ARTIGO ARTICLE
Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil
Development of secondary dental care: a study on specialized dental clinics in Pernambuco State, Brazil
Nilcema Figueiredo; Paulo Sávio Angeiras de Goes
Faculdade de Odontologia, Universidade de Pernambuco, Camaragibe, Brasil
RESUMO
Objetivando avaliar os Centros de Especialidades Odontológicas de Pernambuco, Brazil, realizou-se estudo exploratório, utilizando dados secundários da produção ambulatorial 2006, critérios e normas instituídos para implantação destes serviços. Descreveu-se o cumprimento global das metas dos Centros de Especialidades Odontológicas, variáveis de caracterização dos serviços e dos municípios. Foram utilizadas análises do tipo descritiva e do tipo correlacional não paramétrica (coeficiente de Spearman), considerando-se o nível de significância de 5%. Dos 22 Centros de Especialidades Odontológicas, 40,9% obtiveram um desempenho bom, destacando que 81,8% cumpriram a meta para o subgrupo atenção básica em contraste com 13,6% que cumpriram a meta do subgrupo cirurgia oral menor. Dentre as variáveis independentes analisadas, apenas o porte populacional e o índice de desenvolvimento humano do município foram correlacionados ao desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas, quanto menor a cidade (r = 0,678; p < 0,001) e menor desenvolvimento humano (r = 0,599; p < 0,001), piores desempenhos foram observados. O estudo sugeriu que a normatizaçao para implantação e funcionamento dos Centros de Especialidades Odontológicas deva ser monitorada e avaliada para garantir uma melhor qualidade dos serviços para população.
Serviços de Saúde Bucal; Especialidades Odontológicas; Avaliação de Serviços de Saúde
ABSTRACT
This exploratory study aimed to evaluate the Specialized Dental Care Centers in Pernambuco State, Brazil, based on secondary outpatient treatment data from 2006 and standards and criteria adopted to implement these services. The study describes the overall achievement of targets by these specialized dental clinics and variables for characterization of the dental services and municipalities (counties). The methodology included descriptive analysis and non-parametric correlation analysis (Spearman coefficient), with significance set at 5%. Of the 22 specialized dental clinics, 40.9% showed good performance, and 81.8% met the target for basic dental care, as compared to 13.6% that met the target for minor oral surgery. Among the independent variables, only population size and Municipal Human Development Index (MHDI) were correlated with the performance of the specialized dental clinics: the smaller the city (r = 0.678; p < 0.001) and the lower the MHDI (r = 0.599; p < 0.001), the worse the performance. The findings suggest that standardization of the implementation and functioning of specialized dental clinics should be monitored and evaluated in order to ensure better quality of services for the population.
Dental Health Services; Dental Specialties; Health Services Evaluation
Introdução
Pouco se tem pesquisado sobre os serviços de atenção secundária em saúde bucal, particularmente no Brasil, entretanto, achados de outros países, com modelos de atenção em saúde bucal mais estruturados, já evidenciam a preocupação em estudá-la, principalmente no tocante à interface entre os níveis de complexidade da atenção, ou seja, a interface entre a atenção primária e secundária em saúde bucal 1.
O papel do serviço de atenção secundária em saúde bucal nestes países corresponde tanto à oferta de tratamento em especialidades odontológicas quanto à elaboração de planos de tratamento pelos dentistas especialistas aos usuários referenciados, onde a realização do tratamento é realizada na atenção primária após a contra-referência do caso, ou seja, funcionando também como um serviço de consultoria odontológica 2,3.
Dados epidemiológicos do último levantamento nacional em saúde bucal realizado no Brasil 4 e dados analisados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 1998 5 e 2003 6 apontaram que os principais problemas de saúde bucal a serem enfrentados são a cárie dentária, suas conseqüências (dor e perda dentária) e a falta de acesso às ações e serviços de saúde bucal. Em adição, as desigualdades sociais presentes nos indicadores do processo saúde-doença implicam desigualdades nos padrões de doenças e também no padrão de utilização dos serviços, com prejuízo àquelas de maior risco social 7,8. A redução das disparidades sócio-econômicas e das medidas de saúde pública dirigidas aos grupos mais vulneráveis permanece como um desafio para todos os que formulam e implementam as políticas públicas no Brasil 9.
