ARTIGO ARTICLE
Conhecimento objetivo e percebido sobre contraceptivos hormonais orais entre adolescentes com antecedentes gestacionais
Objective and perceived knowledge of oral contraceptive methods among adolescent mothers
Michelle Chintia Rodrigues de Sousa; Keila Rejane Oliveira Gomes
Programa de Mestrado em Ciências e Saúde, Universidade Federal do Piauí, Teresina, Brasil
RESUMO
A elevada freqüência de gestação precoce no Brasil e, particularmente, em Teresina (21,5%), Piauí, motivou o presente estudo, cuja meta foi identificar os níveis de conhecimento objetivo e percebido sobre contraceptivos hormonais orais, bem como variáveis reprodutivas e sócio-demográficas preditoras de elevado conhecimento. Realizou-se estudo transversal com 278 adolescentes com idade de 15 a 19 anos de idade, com antecedentes reprodutivos, internadas em quatro maternidades de Teresina, em 2006. Regressão logística foi a base da análise estatística. Quase 98% das adolescentes apresentaram baixo conhecimento tanto objetivo quanto percebido. Apenas o maior número de gestações foi preditor de elevado conhecimento objetivo para anticoncepcionais orais. Os baixos níveis de conhecimento objetivo e percebido das adolescentes sobre o uso de anticoncepcionais orais revelam a suscetibilidade das jovens ao comportamento sexual de risco. Sugere-se a utilização de abordagem mais interativa com os adolescentes para elevar o nível de conhecimento tanto objetivo quanto percebido deles, e assim reduzir a incidência e reincidência da gravidez indesejada na adolescência e suas conseqüências negativas na vida destas jovens e de sua prole.
Anticoncepcionais Orais; Gravidez na Adolescência; Comportamento Sexual
ABSTRACT
The high rate of early pregnancy in Brazil and particularly in Teresina (21.5%), Piauí State, motivated the current study, the aim of which was to identify levels of objective and perceived knowledge on oral contraceptives, as well as predictive reproductive and socio-demographic variables for high knowledge. A cross-sectional study was performed including 278 teenage mothers (15-19 years), with their childbearing history, admitted to four maternity hospitals in Teresina in 2006. Logistic regression provided the basis for the statistical analysis. Nearly 98% of the adolescent mothers showed low objective and perceived knowledge of oral contraceptives. High parity was the only predictor of increased objective knowledge on oral contraceptives. The adolescents' low level of objective and perceived knowledge on use of oral contraceptives emphasized their susceptibility to risky sexual behavior. The findings emphasize the need for a more interactive approach with adolescents concerning their level of objective and perceived knowledge, to reduce the occurrence and repetition of unwanted teenage pregnancy and its negative consequences for the lives of these young mothers and their children.
Oral Contraceptives; Pregnancy in Adolescence; Sexual Behavior
Introdução
A adolescência é desencadeada por mudanças corporais advindas da maturação fisiológica 1 e caracteriza-se como fase de transição entre a infância e a idade adulta, que é marcada por inúmeras transformações físicas e psicológicas, podendo ou não resultar em problemas futuros para o desenvolvimento do indivíduo 2, o que pode ser complicado com o surgimento de uma gravidez indesejada. Existe cerca de 1 bilhão e 200 milhões de jovens entre 10 e 19 anos, a maior geração da história, distribuídos em 85% dos países em desenvolvimento, especialmente em áreas urbanas 3. No Brasil, de acordo com o censo de 2000, os adolescentes correspondiam a 20,8% da população (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br) e em Teresina, Piauí, correspondiam a 23,42% (Departamento de Informática do SUS. Informações em saúde. População residente - Piauí. http://tabnet.datasus.gov.br/cgideftohtm.exe?ibge/cnv/pop.htm, aces-sado em 05/Mai/2006).
A associação da gravidez à adolescência amplifica as transformações próprias da adolescência, tornando-o um período crítico em que se confrontam a busca da identidade, a expectativa profissional ou a falta dela e a necessidade de responder à imposição da sociedade de tornar-se mãe 4. No Brasil, como em outros países em desenvolvimento, o impacto da gravidez neste período da vida na sociedade tem caráter negativo ao contribuir para a perpetuação da pobreza e marginalização 5. Com a elevada freqüência de gestação adolescente, há tendência à maior prevalência de problemas de crescimento e desenvolvimento, educacionais, de aprendizado, emocionais, comportamentais e complicações no ciclo gestatório-puerperal, além de maior chance de evasão escolar, má qualificação profissional e proles numerosas 6. A taxa de fecundidade no Brasil caiu de seis filhos por mulher por ano, em 1940, para 2,3 no ano 2000 7, todavia a fecundidade aumentou na adolescência, tendo a taxa de fecundidade variado de 0,07, em 1980, para 0,09, em 2000 8.
