ARTIGO ARTICLE

 

Perfil epidemiológico dos usuários dos Centros de Testagem e Aconselhamento do Estado de Santa Catarina, Brasil, no ano de 2005

 

Epidemiological profile of the clientele in HIV Testing and Counseling Centers in Santa Catarina State, Brazil, 2005

 

 

Ione Jayce Ceola Schneider; Carla Ribeiro; Daiane Breda; Lacita Menezes Skalinski; Eleonora d'Orsi

Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo caracteriza o perfil dos usuários que procuraram os Centros de Testagem Anônima (CTAs) em Santa Catarina, Brasil, em 2005, e determina os fatores associados à contaminação pelo HIV. Foi realizado um estudo retrospectivo transversal em pessoas que freqüentaram os CTAs. Foram analisados os dados de 22.846 entrevistas realizadas no momento pré-teste, 64,7% sexo feminino e 35,3% masculino. A prevalência de HIV positivo encontrada nesses exames foi de 2% no sexo feminino e 5,6% no masculino. Utilizou-se análise bivariada e multivariada com regressão de Poisson. Os fatores de risco independentes para o contágio pelo DST/HIV no sexo feminino foram: faixa etária, estado civil, escolaridade, situação profissional, recorte populacional, risco do parceiro fixo, uso de preservativo e motivo para não usar preservativo com parceiro fixo. No sexo masculino foram: faixa etária, escolaridade, tipo de parceiro, recorte populacional, risco do parceiro, uso de preservativo e motivo para não usar preservativo com parceiro fixo. A soropositividade para homens e mulheres apresenta-se diferente, merecendo abordagens preventivas diferenciadas.

Perfril de Saúde; Testes Anônimos; Aconselhamento; HIV


ABSTRACT

This study analyzes the user profile of HIV Testing and Counseling Centers in Santa Catarina State, Brazil, in 2005, and factors associated with HIV infection. The methodology employed a retrospective, cross-sectional study of individuals who attended Testing and Counseling Centers. Data from 22,846 interviews were analyzed (64.7% women and 35.3% men). HIV prevalence was 2.0% in women and 5.6% in men. Statistical analysis used bivariate and multivariate Poisson regression by gender. According to the Poisson regression, factors associated with HIV+ status were age bracket, schooling, marital status, professional situation, population group, steady partner's risk status, condom use, and reason for not using condoms with steady partner; for men, the independent variables were age bracket, schooling, type of partner, population group, steady partner's risk status, condom use, and reason for not using condoms with steady partner. HIV+ patterns differed between men and women, so that customized preventive approaches are needed.

Health Profile; Anonymous Testing; Counseling; HIV


 

 

Introdução

Os primeiros casos de HIV/AIDS no Brasil ocorreram no início da década de 1980 e trouxeram à população sentimentos de medo, pânico, negação e preconceito. Após a desmistificação da idéia que tal doença só atingiria grupos de risco, observa-se a mobilização das comunidades para reafirmar valores sociais e modos de compreensão da epidemia enquanto fenômeno social 1. A evolução da epidemia tem apresentado características de pauperização 2,3, feminilização, juvenilização e interiorização 3.

Em 1985, o HIV/AIDS foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como problema emergente da Saúde Pública, e em 1986 a doença passou a ser de notificação compulsória 4, apresentando mortalidade expressiva entre as doenças transmissíveis 5.

Os primeiros casos de AIDS notificados em Santa Catarina, Brasil, ocorreram em 1984, 1987 e 1988, respectivamente nos sexos masculino, feminino e em crianças. No decorrer dos anos a incidência no sexo feminino vem aumentando 6,7, diminuindo a razão de masculinidade 8. Segundo dados do perfil epidemiológico da AIDS em Santa Catarina, a epidemia demonstra caráter litorâneo, sendo as regiões de Florianópolis e Vale do Itajaí as com maiores taxas de mortalidade quando comparadas às demais 8. A cidade de Itajaí apresenta a maior incidência de AIDS por 100 mil habitantes em todo o país 3.

