ARTIGO ARTICLE
Hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária nos municípios em gestão plena do sistema no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil
Hospitalization for primary care sensitive conditions in municipalities with full local health management control in Rio Grande do Sul State, Brazil
Juvenal Soares Dias-da-CostaI, II; Dóris Clarita BüttenbenderI; Ana Lucia HoefelI; Leonardo Lemos de SouzaI
IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
RESUMO
Avaliou-se a qualidade dos cuidados oferecidos nos municípios em gestão plena no Rio Grande do Sul, Brasil, por meio da taxa de internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária, no período de 1995 a 2005. Foram consideradas as internações hospitalares por: diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças imunopreveníveis em indivíduos na faixa etária de 20 a 59 anos. Verificou-se diminuição das taxas em quase todos os municípios do estado. A regressão de Poisson não mostrou tendências de diminuição das taxas após a adesão à gestão plena. Nos municípios menores, as taxas foram mais elevadas. As internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial mostraram-se indicadores de fácil operação e de baixo custo que podem produzir conhecimentos sobre os sistemas de saúde, possibilitando a melhoria de sua qualidade.
Qualidade da Assistência à Saúde; Hospitalização; Atenção Primária à Saúde
ABSTRACT
We assess the quality of care provided in the cities with full health system management, in the state of Rio Grande do Sul, Brazil, by means of the rate of hospitalizations for primary care sensitive conditions, between 1995 and 2005. The following were considered as hospitalizations for sensitive conditions: diabetes mellitus, heart failure, hypertension, chronic obstructive pulmonary disease and immunopreventive diseases in individuals aged between 20 and 59 years. Findings reveal that, beginning in 2001, there has been a reduction in rates in almost all cities. Through the Poisson regression we didn't observe a lower rates after the full health system management. Among cities with full health system management, rates of hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions increased as the population size decreased. Hospitalizations for ambulatory care sensitive conditions were found to be low-cost, easily-operated indicators and can produce knowledge about health systems, enabling their quality improvement.
Quality of Health Care; Hospitalization; Primary Health Care
Introdução
O modelo de municipalização plena do sistema de saúde, definido pelo Ministério da Saúde 1, aumentou as responsabilidades das prefeituras municipais com a efetividade dos cuidados em saúde. Os municípios que optaram pela condição de Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde se responsabilizaram pelas ações e serviços de saúde em todo o seu território 2, aumentando sua complexidade e exigindo mecanismos de acompanhamento, controle e avaliação.
No Estado do Rio Grande do Sul, até 2004, apenas 14 municípios tinham optado pela gestão plena do sistema, o que correspondia a aproximadamente 3 milhões de habitantes. O Pacto pela Saúde, lançado pelo Ministério da Saúde em 2006, definiu as responsabilidades da assistência à saúde nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal. Assim, em princípio, o processo anterior sobre a forma de gestão foi extinto, uma vez que, a partir de então, ao se aderir ao processo com a assinatura do termo de compromisso de gestão, cada ente assumiria as responsabilidades e as capacidades nas ações e nos serviços de saúde. Contudo, mesmo com a implantação do Pacto pela Saúde, no Estado do Rio Grande do Sul, perdura a situação anterior em que a maioria dos municípios continua na forma de gestão plena da atenção básica.
Todo o processo de mudanças no Sistema Único de Saúde (SUS) tem, por premissa, o aperfeiçoamento de seus aspectos de funcionamento, de gestão e de articulação dos diferentes serviços e territórios, buscando uma melhor qualificação dos cuidados de saúde e promovendo melhorias nas condições de saúde da população.
Atualmente, a definição de cuidados de saúde de população oferecidos com qualidade exige que os sistemas proporcionem acesso facilitado, com atenção efetiva e equânime; com custos suportáveis para aperfeiçoar benefícios em saúde e de bem-estar para todos 3.
