ARTIGO ARTICLE

 

Desenvolvimento de um Questionário Quantitativo de Freqüência Alimentar (QQFA) para gestantes usuárias de Unidades Básicas de Saúde de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

 

Development of a quantitative food frequency questionnaire for pregnant women attending primary care in Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil

 

 

Thaís de OliveiraI; Fabíola Darcie MarquittiI; Maria Antonieta de Barros Leite CarvalhaesII; Daniela Saes SartorelliI

IFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil
IIFaculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, Brasil

Correspondência

 

 


ABSTRACT

The aim of this study was to design a food frequency questionnaire for pregnant women attending primary care under the Unified National Health System in Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil. A 24-hour food recall was obtained from 150 pregnant women, 50 in each trimester of pregnancy (age 18-35 years). A second food recall was obtained from 90 women, 30 in each trimester of pregnancy, from 7 to 15 days after the first dietary assessment. An 85-item questionnaire was developed with stepwise multiple linear regression models, based on the contribution of each food to inter-individual variation of energy and 28 target nutrients, which accounted for 74.2 to 98.8% of the selected nutrients. Portion sizes were determined according to percentiles 25, 50, 75, and 100 for each food item intake. To our knowledge, this is the first food frequency questionnaire designed for Brazilian pregnant women.

Food Intake; Pregnant Women; Nutritional Epidemiology


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi desenvolver um questionário quantitativo de freqüência alimentar para gestantes adultas usuárias do Sistema Único de Saúde de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Um inquérito recordatório de 24 horas (IR24h) foi obtido de 150 gestantes, 50 em cada trimestre gestacional, com idade entre 18 e 35 anos. Um segundo IR24h foi obtido de 90 gestantes, 30 em cada trimestre gestacional, entre 7 e 15 dias após o primeiro inquérito. Uma lista de 85 alimentos foi estabelecida por regressão linear múltipla stepwise, estimando-se a contribuição percentual para a variabilidade interindividual da estimativa de energia e 28 nutrientes de interesse, com contribuição de 74,2 a 98,8% para os nutrientes de interesse selecionados. As porções alimentares foram determinadas de acordo com a distribuição percentual dos pesos relatados e descritas nos percentis 25, 50, 75 e 100. Desconhecemos a existência de questionário quantitativo de freqüência alimentar desenvolvido para gestantes no Brasil.

Ingestão de Alimentos; Gestantes; Epidemiologia Nutricional


 

 

Introdução

A gestação consiste num período caracterizado por intensas modificações fisiológicas, metabólicas e endócrinas, que alteram as necessidades nutricionais e a ingestão alimentar 1. O estado nutricional materno e o ganho de peso gestacional influenciam o risco de morbimortalidade materna, fetal e a saúde do futuro adulto. O déficit de peso pré-gestacional e o ganho de peso materno insuficiente vêm sendo associados ao baixo peso ao nascer 2. Por sua vez, o ganho de peso materno excessivo constitui um importante fator de risco para macrossomia 3,4, diabetes gestacional 4,5, pré-eclâmpsia 4,5 e complicações no parto 5,6, comprometendo a saúde do binômio mãe-filho.

A ingestão alimentar materna habitual é uma das determinantes do ganho de peso na gestação, o que está associado direta ou indiretamente ao desenvolvimento de complicações durante a gestação 7,8.

Um estudo de coorte, conduzido nos Estados Unidos com 1.718 gestantes, verificou que baixos teores de cálcio, ácidos graxos poliinsaturados e trans, magnésio, folato e vitaminas C, D e E estavam associados ao maior risco de pré-eclâmpsia e hipertensão gestacional 9. Outra coorte realizada nos Estados Unidos, com amostra de 832 gestantes, constatou o papel protetor do folato na dieta contra o desenvolvimento de anemia megaloblástica, prematuridade e baixo peso ao nascer 10. Clapp et al. 11 investigaram a relação entre carboidratos de alto índice glicêmico na dieta materna e o excesso de peso pré-gestacional para o risco de diabetes gestacional e macrossomia fetal. No outro extremo, a restrição severa de alimentos com elevado índice glicêmico em mulheres eutróficas e/ou baixo peso pré-gestacional pode predispor ao baixo peso ao nascer 12. Tais estudos ressaltam a importância da investigação da relação entre a ingestão alimentar habitual de gestantes e desfechos maternos e infantis, relevante para a tomada de decisões no âmbito da atenção pré-natal e também para definição de políticas de promoção da saúde desse grupo populacional.