Muito embora o acesso a serviços odontológicos tenha melhorado, considerando a redução da ordem de 15% entre os brasileiros que nunca foram ao dentista no período de 1998-2003, o padrão de desigualdade no uso dos serviços odontológicos entre as unidades da federação e entre os indivíduos pareceu se manter 6. Esta melhora pode ser justificada pelo incremento de recursos propiciados pelo Programa Brasil Sorridente, com vistas à melhoria da condição de saúde e redução das desigualdades, através da consolidação de um modelo de atenção em saúde bucal pautado nos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), onde o Programa Saúde da Família (PSF) com ampliação das equipes de saúde bucal reorienta este modelo na atenção primária. No entanto, dados do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) do ano de 2003 revelaram que apenas 3,5% do total de procedimentos odontológicos realizados naquele ano foram de especialidades, evidenciando a grande desproporção na oferta entre procedimentos odontológicos básicos e especializados, o que levou à instituição dos Centros de Especialidades Odontológicas como estratégia da política nacional de saúde bucal para assegurar a atenção secundária em saúde bucal 10.
Os Centros de Especialidades Odontológicas são serviços de atenção secundária devendo se constituir em unidades de referência para a Atenção Básica, integrados ao processo de planejamento loco-regional que devem ofertar, minimamente, as especialidades de periodontia, endodontia, pacientes com necessidades especiais, diagnóstico bucal e cirurgia oral menor. Em função dos seus recursos físico-estruturais podem ser classificados em três tipos: Centros de Especialidades Odontológicas tipo I (três cadeiras odontológicas); Centros de Especialidades odontológicas tipo II (quatro a seis cadeiras Odontológicas); e, Centros de Especialidades Odontológicas tipo III (mais de sete cadeiras odontológicas). Devem funcionar 40 horas semanais, sendo o número de profissionais variável em função do tipo de Centro de Especialidades Odontológicas 11.
Atualmente no Brasil, são mais de 584 centros de especialidades odontológicas implantados 10.
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar os Centros de Especialidades Odontológicas em funcionamento no Estado de Pernambuco, comparando o cumprimento global das metas propostas para cada tipo de Centro de Especialidades Odontológicas em função das características dos serviços e dos municípios onde foram implantados.
Material e métodos
Este estudo foi do tipo descritivo, quantitativo, de caráter avaliativo normativo, o qual utilizou dados secundários, a partir da série histórica da produção de procedimentos odontológicos (quantidade apresentada) realizados nos centros de especialidades odontológicas de Pernambuco registrados pelo SIA/SUS no ano de 2006.
A coleta dos dados foi realizada diretamente no banco de dados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), informações do SIA/SUS, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) dos Centros de Especialidades Odontológicas pesquisados. Como critério de inclusão para o estudo, foi admitido que todos os Centros de Especialidades Odontológicas implantados até o ano de 2006, com produção mínima de três meses disponíveis no banco de dados do DATASUS seriam incluídos, resultando em 22 Centros de Especialidades Odontológicas.
Os dados foram obtidos e tabulados pelo programa Tab para Windows - TABWIN (Ministério da Saúde, Brasil) sendo exportados para o programa Excel, versão 2000 (Microsoft Corp., Estados Unidos), onde foi feita consolidação e agrupamento de acordo com os subgrupos de procedimentos odontológicos que deveriam ser avaliados: subgrupo de procedimentos de Atenção Básica [procedimentos individuais preventivos (03.020.00-2), dentística básica (03.030.00-8) e odontologia cirúrgica básica (03.040.00-3)]; subgrupo de procedimentos de periodontia (10.020.00-4); subgrupo de procedimentos de endodontia (10.040.00-5); e, subgrupo de procedimentos de cirurgia oral menor [odontologia cirúrgica (10.050.00-0), traumatologia buco-maxilofacial (10.060.00-6) e procedimentos/cirurgias de pele tecido subcutâneo e mucosa (08.010.00-1)].
A avaliação normativa consistiu na análise da produção média mensal por subgrupo de procedimentos odontológicos em função das metas de desempenho estabelecidas para cada tipo de Centros de Especialidades Odontológicas, segundo Portaria nº. 600/GM de 2006 12, em relação ao cumprimento global da meta.
