ARTIGO ARTICLE

 

A silicose e o perfil dos lapidários de pedras semipreciosas em Joaquim Felício, Minas Gerais, Brasil

 

Silicosis among semiprecious gem cutters in Joaquim Felício, Minas Gerais State, Brazil

 

 

Lucille Ribeiro FerreiraI; Tarcísio Márcio Magalhães PinheiroI; Arminda Lucia SiqueiraII; Ana Paula Scalia CarneiroIII

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIDepartamento de Estatística, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIIHospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Para conhecer a prevalência de silicose, descrever os perfis clínico, epidemiológico e ocupacional, e estudar as condições de trabalho das oficinas de lapidação, realizou-se estudo transversal de setenta lapidários de pedras semipreciosas de Joaquim Felício, Minas Gerais, Brasil, de abril a dezembro de 2002. Utilizaram-se história ocupacional com questionário respiratório, radiografia de tórax e espirometria. A prevalência de silicose foi de 7,1%. Todos eram do sexo masculino, com média de idade de 21,5 anos e tempo médio de exposição à sílica de 7,1 anos. Todos pertenciam ao setor da economia informal e trabalhavam em oficinas pequenas e rudimentares, sendo o maquinário improvisado e havendo maciça exposição à sílica. Segundo a Classificação Radiológica da Organização Internacional do Trabalho, dos cinco casos de silicose, quatro foram classificados na categoria 1, e um na 3. A silicose em lapidários constitui um sério problema de saúde pública que requer esforços para minimização do risco de adoecimento, por meio da ação de equipes multidisciplinares provenientes de instituições governamentais e não-governamentais, com inserção ativa dos trabalhadores.

Silicose; Saúde do Trabalhador; Condições de Trabalho


ABSTRACT

A cross-sectional study was performed to determine the prevalence of silicosis among semiprecious gem cutters (n = 70) and describe their clinical, epidemiological, and occupational profiles in Joaquim Felício, Minas Gerais State, Brazil, from April to December 2002. Occupational history was used with a respiratory questionnaire, chest x-ray, and spirometry. Silicosis prevalence was 7.1%. All affected individuals were men, with a mean age of 21.5 and mean exposure to silica of 7.1 years. All belonged to the informal economy and had been working at small and rudimentary workshops, using improvised lathes, with intense exposure to silica dust. According to the ILO Radiological Classification, four of the five cases of silicosis were classified as grade 1 and one as grade 3. Silicosis among gem cutters constitutes a serious public health problem that requires efforts to minimize risk through work by multidisciplinary teams from government agencies and nongovernmental organizations, with active participation by the workers themselves.

Silicosis; Occupational Health; Working Conditions


 

 

Introdução

A silicose é um antigo problema de saúde pública e sua ocorrência é bem conhecida em diversos ramos de atividades econômicas, como mineração, indústria cerâmica, indústria metalúrgica, pedreiras, construção civil pesada e jateamento de areia 1. Apesar da maciça exposição à poeira de sílica, proveniente do material abrasivo e das próprias pedras lapidadas, a revisão da literatura de silicose em lapidários de pedras preciosas e semipreciosas mostra que os estudos são escassos, sendo a maioria deles com delineamento do tipo estudo de casos 2,3,4,5,6,7,8,9,10,11.

Atualmente, o Brasil possui uma das maiores indústrias de lapidação de gemas coradas do mundo, sendo o segmento constituído basicamente por pequenas empresas, de estrutura familiar, pertencendo essencialmente ao setor informal da economia. Minas Gerais é o principal estado exportador de gemas, metais preciosos, jóias e afins, com montante, de janeiro a outubro de 2005, correspondendo a quase 300 milhões de Reais 12.

No Ambulatório de Doenças Profissionais do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atual CEREST (Centro de Referência Estadual de Saúde do Trabalhador), no período de 1993 a 2005, foram atendidos 71 lapidários 3 e encontraram-se 31 (43,7%) casos de silicose, sendo 29% destes, portadores da forma grave da doença. Sinais radiológicos compatíveis com tuberculose foram encontrados em 14 pacientes, a maioria com silicose associada. A média de idade dos pacientes era de 39,7 anos e oito deles faleceram por causas respiratórias. Essa experiência motivou o estudo de casos no Município de Joaquim Felício.