Embora este país tenha avançado com o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e com o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), na prática, os resultados são insuficientes, pois há altos índices de gravidez e infecção pelo HIV na adolescência 9,10. O PAISM tinha como objetivo assegurar as informações e o acesso aos métodos contraceptivos para as mulheres em idade reprodutiva e sexualmente ativas. O PROSAD, por sua vez, tem como população-alvo os adolescentes e como área prioritária de ação a saúde reprodutiva. Entretanto, o que tem sido mostrado é que a utilização de métodos contraceptivos não ocorre de forma adequada em razão de(o/a): própria negação do adolescente da possibilidade de engravidar; fato de os encontros sexuais serem casuais; o uso de métodos preventivos representarem assumir a vida sexual ativa e; pelo conhecimento inadequado relativo aos métodos 11.
Por conta dos riscos que correm os adolescentes e jovens, faz-se necessário que no atual contexto de direitos humanos estabelecidos e aceitos pela comunidade mundial, alguns direitos sejam garantidos tais como o de igualdade entre os gêneros e o direito à educação e saúde, incluindo informação sobre saúde sexual e reprodutiva e serviços adequados à sua idade, capacidade e circunstâncias. Ações que assegurem esses direitos podem desdobrar-se em bem-estar, redução dos níveis pandêmicos do HIV/AIDS, redução da pobreza e melhores perspectivas sociais e econômicas, fatos que fazem desta questão uma prioridade 3.
Mundialmente, a precocidade da atividade sexual e comportamento sexual de risco são reconhecidos como preditores de maior ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gravidez não planejada 12, haja vista que no mundo, em 2003, metade dos casos de portadores do HIV ocorreu entre jovens de 15 a 24 anos 3.
Dentre os métodos contraceptivos observam-se os hormonais orais como os mais conhecidos 13,14,15, bem como os mais utilizados por adolescentes 16,17, apesar de não proporcionar proteção contra as DST, o que leva a ser recomendado o uso concomitante de preservativo até mesmo para aumentar a eficácia dos contraceptivos hormonais, em especial entre adolescentes. Embora haja quem mostre o conhecimento sobre contracepção como adequado 13, outros estudos sugerem que este conhecimento seja superficial, limitando-se somente a tomar conhecimento da existência dos métodos, sem conhecer sobre uso correto, indicações, contra-indicações, efeitos colaterais 17,18. Trata-se, portanto, de conhecimento qualitativamente questionável.
Acreditava-se que o conhecimento objetivo sobre contraceptivos fosse responsável pela determinação do comportamento de risco, no entanto, estudos mais recentes têm demonstrado a inconsistência na relação do conhecimento objetivo com comportamento sexual de risco 19,20,21. As teorias cognitivas têm sugerido a importância da percepção como antecedente do comportamento; como é o caso da teoria social cognitiva e da teoria comportamental contemporânea 22. Assim, considera-se neste estudo que o conhecimento objetivo reflete aquilo que atualmente alguém sabe, conhece sobre algo; e o conhecimento percebido, que reflete o que este alguém pensa que sabe ou o quão confiante está sobre o que julga saber sobre determinado assunto 23,24.
Tem sido mostrado que elevado nível de conhecimento percebido na vigência de baixo conhecimento objetivo provocaria comportamento de risco, enquanto elevado conhecimento objetivo e baixo percebido teria efeito protetor 25. Poucos estudos têm relacionado o comportamento sexual do adolescente com o correspondente conhecimento percebido. E dentre estes, todos estudaram o conhecimento apenas para preservativos, ainda que os contraceptivos hormonais orais sejam os mais conhecidos e mais utilizados 16.
A expressiva freqüência de gravidez na adolescência no Brasil, em torno de 21% 9, e particularmente em Teresina, com 21,5% (Departamento de Informática do SUS. Nascidos vivos - Piauí. http://tabnet.datasus.gov.br/cgideftohtm.exe?sinasc/cnv/nvpi.htm, acessado em 05/Jan/2006); a importância do conhecimento no comportamento sexual de risco do adolescente; e a inexistência de estudos que verifiquem os níveis de conhecimento objetivo e do conhecimento percebido sobre métodos contraceptivos hormonais orais na literatura nacional (base de dados de MEDLINE e LILACS nos últimos dez anos) justificam o estudo entre adolescentes com antecedentes gestacionais em Teresina, buscando identificar, ainda, seus possíveis fatores preditores dentre características reprodutivas e sócio-demográficas.
