RESENHAS BOOK REVIEWS
Nidilaine Xavier Dias
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. nidilainedias@hotmail.com
PARTICIPAÇÃO E SAÚDE NO BRASIL. Cortês SV. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009. 205 pp.
ISBN: 9788575411766
Os estudos que compõem o livro procuram introduzir quatro perspectivas de análise inovadoras para o debate sobre a participação na área da saúde. A primeira delas é a recusa a falsos dilemas; sobre "se os conselhos de saúde são deliberativos" ou "se as relações entre os atores no interior desses fóruns são igualitárias". De acordo com a autora, seguir esses questionamentos levam o pesquisador a constatar o óbvio: os conselhos são deliberativos no sentido em que discutem exaustivamente as questões da agenda setorial; e as relações de poder em seu interior não são igualitárias. Em vez disso, as lentes de análise utilizadas buscaram compreender como participavam os atores sociais e estatais e qual o papel dos conselhos na arena decisória.
A segunda perspectiva refere-se ao fato de as investigações não se limitarem a realizar estudos de caso, tão comuns quando se trata dessa temática.
Uma terceira é que a análise não focaliza só os participantes usuários - que não foi considerada adequada para a análise de processos políticos que envolvem atores coletivos. Conceitos como atores estatais e societais são utilizados pela pesquisa para designar aqueles que agem representando interesses de órgãos públicos ou de governo, como é o caso dos primeiros, ou representando interesses da coletividade ou particulares, no caso dos segundos.
Os estudos identificaram a existência de articulações entre atores societais e estatais, que por vezes constituíam-se em comunidades de políticas, que desconsideravam os limites formais entre Estado e sociedade. Tais comunidades agem em contextos de redes políticas e são integradas por indivíduos que compartilham uma determinada visão sobre quais deveriam ser os resultados das políticas.
Uma quarta perspectiva inovadora utilizada pela pesquisa foi o uso da abordagem teórica que ressalta as relações de interdependência entre as instituições, os atores estatais e os atores societais. Os estudos utilizaram as contribuições do institucionalismo histórico e das vertentes teóricas político-institucional, construcionista e estratégico-relacional, ao destacar a importância não apenas das redes de relações entre atores sociais, mas também entre eles e atores estatais. Para os autores essas abordagens permitem o uso da noção de "configuração de relações", inspirada em Norbert Elias, que concebe a sociedade como algo que está sempre "se fazendo", mudando, ainda que de modo incremental.
Uma das contribuições interessantes ressaltadas no livro pela organizadora, que os estudos de Participação e Saúde no Brasil disponibilizam para o debate sobre o tema, é a constatação de que os atores sociais exercem uma influência decisiva na dinâmica de trabalho dos fóruns. Dentre esses atores, os representantes de profissionais e trabalhadores de saúde destacam-se como protagonistas de articulações entre atores sociais realizadas no espaço dos conselhos.
Para cumprir a finalidade a que o livro se propõem, a organizadora dividiu o impresso em seis capítulos e uma introdução, sendo que a introdução e o último capítulo foram redigidos por ela.
No primeiro capítulo os autores fizeram uma caracterização do Conselho Nacional de Saúde (CNS) orientados por duas questões: como os diversos atores participam nas atividades do CNS e qual o papel do fórum na arena decisória da área; além de resgatarem o histórico do CNS em todas as suas reformulações. Desde que foi criado, em 1937, e até 2006, o CNS sofreu sucessivas modificações que refletiram transformações nas concepções de saúde dos gestores federais da área, nas políticas de saúde e na gestão destas políticas. No ano de 1987, o CNS passou a ser deliberativo, mas se envolveu pouco nos debates sobre reforma do sistema. Entre 1990 e 2006, as funções do CNS permaneceram as mesmas, mas sua composição e seu papel na arena de decisão se modificaram, cresceu o número de conselheiros vindos da sociedade civil e diminuiu a participação dos representantes governamentais e de mercado, que não perderam importância mas ganharam espaço para atuação em outras arenas, como as Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite, privilegiadas pelos representantes governamentais, e o Judiciário e Legislativo, privilegiados pelos representantes de mercado. Essa mudança significou perda de espaço decisório por parte do CNS.
O segundo capítulo cumpre dois objetivos para examinar a dinâmica das relações sociais no CNS: analisar o funcionamento do fórum focalizando a intervenção dos diferentes atores e a dinâmica das discussões no plenário, e buscar evidenciar que o padrão de funcionamento observado pode ser explicado pela configuração das relações estabelecidas entre os diferentes atores envolvidos nas atividades do CNS. Os conselheiros mais assíduos e que mais coordenam os pontos de pauta são os que representam a sociedade civil. Os temas privilegiados pelas discussões são: o funcionamento e papel do próprio CNS e do controle social, políticas específicas e programas de saúde e longas intervenções informativas. Os autores concluem que o papel dos conselheiros no processo decisório da área é resultado da estratégia adotada por eles, que optaram por privilegiar o funcionamento do Conselho e controle social nas discussões e na restrição da ação dos representantes governamentais e de mercado.
No terceiro capítulo temos a análise das dinâmicas das relações sociais no interior do CNS do Rio Grande do Sul, e a posição desse fórum na configuração das relações sociais da área de saúde no estado. O quarto capítulo trata do funcionamento, atores e dinâmicas das relações sociais nos Conselhos Municipais de Saúde da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Já o quinto trata dos mecanismos de participação em hospitais do Ministério da Saúde em Porto Alegre e na cidade do Rio de Janeiro. Os autores fazem uma caracterização dos hospitais incluídos no estudo e dos mecanismos participativos, individuais e coletivos, utilizados nos mesmos.
No último capítulo, a organizadora Soraya Vargas Cortês finaliza com uma breve conclusão sobre os estudos que compõem o livro e suas expectativas em relação a ele, que incluem a esperança de que estimule novas pesquisas e que as análises contribuam para que os atores políticos reflitam sobre suas ações nos conselhos e sobre as condições institucionais que as condicionam.
O livro nos fornece uma rica reflexão sobre o tema da participação social em saúde no Brasil, tem uma linguagem acessível tanto para os acadêmicos quanto para os atores políticos que estão diretamente envolvidos no processo de decisão. Apresenta bem o histórico do CNS, a metodologia utilizada pelos autores na pesquisa, além de um referencial teórico bem explicitado. Com certeza se trata de uma perspectiva inovadora para a leitura dos mecanismos participativos no Brasil na área da saúde, e também suscita muitas questões ao se disponibilizar como um trabalho para futuros estudos.