Estudos que descrevem as taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária têm sido utilizados como instrumentos para avaliar o acesso da população e a qualidade dos serviços prestados pela rede básica de saúde 4,5,6. Essa conceituação de problemas de saúde sensíveis a cuidados primários se originou nos Estados Unidos e faz referência aos processos em que o nível de atenção inicial efetivo e ágil pode ajudar a diminuir os riscos de hospitalização, prevenindo o início de uma enfermidade, tratando uma enfermidade aguda ou controlando uma enfermidade crônica 7.
O presente estudo teve por objetivo avaliar, por intermédio da taxa de internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária, a qualidade dos cuidados oferecidos pelos municípios em plena do sistema de saúde no Rio Grande do Sul, antes e depois da mudança no modelo de gestão, no período de 1995 a 2005, comparando com o restante do estado.
Materiais e métodos
Foi realizado um estudo ecológico descrevendo a tendência temporal das condições sensíveis à atenção primária nos municípios em gestão plena do sistema municipal no Estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1995 e 2005.
Foram consideradas, como internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária: diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial sistêmica, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças imunopreveníveis (constituídas por poliomielite, difteria, tétano, coqueluche e sarampo), quando acometiam indivíduos de ambos os sexos, na faixa etária de 20 a 59 anos 4,5,6.
Os dados de internações hospitalares dos municípios do Estado do Rio Grande do Sul estavam disponíveis na página de Internet do Departamento de Informática do SUS (DATASUS; http://www.datasus.gov.br), sendo possível obter informações sobre o número de internações segundo o município e a faixa etária. As doenças estão descritas nos capítulos da 9ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-9) de 1995 a 1997, a partir de então, estão classificadas conforme a 10ª revisão (CID-10).
Os dados populacionais também estavam disponíveis na página de Internet do DATASUS, segundo faixa etária e sexo, desde 1979.
Os códigos utilizados para doença pulmonar obstrutiva crônica entre 1995 e 1997 foram originados da CID-9: para bronquite crônica e bronquite não especificada, enfisema e asma (490-493). No período a partir de 1998, foram utilizados códigos da CID-10 para bronquite, enfisema, outras DPOC (J40-J43) e asma (J45). Os códigos para diabetes mellitus foram 181 na CID-9 e E10-E14 na CID-10; para hipertensão arterial sistêmica, foram 401 (CID-9) e I10 e I11 (CID-10); para insuficiência cardíaca, foram 428 (CID-9) e I50 (CID-10); para coqueluche, foram 033 (CID-9) e A37 (CID-10); para difteria, foram 032 (CID-9) e A36 (CID-10); para tétano, foram 037 (CID-9) e A35 (CID-10); para sarampo, foram 055 (CID-9) e B05 (CID-10); para poliomielite, foram 045 (CID-9) e A80 (CID-10).
Foram analisadas as taxas brutas pelas internações sensíveis à atenção primária em cada município com gestão plena do sistema e para o Estado do Rio Grande do Sul (excetuando os municípios em plena), entre os indivíduos de 20 a 59 anos de ambos os sexos, de 1995 a 2005.
Foram analisadas as taxas por internações por condições sensíveis à atenção primária por meio da regressão de Poisson 8, no programa Stata (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Foram verificadas as regressões antes e depois da data de adesão à gestão plena em cada município.
Para apresentação dos resultados e comparações, os municípios foram classificados e agrupados como: pequenos, médios e grandes, de acordo com o tamanho populacional, seguindo critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a classificação do IBGE, seis municípios foram classificados como de grande porte, com população acima de 100 mil habitantes (Canoas, Caxias do Sul, Pelotas, Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, São Leopoldo); quatro municípios foram considerados como de médio porte (Cachoeira do Sul, Carazinho, Santa Rosa, Venâncio Aires) com população entre 50.001 e 100 mil habitantes; e quatro municípios, de pequeno porte (Canela, Giruá, Panambi e Serafina Corrêa) com até 50 mil habitantes.
