ARTIGO ARTICLE

 

Desigualdade sócio-espacial expressa por indicadores do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC)

 

Socio-spatial inequality expressed by indicators from the Information System on Live Births (SINASC)

 

 

Kelen Marja PredebonI; Thais Aidar de Freitas MathiasII; Tirza AidarIII; Ana Lucia RodriguesIV

ISuperintendência de São Paulo, Ministério do Trabalho e Emprego, São Paulo, Brasil
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil
IIINúcleo de Estudos de População, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IVSPrograma de Pós-graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil

Correspondência

 

 


ABSTRACT

Variables from the Information System on Live Births (SINASC) were geocoded for municipalities from Greater Metropolitan Maringá, Paraná State, Brazil, for 19 population expansion areas (PEA). Thematic maps and the Moran I statistic and local indicators of spatial autocorrelation (LISA) were used to evaluate autocorrelation between teenage motherhood, low schooling, black/brown race/color, insufficient number of prenatal visits, cesarean delivery, prematurity, low birth weight, and 5-minute Apgar less than 8. Low schooling, black/brown race/color, and 5-minute Apgar < 8 were concentrated in the peripheral PEA, with significant autocorrelation (Moran I: 0.50; 0.67; and 0.63, respectively), while high cesarean rates were concentrated in the central PEA (Moran I = 0.59), where "low-low" patterns were observed, with black or brown teenage mothers with low schooling. High-risk clusters were identified in the peripheral PEA of Greater Metropolitan Maringá, showing that PEA is a feasible methodological alternative, together with the SINASC, for monitoring socio-spatial inequalities in maternal and child health.

Live Birth; Information Systems; Health Inequalities; Spatial Distribution


RESUMO

Foram georreferenciadas variáveis do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) de nascimentos de residentes em municípios da Região Metropolitana de Maringá, Paraná, Brasil, por 19 Áreas de Expansão Demográfica (AED). Mapas temáticos e a estatística Moran I e LISA foram utilizadas para avaliar a autocorrelação de mãe adolescente, baixa escolaridade, raça/cor preta e parda, número insuficiente de consultas de pré-natal, parto cesáreo, prematuridade, baixo peso ao nascer e Apgar < 8 no 5º minuto. Baixa escolaridade, raça/cor preta e parda e Apgar < 8 no 5º minuto apresentaram padrão concentrado nas AED periféricas com autocorrelação significativa (Moran I: 0,50; 0,67 e 0,63, respectivamente), enquanto altas proporções de parto cesáreo concentraram-se nas AED centrais (Moran I = 0,59), onde se observaram padrões do tipo "baixo-baixo" para mães adolescentes, baixa escolaridade e raça/cor preta e parda. Foram identificados conglomerados de risco nas AED periféricas da Região Metropolitana de Maringá que mostram a AED como alternativa metodológica viável, juntamente com o SINASC, para monitoramento das desigualdades sócio-espaciais da saúde materno-infantil.

Nascimento Vivo; Sistemas de Informação; Desigualdades em Saúde; Distribuição Espacial


 

 

Introdução

A estreita relação entre desigualdades sociais, condições de vida e saúde tem sido historicamente um dos objetivos dos estudos epidemiológicos, fundamentais à implementação de estratégias efetivas de melhoria da qualidade e oferta de serviços de saúde à população 1,2. Para esses estudos, o georreferenciamento de informações vem merecendo destaque. A crescente disponibilização de informações sócio-econômicas, demográficas e de saúde para áreas internas aos limites geográficos e administrativos municipais, aliadas às ferramentas de análise espacial, também cada vez mais acessíveis, viabiliza uma diversidade de investigações sobre as inter-relações entre saúde, sociedade e meio ambiente. Informações mais detalhadas de características ambientais e da população residente em diferentes desagregações geográficas permitem a identificação das condições sociais no momento para o qual se analisam os dados empíricos e com relação ao contexto histórico estrutural em que se dá a formação dos grupos populacionais em questão. Considera-se, portanto, que a incorporação do espaço como fator relevante nas pesquisas sobre saúde possibilita avanços no conhecimento, não só de diferenciais inter e intramunicipais, como também da determinação social do processo saúde-doença e das desigualdades em saúde 3,4,5,6.