Metodologia
Realizou-se um estudo transversal com mulheres entre 10 e 19 anos com antecedentes gestacionais internadas em maternidades de Teresina. Tal pesquisa faz parte de um grupo de projetos sobre gravidez na adolescência, em desenvolvimento no Programa de Mestrado em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Piauí.
Considerou-se 21,5% de freqüência de gravidez na adolescência em Teresina e o número total de adolescentes (N = 5.341) que foram internadas para tratamento clínico ou resolução de gravidez, no ano de 2004, nas maternidades inclusas no estudo. Para o cálculo da amostra, utilizou-se o programa Epi Info 6.04d (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), adotando-se intervalo de 95% de confiança (IC95%), incidência de 50% do evento (visto que não há dados na literatura a respeito e este valor maximiza a amostra), precisão de 7%, efeito de desenho de 1,5 e nível de significância de 5% 26. Assim, estimou-se amostra probabilística e estratificada proporcional 27 composta de 285 adolescentes, das quais excluíram-se sete adolescentes com idade inferior a 15 anos a fim de facilitar a comparação com a maioria dos estudos disponíveis, fato que não causou prejuízo ao estudo.
Entre janeiro e março de 2006, um formulário semi-estruturado pré-testado foi aplicado à população descrita. O termo de consentimento esclarecido foi mostrado ou lido para as pacientes e seus responsáveis e devidamente assinado. Às adolescentes com idade abaixo de 18 anos foi solicitada, por escrito, a autorização ao seu responsável.
As variáveis estudadas englobam características reprodutivas e sócio-demográficas (variáveis independentes) e conhecimento, objetivo e percebido (variáveis dependentes), sobre contracepção hormonal oral. Como variáveis reprodutivas, avaliaram-se número de filhos, realização de pré-natal, desejo da gravidez. Como variáveis sócio-demográficas, avaliou-se qual a escolaridade da adolescente e de sua mãe, se residia com o companheiro, se estudava no momento e se trabalhava.
Os dados referentes à escolaridade foram recategorizados em pior e melhor escolaridade. A pior escolaridade corresponde à categoria que inclui desde a não-alfabetização ao Ensino Fundamental completo, e a melhor escolaridade, consiste na categoria que inclui desde o ingresso no Ensino Médio até ter o nível superior completo.
O conhecimento objetivo sobre métodos contraceptivos foi classificado de acordo com estudo realizado por Rock et al. 24. Foram feitas quatro perguntas relativas aos anticoncepcionais orais; considerando-se perguntas relativas às principais características inerentes aos anticoncepcionais orais e os principais motivos de uso incorreto dos métodos contraceptivos 16,28,29. As possibilidades de respostas foram: verdadeiro, falso, não sabe. As perguntas e suas devidas respostas 30,31 estão listadas na Tabela 1. Foram somadas as respostas corretas: o somatório igual a quatro foi considerado alto nível de conhecimento objetivo e o somatório igual a três ou menor foi considerado baixo nível de conhecimento objetivo, conforme metodologia original 24. O parâmetro norte-americano foi mantido por causa do erro na prática de qualquer uma das questões relativas ao método ser suficiente para gerar problemas à vida da mulher ou do casal, incluindo uma gravidez indesejada.
Para o conhecimento percebido, foi feito ao final de cada pergunta do formulário, o questionamento sobre o quanto ela se sentia confiante na resposta que deu. As respostas poderiam enquadrar-se em um dos seguintes itens da escala de Likert 32: nada confiante, pouco confiante, moderadamente confiante, muito confiante e completamente confiante. Criou-se uma escala pictórica para permitir melhor entendimento das gradações da escala de Likert. Foi calculado o alfa de Cronbach para avaliar a adequação da escala 33. Realizou-se, então, a média para as respostas referentes ao método hormonal oral. Esta média foi enquadrada numa nova escala de 0 a 4, pela qual o elevado nível de conhecimento percebido equivaleu ao escore 4; os demais escores corresponderam a baixo nível de conhecimento percebido. Esse critério de análise se baseia no utilizado em estudo americano 24 realizado com adolescentes do sexo masculino sobre uso de preservativo.
