ARTIGO ARTICLE
O uso do prontuário familiar como indicador de qualidade da atenção nas unidades básicas de saúde
Use of the family health record as a quality-of-care indicator in primary health care units
Ana Tereza da Silva PereiraI; José NoronhaII; Hésio CordeiroIII; Sulamis DainI; Telma Ruth PereiraIV; Fátima Teresinha Scarparo CunhaV; Heleno Costa JuniorIV
IInstituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIInstituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIICentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil
IVFundação Cesgranrio, Rio de Janeiro, Brasil
VUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
A expansão da estratégia do Programa Saúde da Família no Brasil torna necessária a construção de indicadores que avaliem a coerência da abordagem efetivamente realizada e os princípios que regem o programa. Associado ao prontuário familiar, o familiograma (genograma) possibilita melhoria no acompanhamento da saúde da clientela e na qualidade da atenção prestada. A pesquisa utiliza o prontuário familiar com base na avaliação externa (acreditação) das equipes de saúde da família e dos gestores. Os resultados mostram uma variação da conformidade do prontuário com o padrão de acreditação segundo a natureza da função avaliada. O estudo revela a importância da avaliação externa como sinalizadora do nível de conformidade aos padrões requeridos, sugerindo a necessidade de operar um indicador combinado entre a avaliação interna e externa das informações familiares como instrumento de gestão.
Atenção Primária à Saúde; Registros Médicos; Programa Saúde da Família
ABSTRACT
Expansion of the Family Health Program in Brazil requires indicators to evaluate the consistency of the approach actually adopted and the program's underlying principles. Together with the family health chart, the family health history (medical genealogy) allows improved follow-up of the clientele's health and the quality of care provided. This study used the family health chart based on external evaluation (accreditation) of family health teams and managers. The results showed variation in the health charts' conformity to the accreditation standard according to the nature of the function evaluated. The study showed the importance of external evaluation to signal the level of conformity to the required standards, suggesting the need to operate with a combined indicator, including internal and external evaluation of family health data as a management instrument.
Primary Health Care; Medical Records; Family Health Program
Introdução
O Programa Saúde da Família (PSF) brasileiro tinha em seu cadastro, em 2006, 81.686.812 pessoas ou 44% da população do país, demonstrando uma resposta significativa à política do Ministério da Saúde de fortalecimento da atenção básica, e representando a estratégia principal para mudança de modelo, sempre integrado ao contexto de reorganização do sistema de saúde.
Ao adotar os princípios fundamentais da Atenção Básica no Brasil - integralidade, qualidade, eqüidade e participação social - as equipes de saúde da família apóiam-se também na adscrição de clientela para estabelecer vínculo com a população, possibilitando seu compromisso e co-responsabilidade com os usuários e a comunidade. Seu desafio é o de ampliar suas fronteiras de atuação visando à maior resolubilidade da atenção.
A extensão do PSF tornou necessária a construção de indicadores para avaliar a coerência da abordagem efetivamente realizada e a adesão aos princípios que regem o programa, centrados na incorporação do contexto familiar no processo de tomada de decisão.
Um dos requisitos fundamentais do programa é o uso do prontuário familiar enquanto instrumento de trabalho, garantindo o registro das informações e permitindo, de forma ágil, o acesso às ações realizadas pela equipe de saúde da família. É, portanto, elemento decisivo à melhor atenção prestada à família, reunindo as informações necessárias à continuidade dos cuidados à saúde de seus membros. Representa, ainda, um indicador de qualidade da atenção ofertada, assim como uma ferramenta para avaliar a necessidade de educação permanente, além de ser um elemento fundamental em casos de auditoria ou de conflitos legais e éticos.
Neste artigo, dá-se ênfase à verificação do uso do prontuário familiar sob a ótica da avaliação externa das equipes de saúde da família e dos gestores. Para tanto, apóia-se em estudo quantitativo, comparando os resultados obtidos mediante a aplicação do instrumento de acreditação com as informações decorrentes da análise de questionários respondidos pelas equipes de saúde da família e de entrevistas realizadas com a coordenação municipal do PSF, nos Estados do Maranhão, Tocantins, Pará e Amapá, no período de 2005 a 2006.
