ARTIGO ARTICLE
Tabagismo associado a outros fatores comportamentais de risco de doenças e agravos crônicos não transmissíveis
Smoking associated with other behavioral risk factors for chronic non-communicable diseases
Silvia Justina Papini BertoI; Maria Antonieta Barros Leite CarvalhaesI; Erly Catarina de MouraII
IFaculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, Brasil
IIUniversidade Federal do Pará, Belém, Brasil
ABSTRACT
The study interviewed 1,410 adults by telephone. Respondents comprised a random sample and represented the population over 18 years of age living in households with landline telephone services. Smoking prevalence was 21.8%, higher in males (25%) and in the 18-29 year bracket. Smoking and sedentary lifestyle occurred together in 13.9% of males and 14.2% of females; smoking and low fruit consumption in 12.9% of males and 12.3% of females; and smoking and low vegetable consumption in 5.8% of males and 5.1% of females. An association between smoking and excessive alcohol intake was only observed in males (3.5%). As observed for smoking alone, the simultaneous occurrence of smoking and other behavioral risk factors for CNCD was inversely associated with schooling. Evidence of clustering between smoking and sedentary lifestyle, smoking and excessive alcohol intake, and smoking and improper diet thus calls for interventions focused on prevention and the concomitant reduction of major behavioral risk factors.
Smoking; Sedentary Lifestyle; Life Style; Food Habits
RESUMO
Foram entrevistados via ligação telefônica 1.410 indivíduos, amostra aleatória e representativa da população acima de 18 anos residente em domicílios conectados à rede de telefonia fixa. A prevalência de tabagismo foi de 21,8%, maior em homens (25%) e em indivíduos na faixa entre 18 e 29 anos. Tabagismo e sedentarismo juntos ocorrem em 13,9% dos homens e 14,2% das mulheres; tabagismo e baixo consumo de frutas em 12,9% dos homens e 12,3% das mulheres; e tabagismo e baixo consumo de legumes em 5,8% dos homens e 5,1% das mulheres. A associação de tabagismo e consumo excessivo de álcool foi observada apenas nos homens (em 3,5% deles) e, da mesma forma que verificada para tabagismo isoladamente, sua ocorrência concomitante a outros fatores comportamentais de risco de doenças e agravos crônicos não transmissíveis (DANT) associou-se inversamente à escolaridade. Os dados apontam indícios de efeito de aglomeração entre tabagismo e sedentarismo, tabagismo e álcool em excesso, tabagismo e dieta inadequada, justificando intervenções focadas na prevenção e redução concomitante dos principais fatores comportamentais de risco de DANT.
Tabagismo; Estilo de Vida Sedentário; Estilo de Vida; Hábitos Alimentares
Introdução
Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que as doenças e agravos crônicos não transmissíveis (DANT) são responsáveis por 58,5% de todas as mortes e por 45,9% da carga total global de doenças expressa por anos perdidos de vida saudável. No Brasil, mortes por doenças respiratórias, cardiovasculares, câncer e diabetes, entre outras, somaram 62,8% das mortes documentadas em 2004. A projeção da OMS é que esse grupo de doenças seja a primeira causa de morte em todos os países em desenvolvimento até 2010. Tabagismo, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, obesidade, consumo excessivo de gorduras saturadas, ingestão insuficiente de frutas e hortaliças e inatividade física são os principais fatores de risco modificáveis responsáveis pela maioria das mortes por DANT e por fração substancial da carga de doenças em razão dessas enfermidades, de acordo com a OMS 1.
Estudos mostram que esses fatores tendem a ocorrer simultaneamente 2,3,4,5 e que a presença concomitante de tabagismo e outros fatores de risco para DANT eleva a probabilidade do indivíduo desenvolver doenças crônicas (doença cardiovascular, câncer etc.) além do aumento que corresponderia à soma dos riscos associados a cada fator separadamente, agravando significativamente o risco de mortalidade 6,7.
Em Madri, Espanha, cerca de 20% dos adultos apresentavam três ou quatro fatores de risco simultâneos, sendo tabagismo o fator que apareceu em mais associações 4. Em uma população composta de 1.465 indivíduos adultos de Bogotá, Colômbia, o sedentarismo foi o fator mais comumente associado a outros, pois 42% dos indivíduos apresentavam dois e 21% três fatores de risco simultâneos 5. Tabagismo em associação com consumo abusivo de álcool tem sido amplamente detectado em estudos internacionais 4,8,9,10.
