ARTIGO ARTICLE
Exame clínico das mamas em consultas de pré-natal: análise da cobertura e de fatores associados em município do Rio Grande do Sul, Brasil
Clinical breast examination during prenatal visits: analysis of coverage and associated factors in a city in the State of Rio Grande do Sul, Brazil
Carla Vitola GonçalvesI, II; Juvenal Soares Dias-da-CostaIII; Geraldo DuarteII; Alessandra Cristina MarcolinII; Geane GarletIV; Alan Felipe SakaiIV; Mônia Steigleder BianchiIV
IDepartamento Materno-Infantil, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil
IIIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IVCurso de Medicina, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
RESUMO
O Ministério da Saúde do Brasil preconiza que seja realizado o exame clínico das mamas em conjunto com as orientações para o aleitamento materno na primeira consulta de pré-natal. O objetivo deste estudo foi avaliar a cobertura do exame clínico das mamas durante o pré-natal e descrever características associadas ao não cumprimento desta norma. Foi realizado um estudo transversal em Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, entre os meses de maio e julho de 2007. Dados relativos às puérperas foram registrados em um questionário padronizado. Dentre as 445 puérperas entrevistadas, 266 (59,8%) não foram submetidas ao exame clínico das mamas no pré-natal. As mulheres não-brancas, com renda familiar per capita inferior a um salário mínimo (R$ 380,00), com parto e pré-natal realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) apresentaram probabilidade maior de não terem suas mamas examinadas durante o pré-natal. Esses resultados mostram a baixa prevalência da realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal, além disso, indicam graves problemas relacionados à qualidade do atendimento pré-natal e diferenças no acesso de mulheres pertencentes aos contingentes populacionais de menor poder aquisitivo aos cuidados preconizados.
Cuidado Pré-Natal; Aleitamento Materno; Bem-Estar Materno
ABSTRACT
The Brazilian Ministry of Health recommends that breast examination be performed along with breastfeeding orientation during the first prenatal visit. The aims of the current study were to analyze breast examination during prenatal care and describe the factors associated with insufficient coverage. A cross-sectional study was performed in Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Brazil, from May to July 2007. Data for women who had just given birth were recorded on a standardized questionnaire. Of 445 women, 266 (59.8%) had not undergone breast examination during prenatal care. Non-white women and those with a monthly income below the minimum wage (BRL 380.00) or with prenatal care and delivery in the public health system showed the highest probability of not having a breast examination during prenatal care. The results show the low prevalence of breast examination during prenatal care and indicate serious problems related to quality of prenatal care, besides unequal access for poor women.
Prenatal Care; Breast Feeding; Maternal Welfare
Introdução
Tradicionalmente, na história da saúde pública a atenção materno-infantil é uma área prioritária, destacando-se os cuidados durante a gravidez 1. No Brasil, ao longo da década de 80, o Ministério da Saúde e as secretarias de saúde estaduais e municipais implantaram programas voltados aos problemas mais prevalentes e que apresentavam maior morbidade e mortalidade, tais como o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e o Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC) 2.
Em julho de 2005, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal 3, considerando a necessidade de ampliar os esforços para alcançar as metas estabelecidas pelo Pacto Nacional para Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, lançado pelo Ministério da Saúde no ano de 2004 4. Neste mesmo ano, o Ministério da Saúde publicou um manual técnico sobre a atenção qualificada e humanizada no pré-natal e puerpério, no qual é orientado que na primeira consulta de pré-natal seja realizado o exame clínico das mamas, em conjunto com as orientações para o aleitamento materno 5. Recomendava-se atenção à existência de insegurança ou resistência da gestante à amamentação e anormalidades anatômicas, que pudessem prejudicar o processo, conseqüentemente levando ao desmame precoce 5.
A Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) lançou em 2006 um manual de assistência pré-natal 6, em que também faz a orientação sobre a importância do exame clínico das mamas durante o pré-natal, vinculando-o à orientação e ao preparo das mamas para a amamentação. O que deveria ser um ato comum no exame físico geral da gestante acaba muitas vezes sendo esquecido pelo médico, preocupado com o desenvolvimento fetal, informação veiculada em tom de alerta aos profissionais 6.
Outro fato mais raro, mas não menos relevante, é que durante o exame clínico das mamas no pré-natal o médico deve estar atento aos sinais do câncer neste sítio, por ser esta a segunda neoplasia mais freqüente na gravidez, estimando-se um caso para cada 3 mil gestações 7. Estudos alertam para uma maior prevalência de neoplasia mamária em gestantes com idade superior a trinta anos 8,9.
A assistência pré-natal de qualidade é fundamental para redução da mortalidade materna e perinatal. Garantir uma assistência adequada significa prevenir, diagnosticar e tratar os eventos indesejáveis na gestação, no parto e nos cuidados com o recém-nascido. No Brasil, observa-se que a cobertura numérica pré-natal, por si só, não garante bons resultados na redução dos coeficientes de mortalidade materna e perinatal 10. Dados referentes a 2006 demonstraram uma cobertura pré-natal de 90% no país e 95,3% no Estado do Rio Grande do Sul, sendo que, apenas 52,9% e 62,8% das gestantes realizaram sete ou mais consultas, respectivamente 11. Apesar da alta cobertura pré-natal encontrada, observam-se desigualdades nos cuidados oferecidos às grávidas 12. A situação traduz a inefetividade dos serviços de saúde para garantir um atendimento adequado não apenas em relação ao número de consultas, mas também ao conteúdo do atendimento oferecido 10,13.
Os estudos que visam a avaliar a qualidade dos serviços de saúde prestados em nosso país são escassos. A própria literatura especializada tem privilegiado a análise das características e dos resultados da assistência pelo número de consultas pré-natais e tipo de parto, relegando a um segundo plano o estudo da qualidade do conteúdo das consultas. Embora esse tipo de avaliação retrate com maior fidelidade o processo do atendimento 12,13,14.
Com este estudo objetivou-se avaliar a cobertura do exame clínico das mamas durante o pré-natal e descrever características associadas ao não cumprimento desta norma. Isso possibilitará a instrumentalização das autoridades de saúde embasando as intervenções necessárias para corrigir essa distorção.
Material e métodos
O estudo se constitui de avaliação transversal para medir a freqüência de exame clínico das mamas realizado durante o pré-natal e os fatores associados à não realização deste exame. Foi utilizado o delineamento transversal por ser este adequado para avaliar programas de saúde, apresentar baixo custo e poder ser desenvolvido em um menor espaço de tempo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), processo nº. 499/2005-76.
Este estudo foi realizado no Município do Rio Grande, localizado na planície costeira sul do Estado do Rio Grande do Sul, com uma área de 3.338km. Sua população estimada em 2007 é de 198.560 habitantes, sendo que 62.797 são mulheres em idade fértil 2. O sistema de saúde do município é constituído por dois hospitais, a Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande e o Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr., da FURG, com capacidade total de 600 leitos, sendo que 56 são disponibilizados para obstetrícia, com uma média anual de 2.500 partos 11.
Os dados apresentados neste artigo foram coletados juntamente com uma avaliação da cobertura do exame citopatológico do colo uterino durante o pré-natal, estudo este realizado como tese de doutorado de uma professora da FURG.
O tamanho da amostra foi calculado pelo programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), utilizando-se os seguintes parâmetros: número de nascidos vivos (2.666) na cidade de Rio Grande em 2005, prevalência das gestantes com exame das mamas e erro amostral de 5%, totalizando 336 mulheres com nível de 95% de confiança.
Foram realizados 473 partos na Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande e no Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr., de maio de 2007 a julho de 2007. O primeiro critério de inclusão foi que a finalização da gestação tenha ocorrido após as vinte semanas e o segundo foi a sua anuência (por escrito) em participar da pesquisa. Foram excluídas pacientes que não realizaram pelo menos uma consulta de pré-natal.