O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) é importante fonte de dados para estudos georreferenciados em base territorial, com variáveis de interesse epidemiológico 1,7. A utilização das informações disponíveis no SINASC para investigações epidemiológicas voltadas para explorar aspectos relativos às condições de vida, de saúde e de inserção espacial dos grupos humanos, quando o território é visto além da perspectiva geográfica, constitui importante alternativa teórico-metodológica para a análise das necessidades e desigualdades sociais, apontando áreas que mereçam atendimento prioritário ou diferenciado 4,8,9,10.

Considerando que os fenômenos sociais e as demandas da população relativas aos diversos setores de serviços públicos não se manifestam obedecendo aos limites administrativos municipais é necessário aprofundamento da compreensão da inter-relação e dependência dos municípios, particularmente no que refere às situações sociais e de saúde. Embora a literatura já disponibilize estudos desenvolvidos com essa perspectiva para municípios e outras regiões do país, ainda são escassas as pesquisas para o Estado do Paraná.

Maringá, Sarandi e Paiçandu são municípios localizados na região noroeste do Estado do Paraná e fazem parte da Região Metropolitana de Maringá, instituída pela Lei Estadual nº. 83/98. Mesmo que a Região Metropolitana de Maringá seja composta por 13 municípios, apenas Sarandi e Paiçandu são conurbados a Maringá, já que os três municípios configuram aglomerado urbano com alto grau de integração sócio-econômica e demográfica 11,12. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi descrever a distribuição espacial de variáveis do SINASC, identificar a existência de conglomerados de áreas homogêneas entre si, ou áreas isoladas com características distintas da vizinhança. Espera-se contribuir para o conhecimento das relações entre desigualdades sócio-espaciais e condições de saúde materno-infantil e localizar áreas prioritárias ao atendimento à saúde em Maringá e municípios conurbados.

 

Método

Trata-se de estudo ecológico, baseado em informações do banco de dados do SINASC cedido pela 15ª Regional de Saúde do Estado do Paraná. Foram estudados todos os nascidos vivos em 2006, filhos de mães residentes nos municípios de Maringá, Sarandi e Paiçandu com populações estimadas em 324.397, 88.747 e 37.096 habitantes, respectivamente 13. As taxas de mortalidade infantil, também em 2006, foram de 10,5 óbitos por mil nascidos vivos em Maringá, 16,6 em Sarandi e 14,1 em Paiçandu (Departamento de Informática do SUS. Cadernos de Informação de Saúde. http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/cadernosmap.htm, acessado em 01/Mar/2009).

Maringá, cidade de porte médio, é sede da 15ª Regional de Saúde do Paraná, está localizada em área privilegiada no sistema viário do estado, a 425km da capital, Curitiba. Maringá foi implantada pela Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) no final da década de 1940, planejada e projetada com amplas avenidas e espaços verdes. Até meados da década de 1970 a região tinha como base econômica o complexo cafeeiro, cultura com alta taxa de absorção de mão de obra, que foi substituída gradativamente pela pecuária e produção da soja, trigo e cana de açúcar. O intenso processo migratório regional proporcionou o crescimento do aglomerado e concentrou população no entorno de Maringá com aumento da urbanização que incluiu cidades vizinhas como Sarandi e Paiçandu. Maringá responde por grande parte do produto da indústria, do setor comercial e de serviços e pela maior participação na renda gerada pelo setor primário, o que demonstra a sua nítida função de pólo prestador de serviços 14. Tem hoje sua economia fundamentada na agricultura, pecuária e na atividade comercial intensa nos setores agroindustrial e de confecções.

Terceira cidade mais importante do Estado do Paraná, Maringá tem 99% da população residindo em área urbana, e se transformou em pólo regional para aproximadamente 116 municípios, sendo referência para a educação e serviços especializados de atenção à saúde. Possui uma rede com 23 unidades básicas de saúde organizadas em cinco regionais de saúde, três unidades de referência para o atendimento à saúde mental, além de duas policlínicas que oferecem consultas e exames especializados, e o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) 15. Existem seis hospitais gerais, um hospital psiquiátrico, um hospital do câncer, o Hospital Municipal e o Hospital Universitário Regional de Maringá. Do total de 1.151 leitos hospitalares, 387 são destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) (incluindo UTI) para atendimento de casos clínicos e cirúrgicos de média e alta complexidade atendendo a 15ª Regional, além de referência pactuada nos procedimentos de alta complexidade para Macrorregião Noroeste do Paraná 15.