As estatísticas oficiais no Brasil apresentam menor crescimento a partir de 1992, mesmo com o atraso de notificação 5. Estabelecendo uma comparação entre Brasil e Santa Catarina, nota-se que a partir de 1994 a taxa de incidência no estado ultrapassou a nacional e manteve-se a partir de 2000 com praticamente o dobro da brasileira. A taxa de mortalidade no Brasil foi crescente e superior à do Estado de Santa Catarina até 1996, quando esta ultrapassou a do país e assim se mantém 8.

O programa nacional da AIDS se aproxima do princípio da integralidade, pensando não apenas na assistência, mas também na prevenção, abrangendo uma série de intervenções e estratégias que consideram a autonomia e o respeito aos sujeitos e suas especificidades sociais 9. A proposta dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) implantados no Brasil a partir de 1988 é proporcionar ao usuário o aconselhamento, um campo de conhecimento estratégico de atenção à saúde e qualidade no diagnóstico. Não apenas é realizado o teste, mas também mantém-se o anonimato e respeita-se a individualidade; possibilitando um levantamento epidemiológico e auxiliando na terapêutica, na prevenção das DST/AIDS e na promoção da saúde 10. Assim, os CTAs permitem conhecer de modo precoce o perfil epidemiológico dos indivíduos infectados que buscam atendimento 11.

No Estado de Santa Catarina existem 14 CTAs localizados nas cidades de Criciúma, Rio do Sul, Balneário Camboriú, Florianópolis, Blumenau, Lages, Joinville, Imbituba, Biguaçu, Jaraguá do Sul, Itajaí, Chapecó, Joaçaba e São José. Os dados coletados na página da Internet da Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina (Agravos de notificação - SINAN. http://www.saude.sc.gov.br, acessado em 06/Nov/2007) indicam a existência de 3.973 casos de AIDS identificados no período compreendido entre 2004 e 2006, sendo 2.248 homens e 1.725 mulheres.

O principal objetivo deste artigo é caracterizar o perfil epidemiológico dos usuários que buscaram atendimento nos CTAs do Estado Santa Catarina no ano de 2005 e indicar os fatores associados à contaminação pelo HIV nesta população. Esses dados enriquecem o sistema de vigilância epidemiológica e possibilitam a realização de novas investigações científicas, bem como ações de assistência, prevenção e promoção da saúde 12.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo retrospectivo transversal nas informações coletadas durante a triagem e diagnóstico realizados com pessoas que freqüentaram os 14 CTAs de Santa Catarina em 2005. O número de indivíduos atendidos nos CTAs foi de 23.196, sendo que a amostra determinada para o estudo constou de 22.846 devido a exclusão dos indivíduos menores de dez anos de idade, evitando o viés da transmissão vertical. As variáveis selecionadas para este estudo foram: sócio-demográficas (faixa etária, escolaridade, situação profissional, estado civil e recorte populacional), motivo da procura ao serviço, tipo de exposição, variáveis referentes a parceiros sexuais (número e tipo), variáveis referentes a parceiros fixos (uso de preservativo, motivo para não usar preservativo, risco do parceiro, uso na última relação sexual) e variáveis referentes a parceiros não fixos (uso de preservativo, motivo para não usar preservativo, uso na última relação).

A análise dos dados foi feita no programa Stata 10.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Foram calculadas prevalências de HIV positivo nas categorias das variáveis selecionadas e os respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Em seguida realizou-se análise bivariada e multivariada com regressão de Poisson, que apresenta como medida de efeito a razão de prevalência 13. Foram calculadas as razões de prevalência brutas e ajustadas com os respectivos IC95% 14. A análise foi estratificada por sexo, em função das diferenças de gênero tanto no perfil dos usuários dos CTAs como no comportamento sexual da população, influenciadas por uma construção social e cultural, que determina perfil da epidemia diferenciado para homens e mulheres 15.

Para estimar as razões de prevalência ajustadas foram incluídas no modelo como variáveis preditivas de HIV positivo: faixa etária, escolaridade, situação profissional, estado civil, tipo de parceiro, recorte populacional, tipo de exposição, número de parceiros, risco do parceiro fixo, uso de preservativo com parceiro fixo e motivo para não usar preservativo com parceiro fixo. O critério de inclusão das variáveis no modelo foi p < 0,05 e de exclusão p > 0,10.