Das 473 puérperas, 9 (1,9%) pacientes se recusaram a realizar a entrevista e 19 (4%) não haviam realizado nenhuma consulta pré-natal, sendo excluídas da investigação. Ao final do trabalho de campo foram realizadas 445 entrevistas, sendo 259 (58,2%) no hospital universitário e 186 (41,8%) na Associação de Caridade Santa Casa do Rio Grande.
O grupo de entrevistadores foi composto por acadêmicos do curso de medicina da FURG, treinados para a aplicação do questionário estruturado proposto inicialmente, sendo realizado um estudo piloto. Após fazer as adaptações que o estudo piloto indicou, o questionário estruturado e pré-codificado foi aplicado às puérperas ainda durante a internação hospitalar, não ultrapassando um período de 48 horas após o parto. Esse instrumento contém questionamentos sobre a realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal, além de variáveis demográficas, sócio-econômicas e dados referentes ao acompanhamento da gestação. Entre as variáveis referentes à qualidade do pré-natal, temos o índice de Kessner que foi considerado adequado quando as gestantes iniciavam o pré-natal no primeiro trimestre e realizavam seis ou mais consultas; inadequado quando a primeira consulta ocorreu no segundo ou terceiro trimestre e o número de consultas era igual ou inferior a cinco.
Após o término do trabalho de campo foi realizada a codificação dos dados, seguida de sua digitação no programa Epi Info 6.04. A análise estatística utilizou os programas do pacote estatístico SPSS (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), prevendo a utilização de análise bivariada, teste t de Student, intervalos de confiança e risco relativo.
A análise multivariada foi realizada usando-se a regressão de Poisson, pela possibilidade de demonstrar a magnitude das associações sem problemas de estimativa, oriundas de odds ratio 15. No programa Stata (Stata Corp., College Station, Estados Unidos) foi seguido um modelo hierarquizado de análise 16, sendo que ingressaram as variáveis com teste no valor de até 0,20 na análise bruta. No primeiro nível ingressaram as variáveis demográficas (cor da pele) e sócio-econômicas (escolaridade, renda familiar per capita) e no segundo nível estão as variáveis do pré-natal atual (local do pré-natal e índice de Kessner). Em cada nível do modelo foram retiradas as variáveis que não obtiveram p valor menor que 0,05.
Resultados
Entre as 445 puérperas incluídas na amostra, 266 (59,8%; IC95%: 58,1-61,5) não foram submetidas ao exame clínico das mamas durante o pré-natal.
Conforme a descrição da amostra foi verificado predomínio da faixa etária entre 20-29 anos (53,7%). Chama a atenção o fato de 26,5% das pacientes terem menos de 19 anos. Houve predominância da cor branca (69,9%) e 91,2% das pacientes referiram parceria sexual fixa (Tabela 1).
Quanto às características sócio-econômicas, observou-se que 76,4% das entrevistadas referiam uma renda familiar per capita inferior a um salário mínimo (R$ 380,00), apesar de 50,6% possuírem nove ou mais anos de estudo. O Sistema Único de Saúde (SUS) realizou o financiamento do parto em 84,3% dos casos (Tabela 1).
Em relação ao acompanhamento pré-natal da gestação atual, 69,2% das puérperas o realizaram pelo SUS, 48,5% em postos de saúde do município e 20,7% no hospital universitário. O restante das pacientes fez o pré-natal por algum outro tipo de convênio ou em consultório particular. A idade gestacional média de ingresso foi de 12 semanas, sendo que, 69% o iniciaram no primeiro trimestre. A média de consultas realizadas por gestante foi de 7,25, verificando-se que 71% das gestantes tiveram seis ou mais consultas. Quanto ao índice de Kessner, 60,2% dos pré-natais foram classificados como adequado (Tabela 2).
