RESENHAS BOOK REVIEWS
Sueli Rezende Cunha
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. suelirez@uol.com.br
INOVAÇÃO EM SAÚDE: DILEMAS E DESAFIOS DE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA. Azevedo N, Gadelha CAG, Ponte CF, Trindade C, Hamilton W, organizadores. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. 424 pp.
ISBN: 978-85-7541-134-6
A magnitude do livro reapresenta os esforços de nossos cientistas e técnicos na busca de soluções comprometidas com a realidade social brasileira no que tange à produção de vacinas e imunobiológicos. Fato inquestionável tem sido o papel que o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) representa para a saúde no país.
O livro surge em momento histórico pertinente em que convivem a implementação e consolidação das políticas de ciência e tecnologia no país, fortalecidas pela criação do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) do Ministério da Saúde, as secretarias estaduais de C&T, a organização das conferências temáticas sobre o assunto e a publicação da Lei da Inovação, conhecida como a Lei do Bem, em 2 de dezembro de 2004.
A aproximação do setor acadêmico com o setor produtivo nacional e internacional por meio dos espaços gerados, como aponta a primeira parte da obra, intensificou, ampliou e reorganizou práticas na unidade técnica da FIOCRUZ, utilizando-se de intercâmbios de cooperação, fazendo a diferença, introduzindo novidades e revolucionando práticas pelo pioneirismo de seus gestores.
A compreensão histórica desse processo como analisa a primeira parte da obra, aprofunda e esclarece como as políticas governamentais, o investimento público e as necessidades de saúde da população convergem de forma positiva no processo de desenvolvimento tecnológico e implantação de ações inovadoras. Processo significativo no caso de Bio-Manguinhos, como aponta a obra, é a transferência de tecnologias mais adequadas e os convênios e parcerias realizados com outros países, por meio de aperfeiçoamento e treinamento de mão-de-obra. Todos esses elementos são significativos na cadeia inovativa e contribuíram na geração de auto-suficiência em vacinas.
Os autores também apontam com pertinência os entraves e desajustes que podem comprometer a implantação de processos novos, a partilha generosa dos pormenores do processo de auto-suficiência de Bio-Manguinhos evidencia caminhos a serem trilhados por instituições públicas e privadas que têm como meta a ousadia de investir nos processos de inovação, em especial na área de biotecnologia em saúde.
Outro mérito da obra é apresentar de forma clara os movimentos políticos que afetam os processos de desenvolvimento institucional e o seguimento de atividades de potencial para as áreas de saúde, apontando com franqueza como mecanismos gerenciais e operacionais podem comprometer o resultado final dos projetos.
O livro tem o poder de tornar humano, por meio de cada um de seus protagonistas, os sucessos e percalços que a instituição experimentou no processo de consolidação de novas tecnologias. Um grupo de cientistas, técnicos e gestores expõem seus caminhos dentro do processo, de forma coletiva, no qual cada um trouxe a diversidade que possibilitou construir a unidade: Bio-Manguinhos. A contrapartida para solucionar tais problemas vem das políticas institucionais, de mecanismos indutores para novos produtos, modernização de áreas de produção, do fortalecimento da estrutura interna institucional, e mais recentemente em âmbito nacional a modernização do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).
E por fim, o capítulo dinâmica industrial e estratégias de inovação em vacinas nos apresenta um consistente referencial teórico sobre o tema, que conduz os leitores a um mergulho no mundo competitivo sob diferentes lógicas, aplicando este referencial teórico com muita propriedade à área das vacinas. O capítulo lança reflexões sobre o desafio de unir estratégias competitivas, industriais e tecnológicas à realidade social. Nesse sentido, não há como não pensar sobre a importância de buscar inovações radicais, associadas às mudanças de modelos organizacionais e gerenciais trazendo resultados significativos como retorno dos investimentos econômicos.
A comprovação dos resultados atingidos são visíveis através das análises mostradas em um conjunto de gráficos e tabelas, Bio-Manguinhos com certeza cumpre seu papel frente à sociedade brasileira, com um conjunto de quesitos, em especial o alto investimento realizado pelo governo federal para atender ao mercado de saúde do país.
O livro reforça resultados de outros estudos da área, amplamente discutidos em encontros como o I Seminário do Complexo Industrial em Saúde no Rio de Janeiro, encontros sobre inovação e propriedade intelectual desenvolvidos pela Rede de Propriedade Intelectual, Cooperação, Negociação e Comercialização de Tecnologia (REPICT), traduzindo sempre a desarticulação existente no país, entre o setor acadêmico e o setor produtivo.
Este modelo centrado na produção científica e na publicação de artigos tem se mostrado insuficiente para resolver os problemas nacionais e estimular o crescimento real do país. Já se sabe, por intermédio das discussões realizadas, que uma nação não se faz somente com homens e livros; sem a efetiva aplicação de soluções para sanar problemas nacionais, muito pouco se pode acrescentar às nuances deste mundo fértil de idéias, mas pobre em aplicações.
Existe, e isto é real, uma desconexão entre os vários segmentos da cadeia produtiva e do setor consumidor. Produtos que não queremos para as necessidades que não temos!
É sempre bom reforçar os exemplos de sucesso, por isto a obra estaria mais rica se um de seus capítulos fosse destinado à experiência do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos) da FIOCRUZ, segmento de um mesmo esforço, para atender as demandas de saúde da nossa sociedade. Quem produz está em relação direta com os sistemas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Num país de cobertor curto e de condições de saúde tão desfavoráveis, todo uso dos investimentos públicos deve ser religiosamente utilizado. Acrescer a experiência de unidades afins, otimiza os resultados a serem atingidos. O desenvolvimento dos processos de patente e transferência de tecnologia e a experiência da GESTEC-NIT seriam de grande valia para o público que terá acesso à obra.
