RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Maria Luiza de Jesus Lawinsky

Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. luizalaw@gmail.com

 

 

THE ECOSYSTEM APPROACH: COMPLEXITY, UNCERTAINTY, AND MANAGING FOR SUSTAINABILITY. Waltner-Toews D, Kay JJ, Lister NME, editors. New York: Columbia University Press; 2008. 383 pp.

ISBN: 978-0-231-13251-0

Este livro, ainda não traduzido para o português, é uma coletânea que reúne 20 textos de 25 colaboradores. Eles tratam das origens, dos conceitos e de estudos de caso sobre a abordagem ecossistêmica (ecosystem approach). É, ao mesmo tempo, uma compilação do pensamento de James J. Kay e uma homenagem a ele, por ter sido um dos pesquisadores mais importantes na construção teórica e metodológica da abordagem ecossistêmica. A intenção do livro se confunde com um dos objetivos de vida de Kay: fornecer bases para os interessados pensarem sob a perspectiva dessa abordagem e de auxiliarem a construí-la. O livro conta também com um tributo a Kay (falecido em 2004) e um apêndice sobre hierarquia e holonocracia, por Henry Regier. Apesar de ter David Waltner-Toews como primeiro autor, o principal "personagem" do livro é Kay, pois quase a metade dos artigos conta com a sua autoria ou co-autoria. Grande parte dos co-autores é composta de seus ex-alunos e seguidores. Kay era físico e designer de sistemas, professor de estudos ambientais e recursos na Universidade de Waterloo, Estados Unidos. Waltner-Toews é veterinário, professor de epidemiologia na Universidade de Guelph e co-fundador da Rede para a Sustentabilidade dos Ecossistemas e Saúde. Nina-Marie E. Lister é professora de planejamento urbano e regional na Universidade Ryerson, Canadá.

O livro tem quatro partes. No prefácio, de David Waltner-Toews, Nina-Marie Lister e Stephen Bocking, há uma apresentação clara da abordagem ecossistêmica; o corpo do livro detalha com mais profundidade os elementos e questões levantados no prefácio. Há uma preocupação em esclarecer que a abordagem ecossistêmica não se propõe a revolucionar e substituir os modos de se fazer ciência, mas o de atender a demandas que exigem um grau diferente de trabalho integrado e transdisciplinar. Trata-se de um olhar mais amplo, que sustenta que as questões científicas não excluem as questões políticas e sociais conexas. É destacada a importância dos fatores sociais e dos valores humanos e culturais, fundamentais para a aplicação dessa abordagem.

O conceito de abordagem ecossistêmica em saúde foi desenvolvido na década de 1970, por pesquisadores dos Estados Unidos e Canadá, pela necessidade de prever e gerir alterações severas no meio ambiente provocadas por atividades industriais na região dos Grandes Lagos, Canadá. Combina conceitos da ecologia de ecossistemas, teorias dos sistemas complexos, de catástrofes e a hierárquica. Nesta abordagem, deve-se priorizar os processos de transdisciplinaridade, participação e eqüidade tanto quanto os objetivos acadêmicos nas pesquisas, ou seja: os aspectos sociais e institucionais são considerados tão importantes quanto os científicos.

Na parte I, Some Theoretical Bases for a Ecosystem Approach, os oito capítulos abordam os principais desafios da referida abordagem. Sua intenção é fornecer uma base para que se compreendam os casos práticos que serão demonstrados na segunda parte do livro. Para isso, há uma breve introdução sobre o pensamento sistêmico e sobre a terminologia normalmente utilizada neste campo: escala, tipo, hólons, holarquia, auto-organização, retroalimentação... Essa é a parte crucial do livro. Por isso, ela será mais detalhada aqui. No Capítulo 1, An Introduction to Systems Thinking, por James Kay, são discutidas as origens do pensamento sistêmico e em que tipo de estudo é pertinente a sua utilização. Há uma breve revisão histórica para chegar a uma "nova" abordagem ecossistêmica que, além da interdisciplinaridade das abordagens ecossistêmicas anteriores, inclui outro conceito: a transdisciplinaridade. O autor tem um texto de fácil compreensão e deixa clara a sua intenção de decodificar o pensamento sistêmico, para facilitar a sua difusão. No Capítulo 2, Framing the Situation: Developing a System Description, também por James Kay, são explicadas as partes fundamentais de um estudo ecossistêmico: descrição, interpretação e intervenção. A descrição é a parte mais enfatizada, pois ela muitas vezes redireciona radicalmente o objeto inicial das pesquisas.