Joaquim Felício é um município situado na região norte de Minas Gerais, a aproximadamente 280km da capital. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; http://www.ibge.gov.br, de acordo com o Censo de 2000, havia 3.872 pessoas residentes na cidade. A lapidação de pedras semipreciosas é uma atividade importante no município e várias famílias dependem dela para sua subsistência. Tal atividade envolve mão-de-obra familiar e adolescente, existindo como mercado de trabalho informal ou constituído por profissionais autônomos, que trabalham em precárias condições (maquinário do tipo "fundo de quintal"). Nesse ambiente de trabalho, observa-se a existência de vários determinantes e fatores de risco à saúde dos trabalhadores.

Em 2002, a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Medicina e Segurança do Trabalho (FUNDACENTRO), Ministério do Trabalho e Emprego, realizou estudo amostral intencional da poeira ambiental de oficinas de lapidação em Joaquim Felício, por meio de análise gravimétrica de aerodispersóides sobre filtros com membrana de PVC e determinação quantitativa de sílica livre e cristalizada por difração de raios-X. Os níveis de poeira encontrados foram comparados com o limite de exposição recomendado pela American Conference of Industrial Hygienists (ACGIH). Todos os postos de trabalho estavam com concentração de sílica acima desse limite, sendo 8,2 vezes na tarefa de "corte na serra adiamantada", 3,2 a 5,4 vezes no "facetamento no rebolo 60", 2,4 a 13,6 vezes no "alisamento", 2,4 a 6,6 vezes no "lixamento" e 7,4 a 26,2 vezes no "polimento" 13.

O presente estudo tem como objetivos traçar o perfil epidemiológico e ocupacional dos lapidários de Joaquim Felício, e estimar a prevalência da silicose nesta população, buscando subsidiar ações de prevenção da doença nas oficinas de lapidação.

 

Métodos

Para efetivação da pesquisa estabeleceu-se parceria com a FUNDACENTRO e apresentou-se a proposta de trabalho à Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de Joaquim Felício, que concordou com o estudo. Posteriormente, realizou-se reunião e discussão sobre a pesquisa com os lapidários do município.

A Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de Joaquim Felício, por intermédio do Programa Saúde da Família, fez um levantamento do número de oficinas existentes na cidade. Concluiu-se que havia 18 oficinas de lapidação com média de quatro trabalhadores em cada uma delas, perfazendo um total de 75 lapidários trabalhando ativamente. Desses, obteve-se uma amostra de 70 indivíduos, já que o restante não concordou em participar da pesquisa. A coleta de dados foi realizada em 2002.

O perfil epidemiológico foi analisado segundo o gênero, a idade, a escolaridade, a cor da pele e a média da renda mensal no último ano.

Para o estudo do perfil ocupacional foram consideradas as seguintes variáveis: relação no mercado de trabalho, vínculo familiar com o proprietário da oficina, forma de pagamento, jornada de trabalho, tipo de pedras lapidadas, fluxo de produção e percepção dos lapidários quanto à pre-sença de riscos à saúde de origem ocupacional.

Foram utilizados os seguintes instrumentos para coleta dos dados:

• Visita a 6 das 18 oficinas, escolhidas de forma aleatória, para avaliação do processo e da organização do trabalho, devido a uma significativa homogeneidade do processo produtivo e numa perspectiva de utilizar uma amostragem intencional. Ou seja, esta etapa da pesquisa objetivou o estudo do processo de trabalho nas oficinas e não se destinou à pesquisa de dados dos lapidários. Foram estudadas as seguintes variáveis: número de trabalhadores por oficina, forma de pagamento, jornada de trabalho, número de peças produzidas, pausas, horas extras, utilização de equipamento de proteção individual (EPI), tipo de pedras lapidadas e atividades realizadas;