Foram consideradas categorias de referência aquelas que apresentaram, na análise bivariada, os valores mais baixos de prevalência de HIV positivo. Essas categorias foram: idade entre 10 e 19 anos; 12 ou mais anos de escolaridade; situação profissional apenas estudante; estado civil casado; tipo de parceiro: homem para o sexo feminino e mulher para o masculino; não atribui risco ao parceiro fixo; relato de apenas um parceiro sexual; uso eventual do preservativo com parceiro fixo; desejo de ter filho como motivo para não usar preservativo com parceiro fixo.

Vale salientar que a prevalência encontrada é representativa apenas das pessoas que buscaram os CTAs, tratando-se de uma população altamente selecionada, pois são referenciadas por outros níveis de atenção e/ou têm conhecimento e acesso ao serviço prestado.

 

Resultados

Na análise dos dados, um total de 8.065 (35,3%) homens e 14.781 (64,7%) mulheres procuraram os CTAs. A prevalência de HIV positivo encontrada nesses exames foi de 5,6% (IC95%: 5,1-6,1) no sexo masculino e 2% (IC95%: 1,8-2,3) no feminino.

Análise bivariada

Em ambos os sexos, a faixa etária que mais buscou o CTA foi de 20 a 29 anos. Nas mulheres a maior prevalência de HIV ocorreu na faixa etária de 40 a 49 anos (3,9%) e na acima dos 50 (3,1%) (Tabela 1). Para o sexo masculino, a maior prevalência ocorreu entre 40 e 49 anos (8,8%), seguida da faixa etária de 30 a 39 (8,2%) (Tabela 2).

Na escolaridade, percebeu-se que indivíduos de ambos os sexos com escolaridade de 8 a 11 anos foram os que mais procuraram os CTAs. Entretanto, a maior prevalência de indivíduos com HIV positivo para o sexo feminino foi entre mulheres que não freqüentaram a escola (3,4%) e de 1 a 3 anos de estudos (2,8%) (Tabela 1), e para o sexo masculino entre os indivíduos com 1 a 3 anos de escolaridade (9,1%) seguida de 4 a 7 anos (6,5%) (Tabela 2).

Em relação à situação profissional para ambos os sexos, a maior parte das pessoas que buscaram os CTAs foi de empregados (situação regular de emprego), sendo que a maior prevalência de HIV foi observada nas mulheres aposentadas (5,8%) (Tabela 1) e homens autônomos (10,5%) (Tabela 2).

No que se refere ao estado civil foi observado que as mulheres casadas/amigadas foram as que mais procuraram os CTAs. Para os homens, há pouca diferença entre os solteiros e casados/amigados. Quanto à prevalência de HIV, houve maior porcentagem entre viúvos, tanto para as mulheres (6,3%) (Tabela 1) quanto para os homens (14,4%) (Tabela 2).

Dentro do recorte populacional, fazem parte da população geral quase a totalidade das mulheres e maioria dos homens. A maior prevalência de HIV foi encontrada no sexo feminino entre portadores de DST/HIV (23,9%) (Tabela 1). No sexo masculino, a maior prevalência de HIV também foi entre portadores de DST/HIV (28,9%), seguidos de homens que fazem sexo com homens (HSH) (27,2%) (Tabela 2).

O principal motivo da procura no sexo feminino foi o exame pré-natal e, no masculino foram conhecimento do status sorológico e exposição à situação de risco. A maior prevalência de HIV positivo foi encontrada, em ambos os sexos, nos que buscavam conferir o resultado anterior (31,8% para o sexo feminino - Tabela 1 - e 49,7% para o masculino - Tabela 2).

A exposição mais relatada por ambos os sexos foi relação sexual. A maior prevalência de HIV nos sexos feminino (Tabela 1) e masculino (Tabela 2) ocorreu na relação sexual (2,1% e 5,7%, respectivamente).

Quanto ao número de parceiros no último ano, a resposta mais freqüente entre as mulheres foi de um parceiro, e entre os homens as mais freqüentes foram de 2 a 10 parceiros, seguida de parceiro único. A prevalência de HIV no sexo feminino foi maior em quem teve de 11 a 50 parceiros(as) (4,4%) (Tabela 1). Os homens que tiveram mais de 50 parceiros(as) apresentaram maior prevalência (12,1%) (Tabela 2).