Sobre o tema
Os programas de pós-graduação e de capacitação para profissionais de saúde destacam a importância do familiograma (genograma) e do prontuário familiar como parte do aprendizado necessário para o cumprimento das ações de saúde estabelecidas para este nível de atenção 1. Essa prioridade transparece da análise das ementas de curso aprovadas pela Cumbre Ibero Americana de Medicina Familiar, realizada em Sevilha, Espanha, em março de 2002.
A medicina familiar tem como princípio centrar-se na atenção da pessoa como um todo. Para tanto, é necessário contar com equipes de saúde que vejam a doença no contexto da família, e que conheçam as premissas da orientação familiar na atenção primaria, com o propósito de realizar intervenções neste âmbito de atuação. É fundamental que os profissionais de saúde da família detectem os indícios ou riscos que uma pessoa e sua família possam correr na esfera psicossocial, para prevenir doenças e alterações na funcionalidade familiar. O familiograma ou genograma é um dos instrumentos, entre outros, que as equipes de saúde devem utilizar para cumprir tal finalidade.
De forma específica, ao propiciar uma visão gráfica da família e de suas relações, os instrumentos de registro da atenção à família permitem desenvolver no profissional de saúde uma visão integrada dos pontos fortes e das fragilidades da unidade familiar em sua situação atual, bem como dos aspectos evolutivos ao longo do tempo que possam influenciar suas interações presentes. Neste processo de "desenvolvimento de uma hipótese", os resultados revelados pelos instrumentos de atenção à família permitirão tanto sua formulação inicial como, uma vez construída, aportar elementos que possibilitarão revelar ou reforçar hipóteses, buscando a compreensão do entorno de modo a melhor contribuir para o desenvolvimento do núcleo familiar.
Nesse contexto, vários autores definem e explicitam a importância do genograma no contexto da atenção primária:
Athayde & Rodrigues 2 afirmam ser o genograma a representação gráfica das principais características de um grupo familiar ao longo do tempo.
"O familiograma é um instrumento desenvolvido para avaliar o funcionamento sistêmico da família, sendo útil para a identificação de famílias cuja estrutura as coloca em alguma condição de risco de caráter biológico (problemas hereditários ou de aparecimento familiar), psicológico (tendências a ter uma funcionalidade familiar inadequada) ou social (família numerosa e/ou sem recursos, etc.). Assim, ao retratar as características de três gerações, o familiograma oferece uma perspectiva longitudinal tendo em conta que as famílias tendem a repetir seus atributos, característica conhecida como continuidade ou alternância, se isto ocorre sem interrupção entre pais e filhos ou irmãos, ou se salta uma geração para aparecer na outra" 3 (p. 49).
"Neste sentido, ainda que seu aprendizado e elaboração demandem tempo e paciência, com a prática ele se apresenta elemento indispensável na consulta ambulatorial do primeiro nível e na atenção primaria de saúde em geral" 3 (p. 49).
Rogers & Cohn 4, em artigo publicado em 1987, afirmavam que o genograma capturava mais informações sobre a estrutura da família, os eventos vitais, as doenças e as relações familiares do que os médicos por si só.
Liossi et al. 5 definem genograma como um formato para desenhar a árvore familiar com informações sobre membros da família e suas relações ao longo de pelo menos de três gerações. O genograma tem sido utilizado amplamente como uma ferramenta útil para reunir, registrar e expor informações sobre famílias visando à pratica da assistência à saúde orientada para a família.
Por outro lado, o uso do genograma enquanto método de coleta, armazenamento e processamento de informações sobre uma família complementa o prontuário familiar. Proporciona o acesso rápido a um grande número de dados sobre a família, incluindo seu passado hereditário e o risco que oferece aos membros atuais, juntamente com influências clínicas, sociais e interacionais. Conhecer a história familiar é importante, mas a coleta dos dados não deve se restringir a aspectos superficiais. É esse o papel do genograma, que informa de maneira completa e objetiva os dados de uma determinada família, fazendo de forma realista uma revisão do passado familiar e dos problemas de saúde potenciais, fornecendo, ainda, informações ricas sobre os relacionamentos, incluindo ocupação, religião, etnia e migração 6.
Essa ferramenta fornece dados úteis não só para os profissionais de saúde, que avaliam de forma mais completa seu objeto de cuidado - a família -, mas também para a própria família, proporcionando o conhecimento a respeito de seu desenvolvimento e possibilitando melhor compreensão de sua situação. O genograma é construído na primeira visita ou contato com a família e deve ser revisto quando se quer obter maiores informações 2.