O georreferenciamento das variáveis do SINASC foi feito valendo-se da base cartográfica do Observatório das Metrópoles - Núcleo Maringá, dos três municípios do estudo, em que são definidas, geograficamente, as unidades de análise, as Áreas de Expansão Demográfica (AED). As AED, também chamadas áreas de ponderação, são agrupamentos de setores censitários definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como homogêneos, com o intuito de garantir que informações amostrais coletadas sejam representativas. As AED foram construídas pelo IBGE mediante informações populacionais e de infra-estrutura conhecidas tais como a renda média e escolaridade dos responsáveis dos domicílios particulares do setor, número médio de pessoas por domicílio, porcentagem de domicílios ligados à rede de água e esgoto sanitário, dentre outros. Para os três municípios estão definidas 19 AED, 14 em Maringá, quatro em Sarandi e uma para todo o Município de Paiçandu (Figura 1).

O banco de dados foi codificado pela informação do SINASC "bairro de residência da mãe" por AED, unidades espaciais de análise deste estudo.

O total de nascimentos registrados no SINASC nos três municípios, em 2006, foi de 5.751, dos quais em 692 o endereço da mãe estava incompleto, 255 em Maringá, 234 em Sarandi e 203 em Paiçandu, sendo necessária a correção desse campo para a análise. Para isso foi feito, em primeiro lugar, uma reorganização do banco de dados e uma padronização do nome das ruas e bairros utilizando informações complementares como nome de estradas ou pontos de referência. Em seguida foram consultados os códigos de endereçamento postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em listas telefônicas impressas e em formato eletrônico, e finalmente foram feitas consultas às Declarações de Nascidos Vivos (DNV) que puderam ser localizadas nas secretarias de saúde dos municípios. Ainda assim houve perda de 5,8% (241 registros de nascimentos) para Maringá e de 6,3% (72 registros de nascimentos) para Sarandi, sendo georreferenciados 5.438 nascimentos. Não houve busca dos endereços incompletos para o município de Paiçandu, pois todos os bairros do município são classificados em uma única AED.

Quanto à cobertura dos registros e completude das informações neles constantes, destaca-se que os estados da Região Sul do país são os que apresentam os dados dos sistemas de informação em saúde de melhor qualidade. Estudo que investigou as desigualdades sócio-espaciais da adequação das informações de nascimentos do Ministério da Saúde mostrou que 81,8% dos municípios com menos de 50 mil habitantes e 73,1% dos municípios com mais de 50 mil habitantes da Região Sul tinham informação da cobertura de nascimentos registrados no SINASC considerada satisfatória, avaliada pela razão de nascidos vivos informados e nascidos vivos estimados 16. Especificamente para o Estado do Paraná, foi verificado que a qualidade do SINASC, para todas as variáveis, melhorou no período de 2000 a 2005. Apenas a variável "ocupação da mãe" oscilou de qualidade regular a ruim com percentual de não-declaração de 9,4% em 2000 e de 6,6% em 2005 17. Para o ano de 2006 e os três municípios considerados neste estudo, o percentual de não-declaração (dados não preenchidos somados aos ignorados) foi de 0,05% para a escolaridade da mãe, 0,01% para o tipo de parto, 0,07% para o número de consultas de pré-natal e 0,09% para o Apgar no 5º minuto.

As variáveis foram classificadas em sócio-econômicas (idade e escolaridade da mãe, e raça/cor do recém-nascido), assistenciais (número de consultas pré-natal e tipo do parto) e resultantes (peso ao nascer, vitalidade do recém-nascido e semanas de gestação). Assim, para cada uma das AED foram analisados os percentuais de mães adolescentes (< 20 anos), de mães com baixa escolaridade (< 8 anos de estudo), de recém-nascido com raça/cor não branca (preta e parda), de partos cesáreos, de número insuficiente de consultas de pré-natal (< 4 consultas), de baixo peso ao nascer (< 2.500g), de baixa vitalidade do recém-nascido (Apgar < 8 no 5º minuto) e de prematuridade (< 37 semanas de gestação).

