INFORME REPORT
A Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e a pesquisa em alimentação e nutrição
Suzanne SerruyaI; Ana Beatriz VasconcellosII
ISecretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. suzanne.jacob@saude.gov.br
IISecretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. ana.vasconcellos@saude.gov.br
Apresentação
O presente informe descreve as políticas nacionais voltadas para o fomento a pesquisas em saúde e alimentação e nutrição, abordando, sucintamente, os projetos apoiados pela Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde entre 2003 e 2006, relativos a esse tema. Apresenta algumas características observadas nesse conjunto de trabalhos, as principais linhas de interesse e sua distribuição regional, destacando aquelas do Edital publicado em 2004.
Introdução
Historicamente, coube ao Ministério da Saúde um papel secundário no fomento científico e tecnológico das atividades de pesquisa em saúde. Tal fato dificultou a articulação entre a pesquisa em saúde e a Política Nacional de Saúde, resultando em distanciamento entre a produção do conhecimento científico e as reais necessidades de saúde da população. Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde viu-se premido pela necessidade de mudar esse panorama. Assim, iniciou-se um processo de institucionalização da Ciência & Tecnologia/Saúde (C&T/S), criando-se, em 2000, o Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) e, em 2003, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, na qual o DECIT foi integrado.
A partir da formulação da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e da elaboração da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, o Ministério da Saúde passou a ser um dos principais indutores de C&T/S no Brasil, desenvolvendo um conjunto de ações no campo de fomento à pesquisa, que compreendem desde o suporte financeiro e apoio institucional aos projetos de pesquisa aprovados pelos comitês avaliadores até a divulgação dos seus resultados, buscando aproximar o fazer científico do universo de tomada de decisão e formulação de políticas públicas pelos gestores da saúde.
Para operacionalizar o processo de indução seletiva, o DECIT estruturou duas modalidades de fomento à pesquisa em saúde. Trata-se dos editais nacionais e dos editais estaduais. Os editais nacionais são organizados por temas específicos e se propõem, principalmente, a fortalecer a C&T/S em âmbito nacional, incentivando a livre concorrência. Por outro lado, os editais estaduais buscam, principalmente, superar as desigualdades regionais na área de C&T/S e colocar a pesquisa em saúde a serviço dos problemas locais de saúde. Nessa perspectiva, o DECIT lançou o Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde, cujo esforço busca atender às peculiaridades e especificidades de cada um dos estados brasileiros. O programa tem como propósitos: fortalecer capacidades locais de pesquisa, apoiar o desenvolvimento de pesquisas que estejam de acordo com as necessidades locais dos sistemas e serviços de saúde e desconcentrar o investimento destinado a C&T/S.
Cabe aqui ressaltar que o DECIT, ao apoiar um amplo leque de pesquisas em diversos campos relevantes da saúde, tem como meta garantir que a produção científica repercuta diretamente no SUS, resultando em ações de prevenção e de controle dos problemas de saúde de maior relevância epidemiológica, clínica e social.
Para que esse esforço logre resultados significativos, o Ministério da Saúde e seus parceiros institucionais têm incrementado sistematicamente seus investimentos nessa área nos últimos anos. Entre os principais parceiros, destacam-se o Ministério de Ciência e Tecnologia, com a participação direta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), das fundações de amparo à pesquisa dos estados e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Política Nacional de Alimentação e Nutrição
Alimentação e nutrição conformam um vasto campo investigativo em que as diversas áreas do conhecimento se entrelaçam em busca de compreender as dimensões individual e coletiva dos problemas e situações nutricionais atuais. Tendo como compromisso social definir ações e apontar as respostas adequadas ao perfil epidemiológico nutricional da população, a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), do Ministério da Saúde, estabeleceu, como uma de suas diretrizes fundamentais, a promoção de linhas de investigação capazes de gerar informações atualizadas sobre os problemas e modelos de intervenção efetivos no campo da nutrição. Estudos voltados ao domínio do cenário de situações e fatores determinantes das questões nutricionais constituem assim a base do projeto de ampliação e democratização da pesquisa científica e do conhecimento em nutrição.