Na variável tipo de parceiros, a maioria das mulheres referiu parceiros homens e no sexo masculino referiu parceiras mulheres. A maior prevalência de HIV foi nas mulheres com parceiros homens (2%) (Tabela 1) e no sexo masculino foi maior nos que referiram parceiros homens e mulheres (18,4%) e HSH (14,9%) (Tabela 2).

Em relação ao comportamento sexual com parceiro fixo, grande parte das usuárias referiu nunca usar preservativo, assim como a maior parte dos homens. A maior prevalência de HIV positivo no sexo feminino esteve naquelas que referiram usar às vezes (3,2%) (Tabela 1), enquanto no masculino esteve naqueles que referiram usar sempre (6,3%) e nunca (5,4%) (Tabela 2). Quanto ao motivo pelo qual não usa preservativo com o parceiro fixo, as respostas mais freqüentes foram: confiar no parceiro para ambos os sexos. Entretanto, a prevalência de HIV foi maior nas mulheres que referiram que o parceiro não aceita o uso (2,8%) (Tabela 1), e nos homens que referiram achar que não iriam pegar HIV (15,3%) (Tabela 2). Na análise da variável risco do parceiro fixo, tanto homens quanto mulheres referiram não atribuir risco ao parceiro, sendo que a maior prevalência em ambos está entre os portadores de DST/HIV (14,4% no sexo feminino - Tabela 1 - e 23,3% no masculino - Tabela 2). Em relação à variável uso do preservativo na última relação com parceiro fixo, a maioria de ambos os sexos referiu não ter utilizado, e a maior prevalência observada nas mulheres foi entre aquelas que referiram ter utilizado (2,8%) (Tabela 1). Nos homens a maior prevalência foi encontrada naqueles que referiram não lembrar (14,3%) (Tabela 2).

Em relação ao comportamento sexual com parceiro não fixo, foi referido o uso regular do preservativo em ambos os sexos. A maior prevalência no sexo feminino foi encontrada nas que nunca usam (4,1%) (Tabela 1), enquanto no masculino nos que usam às vezes e nunca usam (7,7% e 7,3%, respectivamente - Tabela 2). Em relação ao motivo pelo qual não usam preservativo com o parceiro não fixo, referiram confiar nele. Entretanto, a prevalência de HIV foi maior no sexo feminino entre aquelas que foram realizar o exame pré-natal (4,6%), seguida das que não tinham consciência (4%) (Tabela 1). No sexo masculino a maior prevalência esteve nos que referiram que o parceiro não aceitava o uso (17,9%) (Tabela 2). A variável uso do preservativo na última relação com parceiro não fixo demonstrou que a maioria das mulheres e homens usa preservativo sempre, e a maior prevalência observada em ambos os sexos esteve entre os que referiram não se lembrar (10% no sexo feminino - Tabela 1 - e 13,9% no masculino - Tabela 2).

Análise multivariada

Para o sexo feminino, as variáveis: faixa etária, estado civil, escolaridade, situação profissional, recorte populacional, risco do parceiro fixo, uso de preservativo com parceiro fixo e motivo para não usar preservativo com parceiro fixo foram fatores de risco independentes para o contágio pelo HIV. As categorias com maior risco foram 30 a 39 anos; as viúvas; nenhuma escolaridade; as autônomas e aposentadas; as que referiram ser DST/HIV, as quais o parceiro fixo era DST/HIV; as que usam preservativo com parceiro fixo eventualmente; as que não tinham consciência; e as que o parceiro fixo não aceita usar preservativo (Tabela 3).

Para o sexo masculino, foram significativas as variáveis faixa etária, escolaridade, tipo de parceiro, recorte populacional, risco do parceiro, uso de preservativo com parceiro fixo e motivo para não usar preservativo com parceiro fixo. As categorias com maior risco foram 40 a 49 anos; 1 a 3 anos de escolaridade; parceiros homens e mulheres; HSH, trabalhadores do sexo e caminhoneiros; parceiros com DST/HIV; os que usam eventualmente ou nunca usam preservativo com parceiro fixo; e os que os parceiros não aceitam (Tabela 4).

 

Discussão

Este estudo permitiu conhecer características distintas da população feminina e masculina que busca atendimento nos CTAs de Santa Catarina, sendo identificados fatores de risco para HIV em homens e mulheres que confirmam diferenças de gênero na população estudada.

