EDITORIAL
Segurança alimentar e nutricional e saúde pública
Luciene Burlandy
Faculdade de Nutrição, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil. burlandy@uol.com.br
A segurança alimentar e nutricional ocupa de forma crescente a agenda pública no Brasil no curso de um efervescente processo de construção de valores e práticas, com impactos diretos na estrutura político-institucional de distintos setores governamentais e societários. Até os anos 1990, as concepções sobre o tema destacavam os problemas de acesso aos alimentos, escassez, fome e qualidade sanitária como principais formas de insegurança alimentar; posteriormente, cresceu a preocupação com os aspectos culturais, ambientais, de saúde e nutrição.
Recentemente, como fruto deste processo, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional de 2006 instituiu um sistema nacional norteado, tal como o SUS, pelos princípios da universalidade, participação social, intersetorialidade e eqüidade (social, econômica, étnica e de gênero). O sistema deve implementar modos de produzir, abastecer, comercializar e consumir alimentos que sejam sustentáveis do ponto de vista sócio-econômico e ambiental, que respeitem a diversidade cultural, promovam a saúde e garantam o direito humano à alimentação adequada e saudável. Considera-se que o complexo quadro de morbi-mortalidade brasileiro, em sua relação com a alimentação (marcado pela coexistência de doenças crônicas não transmissíveis, obesidade, anemia, carências de micronutrientes, fome, desnutrição, transtornos alimentares, agravos transmitidos por alimentos, dentre outros), só pode ser plenamente enfrentado por ações que impactem de forma integrada todas essas dimensões (da produção ao consumo).
Assim como ocorre com a segurança alimentar e nutricional, a área de saúde vivenciou um processo de construção participativa de saberes e de ação política que a consagrou como um direito universal, também garantido pelo acesso a um conjunto de políticas públicas integradas que incidem sobre as condições de vida (alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, posse da terra, serviços de saúde). Os percursos trilhados nesses dois campos temáticos, ao fortalecerem a reflexão sobre os determinantes da saúde e da alimentação, questionam a própria organização sócio-política do país e os modelos de desenvolvimento adotados, mobilizando lutas sociais mais amplas, pela democracia, por direitos, por equidade, justiça e ética. Assim, seus ideários compartilham de princípios comuns que os tornam potencialmente estratégicos para impulsionar processos integrados e sustentáveis de desenvolvimento.
Portanto, a compreensão das múltiplas interfaces entre segurança alimentar e nutricional e saúde, bem como a aproximação daqueles que atuam nestas temáticas, pode contribuir tanto para a reconstrução dos modelos de atenção à saúde (visando ao cuidado integral), quanto para o fortalecimento da intersetorialidade. Almeja-se que a garantia desses direitos seja progressivamente um elemento-chave no processo de tomada de decisões nos diferentes campos das políticas públicas.