O uso de um protocolo de intervenção familiar é referido em estudos que realizam abordagem interdisciplinar no âmbito da família, aplicada em distrito sanitário de Salvador, Bahia, Brasil. Nesse relato de experiência, o protocolo consiste em um instrumento metodológico, em experimentação, inspirado no modelo assistencial cubano que visa a possibilitar uma abordagem sistêmica da família, valorizando o aspecto biopsicossocial do indivíduo e sua família. Esse instrumento é composto pela identificação do usuário, história psicossocial, condições de moradia e de saneamento, familiograma com diagrama das relações familiares, história do adoecer, inventário dos dados da família e do indivíduo, objetivos a curto e médio prazos, ações propostas com definição dos responsáveis, início e término das ações, indicadores e periodicidade da avaliação, bem como resultados alcançados 7.
O Conselho Federal de Medicina, no artigo 1º da Resolução nº. 1.639/2002 8, define prontuário médico como o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas com base em fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.
A Secretaria de Estado da Saúde do Ceará 9, em instrumento criado para avaliar o PSF (Programa de Melhoria da Qualidade - PROQUALIS 2005), define Prontuário Familiar como instrumento de integração das informações de saúde dos indivíduos, famílias e comunidades das áreas de atuação das equipes de saúde da família. Sua utilização adequada possibilita uma melhoria no acompanhamento da saúde da clientela e na qualidade da atenção prestada, e deve ser composto de todas as fichas clínicas utilizadas pelos profissionais de saúde que atendem determinada família. Disponibiliza aos profissionais da equipe de saúde da família uma gama de informações pertinentes ao paciente e sua família. O compartilhamento e socialização das informações facilitam aos profissionais envolvidos (médicos, dentistas, enfermeiros) o diagnóstico, plano de tratamento, direcionando a uma melhor conduta no tratamento destes pacientes.
Metodologia
A pesquisa foi parte dos estudos formulados e executados pela Fundação Cesgranrio para o Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família (PROESF), iniciativa do Ministério da Saúde. Foram respondidos 469 questionários pelas equipes de saúde da família, entrevistados 16 coordenadores municipais do PSF e avaliadas 88 unidades de saúde (30% das unidades de todos os municípios estudados) sob a lógica da acreditação nos anos de 2005 e 2006.
Nesse contexto, no estudo avaliativo realizado, entendeu-se que a adoção da metodologia de avaliação baseada nos padrões de acreditação internacional se apresentava como instrumento inovador.
O processo de acreditação tem se consolidado como uma excelente metodologia de avaliação da qualidade dos serviços de saúde em todo o mundo. A longa experiência e o sucesso da implementação desse método nos serviços de saúde dos Estados Unidos pela Joint Commission on Accreditation of Health Care Organizations tem sido o principal espelho para expansão desse processo para vários países do mundo.
Impulsionada pela criação, em 1998, da subsidiária da Joint Commission on Accreditation of Health Care Organizations, a Joint Commission International, que desenvolve esse processo fora dos Estados Unidos, a acreditação ultrapassou as barreiras territoriais, históricas, culturais e técnicas nas distintas sociedades existentes nos diferentes continentes e se consolidou como uma efetiva ferramenta de avaliação. Contribui como um poderoso instrumento para a melhoria contínua da qualidade nos serviços de saúde e, ainda, para o aumento da segurança nos cuidados prestados ao paciente nos diferentes segmentos da assistência. Atualmente, cerca de 80 instituições de saúde estão acreditadas pela metodologia da Joint Commission International no mundo, inclusive no Brasil, compondo assim uma rede de instituições que estão acreditadas e reconhecidas como de alta qualidade no desenvolvimento dos processos de assistência prestada ao paciente e de gestão.
A experiência adquirida no desenvolvimento desse processo tem demonstrado que esse método de avaliação da qualidade apresenta um imenso potencial, no sentido de introduzir nas instituições uma prática de reflexão contínua, tanto sobre os processos diretamente ligados ao cuidado aos pacientes quanto nos relativos aos processos gerenciais. Tem revelado também um ótimo potencial de mobilização dos profissionais na revisão de processos, métodos e prioridades, por meio de uma ação organizada, sistematizada e multiprofissional.