O estudo foi realizado com base em dados secundários, estando sujeito a limitações, que podem, em maior ou menor grau, interferir nos resultados apresentados. Dentre essas, pode-se citar a falta de padronização no preenchimento dos questionários; dados registrados por diferentes profissionais, podendo gerar erros de digitação, dados não coletados para fins de estudo; registros repetidos para o mesmo indivíduo ao longo do tempo, não sendo possível recuperar o registro inicial por falta de identificação. Os resultados encontrados não foram representativos da população de Santa Catarina, pois só abrangem os usuários que procuraram os CTAs, por demanda espontânea ou encaminhamento médico, o que se reflete principalmente no sexo feminino devido ao exame pré-natal. O achado referente ao grande número de gestantes pode se refletir, provavelmente, pela dificuldade de cobertura de exames de pré-natal na atenção básica 16.

A Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina realizou um estudo sobre o comportamento sexual para investigar o conhecimento, atitudes, práticas e comportamentos de vulnerabilidade relacionados à infecção pelo HIV e outras DSTs da população na faixa etária entre 15 e 54 anos. Nesse estudo, 2.013 entrevistas foram realizadas em várias cidades do estado e os resultados foram divulgados em formato de relatório, publicado em julho de 2006. A importância da utilização desse trabalho como referência nesta pesquisa está relacionada ao fato de ser um estudo atual com dados que auxiliam a discussão dos resultados encontrados nos CTAs 17.

A estimativa de HIV para a Região Sul do Brasil, excluindo as cidades de Florianópolis e Itajaí, seria de quase 0,84% para homens e 0,47% para mulheres 7. Os valores de prevalência encontrados nos CTAs de Santa Catarina foram superiores aos estimados para a população geral, por ser uma população selecionada, mas são inferiores aos encontrados nos CTAs do Rio de Janeiro 18 (9% no sexo feminino e 15,6% no masculino) e de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul 19 (6,9% no sexo feminino e 13,1% no masculino), aproximando-se dos CTAs de São Paulo 11, onde a prevalência foi de 0,8% no sexo feminino e 3,6% no masculino, mesmo sendo um CTA que atende a uma população mais vulnerável em relação ao comportamento sexual (multiplicidade de parceiros e sexo pago).

Em ambos os sexos, a faixa etária que mais buscou o CTA foi a de 20 a 29 anos, corroborando com os dados de outros CTAs, assim como as faixas etárias mais atingidas para as mulheres de 30 a 39 anos e para os homens de 40 a 49 anos 18,19. Uma possível justificativa para indivíduos mais velhos estarem sendo atingidos pode ser por terem se exposto a situações de risco durante mais tempo e menos informação preventiva, além da dificuldade no uso do preservativo nos casos de disfunção erétil 19.

Segundo o grau de escolaridade, percebeu-se que indivíduos de ambos os sexos com 8 a 11 anos de estudo foram os que mais procuraram os CTAs, corroborando com os dados da pesquisa do CTA de Porto Alegre 19, sendo que a maior prevalência em ambos os sexos foi nos indivíduos de menor escolaridade, também apontado por outros estudos que mostram a pauperização da epidemia, que pode ser inferida baseando-se no grau de escolaridade 18,20,21,22. A constatação de que o número de casos aumentou nos estratos com menos anos de estudos remete à condição de menor cobertura dos sistemas de vigilância e de assistência médica, entre os menos favorecidos economicamente, sob a hipótese de que a escolaridade é uma variável proxis importante da estratificação social 21. Sabe-se, de maneira geral, que indivíduos de baixa renda também têm menor nível educacional e menor acesso às informações sobre saúde, tornando-se alvos de doenças potencialmente evitáveis através de mudanças de comportamento, o que justificaria um foco especial no desenvolvimento ou adaptação de metodologia preventiva específica para este estrato populacional 19.

Em relação à situação profissional para ambos os sexos, a maior parte das pessoas que buscaram os CTAs foi de empregados (situação regular de emprego), sendo que a maior prevalência de HIV foi observada nas mulheres aposentadas e homens autônomos, diferentemente do CTA de Porto Alegre 19, onde a maior prevalência ocorreu nas pessoas com situação regular de emprego.