Dos fatores comportamentais de risco implicados na gênese de muitas doenças crônicas, o tabagismo é um dos principais, sendo a principal causa de morte evitável em todo o mundo - atualmente 4 milhões de óbitos anuais, podendo chegar, em 2030, a 10 milhões de mortes 1. Além da mortalidade, o hábito de fumar está associado ao desenvolvimento de hipertensão, aterosclerose, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, enfisema pulmonar, doenças respiratórias, coronariopatias e vários tipos de câncer (pulmão, boca, laringe, próstata e outros) 11.
No estudo de Madri, já citado, além das altas taxas de tabagismo (41,7% nos homens e 36,6% nas mulheres), o resultado considerado mais relevante pelos autores foi identificar que apenas 3,1% e 3,4% de homens e mulheres, respectivamente, eram somente tabagistas, isto é, não apresentavam simultaneamente outro fator de risco de DANT. Cerca de 19% dos homens apresentavam tabagismo e mais um segundo fator e 15,4% tabagismo e dois outros fatores. Nas mulheres, 20,1% eram tabagistas e apresentavam também um segundo fator, 11,4%, além de tabagistas, apresentavam mais outros dois fatores de risco de DANT 4.
No Brasil, estudo com idosos investigou a presença simultânea de dois ou mais fatores de risco de DANT (incluindo fatores comportamentais e não comportamentais), detectando-a em 71,3% dos indivíduos 9. Na Região Sul do Brasil, um estudo populacional detectou que 53,4% da população adulta apresentavam dois ou mais fatores de risco de doenças crônicas 12 e em Salvador, Bahia 13, 69% dos homens e 68,1% das mulheres adultas apresentavam dois ou mais fatores de risco (comportamentais e/ou bioquímicos) de DANT 13. Embora possíveis de serem produzidas a partir dos dados do sistema VIGITEL 14, estimativas da ocorrência simultânea de fatores de risco de DANT na população adulta brasileira ainda não estão disponíveis.
Considerando os estudos brasileiros acima citados e os realizados em outros países 4,5,10, parece de particular interesse o conhecimento sobre a ocorrência simultânea de tabagismo e outros fatores comportamentais em contextos específicos, tanto para orientar a política de promoção da saúde como, eventualmente, ampliar o foco dos programas de cessação deste hábito.
O presente artigo apresenta a prevalência de tabagismo e a prevalência simultânea de tabagismo e outros fatores comportamentais de risco de DANT (sedentarismo, consumo excessivo de álcool, obesidade e alimentação inadequada) em adultos a partir de dados obtidos com a aplicação do sistema VIGITEL, no Município de Botucatu, São Paulo, no período de 2004/2005 15.
Método
Delineamento
Os dados analisados são provenientes de um estudo transversal, mediante entrevistas telefônicas, realizado entre 2004/2005 no Município de Botucatu, que constituiu a linha de base de um sistema de monitoramento de fatores de risco de DANT modificáveis por intervenções de saúde. A concepção do estudo, o processo de amostragem, o questionário e a coleta de dados foram descritos detalhadamente em publicações anteriores 14,15,16 e são apresentados resumidamente, a seguir.
Amostra
Foi calculado em 1.000 o número mínimo de entrevistas a serem realizadas para poder estimar, com coeficiente de confiança de pelo menos 95% e erro máximo de 5%, a freqüência de consumo de tabaco e de outros fatores de risco de DANT na população adulta do Município de Botucatu.
Devido à dificuldade de se estimar o número de linhas que deveriam ser sorteadas para a obtenção do número desejado de linhas elegíveis (linhas residenciais ativas), o processo de amostragem foi realizado em etapas:
i) Inicialmente, foram sorteadas 1.867 linhas do cadastro da empresa responsável pela telefonia fixa do Município do Botucatu. O sorteio foi realizado por funcionário da empresa, com acompanhamento de um membro da equipe responsável pelo projeto;
ii) A seguir, essas linhas foram re-sorteadas e divididas em seis réplicas de 311/312 linhas, de modo que cada réplica contivesse uma subamostra representativa da total;
iii) Apenas após a confirmação da elegibilidade (linha residencial ativa) de cada linha, realizou-se o sorteio de um morador adulto (18 anos ou mais) por linha. Este sorteio foi feito com base em seqüências aleatórias de números. A entrevista era então agendada ou realizada imediatamente, se a pessoa sorteada estivesse presente e disponível.