Com base nos resultados da avaliação, esse método possibilita também inovar no processo de planejamento, ao permitir uma abordagem seletiva para a definição de prioridades e estratégias de implantação das correções necessárias. Por se tratar de uma metodologia com forte conteúdo educativo, na qual todo o processo parte de uma reflexão sobre a prática profissional referida a padrões de excelência, tem permitido uma nova maneira de perceber e atuar sobre velhos problemas. Os padrões internacionais de acreditação, utilizados como base da avaliação, não são distantes da realidade cotidiana dos profissionais e das instituições, mas expectativas a serem alcançadas, relacionadas às boas práticas do cuidado aos pacientes e do gerenciamento de unidades de saúde.
Uma das abordagens utilizadas na pesquisa foi o uso da acreditação para avaliar as unidades de saúde da família, utilizando-se como instrumento de avaliação o Manual Internacional de Padrões para Unidades de Cuidados Primários (elaborado pela Joint Commission International, em conjunto com o Comitê Internacional de Padrões, e ainda não publicado).
A estratégia usada para aplicação do instrumento de avaliação foi desenvolvida em duas etapas, respectivamente a etapa de capacitação e a de avaliação das unidades.
Nas cidades de Belém (Pará) e São Luis (Maranhão) foram treinados os profissionais indicados pelas Secretarias Municipais de Saúde de cada município avaliado no âmbito do PROESF e pelas Secretarias Estaduais do Pará, Amapá, Maranhão e Tocantins. O treinamento visou a promover o conhecimento do Manual e de sua metodologia, buscando melhor utilização dos procedimentos de avaliação das unidades de saúde da família selecionadas.
A partir da capacitação, os profissionais participantes procederam a avaliação de uma amostra de 30% das unidades de saúde da família, totalizando 88 unidades.
Um dos critérios previstos para a seleção de unidades era a existência de no mínimo uma equipe completa de saúde da família em trabalho contínuo há um ano, sem substituição ou rotatividade do médico e do enfermeiro da equipe. Esse critério não foi aplicado em função da acentuada rotatividade de médicos nessa região.
Para essa atividade de avaliação foram utilizadas Planilhas de Avaliação, que incluíam todos os padrões do Manual Internacional de Padrões para Unidades de Cuidados Primários.
Nessas planilhas, para cada padrão, estão indicadas quatro categorias de situação, que refletem o grau de conformidade da unidade em relação aos mesmos: conforme, parcial conforme, não conforme e não se aplica e, ainda, a categoria não avaliado, usada quando a avaliação do padrão não foi possível. Dessa forma, a definição da situação está diretamente correlacionada com as evidências, positivas e negativas, identificadas nos processos e atividades desenvolvidos nas unidades, sendo: (1) conforme: para os padrões cujas evidências encontradas indicam total atendimento aos seus requisitos; (2) parcial conforme: para os padrões cujas evidências encontradas indicam que determinados requisitos são atendidos (aspectos positivos), mas que, no entanto, ainda são necessários ajustes e/ou melhorias para alcançar a conformidade; (3) não conforme: para os padrões cujas evidências encontradas indicam nenhum atendimento aos seus requisitos; (4) não se aplica: para os padrões cujos requisitos não são desenvolvidos como processo ou atividade nos serviços da unidade. Nesse caso, foi observada variabilidade do quantitativo e do conjunto de padrões enquadrados nessa categoria entre as unidades, mesmo aquelas de um mesmo município, em função dos diferentes conjuntos de serviços, perfil assistencial e modelos de funcionamento identificados nas unidades. Exemplos são unidades com serviços de odontologia; unidades com a presença de estudantes; unidades que não realizam vacinação, entre outros.
Neste artigo foram destacados: três padrões na função "serviços voltados aos pacientes" (SVP), em que se busca verificar a maneira efetiva de organizar esses serviços para dar suporte ao bom cuidado ao paciente e nos quais o paciente permanece no centro de cada aspecto da organização; e três padrões na função "organização e prestação de serviços" (OPS), pelos quais se pretende verificar a necessidade de uma estrutura clara de gerenciamento, com boa coordenação do processo de cuidado, inclusive a prestação de serviços que utilizam equipes. As equipes trabalham de maneira eficiente quando possuem as informações necessárias, em geral um prontuário organizado e completo sobre a saúde do paciente, e trabalham em um ambiente seguro, com poucos riscos para o corpo profissional e os pacientes.
