RESENHAS BOOK REVIEWS
Cezarina Maria Nobre Souza
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Belém, Brasil. cezarina.souza@oi.com.br
DESENVOLVIMENTO, AMBIENTE E SAÚDE: IMPLICAÇÕES DA (DES)LOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL. Rigotto RM. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008; 426 p.
ISBN: 978-85-7541-166-7
Leroy et al. 1, em seu livro Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Desenvolvimento, Sustentabilidade, Democracia: O Que Isso Tem a Ver Com Você?, levantam atual e importante questionamento sobre o desenvolvimento, discutindo as bases de sua sustentabilidade, a quem serve, para que e de que forma, afirmando que esse termo representa um engodo, dentre outros fatores, por desconsiderar tais perguntas e se basear na idéia de que, ao serem seguidas determinadas regras econômicas, será possível alcançá-lo.
É essa abordagem estritamente econômica do desenvolvimento que Raquel Maria Rigotto também questiona em sua obra Desenvolvimento, Ambiente e Saúde: Implicações da (Des)Localização Industrial. Trata-se de trabalho cujo objetivo é discutir a industrialização introduzida no Município de Maranguape, Estado do Ceará, para propiciar o desenvolvimento local pela transformação estrutural da base produtiva da economia, identificando seus impactos, desdobramentos e entrelaçamentos com o trabalho, a saúde, o ambiente e a cultura.
Rigotto fundamenta seu trabalho no estudo de autores diversos, nos quais hauriu sólido embasamento teórico e conceitual. Por outro lado, realiza também amplo trabalho empírico, guiado por sua sensibilidade treinada e aguçada ao longo de dez anos de atuação no serviço de doenças profissionais do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua pesquisa empírica envolve entrevistas com trabalhadores das indústrias, empresários, gestores públicos e lideranças da sociedade.
Na primeira parte do livro, a autora discute a ideologia do desenvolvimento; a ciência e a técnica como propiciadores de desenvolvimento; desenvolvimento e subdesenvolvimento; cultura; relações sócio-espaciais e de trabalho da indústria no capitalismo avançado. Comenta sobre o desenvolvimento após a Revolução Industrial e os movimentos que objetivaram reconstruir a Europa e difundir a modernização, levando às sociedades tradicionais ou atrasadas o progresso: industrialização e desenvolvimento relacionados linearmente. A respeito dessa linearidade, reflete que, embora tenha havido aumento da riqueza, há questões sociais (fome, miséria, desnutrição, déficit habitacional) que não foram resolvidas pelas promessas de desenvolvimento.
Voltando-se para a realidade de Maranguape, na segunda parte de seu trabalho, a autora a descreve em termos físicos e históricos, revela o perfil dos trabalhadores e das indústrias e contextualiza a industrialização local: iniciou-se em meados dos anos 90 com base num programa de incentivos promovido pelo governo estadual, o qual estava calcado na crença do desenvolvimento pela industrialização; foi implementada como solução para a crise que abalou o setor agrícola no município, como também para angariar favorecimentos políticos para a eleição de um candidato ao governo estadual.
Além dos incentivos fiscais e de sua proximidade de Fortaleza, aponta como vetores responsáveis pela vinda das indústrias para Maranguape: as estratégias empresariais de competitividade; as novas tendências de localização sócio-espacial da produção; a mão-de-obra mais barata que a de seus locais de origem, que aprende facilmente e que ainda não está organizada em sindicatos, o que também lhes permite instalar-se em prédios e galpões improvisados e inadequados para a segurança desses trabalhadores; a não-fiscalização ostensiva de riscos ambientais e a conseqüente possibilidade de não ter que investir em tecnologias mais limpas.
Conceitos como território, territorialização, desterritorialização e reterritorialização são discutidos e trabalhados pela autora, possibilitando reflexões acerca da chegada das indústrias vindas de longe em um novo território, apropriando-se dele e modificando-o para servir suas necessidades e possibilidades ao introduzir processos de trabalho que interferem no comportamento dos moradores e em suas crenças, suscitando o surgimento de novas identidades e culturas nesse território.