Do total de linhas sorteadas, 1.622 (86,9%) foram confirmadas como elegíveis, sendo número fora de serviço a principal causa de não elegibilidade (n = 136). Entretanto, a amostra estudada consistiu de 1.410 adultos, e as perdas (212) em relação às elegíveis decorreram de vários motivos: 36 linhas não puderam ser contatadas após 10 tentativas, em dias de semana e horários variados, não tendo sido possível sortear o indivíduo a ser entrevistado; 95 indivíduos sorteados se recusaram a participar do estudo; 60 não foram mais contatados após terem concordado e agendado a entrevista. Houve ainda 21 indivíduos que iniciaram a entrevista, mas a interromperam, solicitando contato futuro que não pôde ser realizado. Assim, a taxa de sucesso do sistema foi de 86,9% (proporção de entrevistados sobre o total de linhas elegíveis), havendo 5,8% (n = 95) de recusas e 7,3% de perdas por outras razões.
Questionário e coleta de dados
O questionário foi construído de modo a permitir entrevistas telefônicas com o emprego de computadores, ou seja, as perguntas eram lidas diretamente da tela do monitor de vídeo e as respostas registradas diretamente em meio eletrônico, o que permitia viabilizar a alimentação direta e contínua de banco de dados em formato "d-base". Incluiu 74 questões sobre características demográficas e sócio-econômicas dos entrevistados, padrões de alimentação e de atividade física, consumo de cigarros e de bebidas alcoólicas, peso e altura referidos pelos entrevistados e referência a diagnóstico médico anterior de hipertensão arterial e diabetes. Para este artigo foram usadas as questões sobre consumo de tabaco: consumo atual de tabaco; consumo de tabaco no passado; número de cigarros consumidos por dia e, também, idade, sexo, sedentarismo, estado nutricional, escolaridade, freqüência de consumo de bebida alcoólica, vegetais e frutas.
A coleta de dados ocorreu no período de 20 de setembro a 20 de dezembro de 2004 e entre 15 a 30 de janeiro de 2005, envolvendo equipe técnica composta por três entrevistadores e um supervisor.
Variáveis em estudo
As variáveis utilizadas neste estudo foram:
i) Tabagismo: para descrever o tabagismo na população foram considerados os seguintes indicadores: consumo atual de tabaco (sim, não); consumo de tabaco no passado (sim, não); número de cigarros consumidos por dia (< 10, 10-19, 20 e +).
ii) Sedentarismo: foi definido como a proporção de indivíduos que não praticava qualquer atividade física de lazer nos três meses anteriores, que não realizava esforços intensos no trabalho, que não se deslocava para o trabalho caminhando ou de bicicleta e que não era responsável pela "limpeza pesada" de suas casas.
iii) Baixo consumo de frutas: situação atribuída aos indivíduos que referiram não ingerir regularmente este grupo de alimentos em 5 ou mais dias da semana.
iv) Baixo consumo de saladas: situação atribuída aos indivíduos que referiram não ingerir regularmente este grupo de alimentos em 5 ou mais dias da semana.
v) Baixo consumo de alimentos reguladores: situação atribuída aos indivíduos que não consumiam regularmente (em 5 ou mais dias da semana) frutas, saladas e legumes.
vi) Consumo excessivo de bebidas alcoólicas: foi considerado consumo excessivo quando o entrevistado relatou consumir em 5 ou mais dias da semana mais de duas doses de bebida, para homens, e mais de uma dose, para mulheres.
vii) Estado nutricional: com base no IMC, categorizado em sem excesso de peso (IMC < 25kg/m2), com excesso de peso (IMC > 25kg/m2) e obesos (IMC > 30kg/m2).
viii) Escolaridade: em 3 níveis, 0-8, 9-11 e > 12 anos.
ix) Faixa etária: em 5 níveis, 18-29, 30-39, 40-49, 50-59 e 60 ou mais anos de idade.
Análise dos dados
Para produzir estimativas válidas para o conjunto da população adulta do município, foram adotados dois fatores de ponderação. Foram calculadas inicialmente estimativas da prevalência dos indicadores para a população adulta com telefone do Município de Botucatu e, neste caso, foi empregado fator individual de ponderação, correspondente ao número de adultos no domicílio do entrevistado multiplicado pelo inverso do número de linhas telefônicas. Para corrigir a eventual sub ou super-representação de determinados estratos demográficos e sócio-econômicos nesta população, com relação à população adulta total do município, adotou-se um segundo fator adicional de ponderação, que veio a ser a razão entre a freqüência relativa de indivíduos presentes nesses estratos na população estudada pelo VIGITEL e na população adulta total do município estudada pelo Censo Demográfico de 2000 17. Maiores detalhes do cálculo desse segundo fator de ponderação podem ser obtidos consultando-se publicações anteriores 14,15.