O perfil nutricional do país é marcado pela dupla carga de má nutrição com a convivência de desnutrição com obesidade, resultando em maior morbidade e mortalidade por doenças crônicas não-transmissíveis. Persistem, ainda, altas taxas de morbidade por doenças transmissíveis, associadas às deficiências nutricionais, em áreas sócio-economicamente vulneráveis.
Além dos indicadores quantitativos, marcadores qualitativos adotados recentemente no campo da nutrição, como a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), adaptada por grupo de pesquisadores nacionais, mostram que 6,5% da população brasileira encontram-se em situação de insegurança alimentar, com diferenças acentuadas entre as cinco regiões geográficas do país, que mostram o Nordeste e Norte como sendo as regiões de maior vulnerabilidade e nas quais essa situação atinge de 13% a 14% da população 1.
A complexidade do perfil nutricional, em função das diferenças locais, regionais, étnico-raciais e de gênero que estão marcando este início de século, requer, portanto, o desenvolvimento ou a redescoberta de habilidades dos profissionais e serviços de saúde para realizar, de forma humanizada, o cuidado e a atenção integral à saúde e intervir em hábitos, comportamentos e ambientes de risco à saúde e nutrição humana, de forma a criar condições para uma alimentação saudável e adequada. A opção pelo desenvolvimento de linhas de pesquisa em nutrição representa a opção para responder às questões da saúde pública e da promoção da saúde.
A PNAN, que integra a Política Nacional de Saúde, possui como propósito, a garantia da qualidade dos alimentos colocados para consumo no país, a promoção de práticas alimentares saudáveis e a prevenção e o controle dos distúrbios nutricionais. Atualmente, frente à prioridade governamental do combate à fome, esforços intersetoriais estão voltados para a luta contra os males relacionados à fome e à pobreza, em especial a desnutrição infantil e materna, a obesidade e doenças transmissíveis 2. Entre as diretrizes da PNAN, é importante destacar a ação de promover o desenvolvimento de linhas de investigação para subsidiar a elaboração de editais de pesquisa. Nessa perspectiva, a PNAN sinaliza para a importância de investigações sobre algumas linhas de pesquisa prioritárias, como desnutrição energético-protéica, deficiência de micronutrientes, composição alimentar e nutricional das refeições oferecidas, por exemplo, na merenda escolar; transição alimentar do aleitamento materno para uma alimentação sólida; e pesquisas de natureza antropológica e etnográfica sobre hábitos e práticas alimentares, entre outras.
Na perspectiva de ampliar o processo de monitoramento da situação nutricional, integra-se o sistema de vigilância nutricional, sistema de informações da atenção básica destinado ao acompanhamento clínico, à definição de intervenções e ao planejamento local e nacional de ações, às pesquisas de abrangência nacional e aos estudos e pesquisas com recorte local, regional e nacional. O desenvolvimento da pesquisa em saúde é um componente indispensável para estimular, monitorar e avaliar a PNAN e outras políticas, bem como produzir resultados para aperfeiçoá-las. A construção de uma cultura de pesquisa para a saúde assegura bons resultados para a eqüidade em saúde e para o desenvolvimento 3. Para que ocorra o desenvolvimento de pesquisas, recursos devem ser mobilizados e disponibilizados à comunidade científica por meio de chamadas públicas.
Contexto em que foram selecionados e desenvolvidos os projetos
Existe uma marcante heterogeneidade na capacidade de produção de pesquisas entre os estados, caracterizada pela maior concentração de pesquisadores nas regiões Sudeste e Nordeste e pela carência desses profissionais em alguns estados das regiões Norte e Centro-Oeste. Isso determina uma desigualdade proporcional no número total de projetos apresentados como candidatos a financiamento, apenas ligeiramente compensada no próprio processo de seleção, uma vez que são levadas ainda em consideração a capacidade de administração, gestão e execução, com destaque para a qualificação do coordenador do projeto, a experiência e a excelência da instituição proponente frente à natureza do projeto. Apesar disso, a lógica que permeia esse processo, e muito particularmente a que informou a seleção dos trabalhos aqui apresentados, é a de que as metodologias propostas e os resultados obtidos possam ser eventualmente utilizados nos estados que apresentam menor capacidade de execução.