Com a descrição do funcionamento das industriais locais, de seus trabalhadores, das relações de trabalho construídas, dos riscos ocupacionais e ambientais identificados, Raquel Rigotto se volta para a discussão da relação entre industrialização e o processo saúde-doença em Maranguape. Segundo diz, a industrialização naquele município trouxe, para cerca de 4.400 pessoas, a possibilidade de ter sua carteira profissional assinada e um salário ao final do mês permitindo-lhes ajudar a família, atuar como consumidores de bens diversos, pagos a prestações, que lhes trazem conforto no dia-a-dia. No entanto, ao mesmo tempo, gerou agravos à saúde decorrentes de acidentes de trabalho, da perda de qualidade de vida e da qualidade ambiental.
Contudo, conforme diz a autora na terceira e última parte de seu trabalho, os atores que entrevistou, ainda que de forma não unânime, acreditam que, numa relação linear, a industrialização trouxe desenvolvimento para Maranguape. Isso se dá, explica, por conta de mediações diversas: econômicas, históricas, políticas, sociais e culturais. São forças que se articulam para produzir, sustentar e reproduzir a ideologia do desenvolvimento, tendo a ocultação dos impactos negativos (sofrimento, dor, poluição) como fator indispensável. Para a autora, industrialização traz desenvolvimento quando, para além dos aspectos meramente econômicos, ocorre na perspectiva da sustentabilidade democrática, dentro da qual cabem as seguintes perguntas: atende a que necessidades? De quem? Para que? Onde? Que contribuição traz ao projeto de vida e de sociedade das pessoas do lugar? Que matérias-primas e insumos demanda? Que resíduos gera? Que formas de organização e relações de trabalho produz? Quais seus mecanismos regulatórios? Como a riqueza gerada é distribuída?
Pelo exposto, a obra em questão, além de presentear o leitor com um texto claro e bem elaborado, até por conta de ter sido esse um dos objetivos complementares da autora, constitui exercício de construção de um marco teórico e metodológico para a compreensão das inter-relações entre os temas abordados.
Nesse sentido, as implicações e aplicações desse exercício são amplas e úteis também em outros cenários. Na Amazônia, por exemplo, mais especificamente no Estado do Pará, na década de 70, os projetos de desenvolvimento foram concebidos, dentro do que preconizavam os planos governamentais na época, mediante a implantação de indústrias beneficiadoras de minérios como bauxita, alumínio e ferro. Assim, os projetos Mineração Rio do Norte, Albrás-Alunorte e Ferro-Carajás foram concretizados. Ao longo do tempo, o parque industrial do Estado vem-se ampliando, seguindo essa mesma racionalidade: industrialização gera desenvolvimento. Que impactos diretos e indiretos tais indústrias têm causado, inclusive, evidentemente, sobre sua gente? Que desenvolvimento elas têm proporcionado? Desenvolvimento para quê? Para quem? Por quê? Essas são algumas das questões que têm sido debatidas e que, seguramente, poderão ser ainda mais aprofundadas pela contribuição de Rigotto.
O trabalho em tela é, portanto, útil, esclarecedor, vibrante, lúcido e convidativo aos aprofundamentos e desdobramentos. Interessa não só à academia, mas a todo e qualquer cidadão que deseje discutir o mundo em que vivemos e as "verdades" que têm sido colocadas; que seja capaz de desconfiar dos discursos oficiais, dos valores e crenças sustentados insistentemente pela mídia, pelos políticos, pelos donos do capital e que acabam por ser assimilados e reproduzidos pelo cidadão comum.
1. Leroy JP, Bertucci AA, Acselrad H, Pádua JA, Schlesinger S, Pacheco T. Tudo ao mesmo tempo agora. Desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você? Petrópolis: Editora Vozes; 2002.