Na análise bivariada foi possível demonstrar que a idade da gestante não interferiu na realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal, mesmo no grupo de pacientes com 30 anos ou mais. As mulheres não-brancas apresentaram probabilidade maior de não terem suas mamas examinadas e as puérperas com companheiro foram mais examinadas (Tabela 1).
A maior prevalência de não-realização do exame das mamas ocorreu entre as pacientes que tinham renda familiar per capita inferior a um salário mínimo: 64% deste grupo não foi examinado. Também foi observado que quanto menor a escolaridade maior a probabilidade das mulheres não terem suas mamas examinadas. No grupo de puérperas com 5-8 anos de estudo, observa-se uma probabilidade 60% maior de não-realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal, enquanto que entre as pacientes com quatro ou menos anos de estudo a probabilidade chega a 70% (Tabela 1).
Quanto ao local da realização do pré-natal, as pacientes que consultaram nos postos de saúde apresentaram uma probabilidade 45% maior de não terem suas mamas examinadas. Aquelas que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre e consultaram seis ou mais vezes apresentaram maior prevalência de realização do exame das mamas. Quando analisamos o índice de Kessner, as pacientes com pré-natal considerado inadequado tiveram uma probabilidade RP = 1,23 (IC95%: 1,06-1,42) maior de não serem submetidas ao exame clínico das mamas durante o pré-natal (Tabela 2).
A análise multivariada incluindo todas as puérperas e ajustada para fatores de confusão, demonstrou que as variáveis estudadas não apresentaram associação estatística significativa para a não-realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal (Tabela 3).
Discussão
Os resultados do presente estudo devem ser interpretados com cautela. Embora o número da amostra tenha sido adequado para estimar a prevalência de não-realização do exame clínico das mamas durante o pré-natal, esta amostra não se mostrou adequada para estudar fatores de risco relacionados a não-realização deste exame. Fato esse confirmado pela análise multivariável na qual nenhum fator de risco continuou significativo. Outra limitação deste estudo diz respeito à validação de alguns dados colhidos por entrevistas, particularmente aqueles que dependem da memória e da boa vontade da informante. Os possíveis aspectos de aferição poderiam ter sido minimizados pela avaliação do cartão do pré-natal ou pela pesquisa do prontuário médico. Apesar das limitações, os resultados sugerem a viabilidade da metodologia utilizada, além de revelarem informações anteriormente desconhecidas, permitindo a identificação de deficiências importantes no processo de prestação de cuidados pré-natal na população de gestantes de Rio Grande.
O estudo mostra a baixa prevalência (40,2%) da realização do exame clínico das mamas, durante o acompanhamento pré-natal na cidade do Rio Grande. Em termos de comparação, a cobertura encontrada em Rio Grande foi inferior àquela encontrada em outras cidades do país. Estudos realizados em Pelotas (Rio Grande do Sul), Embu (São Paulo) e Criciúma (Santa Catarina), observaram uma freqüência do exame clínico das mamas no pré-natal de 61,3%, 62,9% e 50,6%, respectivamente 13,17,18.
No Município de Teresópolis (Rio de Janeiro) foram realizadas entrevistas com 305 mulheres, que levaram seus filhos menores de um ano ao Dia Nacional de Vacinação, e observou-se que 35,7% das mães referiram nunca terem sido submetidas a exame clínico das mamas. Dentre as 196 mães que alguma vez tiveram suas mamas examinadas, em 25% o último exame foi no pré-natal, 56,6% na consulta de revisão pós-parto e 18,4% em período de um a dez anos anteriores à gravidez 12.
Estudos de base populacional realizados em Pelotas nos anos de 1992 e 1999, e em São Leopoldo (Rio Grande do Sul) em 2002, que incluíram mulheres de 20-60 anos, apresentaram um percentual de não-realização do exame clínico das mamas de 20,7%, 48,9% e 45,8%, respectivamente 1,19,20. Mesmo que esses estudos não tenham sido desenvolvidos em um grupo de gestantes que realizaram o pré-natal, é importante ressaltar uma redução de 20% na realização do exame clínico das mamas pelos médicos nos últimos anos 19.
