EDITORIAL

 

Desafio do milênio: a mortalidade materna no Brasil

 

 

Maria do Carmo Leal

Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. duca@ensp.fiocruz.br

 

 

A razão de mortalidade materna é um dos mais sensíveis indicadores de pobreza e, de iniqüidade social. Para seu cálculo, exige-se informações completas e precisas sobre o número e a causa dos óbitos de mulheres em idade fértil, o que não é fácil de obter. Mesmo frente a essa dificuldade, o fato é que a razão de mortalidade materna constitui excelente indicador da cobertura e da qualidade da atenção médico-sanitária a uma população.

O Brasil é um dos 189 países que, em 2000, assinaram um compromisso de cumprir, até 2015, com os chamados Oito Objetivos do Milênio. Dentre esses, consta a redução da mortalidade materna para pelo menos um terço dos valores de 1990. Um dos problemas para o adequado monitoramento desse objetivo é a baixa confiabilidade nas estatísticas de saúde nacionais.

Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Classificação de Doenças da Organização Mundial da Saúde em 2002, estimou em 75,9 por 100 mil nascidos vivos a razão de mortalidade materna para o país como um todo e definiu fatores de correção do indicador para as cinco regiões geográficas. O estudo constatou ainda importante variação da razão de mortalidade materna entre as capitais (42 a 73,2 por 100 mil).

O enfrentamento do grave problema de saúde pública que é a mortalidade materna tem se dado usando-se diferentes estratégias. Por exemplo, desde 1996 90% das gestantes no Brasil têm acesso à atenção pré-natal, sendo que mais de 50% delas fazem mais de sete consultas. Além disso, quase a totalidade dos partos (97%) ocorre em hospitais.

Outra importante estratégia utilizada para reduzir a mortalidade materna foi a criação de "comitês de óbitos maternos". Iniciada em 1988 em São Paulo, visa a melhorar a qualidade da notificação dos óbitos, conhecer suas causas e monitorar sua ocorrência. Em 2001, o Brasil já dispunha de quase trezentos comitês regionais, municipais e hospitalares de óbitos maternos, presentes em todas as regiões. Uma ampla mobilização dos profissionais e sociedades profissionais do campo da saúde e da sociedade civil organizada tem constituído comitês multiinstitucionais e multiprofissionais que expressam o ideário de participação e controle social previsto no Sistema Único de Saúde.

Apesar desses esforços, não houve melhoria da razão de mortalidade materna no período de 2002 a 2006. Mesmo com os avanços na atenção básica e hospitalar às gestantes, com a melhoria do sistema de informação e com a presença expressiva de comitês de óbitos maternos as ações têm se mostrado menos efetivas do que o desejado na diminuição da mortalidade materna. As principais causas vigentes de morte continuam a ser hemorragias e hipertensão arterial, ambas evitáveis por meio de assistência de qualidade ao pré-natal e ao parto.

Portanto, os desafios seguem sendo enormes para se alcançar os objetivos do milênio com os quais o Brasil se comprometeu em relação à mortalidade materna. Persiste a necessidade de: (a) alcançar a completude da cobertura de atenção ao pré-natal e ao parto; (b) melhorar a qualidade da atenção prestada durante a gestação e o momento do nascimento; (c) diminuir as complicações decorrentes da gravidez indesejada, por meio de uma política adequada de reprodução; (d) conceder poder institucional e político aos comitês de morte materna de forma a que possam cumprir melhor suas funções; (e) por último, mas não menos importante, apoiar a realização de um novo estudo, de âmbito nacional, para avaliar a atualidade do indicador de correção oriundo do estudo de 2002.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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