Para a verificação de dependência espacial, foi utilizado coeficiente de autocorrelação global de Moran (I) e Moran local (LISA). O índice de Moran I é uma medida de correlação espacial que varia de -1 a +1, a depender do grau de associação espacial presente no conjunto dos dados. Será próximo de zero quando os atributos apresentam-se distribuídos aleatoriamente no espaço, positivo quando o valor do atributo de uma unidade espacial tende a ser semelhante aos valores dos seus vizinhos, e valores negativos indicam que valores altos tendem a acompanhar valores mais baixos dos vizinhos, ou vice-versa. O índice de Moran local (LISA), uma decomposição da medida global, produz valor específico para cada área geográfica indicando significância estatística de formação de conglomerados de áreas geográficas semelhantes ou isoladas em relação a determinado atributo. As áreas com resultados não significativos são aquelas para as quais não foram identificados padrões espaciais que se diferenciam do observado para o conjunto. As análises consideraram a vizinhança de primeira ordem, aquelas AED que fazem divisas geográficas 10. Para visualização das áreas, foram utilizados mapas temáticos que possibilitam a identificação de conglomerados de AED com percentual elevado de determinada variável e AED vizinhas com percentual também elevado (alto-alto); AED com percentual baixo vizinha de AED também com percentual baixo (baixo-baixo) ou AED com percentual alto vizinha de AED com percentual baixo (baixo-alto). O georreferenciamento das variáveis e as análises estatísticas foram realizados utilizando o programa de domínio público TerraView, versão 3.2.0 (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; http://www.dpi.inpe.br/terraview). Em atendimento à determinação da Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, e aprovado sob parecer 091/2008.

 

Resultados

A Tabela 1 mostra que as AED periféricas da região estudada, as quatro do Município de Sarandi (AED 16, 17, 18 e 19) e o Município de Paiçandu (AED 15) apresentaram os piores indicadores sócio-econômicos, embora existam espaços no Município de Maringá com altos percentuais de mães adolescentes e com baixa escolaridade, como a AED 13 (Zona Industrial). Merece destaque a AED 19 em Sarandi com 25,1% de mães adolescentes, 43,1% de mães com baixa escolaridade e 26,6% de nascimentos de raça/cor preta e parda.

A prevalência de baixa cobertura de pré-natal foi de 3,2% para os três municípios, destacando com os maiores percentuais uma AED em Maringá com 5,9% de mães que fizeram menos de quatro consultas de pré-natal (AED 9 - Conjunto Requião) e uma de Sarandi com 5,5% (AED 19 - Linha do Trem). Os partos cesáreos ocorreram, em média, em 71,7% do total de nascimentos em 2006, com percentual mais elevado de 85,5% na região da Zona 7 em Maringá (AED 3) e mais baixo, de 48,3% para a AED 19 (Sarandi, Linha do Trem) (Tabela 1).

Dentre as variáveis resultantes, a baixa vitalidade do recém-nascido no 5º minuto concentrou percentuais mais elevados em três das quatro AED do Município de Sarandi (AED 16, 17 e 19) e em uma AED da periferia de Maringá (AED 14) (Tabela 1).

Associação espacial significativa foi constatada para o conjunto dos dados de baixa escolaridade (p = 0,02); raça/cor preta e parda (p = 0,01); parto cesáreo (p = 0,01) e baixa vitalidade do recém-nascido no 5º minuto (p = 0,01) (Tabela 1).

Os mapas de significância do índice de Moran local possibilitaram identificar agrupamentos de AED com características semelhantes. As Figuras 2 e 3 mostram áreas de maior vulnerabilidade no entorno da sede metropolitana, com aglomerados para a baixa escolaridade, raça/cor preta e parda e baixa vitalidade do recém-nascido no 5º minuto (alto-alto) nas AED 16, 17 e 18 de Sarandi.

Os resultados mostram padrão de dependência do tipo alto-alto para o parto cesáreo na região central de Maringá e baixo-baixo no Município de Sarandi (Figura 2).

Embora o índice geral não tenha apontado grau de dependência espacial significativo para a prematuridade e o baixo peso, neste último caso os índices locais apontam concentração de áreas com bons indicadores na região de Sarandi, AED 16, 17 e 18 que apresentam menos de 6% dos recém-nascidos com baixo peso ao nascer (Tabela 1 e Figura 3).