A investigação da associação entre dieta e ocorrência de doenças em estudos de epidemiologia nutricional requer o emprego de métodos de avaliação da ingestão alimentar precisos, acurados e viáveis 13. Entretanto, a obtenção de dados precisos é uma tarefa difícil, uma vez que não há um padrão ouro para avaliação da ingestão de alimentos e nutrientes, e os métodos disponíveis estão sujeitos a variações e erros de medida 13. O Questionário Quantitativo de Freqüência Alimentar (QQFA) é amplamente empregado em estudos epidemiológicos, pois avalia a ingestão alimentar habitual em período retrospectivo de tempo, é de baixo custo e permite a categorização dos indivíduos em níveis de consumo 14,15,16,17,18.

No Brasil, os estudos que utilizaram o QQFA como método de avaliação da ingestão alimentar habitual de gestantes empregaram questionários originalmente construídos e validados para populações distintas. Nas investigações conduzidos por Barros et al. 19 e por Fonseca et al. 20, utilizou-se o QQFA construído e validado para adultos não gestantes 21, fato que limita a acurácia das informações obtidas.

O objetivo do presente estudo foi elaborar um questionário quantitativo de freqüência alimentar específico para gestantes, usuárias do Sistema Único de Saúde do Município de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.

 

Metodologia

Delineamento e população de estudo

Estudo com desenho transversal, conduzido em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. O município localiza-se a 313km da capital, com população estimada em 563.105 habitantes, segundo estimativa populacional divulgada pelo IBGE em 2009 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br/, acessado em 23/Nov/2009). A economia baseia-se no agronegócio, comércio e prestação de serviços, além da pesquisa universitária. Como indicadores, tem-se Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,855 e taxa de mortalidade infantil de 10,47 por mil nascidos vivos.

O estudo foi conduzido com 150 gestantes usuárias do SUS do município, tamanho amostral estimado para investigação de diferenças de consumo de nutrientes de interesse no segundo trimestre gestacional. O tamanho amostral empregado em estudos de desenvolvimento de QQFA varia amplamente, de 100 a 1.477 indivíduos, a maioria deles contando com amostras na faixa de 100 a 200 pessoas 22,23,24,25,26,27. Foram utilizados como critérios de inclusão: idade entre 18 e 35 anos, índice de massa corporal pré-gestacional entre 19,8 e 26kg/m² 28, ausência de diabetes gestacional, cardiopatias, nefropatias, hipertensão arterial ou relato de outras patologias que pudessem alterar o consumo alimentar habitual.

Coleta de dados

A coleta de dados foi realizada de junho a outubro/2008, em unidades básicas de saúde das cinco regiões do município (Norte, Sul, Leste, Oeste e Central), por uma nutricionista e uma aluna de graduação em atividade de iniciação científica, previamente treinadas. O atendimento de gestantes é realizado diariamente nas unidades, e a coleta de dados foi feita estabelecendo-se esquema de plantão nas unidades selecionadas, em dias arbitrários. Nos dias de coleta de dados, todas as gestantes agendadas para o acompanhamento pré-natal foram convidadas a participar do estudo.

Características sócio-demográficas

Dados de idade, escolaridade e posse de bens de consumo foram obtidos por meio de questionário estruturado. Para a classificação econômica, foi escolhido o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), que permite estratificar a população em oito classes econômicas, baseando-se nas respostas do entrevistado quanto à posse de bens, presença de empregada mensalista e grau de instrução do chefe da família. A classificação em pontos permite inferir-se sobre a renda familiar média 29.

Avaliação antropométrica e idade gestacional

O cálculo da idade gestacional foi realizado com base nos dados da ultrassonografia, quando presentes, ou na descrição da gestante, após relato quanto à data da última menstruação. A gestação foi descrita em semanas gestacionais. Foram categorizadas no primeiro trimestre as gestantes entre 4 e 12 semanas; no segundo, aquelas entre 12 e 24 semanas; no terceiro, as mulheres entre 24 e 38 semanas de gestação. O peso pré-gestacional foi obtido consultando-se o registro no cartão da gestante; o peso no momento da entrevista foi aferido por meio de balança eletrônica digital modelo MEA 07700 (Plenna, São Paulo, Brasil), com capacidade de 150kg e graduação de 100g. A altura foi medida utilizando-se uma fita métrica inextensível fixada na parede. O índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional foi obtido dividindo-se o peso pré-gestacional pela estatura ao quadrado. Foram empregados os critérios do Institute of Medicine 28 para a avaliação da adequação de IMC pré-gestacional.