Após a coleta, os dados foram digitados em dois bancos de dados no programa Epi Info 6.04d, por pessoas diferentes, de modo a permitir a checagem de inconsistências, para em seguida serem feitas as devidas correções.
Para a análise univariada, foi utilizada estatística descritiva. Na análise bivariada, foram utilizados os testes qui-quadrado, ou exato de Fisher, conforme adequação. Regressão logística foi utilizada para a identificação de possíveis associações entre o conhecimento objetivo e percebido sobre métodos contraceptivos e as características sócio-demográficas e reprodutivas. O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para avaliar possível correlação entre as variáveis sócio-demográficas e reprodutivas e entre o conhecimento objetivo e percebido acerca do método avaliado. Para a análise estatística, utilizou-se o programa SPSS versão 8.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Piauí e por ele aprovado.
Resultado
Foram avaliadas 278 adolescentes. A Tabela 2 mostra que a média de idade entre elas foi de 17,5 anos (desvio-padrão - DP = 1,3), 69,1% moravam com o companheiro, apenas 33,4% relataram freqüentar a escola, mas 34,9% possuíam a pior escolaridade. Das cerca de 66,6% das garotas que não estavam estudando, 77,9% interromperam os estudos no Ensino Fundamental. Dentre as que abandonaram a escola, nenhuma chegou a ingressar em curso de nível superior. Quanto à escolaridade da mãe da adolescente, 69,1% possuíam a pior escolaridade, apenas 17,6% possuíam a melhor escolaridade do grupo de estudo, e cerca 13% das adolescentes não conheciam a escolaridade materna. Das adolescentes entrevistadas 67,6% eram primíparas, 91,4% tiveram acesso à consulta pré-natal e 42,4% informaram que não queriam aquela gravidez (Tabela 2).
De quatro perguntas sobre métodos contraceptivos hormonais para avaliação do conhecimento objetivo, a média de respostas certas foi de 1,5 (DP = 0,9), com 98,2% das adolescentes tendo apresentado conhecimento objetivo e percebido baixo (Tabela 3). Para as questões feitas às adolescentes, mostradas na Tabela 1, obtiveram-se o seguinte percentual de acerto: primeira (32%); segunda (40%); terceira (35%) e quarta (44%).
No modelo de regressão logística, evidenciou-se significância apenas para associação positiva entre o número de gestações e o conhecimento objetivo para anticoncepcionais (Tabela 4). Não se verificaram correlações entre as variáveis dos modelos de regressão. Para o teste de correlação de Pearson, considerou-se nível de significância de 5%.
Discussão
Houve expressivo número de adolescentes residindo com o companheiro, situação que confronta resultados de estudo em que 74,2% das mulheres com menos de vinte anos residiam com a família de origem 34. A precocidade das uniões conjugais pode contribuir para perpetuação de desvantagem social, já que ao limitar-se ao papel de mãe e dona de casa, as adolescentes abandonam os estudos e possibilidades de qualificação profissional 35,36, e prejuízo ao potencial produtivo destes jovens. Somando-se à precocidade das uniões, observaram-se outros fatores que potencialmente contribuem para a desvantagem produtiva e social das jovens, visto que a minoria trabalhava, apesar de mais da metade das garotas ser maior de idade.
Apesar de a Lei Federal nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional 37, preconizar que a universalidade da educação do Ensino Fundamental é dever do Estado, observou-se número significativo de adolescentes com pior escolaridade. É relevante discutir, ainda, que a interrupção dos estudos ocorreu entre mais de 60% dos casos estudados, corroborando outros estudos que afirmam que o abandono dos estudos contribui para comprometer tanto a educação e o alcance de melhores postos de trabalho por essas jovens quanto por sua prole, o que constitui um meio de manutenção do ciclo de má instrução e pobreza 35,36,38. Tem sido mostrado que a taxa de fecundidade é inversamente proporcional ao nível de escolaridade das pessoas 39.
Adolescentes que não estudavam nem trabalhavam foram maioria no grupo de estudo, fator que agrava o desfavorecimento no mercado de trabalho e manutenção da dependência financeira da família de origem ou do companheiro, além de propiciar exposição a outros riscos sociais como violência, uso de drogas, privações afetivas e culturais 40.