Esses esforços são parte da história da construção política da cultura de inovação na FIOCRUZ e, portanto, protagonistas importantes poderiam ter sido ouvidos na coletânea dos depoimentos. A recente criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica reforça a importância de processos administrativos e gerenciais na composição da rede de relações para o sucesso dos processos de Ciência, Tecnologia & Inovação.
A cultura do aprender a aprender e da ciência com consciência também se fazem presentes na leitura da obra. Para os futuros leitores atentos não faltarão perguntas e reflexões, algumas anuncio aqui após mergulhar no oceano que representa o tema de inovação em Saúde:
Os investimentos em C&T no país nos últimos anos foram intensificados, a aquisição de uma fábrica para a construção do Centro Tecnológico de Medicamentos deve representar acima dos interesses políticos a manutenção dos investimentos. Como manter os altos custos da política de inovação no país ainda com tantas carências?
Como trabalhar inovação frente aos impedimentos legais e burocráticos que dificultam a agilidade que exigem os processos de inovação?
Frente ao recente surto de dengue no Rio de Janeiro, em especial em Jacarepaguá, e o enfrentamento de problemas antigos, como não pensar na abordagem social da doença?
Quais são as outras necessidades de inovação que não vacinas e fármacos para promover saúde e evitar mortes? Sabe-se que muito se investiu em programas de indução na busca de vacina para a dengue.
O complexo industrial de saúde, no segmento de dispositivos e equipamentos, ainda pouco explorado no Brasil pelos programas de inovação, deixa à margem crianças e idosos, apesar de muitos esforços terem sido empreendidos com os investimentos nos Institutos do Milênio.
Quais os mecanismos que as instituições de pesquisa vão aplicar com a maior urgência para que o pesquisador possa estar no setor de produção, desenvolvendo a tecnologia apropriada e prontamente aplicada às necessidades de saúde? Quem dará o primeiro passo ao deixar o barco seguro da instituição e navegar nos mares das possibilidades de um produto chegar ao seu destino: o uso pelos consumidores? Como a Lei da Inovação se implantará no país?
Enfim, o livro no futuro pode ser desdobrado em pequemos fascículos, uma coleção, mais sintética e de alto impacto na sociedade acadêmica e setor produtivo, apresentando modelos bem sucedidos de idéias, protótipo, produtos e soluções, atendendo às necessidades de saúde e gerando riquezas, emprego e divisas para o país com tantos doutores qualificados.
A experiência na direção do NUPCTIS (Núcleo de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde) do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, durante quatro anos, construindo junto com a discussão política do país, sua viabilidade, mostrou que devemos ter ouvidos abertos. Uma escuta sensível às necessidades e à prontidão para ação, que envolve ousadia para vencer velhos paradigmas. Uma ciência com consciência é essencial neste momento do país.
Velhos desafios que retornam, como o enfrentamento da dengue neste momento, a despeito de todos os investimentos realizados em áreas de C&T, denotam a necessidade de reflexões profundas, mudanças de rotas, mas acima de tudo, ampliar as lentes, olhar ao redor, buscar novas referências; não só preservar as conquistas como a de Bio-Manguinhos, mas especialmente investir também em outras áreas de Promoção da Saúde de forma efetiva.
Por onde começar a vencer a doença senão pela sensatez do uso de um conceito positivo de saúde? A Declaração de Alma-Ata em 1962, longe de ser alcançada, depende em muito por onde caminha o processo de inovação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o Dia Mundial da Saúde, 7 de abril, confirmando a necessidade de promoção da saúde e educação como pré-requisitos para o desenvolvimento e justiça social. Recentemente a saúde foi considerada um bem econômico.
Enfim, no espaço de reflexão e abertura de idéias, é significativo apontar dois sistemas tradicionais de saúde no mundo: Índia e China que optaram por sistemas de promoção da saúde, técnicas e tratamentos, utilizando alternativas para a abordagem de saúde que mantiveram seu povo saudável por milênios.
Nos estudos desenvolvidos sobre as crianças dependentes de tecnologia no Brasil, por exemplo, nos deparamos com a ponta de um grande iceberg, oculto por trás do processo de adoecimento, uma série de causas evitáveis, que a despeito do alto custo de toda tecnologia investida para sua recuperação, não era suficiente para manter suas condições de saúde.
Pontos diferentes do sistema de produção de soluções usando-se tecnologias (vacinas, dispositivos e equipamentos) se fundem num processo irmão: as condições de vida, agravos sociais, estilos de vida inadequados, hábitos pouco saudáveis.
Apresentar ao final essas considerações é como um estímulo e um desafio, para que nas futuras coletâneas sobre inovação, se faça uma mistura, incluindo a questão dos setores prestadores de serviço e as escolas de formação como partes essenciais na compreensão da dinâmica da cadeia do complexo industrial de saúde. A formação com a visão da cultura da inovação pode fazer toda a diferença no interior do sistema.
Desejar o sucesso da obra, o alcance que ela merece, e que realize na íntegra a difusão desta experiência para o maior número de pessoas possíveis, tornando a experiência de Bio-Manguinhos no setor de inovação adaptada e reproduzida para outros segmentos do setor saúde.