• História ocupacional padronizada, sendo o tempo de exposição, em anos, equivalente ao tempo transcorrido desde a primeira exposição à sílica até o momento da avaliação ("residence lung time"). Registrou-se a média diária da jornada de trabalho em horas. Como havia grande rotatividade da força de trabalho entre as oficinas, os próprios lapidários não conseguiram relatar, com exatidão, a duração dos períodos de afastamentos da atividade. Todos os trabalhadores entrevistados estavam ativos no trabalho de lapidação de pedras semipreciosas;

• Questionário respiratório, de acordo com a tradução da American Toracic Society 14, utilizado pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, publicado nos consensos de 1996 15 e 2002 16. O tabagismo foi quantificado em anos/maço, ou seja, número de cigarros fumados por dia, multiplicado pelo número de anos que o indivíduo fuma, dividido por vinte (número de cigarros contidos em um maço);

• Raio-X de tórax nos padrões estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) 17, analisado de maneira independente por três leitores experientes em pneumoconioses, sendo dois deles "B readers", de acordo com o National Institute of Occupational Safety & Health (NIOSH). A classificação dos casos foi feita de acordo com a mediana das leituras, sendo considerado como caso de silicose aquele cuja leitura foi maior ou igual a 1/0. As radiografias tinham qualidade 1 ou 2, segundo a OIT, ou seja, baseada nos critérios de grau de exposição, contraste, posicionamento, inspiração e ausência de artefatos. A graduação é feita em quatro níveis: 1 (sem defeitos), 2 (com defeitos que não prejudicam a leitura), 3 (defeitos que prejudicam a leitura) e 4 (ilegível);

• Testes de função pulmonar constituídos por espirometria completa em aparelho do tipo pneumotacógrafo, realizados segundo as Diretrizes para Testes de Função Pulmonar de 2002 16, utilizando-se valores previstos para população brasileira. Aqueles cuja espirometria basal foi classificada como obstrutiva foram submetidos à prova broncodilatadora. Os casos com diminuição isolada da relação FEF25-75%/CVF foram classificados como "possível obstrução leve", e aqueles com os resultados da espirometria próximos aos limites inferiores da normalidade como "distúrbio indeterminado".

As entrevistas foram realizadas por dois acadêmicos de medicina treinados, sendo que um colheu a história ocupacional e o outro os dados clínicos.

Os desfechos clínicos estudados foram ocorrência de silicose; tosse e expectoração matinais por mais de três meses ao ano nos últimos dois anos consecutivos (bronquite crônica); dispnéia a partir da graduação 2, correspondente à dispnéia ao acompanhar pessoas da mesma idade 14; e radiografia de tórax com imagens compatíveis com tuberculose pulmonar, ativa ou não.

A metodologia estatística consistiu na descrição do perfil epidemiológico, clínico e ocupacional dos lapidários, por meio de tabelas de freqüências (simples e do cruzamento de variáveis); medidas descritivas, tais como médias e amplitudes. A comparação do grupo "silicótico" com o "não silicótico" foi feita usando-se o método não paramétrico de Mann-Whitney e visualmente segundo o gráfico boxplot.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pós-informado. Com base nos resultados encontrados, uma série de melhorias e adequações nos ambientes de trabalho foram implementadas por intermédio da colaboração de técnicos e higienistas da FUNDACENTRO. Além disso, os trabalhadores continuam, desde então, sendo acompanhados, clinicamente, pelo Hospital das Clínicas da UFMG.

 

Resultados

O perfil epidemiológico e ocupacional

Observou-se que 41,4% dos trabalhadores eram da cor branca, 30% pardos e 22,9% da cor preta (Tabela 1). A maioria dos lapidários (88,6%) era solteira, 51,4% deles tinham o ensino fundamental incompleto e 81,4% recebiam até dois salários mínimos.

 

 

Todos os 70 indivíduos eram do sexo masculino, com média de idade igual a 21,5 anos. O início de suas atividades profissionais na lapidação se deu precocemente, em média aos 15,1 anos, valendo ressaltar que 75% dos lapidários começavam a trabalhar com menos de 17 anos, indicando que a mão-de-obra era jovem, com destaque para a presença de crianças e adolescentes. O tempo médio de exposição à sílica foi de 7,1 anos.