O processamento de dados e as análises estatísticas foram feitos com o auxílio do programa SPSS versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), que permite o uso de amostras ponderadas. Para avaliar a significância estatística das associações pesquisadas, empregou-se teste estatístico baseado na distribuição do qui-quadrado, (com p < 0,05 como nível crítico). Para verificar a tendência, usou-se o teste Ç2 de tendência pela estatística de Cochran-Armitage (programa SAS, v 9.1; SAS Inst., Cary, Estados Unidos).
Aspectos éticos
Conforme adotado na primeira aplicação pioneira do sistema VIGITEL 16, no Município de São Paulo, tratando-se de uma pesquisa por telefone, o consentimento livre e esclarecido assinado foi substituído pelo consentimento verbal, obtido por ocasião dos contatos telefônicos com os entrevistados. Esclareceu-se que os dados obtidos seriam utilizados apenas para fins de pesquisa e monitoramento de fatores de risco para DANT, subsidiando o desenvolvimento de intervenções locais. A todos os entrevistados forneceu-se um número de telefone para esclarecimento de dúvidas quanto ao projeto. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e contou também com a ciência e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista.
Resultados
A Figura 1 apresenta a distribuição dos homens e mulheres segundo o consumo de tabaco atual ou passado. Em conjunto, a maioria nunca fumou, porém a freqüência de fumantes e ex-fumantes (53%) em homens superou a daqueles que nunca fumaram. Entre fumantes, cerca de 40% fumam 20 ou mais cigarros ao dia e apenas 21% menos de 10, mas homens e mulheres têm comportamentos diferentes com relação ao número de cigarros consumidos: 15% e 28%, respectivamente, fumam menos de 10 cigarros por dia. Tais dados constam da Figura 2.
A Tabela 1 apresenta as taxas de tabagismo em homens e mulheres segundo idade, escolaridade e estado nutricional. Observou-se uma associação não linear entre tabagismo e idade. As taxas mais altas ocorreram nos jovens (18-29 anos) e também nos adultos entre 40-49 anos, as menores, entre 30-39 e acima de 60 anos. Constatou-se queda abrupta da prevalência na faixa etária entre 30 e 39 anos em comparação à observada nos mais jovens, e queda progressiva do tabagismo a partir de 40 anos. Em relação à escolaridade, encontrou-se associação linear e inversa: queda da prevalência de tabagismo com aumento do nível de escolaridade, tanto para os homens quanto para mulheres. A associação entre tabagismo e estado nutricional variou segundo sexo. Em homens, as taxas de fumantes caem de 33,2% em indivíduos sem excesso de peso para 24% naqueles com sobrepeso e 4% nos obesos, comportamento distinto do observado nas mulheres: menores freqüências naquelas com sobrepeso e prevalências semelhantes no grupo sem excesso de peso e em obesas.
Na Tabela 2, apresentam-se as prevalências de tabagismo associado a outros fatores de risco comportamentais em homens e mulheres adultos do Município de Botucatu. A associação mais freqüente foi tabagismo e sedentarismo, presente em 13,9% dos homens e 14,2% das mulheres do município; em seguida, com freqüências um pouco menores, tabagismo e baixo consumo de frutas. A prevalência de tabagismo e consumo excessivo de álcool foi de 3,5% nos homens, associação de fatores não observada nas mulheres.
A escolaridade se associou com a prevalência simultânea de tabagismo e outros fatores de risco de DANT, dados que podem ser observados na Tabela 3. Em homens, a prevalência de tabagismo e consumo excessivo de álcool cai com o aumento da escolaridade. A mesma tendência foi observada, em homens e mulheres, para tabagismo junto com sedentarismo e para tabagismo com excesso de peso.
