EDITORIAL
Epidemiologia nutricional materno-infantil e a agenda de prioridades de pesquisa em saúde no Brasil
Gilberto KacI; Suzanne SerruyaII
IInstituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. kacetal@gmail.com
IISecretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil suzanne.jacob@saude.gov.br
A criação do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) em 2000 e da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) do Ministério da Saúde em 2003, são importantes marcos na institucionalização e formulação da Política Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação em Saúde no Brasil. A elaboração da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (ANPPS), por sua vez, pode ser considerada a grande indutora da implementação da ciência e tecnologia em saúde no país.
O Edital sobre Alimentação e Nutrição lançado em 2004 pelo DECIT e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desponta dentro desse cenário. A execução desse edital configurou-se em uma das iniciativas recentes bem sucedidas do governo em financiar áreas específicas do conhecimento coerentes com o estabelecido na ANPPS. Esse edital contemplou sete linhas temáticas que sinalizaram para a importância de investigações sobre problemas nutricionais brasileiros prioritários, como a deficiência de micronutrientes e a obesidade infantil. Foram financiados 85 projetos, com um investimento que ultrapassou 4 milhões de Reais, fato inédito no campo da alimentação e nutrição no Brasil.
O objetivo desse volume temático é propiciar a divulgação de conhecimentos relevantes produzidos no bojo dos projetos financiados pelo edital, e tentar contribuir na diminuição da distância entre a produção do conhecimento científico, as reais necessidades de saúde da população e a formulação de políticas.
Os artigos contidos nesse Suplemento apresentam uma riqueza de conhecimentos científicos que podem representar um potencial impacto na saúde das populações se forem adequadamente "apropriados" por formuladores e gestores de políticas de saúde e em especial a política nacional de alimentação e nutrição.
Um dos artigos de revisão, por exemplo, chama atenção para um dos mais intrigantes paradoxos da transição nutricional brasileira: a concomitância da anemia ferropriva e da obesidade nos mesmos cenários e grupos populacionais, sinal da manutenção de um modelo de transição nutricional no qual ainda perdura a sobreposição do padrão do atraso e da modernidade. O Suplemento inclui também um instigante debate sobre as principais estratégias de prevenção e controle da obesidade infantil, que sinalizam para a efetividade do espaço familiar na promoção da alimentação saudável. Entre os artigos originais destacam-se os resultados de investigações baseadas em estudos de intervenção na obesidade infantil e na anemia ferropriva. Em resumo, esses estudos nos ensinam que ainda não foram superadas as dificuldades no estabelecimento de protocolos efetivos de controle desses desfechos.
Adicionalmente, novos conhecimentos foram agregados ao campo da epidemiologia nutricional como, por exemplo, a constatação do efeito de sintomas de depressão no maior risco de desmame precoce no primeiro mês de vida; o maior risco de doenças cardiovasculares em mulheres adultas com baixo consumo de frutas e vegetais; e o efeito da idade de menarca e do perfil lipídico no ganho de peso gestacional. Observa-se, ainda, que a dupla carga de doença em nutrição consiste em um relevante dilema da saúde pública contemporânea que requer uma agenda única como estratégia de enfrentamento.
O resultado desse esforço coletivo pode ser desfrutado nas páginas desse Suplemento. Assim, é com grande aprazimento que os Editores Convidados brindam a comunidade de alimentação em nutrição, sempre engajada na solução dos problemas nutricionais atuais mais relevantes no cenário epidemiológico brasileiro.