RESENHAS BOOK REVIEW
Lucimar Filot da Silva Brum
Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Brasil. lucimarfilot@yahoo.com.br
ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E ACESSO A MEDICAMENTOS. Oliveira MA, Bermudez JAZ, Osório-de-Castro CGS. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz; 2007. 112 p.
ISBN: 978-85-7541-131-5
Os autores do livro Assistência Farmacêutica e Acesso a Medicamentos recuperam fatos históricos, legislação, questões éticas e de direitos humanos que ajudam a compreender os determinantes econômicos e políticos para assegurar a eqüidade, o direito à saúde e o acesso aos medicamentos, bem como o incremento e a qualificação das ações envolvidas na assistência farmacêutica.
O livro está estruturado em quatro capítulos e aborda de forma clara e objetiva o conceito e definição de assistência farmacêutica, seja na prática gerencial no provimento de medicamentos (acesso), seja na prática clínica (cuidados farmacêuticos) em todas as etapas constitutivas do ciclo de assistência farmacêutica. As atividades desenvolvidas na assistência farmacêutica, segundo a Política Nacional de Medicamentos 1, têm como objetivo precípuo garantir o acesso da população a medicamentos essenciais de qualidade, promovendo, dessa forma, seu uso racional. A obra também traz importante contribuição para o debate sobre a inexistência, fragilidade, inconsistência e insuficiência de aplicação de recursos e investimentos na pesquisa e desenvolvimento de inovações terapêuticas e na implementação de programas de saúde voltados ao atendimento das necessidades dos países em desenvolvimento, o que atravanca o acesso a medicamentos de grandes contingentes populacionais que mais precisam de tais insumos em saúde. Além disso, os autores discorrem sobre o sistema internacional de propriedade intelectual e suas implicações no acesso a medicamentos essenciais.
No primeiro capítulo, Assistência Farmacêutica: Campo Conceitual e de Prática, a definição de assistência farmacêutica proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) "assistência farmacêutica como um grupo de serviços e atividades relacionados com o medicamento, destinados a apoiar as ações da saúde que demanda a comunidade, os quais devem ser efetivados através da entrega expedita e oportuna dos medicamentos a pacientes hospitalizados e ambulatoriais, garantindo os critérios de qualidade na farmacoterapia" (p. 14) é utilizada pelos autores para discorrer sobre os conceitos e diretrizes referentes à implementação das atividades relativas à assistência farmacêutica no Brasil, respaldada pela homologação da Política Nacional de Medicamentos.
Os autores referem que a assistência farmacêutica é um processo dinâmico e multidisciplinar, que visa a abastecer os sistemas, programas ou serviços de saúde com medicamentos de qualidade, viabilizando, consequentemente, o acesso de pacientes a medicamentos dos quais necessitam. Ressaltam a importância do farmacêutico como profissional da saúde essencial na garantia do acesso a medicamentos e uso racional destes 2, lembrando que, para garantir esse acesso e a assistência farmacêutica, precisa-se de profissional qualificado. Apontam, portanto, a necessidade de capacitação de gestores e profissionais envolvidos em todas as atividades clínica (prescrição, dispensação, incluindo atenção farmacêutica, administração, seguimento e adesão) e gerencial (seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição) relacionadas à assistência farmacêutica.
Os medicamentos constituem, na grande maioria dos casos, a intervenção terapêutica com maior relação custo-efetividade, desde que prescritos e utilizados de forma racional. Por outro lado, no que tange ao acesso a medicamentos, é patente a iniqüidade entre o consumo de medicamentos e distribuição demográfica, sendo 80% dos medicamentos consumidos por 18% da população que vive em países desenvolvidos (América do Norte, Europa e Japão).
No capítulo dois, Acesso a Medicamentos: Tema da Agenda Política Internacional, os autores discutem a inserção desse tema na agenda internacional da saúde e do comércio. Ressaltam a importância da garantia do acesso a medicamentos essenciais, pois resulta na melhoria da qualidade de vida dos pacientes, e pontuam que o acesso passa pela independência tecnológica e econômica dos produtores de matérias-primas. Nesse contexto, um aspecto a ser observado é que, embora as patentes sejam necessárias para estimular o desenvolvimento e investimento em inovações, é fato incontestável que elas inibem concorrência e permitem a prática de preços exorbitantes, interferindo, portanto, no acesso a medicamentos. Essa é uma questão extremamente relevante e os autores, além de sugerirem uma reflexão sobre suas imbricações, estimulam um incremento na discussão quanto à necessidade de um equilíbrio entre direitos dos detentores de patentes e direitos ao acesso por parte dos usuários que necessitam de tais inovações terapêuticas.