Foi construído um indicador denominado Cumprimento Global das Metas que era o resultado da operacionalização do quociente resultante da média mensal de procedimentos realizados de cada subgrupo de especialidades odontológicas pelo número de procedimentos correspondente à meta deste subgrupo multiplicado por 100. Consideraram-se meta atingida aqueles centros de especialidades odontológicas que cumpriram percentual igual ou superior a 100% da meta normatizada para cada subgrupo de procedimentos odontológicos especializados. A partir daí, classificou-se o desempenho dos serviços em: desempenho ruim (Centros de Especialidades Odontológicas que cumpriram apenas 1 meta); desempenho regular (Centros de Especialidades Odontológicas que cumpriram 2 metas); desempenho bom (Centros de Especialidades Odontológicas que cumpriram 3 metas); e, desempenho ótimo (Centro de Especialidades Odontológicas que cumpriram a totalidade das metas).
Existe uma meta mensal por subgrupo para cada tipo de Centro de Especialidades Odontológicas, a saber: Centro de Especialidades Odontológicas tipo I, 80 procedimentos do subgrupo atenção básica; 60 procedimentos do subgrupo periodontia; 35 procedimentos do subgrupo endodontia e 80 procedimentos do subgrupo cirurgia oral menor; Centro de Especialidades Odontológicas tipo II, 110 procedimentos do subgrupo atenção básica; 90 procedimentos do subgrupo periodontia; 60 procedimentos do subgrupo endodontia e 90 procedimentos do subgrupo cirurgia oral menor; e, Centro de Especialidades Odontológicas tipo III, 190 procedimentos do subgrupo atenção básica; 150 procedimentos do subgrupo periodontia; 95 procedimentos do subgrupo endodontia e 170 procedimentos do subgrupo cirurgia oral menor.
As variáveis independentes consistiram em características estruturais dos serviços e contextuais dos municípios. As características estruturais do serviço foram: tipo de Centro de Especialidades odontológicas, ou seja, se o centro de especialidades Odontológicas era Tipo I, II ou III; tempo de implantação do serviço, correspondente ao tempo oficial de seu credenciamento segundo portaria ministerial; tempo de funcionamento, quando de fato começou a funcionar; Período da análise da produção ambulatorial (meses disponíveis no DATASUS); solicitação de antecipação financeira para credenciamento do serviço, se foi solicitada ou não; tipo de credenciamento, habilitação de serviço já existente ou serviços novos.
As variáveis para caracterização dos municípios foram: situação do município no Plano Diretor de Regionalização; cobertura populacional das equipes de saúde bucal no PSF (municípios com cobertura acima ou abaixo de 50% de sua população); porte populacional, distribuídos em municípios com até 30 mil habitantes, entre 30-50 mil habitantes, 50-100 mil habitantes e municípios maiores que 100 mil habitantes; Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal do ano de 2000; e, tipo de gestão municipal, municípios plenos segundo a Norma Operacional Básica /96 (NOB/96), plenos segundo a Norma Operacional da Assistência à Saúde/2001 (NOAS/2001) e Planos da Atenção Básica Ampliada.
As variáveis independentes foram construídas após leitura e análise das portarias instituídas aos Centros de Especialidades Odontológicas até 2006. Estes documentos são como instrumento jurídico-legais, administrativos e normativos para implantação, organização e monitoramento dos centros de especialidades odontológicas.
As portarias que foram utilizadas nesta pesquisa foram: Portaria nº. 599/GM 11, que definiu a implantação de especialidades odontológicas (centros de especialidades odontológicas) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias e estabeleceu critérios, normas e requisitos para seu credenciamento (esta revogou a Portaria nº. 1.570/GM de 2004); Portaria nº. 600/GM 12, que instituiu o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas (esta revogou a Portaria nº. 1.571/GM de 2004); e Portaria nº. 283/GM 13, que passou a permitir a solicitação de antecipação financeira para implantação desses serviços.
As análises estatísticas operacionalizadas foram do tipo exploratória descritiva com apresentação de proporções e tabelas; e a análise do tipo correlacional não paramétrica (coeficiente de Sperman) para as varáveis ordinais de categorização do município: IDH e porte populacional. Para esta análise, utilizou-se um nível de significância de 5%, operacionalizada no programa estatístico Statistical Package for Social Scienses - SPSS versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).
Resultados
Foram estudados 22 Centros de Especialidades Odontológicas, onde a maioria era do Tipo II (59,1%), com um tempo de implantação superior a 12 meses (86,4%), segundo publicação em diário oficial. No entanto, quando investigamos a data de inauguração do serviço apenas 40,9% tinham 1 ano (ou mais) de funcionamento, indicando uma certa demora entre o tempo de habilitação e início de seu funcionamento. O período da análise da produção disponível variou de 3 a 12 meses. A antecipação financeira foi solicitada para 54,5% dos centros de especialidades odontológicas e 63,6% eram serviços novos.