 

Discussão

As técnicas de geoprocessamento permitem o mapeamento de condições de vida e abrem campo para desenvolvimento de outros estudos ao identificar necessidades de grupos da população que compartilham condições sócio-econômicas semelhantes. A identificação de conglomerados de áreas homogêneas, ou mesmo de áreas isoladas quanto à determinada característica pode auxiliar no estabelecimento de prioridades em áreas carentes, onde as iniqüidades são maiores e necessitam de ações dos serviços de saúde e também ações articuladas de diferentes setores e instituições 18.

Este estudo analisou os padrões de distribuição espacial de variáveis do SINASC em Maringá e municipios conurbados e identificou conglomerados de áreas com desigualdades sócio-espaciais, mostrando que existe heterogeneidade entre e dentro dos três municípios em relação a indicadores sócio-econômicos, assistenciais e de resultado, construídos na fonte do banco de dados do SINASC.

Altos percentuais de mães adolescentes (Tabela 1) e a concentração espacial não aleatória de mães com baixa escolaridade, de nascidos vivos pretos e pardos e com baixa vitalidade no 5º minuto, especialmente nos municípios de Sarandi e Paiçandu, aponta para a carência e vulnerabilidade dessa população. Pelos dados do SINASC, registrados em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2004, foi verificado padrão semelhante ao encontrado no presente estudo, em que bairros definidos como de classe média e alta tinham baixas proporções de mães adolescentes, apresentando mesma situação com autocorrelação espacial significativa 10. Estudos desenvolvidos em outros municípios demonstraram também maior concentração de mães adolescentes em áreas com pouca oferta de serviços e infra-estrutura urbana, onde reside população em piores condições sociais 8,9. A escolaridade da mãe como indicador de nível sócio-econômico, além de ser um marcador importante para determinar o acesso aos serviços de saúde de qualidade e melhor apropriação de práticas preventivas, é considerada fator associado ao peso ao nascer e à morbimortalidade neonatal 19.

Por outro lado, as áreas mais centrais do Município de Maringá apresentaram os menores percentuais de mães adolescentes, de mães com baixa escolaridade e de raça/cor preta e parda, além das maiores taxas de parto cesáreo. Tais resultados corroboram outros estudos que apontam para uma eqüidade inversa expressa pela estreita relação entre a prevalência de parto cesáreo e as melhores condições sócio-econômicas da população 2,8,9. Isto é, a parcela da população de menor risco e que menos necessita, pois tem maior acesso aos serviços de saúde, à informação e a recursos materiais para manutenção de comportamentos saudáveis é justamente a que faz mais uso do método cirúrgico 20.

Os resultados mostraram que, em geral, os serviços de saúde oferecem cobertura de pré-natal satisfatória para grande parte das mães residentes em Maringá, Sarandi e Paiçandu. Com objetivo central de reduzir as taxas de morbimortalidade materna, perinatal e neonatal, o Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) do Ministério da Saúde, Portaria nº. 569 de 1º de junho de 2000 21, recomenda iniciar o acompanhamento da gestante no primeiro trimestre de gravidez e realizar no mínimo seis consultas, sendo preferencialmente uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro trimestre da gestação. Ou seja, sob o ponto de vista da capacidade do serviço de promover a adesão da gestante ao atendimento, o número de consultas de pré-natal reflete também a qualidade da assistência. Ainda que sem significância estatística, observou-se que uma AED de Maringá (AED 9) e uma de Sarandi (AED 19) apresentaram os percentuais mais elevados de baixa cobertura de pré-natal (5,9% e 5,5%, respectivamente), o que pode indicar algum grau de dificuldade de acesso e acessibilidade encontrado pelas gestantes residentes nessas áreas.