A Parte II, Cases Studies: Learning by Doing, apresenta estudos de casos envolvendo saúde e ambiente, nos quais são aplicadas as ferramentas metodológicas discutidas na primeira parte do livro. O Capítulo 9 é um interessante artigo de Reg Noble et al. sobre a classificação de sistemas em hard e soft nos estudos sobre sistemas socioambientais. Os capítulos seguintes expõem quatro pesquisas que aplicaram a abordagem ecossistêmica em várias partes o mundo: Índia, América do Norte, Quênia e Amazônia.

Na Parte III, Managing for Sustainability: Meeting the Challenges, as principais ferramentas utilizadas pela abordagem ecossistêmica são mais detalhadas, na tentativa de fornecer uma base sólida para confrontar os inúmeros desafios para a gestão dos ecossistemas. São discutidos instrumentos como o "diagrama-diamante", desenvolvido por Kay, e a metodologia adaptativa para a sustentabilidade ecossistêmica e saúde (AMESH, sigla em inglês). A AMESH foi desenvolvida por vários pesquisadores, entre eles Waltner-Toews. Essa seção é composta em sua maior parte pelas anotações finais de Kay sobre uma nova abordagem ecossistêmica.

A Parte IV, Where to From Here? Some Challenges for a New Science in an Uncertain World, desenvolve temas sobre complexidade, sustentabilidade e ética. É uma reflexão acerca das possíveis influências do pensamento legado por Kay. Por exemplo, Ernesto F. Ráez-Luna, no Capítulo 18, Third World Inequity, Critical Political Economy, and the Ecosystem Approach, faz recomendações claras e adiciona quesitos que em sua opinião podem fortalecer a abordagem ecossistêmica, ao aproximá-la mais dos fatores sociais. Há uma discussão muito interessante sobre as diferentes interpretações da abordagem ecossistêmica, as quais implicam formas de aplicação profundamente diferenciadas, a depender do enfoque escolhido.

Ao final da obra, há um tributo dos autores do livro a Kay, no qual é transcrito o discurso de Waltner-Toews, feito na Sociedade Internacional de Economia Ecológica, em 2004. É um relato apaixonante sobre o autor; personalidade notável, destacada não só na academia, mas também em inúmeras sociedades e comitês de que fazia parte.

A intenção do livro é apresentar as bases teóricas e metodológicas de uma nova abordagem para a compreensão da realidade e da gestão dos ecossistemas. Os organizadores chamam a atenção para a importância de se ter uma visão mais ampla dos fenômenos e processos estudados no meio científico. A proposta é que eles sejam compreendidos como funções de sistemas sociais e ecológicos integrados. Deixam claro que não existe uma intenção de desprezar o conhecimento disciplinar. Pelo contrário, demonstram que cada ator, com a sua especialidade, pode contribuir muito mais quando está ciente do contexto em que está inserido e das possíveis relações e conseqüências do seu trabalho.

Os capítulos, apesar do grande número de autores, são muito bem encadeados, inclusive com citações cruzadas. São apresentados muitos diagramas e desenhos esquemáticos, o que facilita a compreensão dos princípios do pensamento sistêmico. É uma boa leitura, indicada para acadêmicos e gestores de qualquer área, principalmente as relacionadas à gestão de ecossistemas, pois a obra não só apresenta uma visão ecossistêmica renovada, como fornece as ferramentas necessárias para aplicá-la.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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