Foram também consolidados os questionários respondidos pelas equipes de saúde da família existentes nos municípios que integraram a pesquisa e as entrevistas realizadas com as coordenações municipais do PSF.
Resultados e discussão
Quanto à avaliação externa utilizando-se o manual de acreditação, verificou-se que em relação ao padrão OPS17: "os prontuários dos pacientes contêm informação suficiente para identificar o paciente, orientar o diagnóstico, justificar o tratamento e documentar a evolução" - os resultados demonstram 63% de registros parcialmente conforme, como pode ser visto na Figura 1.
Com relação ao padrão OPS18 sobre tratamento continuado: "Para pacientes que recebem serviços de cuidado continuado, o prontuário contém uma lista resumida de todos os diagnósticos significativos, alergias a medicamentos e medicamentos em uso", foi identificado um equilíbrio entre as três categorias, chamando a atenção para o alto grau de não conformidade - 31%. Tal dado é importante pelo fato de que hipertensão e diabetes são duas patologias de tratamento contínuo e de responsabilidade inequívoca do PSF (Figura 2).
Quanto ao padrão OPS19: "todos os prontuários dos pacientes são periodicamente revisados quanto à completude, precisão, legibilidade e conclusão de toda informação e ações necessárias para sua melhoria são efetuadas", destaca-se o alto grau de não conformidade em 66% das unidades avaliadas (Figura 3).
Considerando o padrão SVP19: "a avaliação inicial de enfermagem é documentada no prontuário do paciente no prazo estabelecido pela unidade", verifica-se que 52% estão conforme, com um percentual de 2% de não conformidade (Figura 4).
Para o padrão SVP28: "o cuidado prestado a cada paciente é planejado, revisado quando indicado, e é anotado em seu prontuário e mantido acessível a todos os profissionais que prestam cuidado ao paciente", verifica-se um grau importante de parcialmente conforme, 66%, sendo que apenas 30% dos prontuários se enquadram na categoria conforme (Figura 5).
Constata-se um grau maior de conformidade para o padrão SVP32: "o cuidado prestado a cada paciente é planejado e anotado em seu prontuário", apesar de 25% das unidades estarem situadas na categoria de não conformidade (Figura 6).
Merece ser ainda destacado que, no conjunto de padrões satisfatórios, há prevalência do status parcial conforme, evidenciando que são significativas as oportunidades de melhoria de processos e atividades. Há, portanto, necessidade de implantação, monitoramento e manutenção de ações de melhoria da qualidade, para que as unidades possam alcançar nível de desempenho compatível aos requisitos dos padrões e a conformidade com os mesmos.
Resultados das entrevistas
As respostas das equipes de saúde da família, nos municípios estudados, mostram, na sua maioria, que o familiograma não é utilizado como um instrumento de análise de riscos clínicos, ambientais e sociais. Das 469 entrevistas analisadas verifica-se que 26% não utilizam o prontuário familiar e 70% desconhecem o familiograma. Chama a atenção o alto índice de não uso de prontuário familiar.
Comprova-se nos comentários abaixo relatados a discrepância entre o que seja a concepção correta de uso de prontuário familiar e a percepção das equipes ao justificarem o não uso: "a equipe trabalha com prontuário familiar? Não. Até o momento só trabalhamos com prontuários individuais". "Sua equipe trabalha com familiograma? Não. Estamos nos organizando para trabalharmos com esse método".
Mais preocupante ainda são as alegações de desconhecimento desse instrumento de centralidade inquestionável: "Desconheço este método. Trabalhamos com anotações individuais".
Entretanto, nas entrevistas com as Coordenações Municipais de Saúde da Família, as respostas dadas às perguntas específicas sobre o tema afirmam que as mesmas equipes que responderam que familiograma e o prontuário familiar não constituem métodos de trabalho em saúde, utilizam estes instrumentos.
"A equipe trabalha com prontuário familiar? Sim. Os prontuários são de extrema importância para o acompanhamento familiar, devido à existência da história clínica de cada paciente contida nos mesmos". "Através do prontuário familiar conseguimos avaliar a situação socioeconômica da família e com isso trabalhamos em cima de uma prioridade".