Mesmo que o baixo peso ao nascer e a prematuridade sejam reconhecidamente associados à morbimortalidade infantil e, por sua vez, a fatores sócio-econômicos e contextos sociais, os resultados deste estudo não apontaram correlação espacial significativa para essas variáveis, ao menos para a escala de análise adotada, resultado que concorda com estudo do perfil de nascimentos no Município do Rio de Janeiro, em 1994 9. No mesmo sentido, pesquisa sobre a distribuição espacial no Estado de Sergipe concluiu que o percentual do baixo peso não apresentou diferenciais regionais e aparece apenas como indicador de risco individual 22. É preciso assinalar a importância da escala utilizada, pois o fato de as análises em nível agregado não indicarem correlação direta entre a proporção de recém-nascido com baixo peso ao nascer em áreas com condições sociais adversas, não significa que, individualmente ou em escalas mais desagregadas, tal associação não ocorra. Assim, os resultados apontam para a necessidade de estudos que analisem a relação do peso ao nascer e de prematuridade com a alta prevalência de parto cesáreo em Maringá, Sarandi e Paiçandu, sobretudo nas áreas centrais de Maringá.

Ainda com relação às variáveis resultantes, a maior prevalência de recém-nascido com baixa vitalidade nas áreas periféricas não só reafirma a associação da saúde infantil com fatores sócio-econômicos pré-existentes na comunidade 6, como aponta para a necessidade de melhorar a qualidade e acesso aos serviços de assistência ao pré-natal e ao parto que visem à eqüidade, adotando procedimentos diferenciados que busquem a diminuição das desigualdades. É necessário que nessas áreas haja maior esforço das equipes de saúde em qualificar a assistência ao pré-natal e ao parto, captar as gestantes mais vulneráveis como as mães adolescentes com baixa escolaridade e de raça/cor preta e parda, características mais presentes nas populações residentes nas AED periféricas, nos municípios de Sarandi e Paiçandu.

A confluência de carências em áreas específicas dos três municípios de estudo remete ao histórico da fundação desses municípios que reproduziu, desde o início, processos de desigualdades sociais 11. Maringá iniciou seu desenvolvimento na década de 1940 pela compra de terras do estado pela CMNP. A empresa definiu como os espaços seriam loteados e as formas de venda, tornando o centro de Maringá o local mais valorizado e diminuindo os preços conforme as áreas se afastassem dele, o que se reflete hoje nas formas de urbanização da cidade, caracterizada pelo modelo núcleo-periferia. O resultado desse movimento é a predominância de população de camadas média alta no centro de Maringá e, na periferia do município, a ocupação dá-se pelas médias baixas e baixas camadas.

Esse modelo núcleo-periferia se reproduz em relação aos municípios do entorno no qual Maringá se configura como o centro da ocupação e os municípios contíguos como periféricos, estabelecendo diferenciação na ocupação do espaço urbano e legitimando a desigualdade e a segregação residencial 11. Em sua maioria, os moradores que se instalavam em Sarandi e Paiçandu eram aqueles que não possuíam recursos suficientes para adquirirem terrenos em Maringá, procurando, dessa forma, os municípios vizinhos como possibilidade de manutenção das relações de trabalho, educação e serviços, gerando um modelo núcleo-periferia de Maringá em relação aos municípios vizinhos 11. Assim, faz-se necessária a intervenção com ações dos serviços de saúde e políticas públicas nessa realidade já que a existência de segregação sócio-econômica e espacial retrata também as características relacionadas às condições de saúde, de acesso e de acessibilidade e aos serviços básicos.

A utilização de dados de saúde e dados demográficos dos sistemas de informação do SUS para análise espacial implica algumas considerações. A primeira consiste em reiterar o potencial do SINASC para gerar conhecimento sobre a distribuição de eventos e características das mães e dos recém-nascidos por áreas geográficas, com possibilidade de indicação de áreas críticas. A relevância dos estudos de geoprocessamento, com utilização de variáveis dos bancos de dados do SUS, coletadas rotineiramente nos serviços de saúde, reside também na constatação de sua validade em monitorar a evolução dos resultados das desigualdades sociais na saúde da população. A análise espacial das variáveis do SINASC na Região Metropolitana de Maringá mostrou que a escolaridade, a idade da mãe, o tipo de parto e a raça/cor e ainda a vitalidade do recém-nascido podem ser utilizados como indicativos de situação sócio-econômica, pois sua ocorrência no território concordou com os perfis sociais da população residente nas zonas centrais de Maringá e na periferia, nos municípios de Sarandi e Paiçandu.