As informações sobre as datas de adesão à gestão plena foram obtidas na Secretaria Estadual de Saúde: Canoas (2005), Caxias do Sul (1998), Pelotas (2000), Porto Alegre (1998), Santa Cruz do Sul (1998), São Leopoldo (2003), Cachoeira do Sul (1998), Carazinho (2001), Santa Rosa (1998), Venâncio Aires (2003), Canela (1998), Giruá (2000), Panambi (1998) e Serafina Corrêa (2000).
Apesar da utilização de dados secundários, o Projeto de Pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
Resultados
No Estado do Rio Grande do Sul (municípios sem gestão plena), as taxas de internação pelas condições sensíveis à atenção primária incluídas no presente estudo foram se elevando até 1999, a partir de então, apresentaram uma diminuição. Dos municípios em gestão plena classificados como grandes, o único cujo número de internações superou a média do estado foi Santa Cruz do Sul, que, exceto em 2005, apresentou taxas superiores às do estado. Notadamente, em Caxias do Sul, São Leopoldo, Pelotas, Canoas e Porto Alegre, as taxas de internação foram inferiores à média do Estado do Rio Grande do Sul durante todo o período estudado (Tabela 1).
Observa-se que, nos municípios em Gestão Plena do Sistema de Saúde considerados como médios, as taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária apresentaram valores inferiores ao restante do Estado do Rio Grande do Sul, na maioria dos anos, em Cachoeira do Sul e Santa Rosa. Venâncio Aires atingiu taxas menores em 1995 e 2004; e Carazinho, em 2000 e 2001, alcançou resultados menores do que os do Estado do Rio Grande do Sul (Tabela 2). Além disso, em comparação, os valores das taxas foram superiores aos municípios classificados como grandes.
Até 2001, a maioria dos municípios pequenos apresentou taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária com valores superiores às que foram observadas no Estado do Rio Grande do Sul. Exceto o Município de Canela que, desde 1997, mostrou taxas menores do que as do Estado do Rio Grande do Sul. Por outro lado, Giruá mostrou taxas menores do que as do estado apenas em 1995. Panambi e Serafina Corrêa, desde 2002, vêm apresentando taxas menores do que as do estado (Tabela 3).
Durante o período estudado, as maiores variações das taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária foram verificadas no Município de Serafina Corrêa, com valores máximos de 1.545,2/100 mil habitantes em 1997 e mínimos de 89,0/100 mil em 2004. Nesse município, as taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária apresentaram tendência decrescente a partir de 1999 (Tabela 3).
O Estado do Rio Grande do Sul e quase todos os municípios apresentaram tendência de diminuição das taxas de internações por condições à atenção primária em todo o período.
Antes do momento do período de adesão à gestão plena, apenas três municípios apresentavam tendência ao aumento das taxas por internações sensíveis: Pelotas (p = 0,001), Giruá (p < 0,001) e Panambi (p < 0,001). Nos municípios de Santa Cruz do Sul e Santa Rosa, os coeficientes de regressão foram negativos, porém sem significância estatística (Tabela 4).
Contudo, os municípios de São Leopoldo (p = 0,17), Cachoeira do Sul (p < 0,05), Santa Rosa (p = 0,9), Venâncio Aires (p = 0,06) e Giruá (p < 0,001) mostraram aumentos dos coeficientes de regressão depois da adesão à gestão plena (Tabela 4).
Discussão
O acesso universal e a efetiva qualidade na atenção básica diminuem as diferenças em saúde e interferem nos níveis do sistema de saúde de maior complexidade 9,10. Assim, o acompanhamento das taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária pode ser indicador da qualidade da assistência e da efetividade dos cuidados. O indicador pressupõe a necessidade de internação como resultado da falta de atenção oportuna e efetiva ao problema 5,11, partindo-se do princípio que acesso facilitado e cuidados efetivos, em períodos de tempo corretos, podem reduzir os riscos de hospitalizações pela possibilidade de prevenir o início dessas doenças ou de controlar um episódio de exacerbação aguda ou ainda de manejar corretamente essas condições crônicas 12,13,14.