A despeito das características municipais, a quase totalidade era município-referência de média complexidade em odontologia segundo o Plano Diretor de Regionalização de Pernambuco (86,4%), porém 13,6% dos municípios descumpriram este requisito para implantação do Centro de Especialidades Odontológicas. Levando-se em consideração a cobertura municipal de equipes de saúde bucal no PSF, 59,1% tinham cobertura municipal superior a 50%. A maioria dos Centros de Especialidades Odontológicas estava localizada em cidades com mais de 100 mil habitantes (54,5%) e estava habilitada na Gestão Plena do Sistema segundo a NOB/96 (59,1%). O IDH municipal variou de 0,561 a 0,797, com 54,5% dos municípios com IDH acima de 0,7.
Medido o Cumprimento Global das Metas, pôde ser verificado que dos 22 Centros de Especialidades Odontológicas estudados em Pernambuco, cerca de 40,9% dos Centros de Especialidades Odontológicas obtiveram desempenho bom, porém 31,8% dos Centros de Especialidades Odontológicas obtiveram desempenho ruim. Considerando os achados por subgrupo de meta, foi observado que 81,8% dos Centros de Especialidades Odontológicas cumpriram a meta do subgrupo atenção básica, seguido de percentuais menores ao subgrupo periodontia (68,2%) e endodontia (63,6%). Ressaltando-se que para o subgrupo cirurgia oral menor os Centros de Especialidades Odontológicas apresentaram o menor percentual de cumprimento (13,6%).
A análise do cumprimento global das metas segundo tipo de Centro de Especialidades Odontológicas apontou que dentre os Centros de Especialidades Odontológicas Tipo I nenhum teve ótimo desempenho. Dentre os Centros de Especialidades Odontológicas Tipo II, 46,2% tiveram desempenho bom. Salienta-se, no entanto, que neste grupo estão os Centros de Especialidades Odontológicas que tiveram desempenho ótimo. Todavia, o Centro de Especialidades Odontológicas Tipo III teve desempenho ruim.
Por outro lado, receber ou não antecipação financeira parece não estar associado ao melhor desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas, pois aproximadamente a metade dos serviços que a solicitaram tiveram um desempenho ruim. Enquanto que 60% dos Centros de Especialidades Odontológicas que não pediram esta antecipação tiveram desempenho bom. Tal fato corrobora os resultados encontrados em relação ao tipo de credenciamento, haja vista que a maioria dos serviços (pré-existentes) transformados em Centros de Especialidades Odontológicas tiveram melhores desempenhos quando comparados aos novos serviços, que tiveram desempenhos de ruim a bom.
Os achados observados sugerem que os Centros de Especialidades Odontológicas que funcionavam há mais tempo (superior a 1 ano) têm melhor cumprimento global das metas, pois obtiveram desempenho bom, adicionando-se que os Centros de Especialidades Odontológicas com desempenho ótimo estavam neste grupo. Todos os resultados acima descritos podem ser observados na Tabela 1.
Parece que o critério situação do município no Plano Diretor de Regionalização Estadual seria adequado para normatizar a escolha dos municípios de implantação de Centros de Especialidades Odontológicas. Os achados apontaram que tanto no grupo dos municípios sede de microrregião (40%) quanto no grupo de municípios sede de módulo (55,6%), obtiveram resultados melhores. Ressalta-se que a totalidade dos municípios satélites teve desempenho ruim.
Em contrapartida, analisando-se a cobertura de equipes de saúde bucal no PSF, tal fator parece não influenciar os resultados. Os achados mostraram que o grupo de municípios com cobertura populacional superior a 50% teve os piores resultados. Para estes, 53,8% dos serviços tiveram desempenho ruim, ao passo que para os municípios com cobertura inferior a 50% da população, 77,8% dos Centros de Especialidades Odontológicas obtiveram desempenho de bom a ótimo (Tabela 1).
Houve uma correlação estatisticamente significante entre o desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas e o porte populacional dos municípios pesquisados (µ = 0,678; p < 0,001). Quanto menor a cidade, pior o desempenho do centros de especialidades odontológicas (Tabela 2). Fato este que pode fortalecer os achados segundo situação do município no Plano Diretor de Regionalização Estadual; e, ainda quando foi considerado o tipo de gestão, pois os piores desempenhos foram observados nos 83,3% municípios com Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, com desempenho ruim.