Avaliação da ingestão alimentar

Um inquérito recordatório de 24 horas (IR24h) foi obtido de 150 gestantes, no qual foram relatados todos os alimentos e bebidas consumidos no dia anterior à entrevista, bem como a quantidade ingerida em medidas caseiras, a forma de preparação do alimento, horário de consumo, detalhes referentes à marca e às características do produto, além de petiscos consumidos fora das refeições. As entrevistadoras foram previamente treinadas quanto às técnicas gerais de coleta de dados, conduta pessoal e forma de condução da entrevista. Este primeiro inquérito foi coletado pessoalmente no dia da coleta de dados.

Para fins de correção da distribuição da estimativa de nutrientes quanto à variabilidade intrapessoal, é recomendado que se utilizem duas medidas independentes da dieta, de uma amostra de pelo menos 20% da população de estudo 30.

Dessa forma, obteve-se um segundo IR24h de uma subamostra de 90 gestantes, sendo 30 em cada trimestre gestacional. Essa subamostra foi determinada por sorteio simples estratificado por trimestre de gestação, e os inquéritos foram coletados entre 7 e 14 dias após a coleta do primeiro IR24h, por meio de contato telefônico 31.

As quantidades dos alimentos, citadas nos IR24h em medidas caseiras, foram convertidas em gramas ou mililitros para a definição do tamanho das porções alimentares de referência 32

Elaboração da lista de alimentos

No total, 240 IR24h foram obtidos, tendo sido citados 305 alimentos. Estes foram agrupados em 104 itens, de acordo com a similaridade do valor nutricional para os nutrientes de interesse durante o período gestacional 7,8: energia, carboidratos, proteínas, lipídeos totais, ácidos graxos saturados, monoinsaturados, poliinsaturados, linoléico, linolênico, oléico, araquidônico, docosahexaenóico e eicosapentanóico, colesterol, fibras, cálcio, ferro, folato, cobre, magnésio, zinco, além das vitaminas: tiamina, riboflavina, vitamina A (UI), B12, B6, C e vitamina E. Modelos de regressão linear múltipla stepwise foram empregados para a redução da lista de alimentos, e a estimativa de cada nutriente de interesse foi a variável dependente após ajuste pela variância intra-individual e energia. Os alimentos de maior contribuição na variância interindividual para energia foram inseridos no modelo em ordem decrescente até que se atingisse 90%. Os alimentos de maior contribuição na variância interindividual para os outros nutrientes foram então inseridos até que se atingisse o ponto de corte estipulado de 70% para todos os nutrientes selecionados 13. Assim, identificaram-se os alimentos que explicaram a maior variância interindividual da estimativa de cada nutriente de interesse. Esse procedimento originou uma primeira lista de alimentos, à qual foram posteriormente adicionados os alimentos fontes de nutrientes de interesse não citados nos IR24h, resultando em uma lista final com 85 itens alimentares.

Determinação das porções alimentares

As porções alimentares foram determinadas para gestantes em cada trimestre gestacional separadamente e para todas as gestantes, de acordo com a distribuição percentual dos pesos equivalentes às medidas caseiras referidas nos IR24h. A porção mediana foi utilizada como referência (percentil 50) para cada item alimentar, atribuindo-se os conceitos pequena, grande e extragrande quando os percentis foram 25, 75 e 100, respectivamente. Após verificação de diferenças de porções consumidas segundo trimestre gestacional, foi elaborada uma proposta de porções para cada item baseada nos percentis de consumo do grupo como um todo, incorporando-se a variação de consumo em cada trimestre gestacional. Para os alimentos que não foram citados nos inquéritos alimentares e posteriormente foram incluídos no QQFA por serem fontes de nutrientes de interesse, utilizou-se como referência a porção mediana descrita na literatura 32.

A versão final do QQFA inclui: os alimentos, as opções de freqüência de consumo (diária, semanal, mensal ou durante o período gestacional), o número de vezes que a participante consome aquele alimento, a porção mediana - em medidas caseiras e em g/mL - e o tamanho da porção da participante. Foram incluídas questões sobre a forma de preparo dos alimentos (fritos ou assados, retirada da gordura visível das carnes), especificidades do teor de gordura para os laticínios (integral ou desnatado), teor de fibras de cereais (grãos integrais ou refinados), tipos de molho consumido com massas, tipo de tempero adicionado às saladas e adição de açúcar simples às bebidas preparadas.