Todos pertenciam ao mercado de trabalho informal, sendo que apenas dois (2,9%) contribuíam com a Previdência Social como autônomos.

Quanto à história ocupacional pregressa, 56 já haviam trabalhado em outras oficinas, além daquela quando da realização deste estudo. Desses, 55 (98,2%) tiveram vínculo de trabalho informal e apenas um trabalhou, anteriormente, com vínculo formal em uma oficina.

Além da lapidação de pedras semipreciosas, 23 (32,9%) lapidários já tinham trabalhado em outras atividades em que havia exposição à sílica, sendo 21 deles em lavra de cristal ou de outras pedras semipreciosas. Um lapidário relatou ter trabalhado em marmoraria e, outro, em pedreira. Dos 23 indivíduos com história ocupacional pregressa de exposição à sílica em outras atividades, três eram portadores de silicose. Destes, dois trabalharam em lavra de cristal e um em pedreira. A média do tempo de exposição total à sílica desses três lapidários era de 14,2 anos e a contribuição da exposição em atividades diversas da lapidação mostrou-se pequena, apenas 1,6 ano. Dessa forma, provavelmente, a principal fonte de exposição à sílica desses trabalhadores ocorreu na atividade de lapidação de pedras.

O processo de trabalho dos lapidários

As oficinas de lapidação eram pequenas e rudimentares, contando com número de trabalhadores que variava de dois a sete, com média de 3,5 lapidários por oficinas.

Como demonstra a Tabela 2, quase a metade dos trabalhadores era composta de proprietários das oficinas (31,4%) ou tinham vínculo familiar com os mesmos (12,9%). A principal forma de pagamento se dava por meio de salário fixo (61,4%), seguida do pagamento por produtividade (31,4%), sendo que a maioria dos lapidários (92,9%) trabalhava oito horas por dia.

A produtividade média semanal era superior a 953 peças e, nas ocasiões em que havia aumento de demanda, chegava a quase 1.850, o que gerava sobrecarga de trabalho nas épocas de pico.

A duração média de exposição à sílica foi de cerca de sete anos e a maioria (92,9%) dos lapidários trabalhava oito horas por dia (Tabela 2), sendo que apenas 35 (50%) afirmaram que faziam pausa por até vinte minutos para lanche. Além disso, 18 (25,7%) faziam horas-extras durante quase quatro dias por semana (média de 3,8 dias).

Além da atividade produtiva de lapidação propriamente dita, os donos das oficinas executavam serviços administrativos de compra e venda de pedras, sendo que, em 40,9% dos casos, o setor administrativo funcionava no mesmo local do maquinário. Dessa forma, mesmo não estando lapidando pedras, tais trabalhadores permanecem expostos à poeira de sílica.

Geralmente os lapidários trabalhavam em mais de um posto de trabalho, não se observando especialização das tarefas. Além disso, as máquinas ficavam próximas umas das outras e a poeira ambiental, que era visível e abundante, distribuía-se por toda a oficina. Não havia nenhum equipamento de proteção coletiva, como sistema de exaustão ou enclausuramento das máquinas.

A maioria (75,7%) utilizava máscaras para poeira incômoda, que não confere a proteção adequada. Ressalta-se, ainda, a falta de acondicionamento adequado dos EPI, que ficavam depositados, sem destinação, até mesmo no chão da oficina.

A existência de ruído era o fator de risco à saúde mais percebido pelos lapidários (Tabela 2), seguido da poeira e do perigo de acidentes.

Previamente à realização da pesquisa, 50 lapidários (71,4%) negaram o conhecimento do risco respiratório da sílica e 3 (4,3%) afirmaram conhecer colegas portadores de silicose. Já após o início da mesma, 53 (75,7%) trabalhadores afirmaram reconhecer o risco da poeira presente nas oficinas (Tabela 2).

A periodicidade de limpeza das oficinas era a de uma vez por semana em 72,9% delas, variando, porém, de uma vez ao mês (4,3%) a seis vezes durante a semana (4,3%).