Outro tema abordado ainda no capitulo dois é que o atual cenário do sistema de desenvolvimento, produção de medicamentos e incorporação destes à assistência à saúde tem destinado grande investimento para a produção de medicamentos contra doenças globais que prevalecem em países desenvolvidos. A pesquisa e desenvolvimento de medicamentos são destinados a medicamentos não essenciais (para doenças globais) em detrimento dos essenciais (para doenças negligenciadas), ou seja, prevalecem os interesses econômicos sobre os da sociedade. Logo, urge que se invistam recursos na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos e em programas de saúde para as doenças negligenciadas, que atualmente contam com poucas opções terapêuticas, sendo estas caracterizadas por pouca efetividade e alta prevalência de efeitos adversos.
No capitulo três, O Que é Política Nacional de Medicamentos?, os autores discutem conceitos, componentes e objetivos da Política Nacional de Medicamentos, ressaltando que sua elaboração pelos países deve estar de acordo com orientações da OMS, fruto de construção coletiva e sustentada na tríade "acesso, assistência farmacêutica e uso racional". O acesso a medicamentos essenciais, atrelado à qualidade e ao uso racional destes, é o objetivo principal da Política Nacional de Medicamentos. Segundo a OMS, medicamentos essenciais são aqueles imprescindíveis, que são básicos, indispensáveis e acessíveis a todo momento, nas doses apropriadas, para todos os segmentos da sociedade. Sendo assim, devem estar disponíveis no sistema de saúde, em quantidade apropriada, com qualidade assegurada e a um preço que o indivíduo e a comunidade possam pagar.
Na cadeia de serviços de saúde, a assistência farmacêutica é um instrumento estratégico e deve ocorrer por meio de ações que tenham como alvos precípuos o acesso, a qualidade e o uso racional, garantindo a sustentabilidade do sistema. Como desafios, os profissionais envolvidos nesse campo enfrentam capacitação e qualificação nos aspectos relacionados ao desenvolvimento de atividades de natureza clínica e gerencial. Com a homologação da Constituição Federal brasileira, de 1988, suscitou-se a necessidade de implementação de políticas de saúde que envolvam atividades, bem como insumos em saúde que melhorem a qualidade de vida da população.
No capitulo quatro, Assistência Farmacêutica no Brasil: da PNM ao Pacto de Gestão, os autores fazem uma retrospectiva histórica do "ressurgimento" da assistência farmacêutica no Brasil e descrevem os desafios e obstáculos a serem vencidos para que sejam assegurados não só a eqüidade, o direito à saúde e o acesso aos medicamentos, como também o incremento e a qualificação das ações envolvidas na assistência farmacêutica.
Enfim, o livro Assistência Farmacêutica e Acesso a Medicamentos proporciona aos leitores, de forma objetiva e bem estruturada, a contextualização de questões relacionadas tanto ao processo de elaboração, conteúdos e componentes da Política Nacional de Medicamentos, quanto a atividades da assistência farmacêutica e acesso a medicamentos essenciais no sistema de saúde. O mérito do livro está na habilidade dos autores em construir argumentos bem fundamentados de que, apesar do árduo e complexo desafio, lutar pela garantia e qualidade da assistência farmacêutica e acesso a medicamentos resulta na melhoria das condições de saúde e vida da população. Tal ponto de vista corrobora o de Bolzan 3 (p. 7), para quem "o medicamento é um instrumento para a saúde, cujo acesso deve ser universal e garantido pelo Estado. O custeio da assistência farmacêutica não é gasto em saúde, mas investimento!".
1. Ministério da Saúde. Portaria nº. 3.916, de 30 de outubro de 1998. Diário Oficial da União 1998; 10 nov.
2. Organización Mundial de la Salud. El papel del farmacéutico en el sistema de atención de salud. Washington DC: Organización Panamericana de la Salud; 1993.
3. Bolzan LC. Apresentação. In: 1ª Conferência Estadual de Medicamentos e Assistência Farmacêutica. Porto Alegre: Conselho Regional de Farmácia do Rio Grande do Sul; 2003. p. 7. (Caderno de Textos).