EDITORIAL

 

Efeitos colaterais do produtivismo acadêmico na pós-graduação

 

 

As principais revistas brasileiras da área da Saúde Coletiva têm experimentado acelerado incremento no número de submissões de artigos novos nos últimos anos. No caso de Cadernos de Saúde Pública, houve um aumento de 531 para 1.279 submissões nos últimos cinco anos (2003-2008), ao mesmo tempo em que a taxa de aceite caiu de 43% para 27%. Esse aumento reflete não apenas a ampliação do campo científico nacional como também as políticas de financiamento da pesquisa e a expansão da pós-graduação em Saúde Coletiva.

Como qualquer processo tão amplo e complexo, há aspectos que, em nossa opinião, merecem melhor reflexão. Há evidências de que, pelo menos em parte, o aumento nas submissões é também devido a certas práticas recém-adotadas pelos programas de pós-graduação face à pressão de publicação. Entre elas está a de exigir que alunos que estejam em vias de concluir o mestrado, para agendarem suas defesas, ou mesmo receberem seus diplomas, encaminhem artigo para publicação.

Não se espera que, necessariamente, toda dissertação de mestrado constitua pesquisa original e menos ainda que toda dissertação de mestrado resulte em artigo publicado. Vale relembrar o famoso parecer Sucupira, de 1965, que estabeleceu as bases da pós-graduação no Brasil: "Do candidato do mestrado exige-se dissertação... que revele domínio do tema escolhido e capacidade de sistematização; para o grau de doutor requer-se defesa de tese que represente trabalho de pesquisa importando em real contribuição para o conhecimento do tema" [Rev Bras Educ 2005; (30):162-73].

A nosso ver, a prática de condicionar a conclusão do curso de mestrado à comprovação de submissão de um artigo é problemática em vários sentidos. Sobretudo, há o ponto de se demandar um desdobramento (sob a forma de artigo) a partir de um exercício acadêmico (dissertação de mestrado) que, do ponto de vista conceitual, não é originalmente/necessariamente destinado para tal. O aumento do número de submissões de artigos baseados em estudos pontuais de interesse local ou de textos pouco originais e de baixa relevância científica adiciona pressão extra a já sobrecarregada rotina de editores e consultores.

A avaliação de artigos com vistas à publicação envolve uma complexa articulação entre editores, secretaria das revistas e consultores ad hoc. Tal sistema vive presentemente no limite de sua capacidade de responder, face às múltiplas e sucessivas demandas de pareceres não apenas dos periódicos como também das agências de fomento. A comunidade da Saúde Coletiva brasileira, ainda que vicejante e em contínua ampliação, tem tido dificuldade para fazer frente à enorme demanda.

A quase totalidade das pesquisas realizadas pelos programas de pós-graduação em Saúde Coletiva é oriunda de fundos públicos. Divulgar as pesquisas, via publicação, é um compromisso de ordem acadêmica e social. Não obstante, as exigências de produção de artigos, capítulos e livros não devem atropelar princípios importantes, e ao mesmo tempo a comunidade deve estar atenta para as implicações sobre os veículos de publicação.

É de relevância inquestionável aumentarmos a visibilidade das pesquisas em Saúde Coletiva. As principais revistas brasileiras têm realizado grande esforço para atender à crescente demanda editorial, sempre atentas ao tênue equilíbrio entre quantidade e qualidade. Igualmente importante é a conscientização das partes envolvidas acerca da importância de se assegurar a melhor qualidade possível dos trabalhos submetidos para avaliação.

 

 

Carlos E. A. Coimbra Jr.
Editor

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br