EDITORIAL

 

Atenção primária à saúde no Brasil

 

 

O projeto de Saúde Coletiva inaugurado nos anos 70 no Brasil buscou um novo modelo explicativo do processo saúde-doença-cuidado e experimentou, para isto, novos projetos de intervenção no campo da organização dos serviços. A possibilidade de expandir a Atenção Primária à Saúde segundo o paradigma da determinação social da doença implicava organizar o sistema e os serviços de saúde em função das necessidades da população, em que a Atenção Primária à Saúde se colocaria como a porta de entrada ao sistema de saúde, organizado hierarquicamente.

Nos anos 90, instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), o desafio foi reformular as prioridades do Ministério da Saúde em relação à organização da Atenção Primária à Saúde ou Atenção Básica à Saúde, como também é denominada no país. Passou-se, então, a organizá-la com base na integração entre a unidade de saúde e a comunidade ou entre profissionais de saúde e usuários, dentro de dado território, tendo por referência o Programa Saúde da Família (PSF), criado em 1994.

O PSF se constituiu num modelo de organização das ações e serviços de saúde, em que o nível primário da atenção se inseriu na atenção básica dentro do SUS. Desde a sua emergência observam-se mudanças nas condições de sustentação financeira e política, indicando o planejamento de sua expansão, induzido pela normatização do processo de descentralização do sistema de saúde.

Além dessas propostas organizacionais, a Estratégia Saúde da Família em centros urbanos de grande porte ou mesmo nas áreas metropolitanas encontra outros desafios para a definição de políticas públicas na abordagem de temas complexos como o contexto sócio-ambiental urbano e o cuidado voltado para o núcleo familiar em seu desenvolvimento e processo de adoecimento. A noção de família, sua composição, organização e estratégia de sobrevivência nas classes populares são elementos geralmente desconhecidos dos profissionais de saúde que precisam olhá-la e respeitá-la para além de seu próprio horizonte.

Hoje, em fase de expansão em todo território nacional, o Saúde da Família define-se por um conjunto de ações e serviços que vão além da assistência médica, estruturando-se com base no reconhecimento das necessidades da população, apreendidas a partir do estabelecimento de um vínculo social entre população e profissionais, em contato permanente com o ambiente territorial. Assim, atualizou-se a perspectiva da Atenção Primária à Saúde dentro das políticas públicas brasileiras, cujo objetivo é a proteção social pela garantia da universalidade e integralidade da atenção. Confirmou-se ainda a assertiva de alguns autores e do artigo apresentado para debate, de que a Atenção Primária à Saúde assume sentidos variados conforme o modo como se estrutura nos diversos sistemas de saúde.

Em 2005, várias instituições de pesquisa responderam à demanda do Ministério da Saúde que visava a atender as necessidades de instituir sistema de monitoramento e avaliação da expansão da Atenção Primária à Saúde, e desenvolveram estudos para estabelecer uma Linha de Base para a análise desta expansão nos centros urbanos com mais de 100 mil habitantes. Com base em um termo de referência indicativo e consensual, os estudos deveriam contribuir para elaboração de indicadores político-organizacionais, de gestão e do cuidado oferecido. Cada instituição elaborou métodos próprios e utilizou diversos instrumentos de abordagem a gestores, profissionais e usuários da Atenção Primária à Saúde.

Este Suplemento, proposto por iniciativa de pesquisadores responsáveis pelos estudos nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, apresenta os resultados dessas investigações realizadas em todas as regiões do país e reflete sobre os desafios colocados ao projeto de expansão da Atenção Primária à Saúde, baseando-se na riqueza do processo de construção dos diversos estudos regionais e municipais e dos temas afins abordados. Ainda representa um espaço de troca para os vários grupos de pesquisa que se constituíram em torno dessa temática - Atenção Primária em Saúde no Brasil.

 

 

Maria Helena Magalhães de Mendonça
Miguel Murat Vasconcellos

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
mhelenam@ensp.fiocruz.br
miguel@ensp.fiocruz.br

Ana Luíza d'Ávila Viana
Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.
anaviana@usp.br

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br