Durante a preparação do presente estudo, o Ministério da Saúde estava definindo a lista brasileira de internações por condições sensíveis à atenção primária. Assim, definiu-se um grupo de enfermidades utilizadas em outros estudos 4,5,6 e foram agregadas as doenças passíveis de controle por imunizações, prevendo-se sua inclusão na lista do ministério. A lista preconizada pelo Ministério da Saúde é mais ampla do que a utilizada no presente estudo, entretanto, todas as doenças incluídas na análise constam na lista brasileira. O próprio Ministério da Saúde tem preconizado o indicador como instrumento de avaliação desse nível do sistema e, ou, da utilização da atenção hospitalar.
O presente estudo revelou, a partir de 2001, uma diminuição das taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária em quase todos os municípios. Contudo, deve-se ressaltar que essa queda foi constatada também no restante do Estado do Rio Grande do Sul. Contudo, os resultados não mostraram diminuição das taxas após a adesão à gestão plena.
Mostrou-se também que as taxas de internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial se elevavam à medida que diminuía o tamanho dos municípios. Esses achados podem confirmar a Lei de Roemer que mostra a indução da demanda pela oferta, ou seja, a oferta da tecnologia em saúde leva ao seu uso independentemente das necessidades da população 15. Pestana & Mendes 16 (p. 28) mostraram que "o percentual de gastos com as internações por condições sensíveis à atenção primária chega a 55,3% nos hospitais de menos de 30 leitos, a 49,1% nos hospitais de 31 a 50 leitos, a 36,0% nos hospitais de 51 a 100 leitos, caindo para valores de iguais ou menores de 15,5% nos hospitais de mais de 200 leitos". Esse achado pode estar relacionado, nos municípios pequenos, com a baixa complexidade do sistema de saúde e do pagamento por internações realizadas, evidenciando a necessidade de os hospitais utilizarem sua máxima capacidade instalada.
Além disso, a estratégia de saúde da família foi iniciada em 1994, mas foi sensivelmente ampliada a partir de 2000; no Estado do Rio Grande do Sul, tem mostrado resultados positivos 17,18 e certamente pode ter contribuído na qualificação da atenção básica percebida pela diminuição nas taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária.
A adesão à gestão plena implica a organização dos municípios que expandem suas atribuições e pressupõe ordenamento dos sistemas locais de saúde. Um dos objetivos do presente estudo era verificar se a gestão plena determinava o aprimoramento da atenção básica verificando-se o comportamento das internações por condições sensíveis. Os resultados não revelaram alguma melhora evidente após a implantação da gestão plena na maioria dos municípios. Em alguns casos, como em Pelotas, Santa Cruz e Panambi, foi verificada evidência de benefício com a diminuição das internações por condições sensíveis à atenção primária após a adesão à gestão plena. Porém, em São Leopoldo e Cachoeira, os indicadores aumentaram e, em Santa Rosa e Giruá, não mostraram diferenças. Portanto, o acompanhamento das internações por condições sensíveis à atenção primária mostrou-se um indicador de fácil operação e de baixo custo, uma vez que é originado de uma base de dados secundária e que pode produzir conhecimentos sobre os sistemas de saúde, possibilitando orientar o desenho de políticas e a melhoria de sua qualidade 11. Além disso, do ponto de vista financeiro, a diminuição de internações por condições sensíveis à atenção primária pode significar importante economia num sistema de saúde que permanentemente sofre em decorrência dos escassos recursos.
Colaboradores
J. S. Dias-da-Costa e D. C. Büttenbender participaram da elaboração do projeto, análise dos dados, redação do artigo. A. L. Hoefel participou da coleta de dados, análise dos dados e revisão do artigo. L. L. Souza participou da análise dos dados e redação do artigo.
Agradecimentos
Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Edital MS/CNPq/FAPERGS - PPSUS II - nº. 06/2006.
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Correspondência:
J. S. Dias-da-Costa
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Av. Unisinos 950
São Leopoldo, RS 93022-000, Brasil
episoares@terra.com.br
Recebido em 01/Set/2009
Versão final reapresentada em 19/Nov/2009
Aprovado em 07/Dez/2009