Um estudo piloto foi conduzido com 50 gestantes adultas usuárias de unidades básicas de saúde (UBS) do município, em todos os trimestres gestacionais, com o objetivo de avaliar a consistência do tamanho das porções, a forma de apresentação do questionário e a compreensão das participantes.

Análise dos dados

A normalidade das variáveis dietéticas foi avaliada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis que não apresentaram distribuição normal foram transformadas por meio do logaritmo natural, sendo sua normalidade novamente testada.

Para o ajuste das estimativas dos nutrientes quanto à variabilidade intra-individual, a análise de variância pelo teste de ANOVA em cada trimestre gestacional foi empregada em subamostra de gestantes com dados de dois IR24h. Os valores de variabilidade obtidos pela análise da subamostra foram empregados para todas as mulheres do mesmo trimestre de gestação. Os nutrientes foram ajustados considerando-se a média de ingestão do grupo (cada trimestre), o consumo individual e a razão entre o desvio-padrão interpessoal e o desvio-padrão observado 33.

O ajuste dos nutrientes pelas calorias totais foi feito pelo método residual, considerando-se a estimativa de energia como variável dependente e os nutrientes como variáveis independentes, em modelos de regressão linear simples. Os valores dos resíduos não padronizados gerados pelos modelos de regressão foram somados ao consumo esperado do nutriente para a média da ingestão calórica da população estudada, obtendo-se os valores de nutrientes ajustados pelas calorias totais 34. Posteriormente aos ajustes pela variabilidade intra-individual e energia, as variáveis dietéticas foram reconvertidas de seu logaritmo natural para a unidade de origem pelo cálculo de seu exponencial.

A análise do valor nutricional obtido dos inquéritos foi processada com o auxílio do programa NutWin versão 1.5 (Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil), empregando-se as tabelas da USDA (United States Department of Agriculture) 35, suplementada pela Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) 36.

A comparação entre trimestres para variáveis contínuas com distribuição normal foi realizada por meio do teste de ANOVA; para variáveis sem distribuição normal, pelo teste de Kruskal-Wallis; e para variáveis categóricas, por meio do teste de χ2. Os valores foram expressos em média e desvio-padrão (DP), mediana ou freqüência. Significância estatística foi estabelecida no nível de p < 0,05. As análises estatísticas foram feitas com o SPSS 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e sua execução foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde. Às participantes, foi entregue carta de esclarecimento, e a participação no estudo se deu mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

O presente estudo foi desenvolvido de acordo com os princípios éticos contidos na Declaração de Helsinki (1964, reformulada em 1975, 1983, 1989, 1996 e 2000), da World Medical Association, e atende à legislação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

 

Resultados

No total, 224 gestantes foram convidadas a participar do estudo e 217 aceitaram. Destas, 67 foram excluídas: 54 (80,7%) com idade superior ou inferior aos critérios estabelecidos, 10 (14,9%) devido aos critérios de adequação de IMC pré-gestacional e 3 (4,4%) pela presença de comorbidades. Desta forma, a amostra foi composta por 150 gestantes.

A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas, estado nutricional e estilo de vida das gestantes, conforme trimestre gestacional. Não foram observadas diferenças quanto à idade, peso pré-gestacional, IMC pré-gestacional, escolaridade ou condição sócio-econômica, conforme trimestre gestacional. Como esperado, houve diferença para ganho de peso gestacional (p < 0,001) e IMC atual (p < 0,001).

A lista final com 85 alimentos representa a variabilidade interindividual de 98,4% da energia; 88,3% de carboidratos; 77,2% de proteínas; 87,4% de lipídeos totais; 87,5% de ácidos graxos saturados; 86,4% ácidos graxos monoinsaturados; 78,1% de ácidos graxos poliinsaturados; 76,5% de ácido graxo linoléico; 74,2% de ácido graxo linolênico; 80,4% de colesterol; 79% de fibras; 95,2% de cálcio; 94,9% de ferro; 91,7% de folato; 95,5% de magnésio; 98,8% de vitamina A (UI); 85,2% de vitamina C; 89% de vitamina B12; 88,3% de cobre; 95,2% de zinco; 99,1% de tiamina; 94,3% de riboflavina; 94,7% de vitamina B6 e 94,7% de vitamina E.