Discussão
A validade de estimativas de prevalências de fatores de risco de doenças e agravos crônicos não transmissíveis obtidas por meio do inquérito telefônico VIGITEL tem sido demonstrada 18,19. Destaca-se que a pesquisa em Botucatu apresentou elevada proporção de entrevistas completadas em relação ao total de indivíduos sorteados (86,9%), ligeiramente superior à observada em São Paulo (84,7%) 15. Não sendo universal a cobertura domiciliar de tefonia fixa, uma limitação dos dados é a menor proporção de indivíduos do sexo masculino, de idades menores de 39 anos e dos menores estratos de escolaridade na amostra em relação à população total do município. Entretanto, com a aplicação de fatores de ponderação, as estimativas foram ajustadas para essas diferenças, e se pode considerá-las válidas para adultos do Município de Botucatu 15.
A prevalência de tabagismo (21,8%) foi semelhante à obtida em São Paulo (21%), em 2008, ano em que esta cidade foi a capital com maior prevalência de fumantes no Brasil. Destaca-se também que 8,4% dos indivíduos adultos de Botucatu eram tabagistas pesados (> 20 unidades/dia), índice bastante alto se comparado aos obtidos para as capitais brasileiras pelo VIGITEL em 2008 14, quando a maior frequência de fumantes pesados foi 8,2%, em Porto Alegre. Esses resultados situam Botucatu no grupo de municípios brasileiros com altas taxas de tabagismo e apontam a necessidade de intervenções, tanto para prevenção do início de tabagismo em jovens como para a cessação deste hábito nos fumantes.
Os achados do presente estudo sobre a distribuição do tabagismo segundo sexo e escolaridade concordam com a literatura, apoiando a validade dos resultados. As maiores freqüências de tabagistas têm sido observadas em homens 20 e indivíduos com baixa escolaridade 21. Quanto à idade, os resultados mostraram uma situação complexa e difícil de explicar, caracterizada por alta freqüência de jovens fumantes (18-29 anos), queda abrupta na faixa seguinte, novamente uma elevação na faixa de 40-49 anos, seguida de queda contínua com o envelhecimento. É possível que muitos jovens que se declararam tabagistas estivessem experimentando o tabaco; nas faixas etárias mais velhas, o declínio da freqüência de tabagistas é esperado, uma vez que aumenta a cessação do hábito de fumar por conta da preocupação com a saúde ou da presença de doenças 22.
Estudos internacionais 23,24,25 observaram significativa relação inversa entre uso regular de tabaco e peso corporal, que tende a ser mais baixo entre fumantes quando comparados a não fumantes. A ação do fumo no peso corporal parece ser mediada pela nicotina, que induz à supressão do apetite, provavelmente pelo aumento dos neurotransmissores anorexígenos dopamina e serotonina 26, intensificada pelo possível aumento sérico de leptina nos fumantes 27. Outra ação da nicotina é o aumento da atividade adrenérgica que induz a termogênese e a conseqüente redução do peso corporal 25,28. No presente estudo a proporção de tabagistas foi mais baixa nos homens obesos, mas não nas mulheres. Um IMC médio maior em mulheres fumantes quando comparadas com não fumantes já foi observado no Brasil 29. Uma possível explicação para este resultado poderia ser o fato de as mulheres obesas estarem fumando para emagrecer ou controlar o ganho de peso. Dada a natureza transversal e quantitativa deste estudo, não é possível testar esta hipótese, cabendo a novos estudos com desenho longitudinal e a estudos qualitativos semelhante tarefa.
O principal foco do presente estudo foi a quantificação da simultaneidade de outros fatores de risco junto ao tabagismo. Considerando o tabagismo comum para todas as associações de fatores pesquisadas, sua ocorrência com o sedentarismo foi a mais comum, para ambos os sexos, seguida de tabagismo e baixo consumo de frutas e tabagismo e baixo consumo de legumes. Sedentarismo, baixo consumo de frutas e de legumes são comportamentos de risco de DANT muito freqüentes na população em geral 15,16,21,30. Assim, não foi surpresa que tais fatores apareceram como os mais comuns em associação ao tabagismo. Todavia, como a freqüência de sedentarismo nos tabagistas foi maior do que na população em geral do município (56% vs. 43,1% em homens e 62% vs. 58,2% em mulheres), há indícios de um efeito de aglomeração entre os dois fatores, particularmente evidente nos homens. O mesmo efeito parece existir entre tabagismo e baixo consumo de frutas, nas mulheres (62,7% nas tabagistas vs. 47,7% na população) e entre tabagismo e consumo excessivo de álcool, nos homens (18,1% nos tabagistas vs. 6,8% na população em geral).
