RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Silvia Cristina Yannoulas

Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. silviayannoulas@unb.br

 

 

ÉTICA EM PESQUISA: TEMAS GLOBAIS. Diniz D, Sugai A, Guilhem D, Squinca F, organizadoras. Brasília: LetrasLivres/Editora UnB; 2008. 404 pp. (Coleção Ética em Pesquisa, 4).

Comentar a mais nova publicação da parceria Editora UnB e LetrasLivres é motivo de dupla alegria: pela qualidade dos textos incluídos no livro e pela satisfação de ser uma dos 273 participantes do I Curso de Atualização a Distância em Ética em Pesquisa, que tiveram o privilégio de discutir em primeira mão os dez módulos ou capítulos principais que compõem Ética em Pesquisa: Temas Globais. O mencionado curso, executado no segundo semestre de 2008, foi uma realização da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, e da Universidade de Brasília (UnB) e contou com recursos do Ministério da Saúde (DECIT/MS), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

O livro, que contém 404 páginas, está organizado em agradecimentos, introdução, dez capítulos e posfácio, seguidos de glossário e referência biográfica dos autores. É acompanhado de um DVD com entrevistas e debates realizados pela UnBTV. A obra é produto do diálogo de um extenso número de pessoas, especialmente: das quatro organizadoras do livro (Debora Diniz, Andréa Sugai, Dirce Guilhem e Flávia Squinca, pesquisadoras da Universidade de Brasília e professoras do curso) e dos autores dos capítulos (16 no total, procedentes de países tão distantes como Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Escócia, Filipinas e Reino Unido).

Focado nas atuais discussões da ética em pesquisa, não podemos dizer que se trata de uma obra exclusivamente da bioética ou de interesse primordial para as Ciências da Saúde. A multiplicidade de autores e pessoas dialogando através do texto inclui aportes provenientes de diferentes áreas e disciplinas científicas: antropologia, biologia, ciência política, direito, economia, enfermagem, filosofia, medicina, nutrição, psicologia, serviço social, sociologia. Todos esses aportes confluem de maneira harmoniosa, porém nem sempre consensual, para discutir um tema transversal e intrínseco à pesquisa científica: a ética em pesquisa, seus avanços, recuos, desafios, potencialidades. Assim, não se trata de mais uma coletânea que reúne artigos dispersos sobre um tema da moda: trata-se de uma obra complexa, que reflete a idealização e a execução de um curso de maneira coordenada, curso pensado em cada detalhe para conduzir um grupo muito heterogêneo de participantes, desde sua iniciação até as polêmicas mais ásperas envolvidas no cenário da ética em pesquisa.

Os dez capítulos principais, junto da introdução e do posfácio elaborados pelas coordenadoras do curso, sinalizam a abrangência temática do livro, que trata sistematicamente de todos os assuntos de destaque na discussão global atual sobre ética em pesquisa:

1. O Surgimento e a Consolidação da Bioética Como Campo Disciplinar (de Sérgio Costa);

2. A Trajetória Histórica da Ética em Pesquisa com Seres Humanos no Nível Internacional (de Miguel Kottow);

3. O Processo de Elaboração do Arcabouço Normativo da Ética em Pesquisa no Brasil (de Dirce Guilhem e Dirceu Greco);

4. A Necessidade de Proteção das Populações Vulneráveis (de Wendy Rogers e Angela Ballantyne);

5. A Utilidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (de Florencia Luna);

6. A Problemática do Duplo Estandar nos Estudos Multicêntricos (de Udo Schüklenk e Darragh Hare);

7. A Polêmica Questão dos Pagamentos aos Participantes das Pesquisas (de Leonardo D. de Castro);

8. A Tênue Fronteira entre a Avaliação da Metodologia e dos Aspectos Éticos Envolvidos num Projeto de Pesquisa (de Pedro Luiz Tauil);

9. O Desafio da Inserção das Ciências Sociais no Debate sobre Ética em Pesquisa (de Debora Diniz e Iara Guerreiro); e

10. O Mais Recente Debate no que Diz Respeito à Declaração de Helsinque - A Inclusão dos Benefícios Pós-Pesquisa ou Benefícios Compartilhados (de Dores Schroeder).