A baixa escolaridade das mães das adolescentes está caracterizada pelo grande número de não alfabetizadas ou com menos de quatro anos de estudo. Este fato é preocupante, particularmente por ser a educação sexual e de saúde reprodutiva, em parte, dependente da educação familiar 39,41.
Como a população estudada é jovem, esperava-se que a maioria das adolescentes fossem primíparas e que fossem reduzidos os casos com reincidência, no entanto, a cada três adolescentes, uma era reincidente, resultado em conformidade com outros estudos 38,42. Combater a reincidência constitui grande desafio das políticas de planejamento familiar, em especial na adolescência, porque quando não se alcança a inclusão social da adolescente grávida, há maior tendência a recidivas e, muitas vezes, em pior situação que a primeira 43.
Entre quase metade das adolescentes participantes do estudo, o desejo de engravidar era evidente, provavelmente porque a união a um parceiro poderia representar independência da família de origem, efetividade de sua identidade feminina, bem como a via de acesso à feminilidade 44. Por outro lado, a maioria não queria a gravidez, pelo menos para este momento da vida. Destacam-se como conseqüências imediatas da gravidez indesejada o aborto clandestino, a falta de cuidados pré-natais, a desestruturação pessoal e familiar, a adoção e o abandono do bebê 45.
Número expressivo das adolescentes do estudo tinha realizado pelo menos seis consultas pré-natais. Apesar de esta circunstância contribuir para redução das complicações médicas no ciclo gravídico-puerperal, ainda não tem alcançado o êxito esperado na contribuição para educação sexual e reprodutiva e, por conseguinte, na prevenção de reincidência de gravidez na adolescência. Outro estudo realizado com a mesma amostra do presente estudo mostrou que o pré-natal e a escola foram as maiores fontes de informações sobre contracepção; todavia isso não interferiu nem nas atitudes nem nas práticas relativas à contracepção. A autora sugeriu que as informações divulgadas pelo pré-natal ou são de má qualidade ou não há interação com a adolescente 46. Estudo realizado com jovens de três capitais brasileiras revela que quase 50% das informações adquiridas por mães adolescentes não provêm dos pais ou da escola, o que denota o quanto o pré-natal, se eficiente, pode contribuir para o conhecimento da adolescente sobre contracepção 41.
O inexpressivo conhecimento objetivo e percebido relativo a anticoncepcionais hormonais aponta para potenciais falhas nas políticas de saúde reprodutiva e sexual vigentes no Brasil, seja no setor saúde, seja no setor educacional. Logo, ao se observar que adolescentes podem estar engravidando mesmo sem desejarem a gravidez para aquele momento, mas que têm acesso aos serviços de saúde públicos, visto que fizeram pelo menos seis consultas de pré-natal, e que freqüentam ou freqüentaram uma escola, estas oportunidades de se investir em educação sexual e reprodutiva das jovens podem estar sendo perdidas, situação que se reverte em prejuízos para as adolescentes a longo prazo.
O Ministério da Saúde tem preconizado planejamento familiar com a integração de eixos participativos: adolescentes, pais, educadores e profissionais de saúde e a individualização do adolescente quanto a seus valores, crenças e atitudes determinantes de seu comportamento sexual 47. Além disso, lança o desafio de estimular a educação formal e o autoconhecimento destes jovens. Contudo, na prática, este alcance não tem se concretizado. O programa ainda se mantém distante do adolescente e de suas famílias, pois não há espaço para participação ativa do adolescente no conhecimento e na escolha de contraceptivos. O pacto com a escola não tem funcionado, pois falta capacitação de educadores e profissionais de saúde, que parece ser um dos fatores cruciais para a problemática 48,49.
Situações emblemáticas da situação das jovens participantes quanto à falta de acesso à informação sobre contracepção é que dois terços delas negaram a existência da contracepção de emergência, também denominada pílula do dia seguinte. Adicionalmente, quantia semelhante de garotas erraria na prática sobre o que fazer caso se esquecesse de tomar uma pílula da cartela. Tais situações têm elevado potencial de levar a gestações indesejadas, porém evitáveis.
O Brasil parece ter problemas semelhantes a outros países em desenvolvimento quando se identifica que estudo realizado em Israel 50 mostrou que não há variação nas concepções erradas de adolescentes sobre o uso de contraceptivos hormonais orais, quando se consideram os agrupamentos por idade, por ser ou não usuária do método e ainda se considerado o tempo de uso do método. Os autores sugerem que as adolescentes com deficiências no uso do método devessem ser o centro de ações educativas nas escolas e serviços de saúde israelenses.