Considerando o IDH municipal, correlação estatisticamente significante também foi observada (µ = 0,599; p < 0,001) em relação ao cumprimento global das metas. Quanto maior o IDH municipal, melhor o desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas daqueles municípios (Tabela 2).
Discussão
O perfil da assistência odontológica em serviços públicos no Brasil tem-se restringido quase que exclusivamente à atenção básica, ainda assim, com grande demanda reprimida, pois alguns estudos demonstraram que a utilização de serviços odontológicos reflete as desigualdades sociais 7,8. Particularmente em Pernambuco, quando foi avaliada a proporção de usuários que nunca foram ao dentista, a situação manteve-se inalterada (21%) entre o período 1998-2003, diferentemente da média nacional que obteve redução da ordem de 15% 6. Adiciona-se a isto a baixa capacidade de oferta dos serviços especializados que compromete, por conseguinte, o estabelecimento de adequados sistemas de referência e contra-referência em saúde bucal na quase totalidade dos sistemas loco-regionais de saúde, fato evidenciado por alguns estudos brasileiros 10,14,15.
A interface ideal entre os serviços de atenção básica e secundária deve levar em consideração algumas características: equidade - onde todos os casos, diagnosticados apropriadamente, devem ser referenciados a um nível de maior complexidade sem barreiras para este referenciamento; integralidade - todo tratamento requerido deve estar disponível e acessível, seja no nível básico ou secundário, onde o fluxo entre os níveis é facilmente conseguido; e, finalmente, esta interface deve ser eficiente e eficaz - garantindo-se que as referências sejam apropriadas e devidamente oportunas e com mecanismos de triagem adequados, a contra-referência também é assegurada após o tratamento completado, ou até mesmo, ao longo do mesmo 16.
Muito embora, o desempenho de cada centro de especialidades odontológicas seja avaliado apenas por metas dos subgrupos de procedimentos odontológicos (SIA/SUS) 12, não contemplando inclusive a totalidade dos serviços que deveriam ser ofertados, este pode demonstrar de imediato a problemática vivenciada por estes serviços ao seu papel como centro de referência especializada em saúde bucal. Neste estudo, observou-se que 40,9% dos Centros de Especialidades Odontológicas estudados obtiveram um desempenho bom, salientando que o melhor cumprimento de metas foi obtido pelo subgrupo atenção básica em detrimento dos demais, principalmente a cirurgia oral menor.
A complexidade dos serviços odontológicos está diretamente associada ao tipo de procedimento a ser realizado, bem como sua relação com outros fatores, tais como: características dos equipamentos e disponibilidade de profissionais especializados, buscando-se a otimização do atendimento, articulando a ação multiprofissional no diagnóstico e na terapêutica, de forma que implique diferentes conhecimentos e formas de reabilitação oral 17.
O modelo Donabediano 18,19 para avaliação de qualidade de serviços de saúde considera que as condições estruturais, ou seja, aquelas condições que constroem e condicionam o universo de práticas a ser avaliado (recursos financeiros, humanos, físicos, organizacionais, entre outros), podem favorecer os dados relativos aos processos que definem essas práticas; e, conseqüentemente à medida que permitem a mensuração de resultados das mesmas. Porém alguns autores têm discordado deste modelo de avaliação, seja pelo seu direcionamento da inter-relação entre os fatores avaliados, priorizando o fator processo 20, seja por entendê-lo reducionista, pois desconsidera as relações existentes entre a intervenção e o contexto no qual ela se situa, diminuindo sua cientificidade 21.
Porém, Uchimura & Bosi 22 sustentam que a análise de programas ou de seus constituintes à luz de critérios e normas, seja estes cientificamente estabelecidos ou não, consiste, sim, em uma atividade científica, que requer, para sua execução, determinado rigor metodológico.
A literatura referencia 23 que a organização de sistemas e redes de serviços de saúde a partir da atenção primária, preferencialmente por modelos assistenciais piramidais, hierarquizados, de base loco-regional, com a garantia de efetividade e qualidade de atenção, poderiam contribuir para redução na demanda por referência para a atenção secundária e terciária. Por outro lado, esta reorganização contribuiria apenas na transformação da demanda espontânea em demanda referenciada aos serviços de maior complexidade. Haveria também uma priorização de investimentos tanto em recursos humanos, estruturais e materiais, como construção de novos equipamentos, na medida em que seria mais fácil perceber onde estariam localizadas as reais necessidades da população 24. Caso semelhante poderia ser percebido em se tratando de um modelo de atenção em saúde bucal 1,16. Porém como não há um consenso entre autores para esta questão, mais estudos no Brasil seriam necessários para comprovação disto.