Todos os lapidários faziam trabalhos em quartzo, que sabidamente é formado por dióxido de silício (SiO2) em sua estrutura molecular, sendo que 100% dos trabalhadores realizavam trabalhos em cristal, 60% em ametista, 54,3% em quartzo rosa, 27,1%, em quartzo verde, 5,7% em ágata e apenas 1,4%, em quartzo fumê. Vale lembrar que tais pedras são consideradas variedades do quartzo.

O principal artesanato produzido em Joaquim Felício era a lapidação propriamente dita (91,4%), na qual as pedras tomam o formato facetado.

O fluxo de produção, no caso da lapidação propriamente dita era: corte, em serra adiamantada e água corrente; facetamento em rebolo de esmeril, com água parada; alisamento com utilização de esmeril em pó e água; lixamento a seco, em lixa de fita; talhamento em rebolo de esmeril, com água e esmeril em pó e; finalmente, o polimento, com a utilização de água e trípoli.

Alterações clínicas relacionadas à exposição à sílica

Quanto aos resultados da avaliação radiológica, foram encontrados cinco casos cujas medianas das leituras foram classificadas como maior ou igual a 1/0, o que corresponde a uma prevalência de silicose de 7,1%. Destes, dois foram classificados em 1/0, dois em 1/1 e um como 3/2 17. Este último, com forma e tamanho das lesões q/r, grande opacidade B e símbolos ax, em, di e tb, que correspondem, respectivamente, a coalescências de lesões silicóticas, enfisema pulmonar, distorção de estruturas intratorácicas e tuberculose. Para três trabalhadores (4,3%) a mediana das leituras radiológicas foi de 0/1, sendo portanto considerados suspeitos de silicose incipiente.

A forma regular das lesões (p,q,r), típica de silicose, foi encontrada como lesão principal em todas as radiografias alteradas.

A Figura 1 e as Tabelas 3 e 4 destacam algumas variáveis, comparando os trabalhadores quanto à silicose. O grupo dos portadores de silicose apresentou diferença estatisticamente significante quanto à idade (p = 0,0029) e ao tempo de exposição à sílica (p =0,0077). Observou-se que a mediana da idade dos silicóticos (28 anos) era maior que a dos não silicóticos (19 anos). O mesmo foi percebido em relação ao de tempo de exposição, já que os silicóticos apresentaram mediana de 14 anos de exposição, enquanto os não silicóticos apenas quatro. O grupo dos doentes mostrou a mediana da idade mais próxima ao primeiro quartil e, do tempo de exposição, do terceiro quartil. Em relação à CVF% e VEF%, os dois grupos não mostraram diferença significante e o grupo dos silicóticos apresentou maior variabilidade destes valores.

O grupo dos portadores de silicose apresentou média de idade de cerca de 30 anos, desvio-padrão de 5,5 anos e mediana de 28 anos. Já no grupo dos não portadores da doença a média, desvio-padrão e mediana foram 20,8, 5,7 e 19 anos, respectivamente.

Percebe-se, que a média, o desvio-padrão e a mediana do tempo de exposição do grupo dos portadores de silicose eram superiores ao dos não portadores, sendo tais valores no primeiro grupo 12,0, 3,4 e 14,0 anos, e no segundo, 5,9, 5,2 e 4,0 anos, respectivamente. Entretanto, o coeficiente de variação do primeiro grupo é muito grande se comparado ao segundo (88,65% versus 28,26%).

Dos 15 (21,4%) tabagistas, dois eram portadores de silicose, com média de 9,7 anos/maço. Os 13 restantes, não portadores de silicose, apresentaram média de 4,1 anos/maço.

O grupo, com história atual ou pregressa de tabagismo, apresentou média de VEF1 igual a 98,93%, próxima à do grupo de trabalhadores que nunca fumou, cuja média de VEF1 foi de 98,41%.

Apesar da conhecida exposição à sílica, apenas 13 (18,6%) trabalhadores relataram a realização de radiografia de tórax e/ou tomografia computadorizada de tórax e/ou espirometria, previamente à presente pesquisa, porém, nessa época, em nenhum deles foi feito o diagnóstico de silicose.