A Tabela 2 traz os itens alimentares que compuseram o QQFA, bem como as porções medianas, em gramas e medidas caseiras, conforme trimestre gestacional e para todas as gestantes. Alguns alimentos não citados nos IR24h foram posteriormente incluídos na lista de alimentos, por causa da sua contribuição em nutrientes de interesse: abacate, oleaginosas, frutos do mar e atum, por serem importantes fontes de ácidos graxos monoinsaturados e poliinsaturados; arroz e pães integrais, por serem importantes fontes de fibra da dieta. Houve diferença no tamanho das porções de doces à base de leite (p = 0,015) e tomate (p = 0,048), conforme trimestres gestacionais. Não se verificaram diferenças para os demais itens da lista de alimentos.

Após estudo-piloto conduzido entre 50 gestantes adultas usuárias de UBS do município, foram alteradas a ordem e a apresentação da lista de alimentos, bem como a forma de condução das perguntas.

 

Discussão

Para a investigação da relação entre ingestão alimentar habitual e desfechos de saúde, são necessários métodos adequados aos objetivos do estudo e às características da população-alvo. Há evidências crescentes da influência da ingestão alimentar habitual durante a gestação sobre desfechos maternos e infantis 7,8. O QQFA é considerado um método adequado para investigação da relação entre ingestão alimentar habitual e desfechos de saúde em estudos epidemiológicos 14.

Entretanto, desconhecemos a existência desse instrumento desenvolvido e validado especificamente para a população gestante no Brasil.

No presente estudo, a definição dos critérios de inclusão objetivou padronizar a população de estudo a fim de limitar a seleção de mulheres com fatores de risco conhecidos para morbidades na gestação ou com outros fatores que alterassem o consumo alimentar. Assim, foram selecionadas gestantes com idade entre 18 e 35 anos, considerando-se as distintas recomendações nutricionais na adolescência 37 e também o risco de hipertensão, diabetes, placenta prévia e complicações da gestação em mulheres acima dos 35 anos de idade 38. O IMC pré-gestacional acima dos valores normais é fator de risco para complicações, como pré-eclampsia e diabetes gestacional 4,38,39,40. Além disso, indivíduos portadores de excesso de peso tendem a sub-relatar o consumo de alimentos, o que poderia comprometer a confiabilidade dos dados 41,42,43.

As gestantes avaliadas apresentaram idade média de 24 anos e eutrofia no período pré-gestacional. Verificou-se predominância de mulheres com pelo menos oito anos de estudo, pertencentes à classe sócio-econômica C, segundo o critério de classificação econômica do Brasil 29.

A metodologia empregada para o desenvolvimento do questionário é semelhante à descrita para versões construídas para outras populações e diferentes objetivos 22,23,24,25,26,27. Contudo, no presente estudo, as estimativas de nutrientes de interesse dos IR24h foram ajustadas pela variabilidade intra-individual e energia, para a determinação da lista de alimentos. O emprego de um único IR24h não representa o que um indivíduo ingere habitualmente em face da elevada variabilidade intra-individual do consumo de alimentos e, portanto, da estimativa de nutrientes 44.

O ajuste pela variabilidade intra-individual dos nutrientes resulta em uma distribuição de ingestão habitual que melhor refletirá a variabilidade interindividual. Para este ajuste, pode-se empregar dados de variabilidade intra-individual de populações externas, utilizar dados de dois IR24h de toda a população, ou obter um segundo IR24h de uma subamostra (pelo menos 20% da amostra total), a fim de se determinarem os valores de variabilidade que serão empregados para correção dos dados de toda a amostra estudada 30. Em adição, nesta investigação, as estimativas de nutrientes foram ajustadas pela energia. Essa estratégia permite a obtenção de uma lista de alimentos que reflita a maior variabilidade interindividual de nutrientes, independente da energia da dieta das mulheres 13, porém a competência do QQFA desenvolvido somente poderá ser testada por meio das análises de reprodutibilidade e validação.

