para o profissional quanto para o paciente, o desenvolvimento de competências, partindo sempre da experiência prévia da equipe e identificando, sempre que possível, o profissional sênior para ser o líder que monitora e perpetua a adoção das precauções padrão 6,9,15,16.

Este estudo aponta para questões importantes, no entanto apresenta uma limitação que é o método utilizado para avaliação da atitude. A atitude foi exclusivamente avaliada por meio de questionário auto-aplicado, ou seja, pelo relato, sem realização de observação in loco, o que pode ter comprometido a qualidade das informações obtidas. No entanto, esta foi uma escolha metodológica em função da logística disponível, pois por tratar-se de muitas equipes localizadas em diferentes pontos da cidade e que se deslocam constantemente, tornaria inviável a observação in loco de todas as equipes no período de tempo disponível para a pesquisa. Acredita-se que essa limitação pode ter sido minimizada pelo questionário auto-aplicado e anônimo que resguarda a identidade do indivíduo, deixando-o livre para responder da forma mais verdadeira possível. Embora estudos considerem que questionários auto-aplicados que avaliam atitudes tendem a superestimar a adesão, neste estudo o relato das atitudes demonstrou ser compatível com o conhecimento apresentado pelos respondentes, evidenciando a coerência dos resultados. Além disso, os resultados evidenciaram uma adesão bastante insatisfatória, mesmo daqueles profissionais que potencialmente possuíam conhecimento suficiente para responder ao instrumento de forma a obter melhores níveis de adesão.

Outro fato importante a ser ressaltado é o ponto de corte escolhido para definir adequação à adesão às medidas de precaução padrão (> 75%). A definição de um ponto de corte significa classificar, no caso, profissionais como aqueles que adotam e não adotam as medidas de precaução padrão. Esse ponto de corte pode ser mais sensível ou mais específico, dependendo do valor determinado pelo interesse da pesquisa. No caso do presente estudo, o ideal seria um ponto de 100%, ou seja, que todas as medidas de segurança fossem adotadas na condução de procedimentos com pacientes, no entanto, esta não é a realidade dos serviços, principalmente do atendimento pré-hospitalar. Ao optar pelo ponto de corte adotado por Sax et al. 9, os pesquisadores objetivaram alcançar um ponto de corte mais específico, que priorizasse aqueles que realmente adotavam as medidas de precaução padrão, uma vez que o método de coleta de dados era o questionário auto-aplicado, instrumento que apresenta limitações para identificar atitudes.

Diante dos resultados descritos, da importância social do atendimento pré-hospitalar e de sua repercussão na qualidade de vida do indivíduo assistido, sugere-se que uma proposta de educação permanente sobre medidas de precaução padrão seja implantada, a fim de minimizar a exposição ocupacional. Dessa forma, espera-se aprimorar o conhecimento do profissional do atendimento pré-hospitalar, conscientizando-o da importância em adotar práticas seguras e de sua responsabilidade frente à proteção de sua saúde e do paciente.

 

Colaboradores

A. C. Oliveira foi responsável pela revisão da literatura, elaboração da metodologia, análise dos resultados e redação final do artigo. M. H. R. S. Paiva participou da revisão da literatura, elaboração da metodologia e análise dos resultados. A. C. S. Lopes foi responsável pela elaboração da metodologia, análise dos resultados e redação do final do artigo. J. T. Silva realizou a análise dos resultados.

 

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Correspondência:
A. C. Oliveira
Departamento de Enfermagem Básica
Escola de Enfermagem
Universidade Federal de Minas Gerais
Rua Guajajaras 201, apto. 402, Belo Horizonte, MG
30180-100, Brasil
adriana@enf.ufmg.br

Recebido em 12/Jun/2007
Versão final reapresentada em 31/Out/2007
Aprovado em 08/Nov/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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