Em um mesmo município, sob a mesma Coordenação do PSF, encontramos respostas diferentes. "De fato, algumas poucas Equipes estão utilizando o envelope com caracterização da unidade domiciliar e servindo mais para o ajuntamento das fichas individuais, ainda com baixa compreensão do seu papel". "Sua equipe trabalha com familiograma? Sim. Ainda em fase de construção. No ano de 2004 tentamos montar o familiograma, porém não chegamos à conclusão, em virtude do fluxo constante de muitos familiares". "Desconhecemos o termo familiograma. Usamos um impresso chamado ficha família onde é descrita a situação socioeconômica da família, e especifica os moradores". "Sua equipe trabalha com familiograma? Não. Utilizamos ficha A, com descrição da situação da família".
De maneira geral, a resposta da maioria dos responsáveis pela Coordenação do PSF nos municípios informa que as equipes de saúde da família utilizam o familiograma e o prontuário familiar, apesar de algumas registrarem as dificuldades de implantação do instrumento por falta de material e de capacitação: "A equipe trabalha com prontuário familiar? Sim. Agora começamos a utilizar este método, antes era individual". "A equipe trabalha com prontuário familiar? Não. A equipe não dispõe de impressos e materiais adequados". "Prontuários ainda são individuais, pelo fato de não termos os impressos necessários e em quantidade suficiente para a realização da mudança ". "Sua equipe trabalha com familiograma? Não. Não fomos capacitados sobre este trabalho".
Conclusões
Apesar de constar de vários currículos de capacitação e de formação universitária sobre saúde da família, inclusive entre as normas do próprio Ministério da Saúde, não houve implantação, de forma coerente e massiva, da norma sobre o uso do prontuário familiar e do genograma nos municípios estudados nesta pesquisa. Portanto, os preceitos não se transformaram em normalização efetiva, em contradição com o princípio básico ordenador do PSF que articula unidade familiar a unidade mínima de produção de serviços.
Verifica-se, tanto pelo elevado número de prontuários não conforme e parcialmente conforme, aliado ao quase desconhecimento do instrumento familiograma e com elevado número de equipes que não usam o prontuário familiar, que há necessidade de capacitação para mostrar as vantagens do uso destes instrumentos.
O processo de educação continuada das equipes de saúde da família deve enfatizar a importância da família no contexto do PSF. A avaliação da saúde familiar deve ser entendida como um processo dinâmico que inclui a obtenção da informação, sua análise e identificação de problemas e potencialidades das famílias para poder realizar ações de promoção da saúde, prevenção das enfermidades e recuperação da saúde 11.
O cruzamento dessas distintas abordagens, como efetuada nesta análise, revela a importância da avaliação externa como sinalizador do nível de conformidade aos padrões requeridos, uma vez que as equipes do PSF não demonstram domínio da utilização de prontuários familiares e muito menos do familiograma na gestão das ações de saúde sob sua responsabilidade. Na verdade, os resultados sugerem também a necessidade de operar um indicador combinado entre a avaliação interna e externa do controle das informações familiares como instrumento de gestão.
Colaboradores
A. T. S. Pereira e T. R. Pereira foram responsáveis pela revisão bibliográfica sobre o tema, análise comparativa das duas fontes de informações abordadas (prontuários e entrevistas) e elaboração do artigo. H. Cordeiro, J. Noronha e S. Dain se responsabilisaram pela discussão do tema e revisão do artigo. F. T. S. Cunha fez a identificação e análise do tema deste artigo nos questionários aplicados às equipes de saúde da família e coordenações municipais do Programa Saúde da Família. H. Costa Junior foi responsável pela identificação e seleção dos padrões de acreditação utilizados no artigo.
Referências
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8. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº. 1331, de 21 de setembro de 1989. Dispõe sobre o prontuário médico. Diário Oficial da União 1989; 22 set.
9. Secretaria de Estado da Saúde do Ceará. Metodologia de melhoria da qualidade em APS - PROQUALIS. 2ª Ed. Fortaleza: Secretaria de Estado da Saúde do Ceará; 2005.
10. Soberats F. Salud familiar y desarrollo socio cultural. Rev Cuba Salud Pública 2000; 26:12-6.
Correspondência:
A. T. S. Pereira
Instituto de Medicina Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua Djalma Ulrich 23, apto. 901
Rio de Janeiro, RJ 22071-020, Brasil
anatsp@gmail.com
Recebido em 14/Mai/2007
Versão final reapresentada em 07/Dez/2007
Aprovado em 26/Dez/2007