Embora a maior cobertura populacional pela equipe de saúde bucal no PSF tenha sido normatizada como critério de implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas 11, nos municípios de menor cobertura de equipe de saúde bucal no PSF, os Centros de Especialidades Odontológicas podem se transformar em equipamentos capazes de diminuir as barreiras ao acesso e oferta de ações básicas 25, devendo este critério de implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas ser revisto.
Uma cobertura populacional mínima não foi instituída nos Centros de Especialidades Odontológicas, porém utilizamos o porte populacional como fator de análise de desempenho, como também, o IDH municipal. Foi observada em nossa pesquisa uma correlação da ordem de 67,8% para a associação com porte municipal e de 60 % ao IDH municipal, indicando que quanto menor o município ou menor o seu desenvolvimento humano, pior o desempenho dos Centros de Especialidades Odontológicas. Tais resultados reforçam a análise feita em relação à situação no Plano Diretor de Regionalização Estadual. Uma alternativa a esta situação seria o reforço do Governo Estadual e das Comissões Intergestoras Bipartite Estadual e Regional, tanto no cumprimento do Plano Diretor de Regionalização pactuado, quanto ao estímulo a criação de consórcios intermunicipais em saúde para efetivação da regionalização da atenção secundária em saúde bucal 26,27.
O uso de sistemas de informação em saúde, a exemplo do SIA/SUS, pode ser descrito com um fator limitante deste estudo, visto que os dados disponíveis são de procedimentos realizados, restringindo a análise da utilização dos serviços, não permitindo um levantamento de perfis de morbidade. Além disso, em sua origem, foi implantado para fins de pagamento dos procedimentos realizados, o que pode interferir no registro dos dados, seja no supra ou sub-registro 28.
No entanto, em face de rápida e ágil captação de informações, o SIA/SUS fornece aos gestores um material imprescindível para a tomada de decisão, objetivo principal dos processos avaliativos de programas e serviços de saúde, sobretudo se associados a outras fontes documentais, sendo usado em estudos sobre a utilização de serviços em saúde bucal 29,30. A escolha por este método neste estudo foi coerente com os nossos objetivos, visto que uma análise quantitativa e normativa das metas dos Centros de Especialidades Odontológicas, construídas a partir dos procedimentos do SIA/SUS, associadas a outras fontes de informações, permitiu uma avaliação da atenção secundária em saúde bucal em Pernambuco, possibilitando uma orientação para organização do modelo de atenção em saúde bucal nos municípios.
Considerações finais
Do total dos Ccentros de Especialidades Odontológicas analisados, 40,9% obtiveram desempenho bom, porém 31,8% dos Centros de Especialidades Odontológicas tiveram desempenho ruim. O melhor cumprimento de metas foi obtido pelo subgrupo atenção básica em detrimento dos demais subgrupos, principalmente a cirurgia oral menor.
As características municipais apontaram que quanto menor a cidade e menor desenvolvimento humano, piores desempenhos foram observados, corroborando os resultados sobre a situação municipal no Plano Diretor de Regionalização Estadual. Exceção ocorreu naqueles com menores coberturas populacionais das equipes de saúde bucal no PSF.
A principal contribuição deste estudo foi abrir a discussão sobre o papel dos Centros de Especialidades Odontológicas como estratégia instituída na oferta da atenção secundária no modelo brasileiro de atenção em saúde bucal, onde ainda se percebe a necessidade de adequação dos critérios e normas para implantação e monitoramento destes serviços. Ademais, novas pesquisas seriam essenciais, sobretudo quanto ao uso de protocolos clínicos específicos; implantação e efetividade de protocolos de referência e contra-referência; avaliação para qualidade da atenção; grau de satisfação de usuários.
Colaboradores
N. Figueiredo elaborou a pergunta de investigação, coletou os dados e os analisou conjuntamente com P. S. A. Góes que orientou a condução da pesquisa e revisou o texto.
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Correspondência
N. Figueiredo
Programa de Pós-graduação em Odontologia
Faculdade de Odontologia
Universidade de Pernambuco.
Rua José Bonifácio 125, apto. 1602, Recife, PE
50710-000, Brasil.
nilcema@uol.com.br
Recebido em 13/Nov/2007
Versão final reapresentada em 30/Jun/2008
Aprovado em 08/Jul/2008