Estimativas da existência de aglomeração de fatores comportamentais de risco de DANT, realizadas por estudos internacionais 4,5,9,10 , levaram ao reconhecimento de que muitos destes estão inter-relacionados e participam como intermediários em uma cadeia causal. Como conseqüência, uma efetiva prevenção só seria alcançada com a melhoria da ocorrência concomitante dos vários fatores de risco comportamentais modificáveis associados às DANT, nos indivíduos e nas populações.
Há evidências consistentes de que, isoladamente, todos os fatores comportamentais pesquisados e freqüentes na população adulta estudada aumentam o risco de doenças e de morte. Evidências epidemiológicas mostram associação inversa entre consumo adequado de frutas e vegetais e risco de doenças cardiovasculares 31. Deve-se lembrar que no presente estudo a segunda mais freqüente associação de fatores foi tabagismo e baixo consumo de frutas (12,9% nos homens e 12,3% nas mulheres).
Os hábitos alimentares do fumante se devem à redução do paladar e do olfato, conseqüente à ação da nicotina no sistema nervoso central, provavelmente pelo aumento dos neurotransmissores anorexígenos dopamina e serotonina 25,26,, fazendo-os consumir menos vegetais e frutas, e, muitas vezes, sobrecarregar nos temperos e no sal. A ocorrência de vários hábitos alimentares inadequados em tabagistas é muito comum: alto consumo de café, de bebidas alcoólicas e de guloseimas, estas últimas para tentar eliminar o odor da fumaça.
Consumo excessivo de álcool em combinação com outros fatores comportamentais de risco 4,5,9,32, inclusive com tabagismo, tem sido detectado. Estudando apenas adultos jovens, Gutiérrez et al. 5 observaram a associação de tabagismo e consumo de álcool em 10% da população masculina de Santa Fé, na Colômbia, fatores não observados em conjunto nas mulheres. A freqüência em Botucatu desses dois fatores juntos nos homens acima de 18 anos foi menor (3,5%) e também não foi observada nas mulheres.
Vários estudos de agregação de fatores encontraram associação inversa entre sua ocorrência e aumento da escolaridade 30,32,33. Em Botucatu, quanto maior o nível de escolaridade, menor o consumo de tabaco associado ao sedentarismo e menor a freqüência de tabagismo e excesso de peso, em ambos os sexos, sugerindo que mais conhecimento influencia positivamente na adoção conjunta de diversos hábitos saudáveis. A escolaridade, variável consistentemente associada com melhores indicadores de saúde, desponta como fator de proteção contra a ocorrência simultânea de comportamentos não saudáveis, apoiando investimentos no aumento da escolaridade de crianças e jovens como promissora política pública de promoção da saúde e redução de DANT. Por outro lado, os indivíduos menos escolarizados devem ser alvo preferencial de ações educativas de prevenção e controle de hábitos não saudáveis.
Como as DANT compartilham vários fatores de risco, e como tais fatores não ocorrem isoladamente nos indivíduos, o enfoque da OMS, que propõe uma abordagem integrada de prevenção e controle, em todas as idades, baseada na redução concomitante dos principais fatores comportamentais (fumo, sedentarismo, álcool em excesso, dieta inadequada e obesidade), deve ser adotado 34.
Conclusão
A prevalência de tabagismo na população de Botucatu foi de 21,8%, sendo maior nos homens, na população mais jovem e com menor nível de escolaridade. Combinações de tabagismo e outros fatores comportamentais de risco de DANT ocorreram em frequências expressivas, sendo tabagismo associado a sedentarismo a mais freqüente (13,9% nos homens e 14,2% nas mulheres), seguida de tabagismo e baixo consumo de frutas e hortaliças. Em homens, 3,5% são tabagistas e apresentam consumo excessivo de álcool. A ocorrência desses fatores nos tabagistas foi maior do que na população em geral, indicando um possível efeito de aglomeração de fatores.
Colaboradores
S. J. P. Berto realizou a análise dos resultados e elaborou o artigo. M. A. B. L. Carvalhaes elaborou do projeto inicial, executou a coleta de dados e elaborou o artigo. E. C. Moura elaborou o projeto inicial, executou o projeto, analisou os resultados e revisou o artigo.
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Correspondência
S. J. P. Berto
Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista.
Distrito de Rubião Júnior s/n, Botucatu, SP
18618-000, Brasil.
spberto@fmb.unesp.br
Recebido em 13/Ago/2009
Versão final reapresentada em 30/Mar/2010
Aprovado em 10/Jun/2010