Em relação ao estado civil, a população que buscou os CTAs de Santa Catarina foi na sua maioria casados, enquanto nos demais estudos 11,18,19, solteiros. A prevalência encontrada nesses CTAs foi maior nos viúvos seguidos dos divorciados/separados para ambos os sexos, diferindo novamente dos outros CTAs 11,19. É possível que esse dado se relacione com outros tipos de comportamento, como maior número de parceiros e outras práticas sexuais, tornando esses indivíduos mais vulneráveis 23.

Em relação ao recorte populacional, percebe-se elevada prevalência de HIV positivo nos HSH. Nessa categoria percebe-se uma exposição maior às DST e ao HIV. Segundo Ferreira et al. 18, há a necessidade de manutenção dos recursos que financiam ações de prevenção direcionadas a essa categoria, havendo a necessidade de pensar nos serviços de saúde, que raramente atentam especificidades para esse grupo.

Os motivos que levam os indivíduos a buscar um teste para HIV são bastante complexos e podem variar de acordo com a cultura do país 19. O exame pré-natal foi um dos grandes motivos de procura para as mulheres, sendo a prevalência encontrada menor que 1%, compatível com a prevalência nacional entre gestantes 24. Vale salientar que a implantação do sistema de vigilância do HIV na gestação possibilitou medidas oportunas para a redução da transmissão vertical 22.

Relativo aos parceiros sexuais, os dados encontrados confirmaram a pesquisa comportamental de Santa Catarina 17, em que as maiores prevalências foram entre mulheres que mantêm relações heterossexuais, e entre HSH, além de homens que fazem sexo com ambos. Esses dados diferem dos resultados de Porto Alegre 19 para o sexo masculino. A tendência de maior número de mulheres na categoria de transmissão heterossexual, desde 1992, deve traduzir a maior vulnerabilidade feminina em relação à menor capacidade de negociar sexo seguro 3. O crescimento do número de casos entre homens heterossexuais, junto ao marcante predomínio desta forma de transmissão na população feminina, corrobora a hipótese de heterossexualização da epidemia 22.

O significado da fidelidade e conseqüentemente a dificuldade na proteção dos homens e de suas parceiras fixas estão num emaranhado de normas e valores, estereótipos, relações de poder, sentimentos e significados, na sua maioria ditados pela cultura que incita esta prática pelos homens 25.

A fidelidade os leva a dois mundos: o "de dentro" (família, esposas) e o "de fora" (relações extraconjugais), sendo que o uso de preservativo neste segundo é importante na preservação e cuidado para com a parceira, sendo condenado o homem que não tomar estas precauções 25. Algumas pessoas tendem a diminuir o número de parceiros, o que se traduz na atitude da monogamia, mas pode refletir em vários parceiros ao longo da vida 26. Isso explica os dados que indicam que o uso de preservativo com parceiros fixos não é freqüente, justificado também pelo relatório comportamental de Santa Catarina 17, no qual os casados responderam ter confiança nos parceiros.

No entanto, em alguns casos percebe-se que o uso do preservativo com parceiro fixo é comum entre indivíduos soropositivos. Estes consideram que, por se perceberem sob maior risco ou por saberem de sua condição imunológica, podem vir a desenvolver uma atitude preventiva em relação à reinfecção ou à infecção de terceiros, por isto aumentando o uso de preservativos durante as relações 19. Em trabalho realizado com mulheres que foram contaminadas pelo parceiro fixo em São Paulo, foi encontrada uma associação estatisticamente significativa entre a sorologia do parceiro e o uso do preservativo, pois estas, após o conhecimento do seu diagnóstico, passaram a usar camisinha em todas as relações 27.

Em relação ao uso de preservativo com parceiro não fixo, percebeu-se que isto não ocorre em proporção superior a 50% em ambos os sexos, mostrando que o uso de preservativos nestas relações está aquém do esperado em Santa Catarina 7. Outro estudo, no CTA da cidade de Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro 16, mostrou que 20% dos entrevistados não utilizaram preservativo com parceiros não fixos, se expondo a situações de risco. Também não utilizaram preservativo aqueles que tiveram relações sexuais sob o efeito de drogas, indicando a necessidade de maior atenção sobre este público 7.

