DEBATE DEBATE

 

A autora responde

 

The author reply

 

 

Eleonor Minho Conill

 

 

Foi um privilégio ler as contribuições feitas pelos debatedores e agradeço aos Editores pela pertinência na escolha dos participantes, que permitiu intervenções com uma interessante diversidade complementar. Tentarei sintetizar alguns aspectos principais dessas intervenções de modo a estabelecer um diálogo entre todos. Assim, Campos destaca a existência de um desacordo cultural, epistemológico e político sobre a Atenção Primária, a qual enfrenta o peso de uma tradição sanitária adversa. Essa tradição, em contextos e de formas distintas, privilegiou o coletivo em detrimento da dimensão clínica dos serviços. Além disso, teria havido uma implementação excessivamente centralizada da estratégia da saúde da família, sendo o autor reticente quanto às possibilidades reais (mas não acerca da necessidade) de uma abertura na direção de uma política de reorganização dos serviços que possa combinar singularidades locais com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Acho sensato cotejar essa intervenção com àquela de Sampaio que, na qualidade de gestor, considera que esse engessamento operacional foi o ônus a pagar pelo avanço inquestionável de uma estratégia nacional num país de dimensões continentais como o nosso. No entanto, argumenta que isso garantiu a visibilidade para questões relacionadas com a organização dos serviços, rompendo o excessivo silêncio por parte da academia sobre essa temática. Sugere que estaria em curso um processo incremental de mudança da Atenção Primária à Saúde no Brasil, o que abre a possibilidade para que, partindo-se da acumulação institucional e da produção de conhecimentos existente, possamos circunscrever e insistir na construção de uma agenda de impasses a serem superados. Assinalei alguns que me parecem centrais e sobre os quais penso ter havido razoável concordância. Senão, é como diz Campos, a realidade insiste em contradizer conquistas, uma vez que a porta de entrada, em grandes centros, acaba sendo um cuidado pontual de pronto atendimento. Ou então, corre-se o risco de aprofundar a segmentação que se mantém apesar da implementação do SUS, constituindo-se a posse de um plano de saúde (de qualidade, muitas vezes, questionável) num permanente objeto de desejo por parte da população. É nesse sentido a contribuição de Giovanella que observa a existência de uma tensão permanente entre a construção de um serviço nacional de acesso universal a todos os níveis de atenção e um sistema direcionado aos mais pobres com programas seletivos. De certa forma (e com o risco de simplificar), é "este o perigo que mora ao lado'', conforme expressão da intervenção de Cohn, e que o PSF pode representar. Perigos que advêm de silenciar, com um certo idealismo voluntarista, um debate público, entre outros, sobre tais impasses. Giovanella lembra, com pertinência, a estreita relação, no caso exemplificado para a Atenção Primária à Saúde, entre o sistema de saúde e os modelos de proteção social, que, como sabemos, relacionam-se com o modo de desenvolvimento econômico e social ancorado em forte mediação política e cultural. Talvez tenha imperado um certo voluntarismo setorial que, se trouxe inegáveis benefícios para a oferta e para a integração dos serviços, talvez possa explicar parte da lacuna teórica sobre a política de saúde, assinalada por Cohn. Finalmente, Gervás optou por realizar uma síntese descritiva e conceitual a partir da realidade dos países centrais. Trata-se de um bom aporte, principalmente para aqueles em formação, desde que considerem esse viés. Seu texto é marcado pela objetividade com a qual defende o conceito de atenção primária como sendo serviços clínicos de qualidade no primeiro nível de um sistema de atenção médica. Alerta para o fato de que, muitas vezes, a Atenção Primária à Saúde, essencialmente um serviço clínico individual, confunde-se com programas comunitários, levando à perda de eficiência. Na conclusão, também insiste num dos grandes impasses reiterados ao longo desse debate: a necessidade de recursos humanos (refere-se a médicos gerais) extremamente aptos e trabalhando com recursos adequados. Com isso assegurado, o prestígio e a valorização tendem a ser uma conseqüência natural. Sugere dois tipos de reformas que penso ser útil mencionar: reformas pró-conteúdo (melhor formação e mais recursos) e reformas pró-coordenação que potencializem o papel de filtro desse nível de cuidado. Porém, mesmo na Espanha, onde, há mais de duas décadas, foi implementado um serviço nacional com uma rede de centros de saúde, só recentemente procedeu-se a um grande movimento de consenso integrado por representantes das Comunidades Autônomas, Sociedades Científicas e do Ministério da Saúde, intitulado Estratégias para la Atención Primária del Siglo XXI (Proyecto AP21). A realização de fóruns e consultas públicas também tem sido um instrumento crescente para adequação das políticas nos países casos que enfoquei em meu trabalho. Considero, então, que, com tantos e tão diversos aportes, tenham sido ampliados os elementos iniciais que apresentei de forma suficientemente construtiva.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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