Das 65 espirometrias que preencheram critérios de aceitabilidade, 8 (12,3%) demonstraram distúrbio obstrutivo, 5 (7,7%) possível distúrbio obstrutivo e 1 (1,5%), distúrbio indeterminado. Das 8 espirometrias que apresentavam distúrbio obstrutivo, 7 eram de grau leve e uma de grau moderado, a qual se referia ao portador de silicose com classificação radiológica igual a 3/2.

Os lapidários que mostraram espirometria alterada tinham tempo médio de exposição à sílica de 8,8 anos, mais elevado em relação ao grupo com função pulmonar normal que exibiu média de 6,8 anos sob a mesma exposição.

Dois lapidários eram portadores de bronquite crônica e tabagistas, sendo um deles também portador de silicose. Comparando-se os portadores de bronquite crônica aos demais, observou-se que a média do tempo de exposição à sílica e de tabagismo foi superior no primeiro grupo, sendo correspondente, respectivamente, a vinte anos e 21,7 anos/maço. Já os não portadores de bronquite crônica demonstraram tempo de exposição médio igual a 6,7 anos e, de tabagismo, a 4,8 anos/maço.

Sete (10%) trabalhadores apresentaram dispnéia, sendo que três deles também eram tabagistas e um portador de silicose. Dos 63 (90%) lapidários que não apresentaram o mesmo sintoma, 12 eram tabagistas. A média do tempo de exposição à sílica e de tabagismo foi superior à do grupo que não apresentou dispnéia. O primeiro grupo tinha 11 anos de exposição e seis anos/maço, já o segundo, 5,8 anos de exposição e 4,8 anos/maço.

 

Discussão

No presente estudo observou-se que o perfil da população estudada era de trabalhadores jovens e com curta duração de exposição à sílica. Eram lapidários pertencentes ao setor da economia informal que trabalhavam em oficinas com grande rotatividade da força de trabalho. Dessa forma, na época da realização da pesquisa, é possível que muitos indivíduos portadores de silicose já não estivessem mais trabalhando na atividade de lapidação (efeito "trabalhador sadio").

A prevalência estimada de silicose foi de 7,1%, ou seja, houve cinco casos da doença, mas usando o argumento do parágrafo anterior, acredita-se que a prevalência seja até bem superior à encontrada. Vale ressaltar que esse dado revela um problema relevante de saúde pública, já que, idealmente, nenhum trabalhador deveria adoecer devido às condições de seu ambiente de trabalho.

Embora o tempo médio de exposição à sílica tenha se mostrado curto, quando comparado a atividades tradicionalmente relacionadas ao risco de adoecimento por silicose 1, o mesmo foi suficiente para causar a doença em alguns trabalhadores. Tal fato é, provavelmente, devido às condições de trabalho dos lapidários, com a exposição à sílica alcançando níveis até 26 vezes acima do permitido pela ACGIH 13. Tal poeira origina-se das próprias pedras lapidadas, em sua maioria do grupo quartzo, e do material abrasivo utilizado. A inexistência de sistema de controle de poeira ambiental aumenta, ainda mais, o risco desse adoecimento.

Imaginava-se que os processos e a organização do trabalho nas oficinas onde trabalhavam os portadores de silicose eram diferentes em relação àqueles onde laboravam os não silicóticos. Observou-se, porém, que eles eram muito semelhantes.

Um estudo seccional de 157 lapidários de Hong Kong, China 9, mostrou uma ocorrência de silicose de 27%. A média de idade era de 30,3 anos e o tempo médio de emprego na lapidação foi de 8,8 anos, ou seja, próximos aos mesmos parâmetros desta pesquisa.

Os estudos que contemplam a medição de poeira em oficinas de lapidação também mostram níveis acima do tolerável 1,7,8,9, exceto aquele conduzido na África do Sul 10, que demonstrou níveis de poeira respirável menor que 0,0001mg/m3, em oficina com ventilação exaustora adequada.

