RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Alexandre Palma

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. palma_alexandre@yahoo.com.br

 

 

BIOPOLITICS AND THE "OBESITY EPIDEMIC": GOVERNING BODIES. Wright J, Harwood V, editors. London: Routledge; 2009. 223 p.

ISBN: 0-415-99188-9

Definitivamente, a produção literária que possibilita incomodar os cânones dos saberes hegemônicos em saúde pública tem encorpado. Em The Obesity Epidemic: Science, Morality and Ideology 1, publicado em 2005 por Jan Wright em conjunto com Michael Gard, o não-contentamento com as verdades impostas pelo estatuto científico biomédico trouxe um importante e rico debate sobre questões pouco aprofundadas na produção do conhecimento que trata da obesidade e da idéia de epidemia desta condição.

Mais recentemente e no rastro desta mesma força contestadora, Jan Wright, agora em parceria com Valerie Harwood, editou Biopolitics and the "Obesity Epidemic": Governing Bodies. Este novo livro é uma coletânea de treze artigos agrupados em duas seções, além de um comentário final. A primeira parte é composta por seis artigos que, de um modo geral, dizem respeito a uma conduta teórica que busca analisar como os discursos sobre a obesidade têm sido produzidos e estão circulando para governar populações. A segunda parte se detém ao exame de como as idéias associadas à chamada "epidemia da obesidade" concorrem para o governo das populações mediante intervenções específicas ou, como destacado, "biopedagogias", particularmente nas ações nas escolas e em programas de saúde pública para jovens e famílias.

A noção do conceito de biopolítica, presente no título do livro, é o alicerce fundamental na construção dos vários ensaios. De modo sintético, para Foucault 2, disciplinar é o tipo de poder que opera sobre o corpo do indivíduo na tentativa de adestrá-lo para retirar e se apropriar de suas forças. Assim, considerando o viés econômico de utilidade, a disciplina aumenta as forças do corpo, concomitantemente reduz estas mesmas forças ao modo político de sujeição. Por outro lado, o conceito de biopolítica indica o poder que se exerce sobre a vida das pessoas, sobre o corpo coletivo e não mais individual. Este poder normalizador se concentra na população por intermédio da representação do Estado e se institui como uma política estatal com o propósito de governar a vida e o corpo social 3. De certa forma, após o texto introdutório de Jan Wright, o artigo de Valerie Harwood procura esclarecer o conceito-chave de biopolítica/biopoder, bem como, a idéia de biopedagogia inspirada na análise foucaultiana.

Michael Gard escreve um capítulo em que relata um pouco de suas experiências com um grupo internacional que ele denominou de "céticos da obesidade". O autor, ainda, interroga alguns pesquisadores desta posição crítica, explora alguns recursos intelectuais deste grupo e contribui com o debate sobre o significado cultural do discurso da "epidemia da obesidade".

No capítulo seguinte, Christine Halse examina como a medicalização tem sido uma componente-chave nos discursos da saúde pública que envolvem a condição "epidêmica" da obesidade. A retórica moral da "epidemia da obesidade", que distingue o normal do patológico, tem contribuído para uma indústria da perda de peso, a qual fornece medicamentos, suplementos alimentares, programas e conselheiros para garantir o peso ideal de um corpo normativo. Em seguida, Annemarie Jutel analisa os discursos da autoridade médica sobre o diagnóstico do sobrepeso e da obesidade e o dogma da medicalização, que se manifesta pelo poder que o saber médico exerce na sociedade contemporânea.

Finalizando a primeira parte, Samantha Murray apresenta um texto em que desenvolve a idéia de que o discurso médico que constitui a obesidade como doença é carregado de noções de moralidade. O corpo é marcado como um "confessor" que indica quem está "aceito" ou "não aceito", quem é "normal" ou "patológico".

Na segunda parte, os autores procuram descrever como as verdades impostas pelo estatuto biomédico que alimenta a idéia da epidemia da obesidade são contextualizadas como estratégias de intervenção em nome da vida e da saúde. Assim, Natalie Beausoleil analisa criticamente as ações de promoção de saúde focadas em estilos de vida individuais e freqüentemente nomeadas como "alimentação saudável" e "vida ativa", e defende que tais ações podem contribuir para o aumento de desordens alimentares ou insatisfações com o próprio corpo. Este incentivo às populações se responsabilizarem por sua alimentação e práticas de atividades físicas tem proliferado em grande parte do mundo. Com aparente aval da ciência e da demonização de alguns comportamentos, normaliza-se os modos de ser e viver, bem como se culpam determinados grupos por sua incapacidade de viver de acordo com as normas sociais da saúde. É com base neste mesmo pressuposto que Simone Fullagar se vale de diferentes tipos de famílias e suas histórias para fornecer uma crítica pontual a este imperativo da saúde. Caminho semelhante é traçado por Geneviève Rail.

Em seqüência, Lisette Burrows examina a matriz dos discursos disciplinar e de normalização que tratam da obesidade e são gerados em torno da casa e da família. Ela, então, interroga as práticas de construção de significados que fazem constituir uma família boa e saudável, além de investigar quais espécies de mensagens são transmitidas para os diferentes tipos de corpos.

Emma Rich & John Evans defendem que a proliferação de algumas técnicas, como o desenvolvimento de pedômetros, e políticas fazem parte de uma ampla cultura biopolítica que envolve o uso da vigilância como modo de controle dos corpos e governo da sociedade.

Na tentativa de discutir uma série de estratégias pedagógicas (ou biopedagógicas) observadas em aulas de educação em saúde, Deana Leahy advoga que a regulamentação governamental não é apenas baseada em conhecimentos dos peritos para estabelecer modos particulares de viver, mas também na influência que os modos são mobilizados no processo de subjetivação.

Por fim, Laura Azzarito discute como os discursos normativos da epidemia da obesidade estão associados às idéias das práticas culturais das sociedades ocidentais e como, nestas sociedades, as políticas educacionais estão, cada vez mais, sendo conduzidas por uma globalização neoliberal.

Desta forma, os textos reunidos neste livro oferecem, além do fundamento teórico esclarecedor, análises interessantes dos discursos, intervenções e políticas destinadas ao combate à obesidade. E neste sentido, interessa a uma diversidade de estudiosos sobre o tema, incluindo médicos, gestores da área da saúde, sociólogos, filósofos, professores de educação física, nutricionistas, entre outros.

 

1. Gard M, Wright J. The obesity epidemic: science, morality and ideology. London: Routledge; 2005.         

2. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Editora Vozes; 1987.         

3. Foucault M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Editora Martins Fontes; 2005.         

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