Algumas hipóteses para esse fato podem ser pensadas a partir das respostas que indicaram "não atribuir risco", "confiar no parceiro não fixo" ou "não ter consciência no momento". Isso leva a refletir que as relações sexuais não se restringem à prática, mas à subjetividade que envolve estas relações e à compreensão do indivíduo a respeito de seus valores e relações de poder, decorrentes de vários fatores, como a situação sócio-econômica e a construção social 28.

Por meio dos dados observou-se que existe uma prevalência de HIV nos CTAs de Santa Catarina que não se distanciou muito da perspectiva nacional. Observou-se que a soropositividade para homens e mulheres foi diferente, conseqüentemente as abordagens preventivas devem ser diferenciadas. Nas mulheres um aspecto importante é incentivar a negociação da prática de sexo seguro, e para os homens as relações de HSH devem ser mais abordadas. A questão da pauperização da epidemia foi evidenciada juntamente com a menor escolaridade e o risco de transmissão heterossexual, sendo estas categorias as que necessitam de políticas preventivas mais urgentes.

O CTA é um centro efetivo para testagem de HIV e pode-se dizer que grande parte da população não tem idéia da sua existência. O relatório comportamental de Santa Catarina 17 indicou que boa parte do público do estado (31,9%) não conhece os locais onde o teste de HIV é realizado gratuitamente, exceto em bancos de sangue. Portanto, deve-se investir mais na divulgação do serviço, na coleta sistemática de dados e alimentação das informações para que um maior número de pessoas tenha acesso e traduza melhor a realidade dos usuários dos centros.

Programas de educação sexual e prevenção de HIV entre os mais jovens estimulam o sexo protegido 27, o que se reflete no maior uso de preservativos 19, diferentemente da população de maior faixa etária, que tem mais resistência a estas práticas. Embora as campanhas realizadas no estado enfatizem a prática do sexo seguro como fator de proteção para o HIV, muitas pessoas ainda se contaminam por confiar em parceiros de relações estáveis ou não.

Os dados sobre comportamento sexual ajudam a explicar as tendências de prevalência da infecção, pois possibilitam conhecer as populações mais vulneráveis, utilizando as informações geradas pelo sistema de vigilância para elaborar ações mais próximas da realidade desta população 22. As populações vulneráveis encontradas nos CTAs de Santa Catarina apresentaram prevalência mais elevada de HIV em viúvos de ambos os sexos, aposentadas e autônomos.

Os homens heterossexuais são parcelas importantes da população infectada no Brasil, e continuam não sendo alvo das campanhas de prevenção e raramente se beneficiam delas ou de programas para a saúde reprodutiva. A AIDS está associada a comportamentos marginais e desviantes, não incluindo homens adultos, especialmente os casados. Outro problema é que o uso de preservativo com as esposas é interpretado como um atestado de infidelidade se não for usado apenas como método contraceptivo, pois para as mulheres o casamento deve ter o companheirismo, fidelidade e respeito como base 25.

Embora o conceito de grupo de risco tenha sido superado, ainda existe resistência para a aceitação do perigo dentro das relações estáveis. É preciso encarar o risco para homens casados que se envolvem em relações extraconjugais sem o uso do preservativo e direcionar maior atenção para este público, no que se refere à conscientização de suas ações envolvendo comportamentos mais reflexivos. Levando em conta não só a velocidade de expansão, como a sua magnitude relativa frente ao conjunto da epidemia nacional, constata-se que essa população merece atenção especial dos formuladores de políticas preventivas 29.

 

Colaboradores

I. J. C. Schneider, E. d'Orsi participaram no desenho, análise, interpretação dos dados, confecção e revisão final do artigo. C. Ribeiro, D. Breda e L. M. Skalinski contribuíram no desenho, análise, interpretação dos dados e confecção do artigo.

 

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Correspondência
I. J. C. Schneider
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública
Universidade Federal de Santa Catarina
Rua Luiz Oscar de Carvalho 75, B18/13
Florianópolis, SC
88036-400, Brasil
ione.jayce@gmail.com

Recebido em 21/Jun/2007
Versão final reapresentada em 26/Nov/2007
Aprovado em 05/Dez/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br