Como seria de se esperar, a análise das distribuições absoluta e relativa dos projetos de alimentação e nutrição financiados entre 2003 e 2006 com recursos nacionais e estaduais mostra que, em relação ao número de projetos financiados, a Região Sudeste aparece em primeiro lugar (34,%), seguida pelo Nordeste (28%), região com mais da metade da população em situação de pobreza - são conhecidas as informações que mostram a Região Nordeste como a mais pobre do Brasil, com 56,5% de pobres no total da população, tendo Alagoas como o estado mais pobre da região (64,7%) 4 -, pelo Sul (18%), Centro-Oeste (12%) e Norte (8%). Ressalte-se que a Região Norte é a única que não realiza projetos em todos os seus estados. A análise da distribuição dos projetos por região mostra também uma diferenciação interna. Embora o Estado de Mato Grosso do Sul apresente sérios problemas de desnutrição nas aldeias indígenas, esse estado desenvolveu apenas quatro entre os 32 projetos da Região Centro-Oeste. Na Região Nordeste, observa-se uma concentração de projetos em apenas dois estados - Bahia e Pernambuco -, que concentram mais de 50% dos 72 projetos da região, enquanto Alagoas, o estado mais pobre da região e do Brasil, desenvolveu apenas oito deles (11%). Situação semelhante ocorre na Região Sudeste, onde São Paulo concentra cerca de 47% dos projetos realizados na região, seguida pelo Rio de Janeiro, com cerca de 28%. Na Região Sul, a terceira com a maior proporção de projetos em desenvolvimento (18%), o Rio Grande do Sul reúne a metade dos estudos realizados na região (Figura 1).
O edital de Alimentação e Nutrição 2004 possibilitou a seleção de 85 projetos para serem financiados com recursos federais. Alguns dos trabalhos apresentados no presente volume constituem um subgrupo desse conjunto. Desse total, 44,6% foram desenvolvidos no Sudeste; 29,4%, no Nordeste; 11,7%, no Sul; 8,3%, no Centro-Oeste; e 6%, no Norte. Destinam-se à população em geral e a grupos populacionais específicos 62 desses projetos (73%). O grupo que concentra a maior proporção de projetos é o de crianças (37,1%), seguindo-se o de adultos (11,3%), o de população materno-infantil (6,5%) e o de gestantes (4,8%).
A classificação dos projetos por área temática e linhas de pesquisa mostra que a área de Segurança Alimentar concentra 40% deles, seguida das áreas de sobrepeso e obesidade com 21,2%, de carências nutricionais por micronutrientes (ferro, vitamina A, ácido fólico, iodo e outros) com 12,9%, amamentação e alimentação complementar da criança com 10,6%, desnutrição energético-protéica com 9,4% e desenvolvimento e validação de metodologias com 5,9% (Tabela 1).
Conclusões
A construção de capacidade estratégica em nutrição está no centro das ações da PNAN, foi reforçada e vem se efetivando por meio da incorporação da área da nutrição na agenda de prioridades de pesquisa do Ministério da Saúde. O recorte feito aqui para as pesquisas direcionadas à situação materno-infantil, além de atender ao perfil epidemiológico atual e buscar apontar soluções ao desafio representado pela dupla carga da má nutrição, pretendeu realçar a repercussão dessa fase na situação nutricional da população brasileira e as possibilidades de ação das políticas públicas de nutrição.
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD-2006. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2006.
2. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2003.
3. Departamento de Ciência e Tecnologia, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Por que pesquisa em saúde? Brasília: Ministério da Saúde; 2007.
4. Ministério da Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde. Rede interagencial de informações para a saúde (RIPSA). Indicadores e Dados Básicos IDB-2006. Brasília: Ministério da Saúde/Organização Pan-Americana da Saúde; 2007.