Verificou-se pouca variedade na dieta das mulheres avaliadas, o que pode ser constatado pelo número reduzido de itens alimentares relatados nos IR24h, independente do período de gestação da mulher. Esse fato pode ser explicado pela homogeneidade da amostra em relação à condição sócio-econômica, faixa etária e sexo. Por sua vez, o número de itens alimentares citados no presente estudo foi semelhante ao verificado por Cardoso & Stocco 23 (230 itens) e Furlan-Viebig & Pastor-Valero 24 (314 itens), e inferior ao número de itens reportados em IR24h por Fisberg et al. 27 (1.040 itens), em estudo de base populacional para desenvolvimento de QQFA 27. Este fato pode ser atribuído à grande heterogeneidade de faixa etária (entre 20 e 101 anos), renda e sexo, além do elevado tamanho amostral desta última investigação (n = 1.477).

Um artigo de revisão desenvolvido por Cade et al. 14, analisando artigos publicados sobre validação de QQFA, constatou que o número de itens alimentares das listas empregadas variou de cinco a 350 itens, com mediana de 79 itens 14. A utilização de QQFA com listas extensas pode comprometer a memória e a adesão dos participantes, afetando, dessa maneira, a confiabilidade das informações obtidas. A lista de alimentos desenvolvida no presente estudo é semelhante à de outros QQFA desenvolvidos e validados para adultos no Brasil 21,23, entretanto o tamanho das porções é sistematicamente maior.

A definição da lista de alimentos e do tamanho das porções de um QQFA com base nos hábitos de consumo da população a ser investigada é capaz de minimizar a ocorrência de erros sistemáticos de medida 13,14. A lista de alimentos do QQFA elaborada para esta pesquisa respondeu por grande parte da variabilidade interindividual da estimativa de nutrientes de interesse para o período gestacional. O fato de não termos encontrado diferenças importantes no tamanho das porções para a maioria dos alimentos conforme os trimestres gestacionais sugere que a lista de alimentos do QQFA construído pode ser capaz de avaliar o consumo alimentar no período gestacional como um todo.

As principais limitações do presente estudo estão relacionadas à metodologia empregada para a obtenção dos IR24h e à carência do uso de ilustrações para padronização do tamanho da porção do alimento consumido. A metodologia de passagens múltiplas tem sido recomendada como procedimento de escolha para obtenção de IR24h 45, mas esta não foi empregada no presente estudo. Os IR24h foram obtidos em dias arbitrários, sem controle para representação quanto aos dias da semana. Além disso, apesar de o estudo ter sido desenvolvido nas cinco regiões do município, a amostra selecionada não pode ser considerada como representativa deste. Cabe destacar a dificuldade na obtenção de amostras aleatórias de gestantes, devido à falta de dados atualizados quanto ao número de nascidos vivos e gestantes acompanhadas em cada unidade básica de saúde da cidade.

Sabe-se, ainda, que o delineamento longitudinal do estudo seria mais indicado para avaliar diferenças no consumo alimentar habitual segundo período gestacional. O IMC foi avaliado de acordo com os critérios do Institute of Medicine de 1990 28, disponível na ocasião da coleta de dados. Dentre as vantagens, destacam-se a inclusão de mulheres em todos os períodos da gestação e a investigação de diferenças de tamanho de porção de alimentos conforme os trimestres. Ademais, a lista de alimentos foi desenvolvida enfocando-se diversos nutrientes de interesse para investigação da relação entre ingestão alimentar habitual materna e desfechos maternos e infantis.

Este estudo é pioneiro no Brasil. As análises quanto à reprodutibilidade e validação relativa do QQFA estão em andamento e permitirão a avaliação da acurácia do questionário para investigação da ingestão alimentar habitual desse grupo populacional.

 

Colaboradores

T. Oliveira foi responsável pela coleta, análise e interpretação dos resultados; elaborou a primeira versão do manuscrito. F. D. Marquitti foi responsável pela coleta, análise e interpretação dos resultados; revisou criticamente o manuscrito. M. A. B. L. Carvalhaes foi responsável pela interpretação dos resultados e revisou criticamente o manuscrito. D. S. Sartorelli foi responsável pela interpretação dos resultados e elaboração do manuscrito

 

Agradecimentos

Este trabalho foi desenvolvido com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo nº. 2008/51357-8) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC Santander, processo nº. 081471177).

 

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Correspondência:
D. S. Sartorelli
Departamento de Medicina Social
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo
Av. Bandeirantes 3900
Ribeirão Preto, SP 14049-900, Brasil
daniss@fmrp.usp.br

Recebido em 07/Mai/2010
Versão final reapresentada em 14/Jul/2010
Aprovado em 02/Ago/2010

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br