EDITORIAL
Graduação em Saúde Coletiva: subsídios para um debate necessário
A idéia de se graduar profissionais em Saúde Coletiva vem sendo discutida há mais de 15 anos no país. Enquanto proposta já se encontra efetivada em várias partes dos continentes europeu e norte-americano, ainda que não se observe uma perfeita correspondência com os projetos em desenvolvimento no contexto nacional. No Brasil, tal iniciativa se vincula, inicialmente, ao acúmulo advindo da experiência institucional no ensino da Saúde Coletiva em diferentes cursos na graduação em saúde, a que se soma a tradição da área na pós-graduação lato e stricto sensu. Experiências internacionais de cursos semelhantes, bem como orientações contidas no documento referente às Funções Essenciais da Saúde Pública, elaborado pela OPAS, associadas às diretrizes curriculares para cursos de graduação também figuram como subsídios importantes na construção dessas propostas. Ao lado disso, é oportuno lembrar a emergência do debate sobre a expansão da oferta do ensino superior e, como desdobramento, de esforços nacionais voltados à inclusão social, fenômenos que inegavelmente vêm dando impulso ao movimento de expansão de vagas e criação de novos cursos.
No que concerne ao campo da Saúde Coletiva, soma-se a esses elementos as demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS precisa de um graduado em Saúde Coletiva, com perfil profissional que o qualifique como um ator estratégico e com identidade específica não garantida por outras graduações disponíveis. Portanto, longe de se sobrepor aos demais integrantes da equipe de saúde, esse novo ator vem se associar de modo orgânico aos trabalhadores em Saúde Coletiva.
Devemos reconhecer que, a despeito da sua institucionalização no elenco das graduações em muitas instituições de ensino, persistem controvérsias no campo acerca dessa proposta e, mais que isso, desafios. As discussões travadas no processo de gestação dessa graduação incluem um leque de questões ainda não equacionadas, que vão desde o modelo formador e a designação do título a ser conferido ao graduado, até o mercado. Entretanto, independente da adesão à proposta de uma graduação na área, parece haver consenso quanto a ser imprescindível formar profissionais orientados por uma concepção interdisciplinar, que sem negligenciar elementos do modelo biomédico o articule com conhecimentos oriundos do domínio das ciências humanas e sociais, deslocando-se assim de um foco eminentemente individual para uma esfera coletiva.
Sabemos que é difícil trabalhar com o que é absolutamente inédito, e este é o caso, haja vista o pioneirismo do Brasil no que se refere à implantação dessa formação no chamado Terceiro Mundo. Mais ainda, quando se leva em conta a necessidade de garantir condições, materiais e subjetivas, que englobam a garantia de recursos por parte do Estado, bem como a necessidade de consensos mínimos com vistas a um projeto nacional - uma construção democrática que desafia a área de Saúde Coletiva conforme se deu em muitos outros momentos da sua trajetória.
No momento em que várias instituições se encontram na etapa de detalhamento de perfis e de estruturação curricular, recebendo os primeiros alunos, impõe-se fomentar o debate e reunir subsídios nos planos epistemológico, sociossanitário e ético-político. Tais elementos devem resultar de um processo de reflexão permanente, visando a contribuir para o diálogo entre os diferentes segmentos implicados no projeto, de modo que se materialize uma proposta nacional que conjugue a expansão do ensino superior com os compromissos do movimento sanitário brasileiro. Da nossa parte, acreditamos que os desdobramentos para as políticas públicas apontarão a pertinência e os rumos da proposta.
Maria Lúcia Magalhães Bosi
Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil.
malubosi@ufc.br
Jairnilson da Silva Paim
Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.
jairnil@ufba.br