A introdução tece com maestria as devidas relações entre os temas globais desse quebra-cabeças que é a ética em pesquisa, apontando as riquezas dos olhares múltiplos e as limitações dos debates ainda inconclusos. Apontam acertadamente Diniz e Sugai: "Um dos objetivos deste livro foi o de garantir a pluralidade de olhares, tonalidades e críticas ao debate internacional sobre ética em pesquisa. O espírito global é algo substantivo à obra, por isso seus autores representam a diversidade que anima a bioética e a ética em pesquisa no mundo. Esse é um campo onde não há verdades definitivas, mas uma efervescência de boas perguntas, cujas respostas estão sendo ensaiadas a cada dia" (p. 12). O único consenso é o desejo de "... garantir que os princípios da cultura dos direitos humanos façam parte das práticas de revisão ética, do cotidiano investigativo dos cientistas e da formação dos jovens pesquisadores" (p. 17).

O posfácio indica apropriadamente os novos caminhos que precisam ser trilhados, levando em conta as recentes controvérsias da área incluídas nos dez capítulos, para desbravar a areia do controle social das pesquisas envolvendo seres humanos. Guilhem destaca quatro pontos ou desafios que merecem reflexão específica (p. 355): "... o vínculo entre método e ética em pesquisas, o processo de treinamento e capacitação de jovens cientistas, a defesa de um único standard à realização de pesquisas colaborativas internacionais e a proposta de revisão do atual texto da Declaração de Helsinque". Com relação ao último ponto, o recente processo de revisão da declaração (elaborada em 1964 pela Associação Médica Mundial) levantou três pontos controversos no novo texto aprovado: (a) a utilização de placebos nas pesquisas biomédicas, (b) a devolução dos resultados aos participantes, ou dito de outro modo, o acesso dos participantes da pesquisa aos medicamentos desenvolvidos como produto dos estudos (benefícios pós-pesquisa ou benefícios compartilhados), e (c) a incorporação de crianças e adolescentes como participantes dos estudos (consideração de riscos concretos em pesquisas clínicas com grupos vulneráveis). Certamente, esses três pontos precisarão ser abordados, discutidos e detalhados nos trabalhos desenvolvidos pelos comitês de ética em pesquisa.

O livro e seu tema central não admitem limitações de nacionalidade ou especialização disciplinar, atravessa as fronteiras dos países, e aproveita de maneira frutífera as contradições e tensões entre as áreas do conhecimento científico. Os capítulos foram escritos pensando inicialmente nos participantes do curso de atualização a distância, majoritariamente vinculados a algum conselho ou comissão de revisão dos aspectos éticos das pesquisas, mas é leitura de referência para outros atores sociais importantes. O livro que ora resenhamos constitui uma leitura de referência obrigatória para os potenciais participantes dos sistemas de controle social da produção científica: no Brasil, especificamente, o Sistema CEP/CONEP orientado pela Resolução CNS nº 196/1996 e que atualmente está composto por 598 comitês, "... sendo uma referência para a América Latina em razão da estrutura regulatória e da presença dos comitês em universidades, centros de pesquisa e hospitais". Mas a obra aqui comentada também constitui uma referência obrigatória para os professores universitários de metodologia científica, os estudantes de graduação e de pós-graduação que pretendem desenvolver suas atividades no campo da pesquisa científica, pois trata desde a história da ética em pesquisa considerando o marco zero (os debates oriundos às experimentações com seres humanos no nazismo) até as questões contemporâneas que incluem a "agenda de temas que resistem ao consenso" (temas recorrentes, questões silenciadas e debates pendentes).

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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