No presente estudo o perfil dos portadores de silicose diferenciava-se dos não portadores em relação à idade e ao tempo de exposição, cujas medianas eram superiores a estes, respectivamente de 28 e 14 anos.

Observou-se que o número de indivíduos com alteração moderada e grave da espirometria era pequeno e a existência de morbidades relacionadas ao tabagismo e decaimento da função pulmonar, como doença pulmonar obstrutiva crônica, foram observadas em apenas um caso.

Com relação ao valor de VEF1 (porcentagem em relação ao previsto), o grupo com história atual ou pregressa de tabagismo não apresentou diferença clinicamente relevante da média quando comparado ao de trabalhadores que nunca fumou. O próprio perfil da população estudada, indivíduos jovens, e curto tempo de tabagismo, pode explicar tais achados.

O risco de adquirir silicose, na atividade específica de lapidação de pedras, era desconhecido para a maioria dos lapidários de Joaquim Felício. Alguns já haviam trabalhado com colegas portadores de silicose, porém acreditavam que tais indivíduos tivessem adquirido a doença em outra atividade laborativa, que não a lapidação de pedras. A profissão mais próxima à realidade dos lapidários na qual havia conhecimento do risco era o garimpo subterrâneo.

O desvelamento da presença da doença incurável e progressiva, em indivíduos jovens, implica a necessidade de melhoria das condições de trabalho e até o afastamento da exposição, ou seja, do ofício de lapidação de pedras. Observaram-se dificuldades de se reestruturar o processo produtivo de forma a preservar a saúde do trabalhador e de se transferir os lapidários para outras atividades profissionais. A inserção no setor de economia informal não garantia a realização da prevenção e o rastreamento precoce da silicose, por meio das atividades dos Serviços Especializados em Medicina e Segurança do Trabalho, regulamentados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, a ausência de cobertura previdenciária e trabalhista para esses trabalhadores revela a gravidade desse problema de saúde pública, presente em várias cidades de Minas Gerais.

 

Conclusão

Diante do exposto, torna-se necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar, oriunda de instituições governamentais e não-governamentais, no sentido de gerar alternativas para minimizar ou erradicar o risco de adoecer por silicose na atividade de lapidação de pedras preciosas e semipreciosas. Tais ações poderiam estar vinculadas ao Programa Nacional de Eliminação da Silicose 18, que tem demonstrado interesse pelas pequenas empresas, inclusive as do setor de economia informal. Sugere-se, ainda, ao Sistema Único de Saúde local e estadual a continuidade das ações de vigilância em saúde do trabalhador, bem como o periódico acompanhamento clínico e radiológico de todos os lapidários, iniciados a partir da realização desta pesquisa por autoridades de saúde.

 

Colaboradores

L. R. Ferreira participou da escolha do tema, busca e revisão bibliográfica, do planejamento da pesquisa, coleta e análise dos dados. T. M. M. Pinheiro participou da escolha da população a ser estudada, contatos em Joaquim Felício e foi o orientador de todo o trabalho. A. L. Siqueira realizou a orientação da análise estatística dos dados. A. P. S. Carneiro participou da busca e revisão bibliográfica, da coleta e análise dos dados. O trabalho de revisão e redação da artigo foi desenvolvido de forma conjunta, considerando o conhecimento acumulado de cada um.

 

Agradecimentos

Ao profissionais da FUNDACENTRO: Dr. Eduardo Algranti pelo apoio institucional e técnico, ao Químico Gilmar da Cunha Trivelato e ao Engenheiro Lênio Sérvio Amaral pela parceria. Aos lapidários de Joaquim Felício e profissionais de saúde locais: Sra. Andréa de Fátima Machado do Nascimento e Sr. João Carlos da Silva.

 

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Correspondência
L. R. Ferreira
Departamento de Medicina Preventiva e Social
Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Barão do Rio Branco 5062, apto. 303
Juiz de Fora, MG
36026-900, Brasil
lucille.ferreira@gmail.com

Recebido em 02/Out/2006
Versão final reapresentada em 21/Set/2007
Aprovada em 26/Nov/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br