Destaca-se, portanto, que as ações de enfrentamento dos problemas de saúde devem considerar os aglomerados urbanos porque os fenômenos sociais e as demandas da população com relação aos diversos setores dos serviços públicos não se manifestam obedecendo aos limites administrativos municipais, em especial para as maiores aglomerações urbanas. Logo, tanto a identificação dos problemas quanto o planejamento de ações de intervenção devem ser desenvolvidos com base em abordagens que considerem o contexto regional.

Este estudo mostrou ainda que a utilização das AED como unidades de análise pode ser alternativa metodológica viável em análise espacial de desigualdades em saúde infantil, por serem agregados de setores censitários com representatividade para informações da amostra do censo demográfico e relativa homogeneidade quanto a indicadores sócio-econômicos e de infra-estrutura 23. Estudo desenvolvido para análise de desigualdades na saúde da criança segundo o espaço geográfico conclui, igualmente, que os dados censitários agrupados por área segundo medidas sócio-econômicas podem ser utilizados em conjunto com os dados dos sistemas oficiais de informações de vigilância em saúde para melhorar o monitoramento das desigualdades em saúde nos Estados Unidos 6.

Todavia, a precisão na localização do evento de saúde no território depende da escala utilizada para o georreferenciamento, sendo maior quanto maior é o detalhamento da área geográfica de referência 3. Assim, é importante salientar que, por mais que a AED represente uma área menor dentro de um município, apresentando características mais homogêneas, ela pode esconder situações e realidades distintas. Tal fato remete à necessidade de análises e de ações ainda mais localizadas, como as de aprimoramento e qualificação do trabalho das equipes e unidades de atendimento à saúde, direcionada a esses grupos da população.

Vale destacar algumas limitações quando dados secundários são utilizados. A principal limitação enfrentada nesta pesquisa foi a perda de registros de nascimentos em razão da incompletude dos endereços, campo essencial para incorporar o espaço aos estudos sobre desigualdades em saúde, assim como para o planejamento de ações localizadas. A perda de dados por endereço incompleto pode ter sido seletiva, pois é possível que haja maior perda em áreas ocupadas por populações de baixa renda, ou em populações residentes em zonas rurais. Nesse aspecto recomenda-se que, para que haja qualidade e precisão nas análises de dados georreferenciados, sejam feitas modificações e tratamento dos dados de endereço além da padronização das formas de entrada desses dados no sistema, o que vai depender do interesse do município no uso de tal informação 3.

Outra limitação do estudo diz respeito à possibilidade de subnotificação de eventos e de variabilidade da qualidade dos dados e informações registradas nas DNV entre as localidades. A dificuldade em coletar os dados da mãe, das informações da gestação e do recém-nascido no prontuário hospitalar ou em entrevista com a mãe, a falta de treinamento e de supervisão do profissional no preenchimento da DNV e também na digitação desses dados no sistema, terão igualmente importância e impacto na qualidade dos dados no SINASC.

Quanto ao conhecimento e monitoramento das desigualdades da saúde materno-infantil, outros estudos devem ser realizados, buscando comparar a organização e a distribuição dos serviços de saúde com o mapeamento de variáveis de risco e com características sócio-espaciais, contribuindo para o aprimoramento da assistência, apontando falhas e facilitando a definição de prioridades em busca da eqüidade. Desta forma, o uso do SINASC como fonte de informação para a vigilância e o monitoramento das desigualdades em saúde e da qualidade da assistência deve ser incentivado.

 

Colaboradores

K. M. Predebon participou no desenvolvimento e elaboração do estudo, na análise estatística, discussão, organização e revisão da versão final do manuscrito. T. A. F. Mathias colaborou na concepção, desenvolvimento, análise estatística, organização e revisão da versão final do manuscrito. T. Aidar contribuiu no desenvolvimento, análise estatística, discussão, organização e revisão da versão final do manuscrito. A. L. Rodrigues participou no desenvolvimento, na discussão, organização e revisão da versão final do manuscrito.

 

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; processo nº. 473395-2007-0) pelo financiamento.

 

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Correspondência
K. M. Predebon
Superintendência de São Paulo, Ministério do Trabalho e Emprego.
Rua Ibituruna 241, apto. 103, São Paulo, SP
04302-051, Brasil.
kelenmp@gmail.com

Recebido em 14/Dez/2009
Versão final reapresentada em 22/Jun/2010
Aprovado em 29/Jun/2010

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br