Outra deficiência da assistência médica detectada refere-se à baixa freqüência de realização do exame das mamas entre as gestantes adolescentes (39%), consideradas como grupo de risco para o desmame precoce 6, e entre as gestantes com 30 anos ou mais (45,5%), sabidamente reconhecidas como população de risco para desenvolverem câncer de mama 8,9.
As mulheres com renda familiar per capita menor que um salário mínimo e com escolaridade igual ou inferior a oito anos, apresentaram maior probabilidade de não realizarem o exame clínico das mamas no pré-natal, em relação às demais. Numa avaliação da qualidade do pré-natal realizado em Criciúma, observou-se que as gestantes com maior renda tinham 1,9 vez mais suas mamas examinadas que o grupo de pacientes com menor renda. Os autores concluem que esse procedimento depende do médico e exige maior tempo de consulta. Esse tempo não foi dedicado às mais pobres, talvez porque estas tendam a um menor poder de pressão sobre os serviços de saúde na atenção de atendimento de qualidade 18. Esses dados corroboram teses incômodas sobre o tema relacionado à exclusão social.
Confirmando a desigualdade no atendimento prestado às gestantes no pré-natal, as pacientes que o realizaram pelo SUS foram as menos examinadas (70,8%); mesmo as gestantes que consultaram no hospital universitário da FURG, de onde se esperaria propedêutica melhor estabelecida, apresentaram altas taxas de não-realização do exame clínico das mamas (50%).
Segundo Puccini et al. 13, para gestantes com baixa renda, idade inferior a vinte anos e falta de acesso a plano privado de saúde, existe maior probabilidade de receberem assistência pré-natal de qualidade inferior.
Importante ressaltar que mesmo entre as pacientes que apresentaram maior probabilidade de terem suas mamas examinadas no pré-natal a prevalência do exame foi baixa. Quanto às gestantes que realizaram o pré-natal em convênios ou em consultórios particulares, 48,9% não tiveram suas mamas examinadas. Entre as pacientes que iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre, 56,4% também não foram examinadas e as que realizaram seis consultas ou mais apresentaram prevalência de não-realização do exame de mama de 55,4%. Entre as puérperas com um índice de Kessner considerado adequado, a prevalência de não-realização do exame clínico das mamas foi de 54,6%. Essas observações corroboraram o fato de que no âmbito da assistência pré-natal, os trabalhos que se limitam a descrever características da atenção médica, tais como: cobertura, número de consultas pré-natais e tipo de parto, não estão avaliando a qualidade do serviço de saúde prestado 1,10,14,19. Embora a cobertura de pré-natal em Rio Grande seja de 94% e 55,7% das pacientes consultando sete ou mais vezes durante a gestação, isto não garante a qualidade do cuidado que lhes é oferecido 11.
Estudo recente avaliou o conhecimento sobre pré-natal entre gestantes residentes na periferia da cidade do Rio Grande, observando que apenas 7,3% respondiam espontaneamente que o exame clínico das mamas fazia parte da rotina do pré-natal. Somente após o entrevistador perguntar sobre esse exame é que 80,9% das pacientes passaram a incluí-lo no que acreditavam ser exame obrigatório no pré-natal. Mesmo assim, 11,8% das gestantes responderam que o exame clínico das mamas não fazia parte da rotina, mostrando o escasso conhecimento destas sobre os procedimentos do pré-natal. Os autores evidenciaram a necessidade de intensificar o processo educativo entre as gestantes, na tentativa de reduzir a assimetria na relação gestante/serviço de saúde e melhorar a qualidade da atenção com conseqüente impacto na morbimortalidade materna e perinatal 21.