Quanto ao conhecimento percebido, as adolescentes subestimam seu conhecimento em relação a anticoncepcionais hormonais orais, o que é demonstrado pelos baixos níveis de conhecimento percebido. Quase todas as adolescentes do estudo não demonstraram sentirem-se seguras quanto ao conhecimento delas sobre uso de contraceptivos hormonais orais, entretanto tem sido demonstrado que outros fatores como a auto-eficácia, habilidades e meio social também influenciam o comportamento sexual 24. Sabe-se que as políticas de saúde reprodutiva, ao promoverem o autoconhecimento, fortalecem a auto-estima e autodeterminação e, por conseguinte, favorecem autonomia na escolha contraceptiva. O conhecimento percebido baixo revela a incerteza da adolescente quanto à informação que tem, sobretudo entre aquelas que responderam corretamente às questões de avaliação do conhecimento objetivo.
O número de gestações foi associado significativamente ao conhecimento objetivo, sugerindo que a experiência prévia da gestação tenha motivado a busca por mais conhecimento sobre contracepção ou que as informações veiculadas pelo pré-natal tenham contribuído para a evolução de seu conhecimento. O modelo de regressão logística confirmou a variável número de gestações como a única variável preditora para alto conhecimento objetivo em relação a anticoncepcionais orais. As adolescentes tiveram 17 vezes mais chance de ter alto conhecimento em relação àquelas que estavam na primeira gestação. Porém, o intervalo de confiança muito elevado induz interpretações restritivas, dado que sugere grande variabilidade probabilística. Esta grande variabilidade sugere amostra insuficiente para determinar a associação, além de que a maioria das adolescentes deste modelo tinha baixo conhecimento objetivo, tornando a amostra relativamente homogênea, o que se torna uma limitação do estudo. Mas outro estudo realizado com esta mesma amostra verificou que ter gravidez prévia atuou como fator preditivo positivo para prática contraceptiva, especialmente quando não era da vontade da paciente engravidar novamente 46. Assim, espera-se que de fato as adolescentes busquem mais conhecimento após a experiência de concepção.
Não se verificaram variáveis preditoras de alto conhecimento percebido para métodos contraceptivos hormonais orais por conta de a amostra homogênea, com baixo conhecimento percebido, limitar a detecção de diferenças sutis. Estudos com amostras maiores e mais heterogêneas poderão detectar tais fatores mais facilmente.
Não se dispõe de estudos, nem mesmo internacionais, que tenham avaliado conhecimento objetivo e percebido sobre contraceptivos hormonais orais, o que impossibilita comparações mais específicas com o presente estudo.
O inexpressivo conhecimento objetivo e percebido acerca de anticoncepcionais orais que foi observado neste estudo aponta que é preciso investir em educação sexual nas escolas, bem como, em técnicas mais acessíveis de informação a fim de se alcançar o público adolescente e assegurar-lhes alto conhecimento objetivo. O sucesso dessas metas estaria refletido no conhecimento percebido satisfatório, que assim permitiria à adolescente ciência de seu conhecimento e, portanto, segurança em utilizar os contraceptivos. As técnicas de informação devem priorizar método participativo, relacionamento humano, troca de idéias sobre sexualidade e contracepção, para permitir conhecimento, autonomia e responsabilidade da adolescente diante do planejamento familiar. Por outro lado, faz-se necessário que tanto a escola quanto o serviço de saúde tenham profissionais treinados para lidar com adolescentes, para acolhê-los com suas dúvidas sobre como desfrutar de sua sexualidade de forma segura, sem que eles se sintam discriminados ou rejeitados por sua condição de adolescentes.
Colaboradores
M. C. R. Sousa conduziu a revisão da literatura, o desenvolvimento do projeto, a análise dos dados e elaborou a versão inicial do manuscrito. K. R. O. Gomes adaptou a metodologia original ao projeto, participou de seu desenvolvimento, além da análise dos dados. Ambas as autoras elaboraram e aprovaram a versão final do manuscrito.
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Correspondência:
M. C. R. Sousa
Programa de Mestrado em Ciências e Saúde
Universidade Federal do Piauí
Av. Frei Serafim 2280
Teresina, PI 64001-020, Brasil
mestradosaude@ufpi.br
Recebido em 29/Fev/2008
Versão final reapresentada em 25/Jun/2008
Aprovado em 01/Jul/2008