EDITORIAL
Hipertensão arterial sistêmica no Brasil: tendência temporal
Ines Lessa
Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil. inlessa@ufba.br
Em 1984 foi publicada a primeira curva de tendência da mortalidade proporcional no Brasil (1930-1980) (Bayer GF, Paula SG. RADIS Dados 1984; 7:1-8), surpreendendo pelo declínio da mortalidade pelas doenças infecciosas e parasitárias, e rápida ascensão daquelas do aparelho circulatório. O cruzamento das curvas ocorreu entre 1964-1965, mudando o cenário epidemiológico de morbimortalidade, então vigente, por padrões opostos de doenças - as do subdesenvolvimento e as da modernidade.
Silenciosa, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a mais prevalente doença vascular no mundo e o mais potente fator de risco para doenças cerebrovasculares, predominante causa de morte no Brasil. Em 2008, 2.969 óbitos foram registrados em excesso pelas doenças cerebrovasculares em comparação ao total de óbitos por doenças isquêmicas do coração; portanto, a importância social da HAS é incontestável.
Nos 20 anos que se seguiram à publicação da curva, alguns pesquisadores produziram informações esparsas sobre a HAS na população. Os estudos, metodologicamente incomparáveis e sem apoio financeiro, evidenciavam ampla variação das prevalências, 15% a 43%, mas foram importantes para a construção da epidemiologia da HAS no Brasil e contribuíram com as políticas e programas de saúde no final da década de 80 e início dos anos 90.
Atuar sobre o novo padrão de doenças sem os conhecimentos essenciais acerca de sua abrangência, complexidade e inter-relações não era, e não tem sido fácil!
O fracasso das tentativas de controle da HAS por programas geralmente mal administrados nos estados e não avaliados levou, finalmente, ao entendimento de que informações metodologicamente padronizadas e abrangentes seriam imprescindíveis ao acompanhamento da HAS na população, com perspectiva de sucesso para o controle da doença. Assim, em 2003 foi realizado um inquérito sobre fatores de risco para o câncer, hipertensão e diabetes auto-referidos em 16 das 27 capitais previstas, inclusive o Distrito Federal. Outros três inquéritos por telefone (VIGITEL 2006, 2007 e 2008) foram realizados pelo Ministério da Saúde para a HAS referida, "diagnosticada por médico". Contudo, a HAS é silenciosa e o diagnóstico médico implica consulta recente em relação ao momento da entrevista, no repasse da informação tanto sobre ser ou não hipertenso quanto dos níveis pessoais de pressão arterial; exige exclusão de pelo menos uma dezena de vieses relacionados aos instrumentos, técnicas de medidas, perfis sociodemográfico e médico-social da amostra e memória dos participantes, entre outros.
Os inquéritos por auto-referência não são a melhor opção para se obter informações sobre fator de risco mensurável, porém, no caso da HAS, esta é a única opção padronizada disponível para todas as capitais, independentemente das suas respectivas discrepâncias sociais. Pelo VIGITEL as freqüências de HAS no Brasil foram de 22% (2006), 21% (2007) e 24% (2008). Esse período é muito curto para inferir tendência de doença não transmissível, além dos dados terem sido produzidos em anos consecutivos, não contribuindo para a informação desejada. Essa, teremos de esperar ainda por alguns anos. Enquanto esperamos, devemos considerar positivamente a utilidade dos resultados do VIGITEL, aproveitando-os da melhor maneira possível. Acredito que isso esteja sendo realizado pelo Ministério da Saúde.