Alguns autores têm discutido as fortes evidências do impacto que os cuidados pré-natais têm sobre a mortalidade perinatal, podendo reduzi-la em até 25%, o que a torna um indicador importante para expressar a qualidade da atenção pré-natal e obstétrica oferecida 22,23,24,25.
Uma vez que o exame clínico das mamas durante o pré-natal é mandatário, não somente para a saúde da mulher, como para a de seu filho, no que se refere ao incentivo ao aleitamento materno, a sua não realização indica sérios problemas na qualidade da atenção 12. Esses problemas dizem respeito ao comprometimento da equipe de saúde e da implantação de uma rotina comprovadamente benéfica.
Esforços devem ser feitos para melhorar a qualidade da atenção oferecida no pré-natal realizado na cidade de Rio Grande. Ficou claro que é necessário motivar e capacitar os profissionais, eliminar as diferenças no acesso à atenção médica, no recebimento de cuidados médicos e, conseqüentemente, nos padrões de morbimortalidade entre pessoas que pertencem a contingentes populacionais de menor poder aquisitivo. Neste estudo foi observado que gestantes com menor renda familiar per capita, não-brancas e que realizaram seu acompanhamento pré-natal e seu parto pelo SUS foram as menos examinadas. Nesse sentido, os achados podem contribuir para colocar em prática os princípios de universalidade e eqüidade na atenção à saúde da mulher, o que significa atender a todos de acordo com suas necessidades e obedecendo aos preceitos do SUS.
Para contornar esse quadro, seria necessário avaliar indicadores de qualidade de atenção como o exame ginecológico e das mamas 18. Em 2000, Dias-da-Costa et al. 1 mostraram que a realização de auditorias para avaliar a qualidade pré-natal prestada em um posto de saúde na periferia da cidade de Pelotas resultou em melhora objetiva dos serviços oferecidos às gestantes, entre eles o exame das mamas. Em 1994, esse exame apresentava prevalência de 46,5%, passando a ser realizado em 78,7% das gestantes em 1998, como resultado da auditoria de qualidade 1.
Por fim, gostaríamos de ressaltar que os estudos visando a avaliar a qualidade dos serviços de pré-natal são escassos, a despeito de sua importante contribuição para redução da morbimortalidade materna e perinatal, sendo que, na grande maioria as regiões avaliadas são Sul e Sudeste. Também seria importante aumentar o número de estudos que investigassem as práticas médicas básicas do pré-natal, que apesar de fazerem parte da rotina, parece que nem sempre são executadas. Como vemos no presente estudo, o fato de ter um pré-natal avaliado como "adequado numericamente", não garante cuidados qualitativos adequados.
Colaboradores
C. V. Gonçalves participou da elaboração e execução do projeto, supervisão do trabalho de campo, elaboração do banco de dados e realização do artigo. J. S. Dias-da-Costa contribuiu nas análises do questionário, do estudo piloto e da estatística do banco de dados, elaborou as tabelas, orientou e revisou os materiais e métodos do artigo. G. Duarte colaborou na construção do projeto e na elaboração e supervisão do artigo. A. C. Marcolin contribuiu na revisão bibliográfica e elaboração do artigo. G. Garlet participou da aplicação do piloto, realização das entrevistas, codificação dos dados, revisão bibliográfica e elaboração do resumo. A. F. Sakai colaborou na aplicação do piloto, realização das entrevistas, codificação dos dados, revisão bibliográfica e elaboração e tradução do resumo. M. S. Bianchi contribuiu na aplicação do piloto, realização das entrevistas, codificação dos dados, revisão bibliográfica, organização e elaboração das referências.
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Correspondência
G. Duarte
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo
Av. Bandeirantes 3900
Ribeirão Preto, SP 14049-900, Brasil
gduarte@fmrp.usp.br
Recebido em 25/Set/2007
Versão final reapresentada em 22/Jan/2008
Aprovado em 12/Fev/2008