ARTIGO ARTICLE
Usuários de planos de saúde: morbidade referida e uso de exames preventivos, por inquérito telefônico, Brasil, 2008
Health insurance users: self-reported morbidity and access to preventive tests according to a telephone survey, Brazil, 2008
Deborah Carvalho MaltaI, II; Erly Catarina MouraI, III; Martha OliveiraIV; Fausto Pereira dos SantosIV
IMinistério da Saúde, Brasília, Brasil
IIEscola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIINúcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
IVAgência Nacional de Saúde Suplementar, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
O estudo analisa o inquérito telefônico de 2008 para monitoramento das doenças crônicas não transmissíveis. A população de estudo é composta pelos adultos (> 18 anos) moradores em residências com telefones fixos nas 27 capitais de estados. As variáveis selecionadas são apresentadas segundo plano de saúde (sim/não), sexo e razões de prevalência ajustadas entre as populações com e sem planos de saúde. Foram avaliadas 54.353 pessoas com 18 ou mais anos de idade, sendo que 41,8% são beneficiários de planos de saúde. A cobertura desses planos tende a aumentar com a idade e com a escolaridade. Comparativamente aos não beneficiários de planos de saúde, os homens beneficiários apresentaram maior probabilidade de diagnóstico de dislipidemia e as mulheres de realização de exames de mamografia e de citologia oncótica, diagnóstico de dislipidemia, osteoporose, menor de hipertensão arterial e de estado de saúde considerado ruim. Essas informações são essenciais para estabelecer medidas de promoção e prevenção e subsídios para elaboração de programas de saúde.
Seguro Saúde; Acesso Serviços Saúde; Mamografia; Entrevista
ABSTRACT
This article describes a telephone survey in 2008 to monitor non-communicable diseases. The study population consisted of adults (> 18 years of age) living in households with landline telephones in the 27 Brazilian State Capitals. The selected variables are presented according to health insurance coverage (yes/no), gender, and adjusted prevalence ratios between populations with and without health insurance. The results represent 54,353 persons 18 years or older, 41.8% of whom with health insurance. Health insurance coverage tended to increase with age and schooling. Compared to those without health insurance, men with health coverage were more likely to have a diagnosis of dyslipidemia, and women with coverage were more likely to have had a mammogram, Pap smear, and diagnosis of dyslipidemia and/or osteoporosis, besides showing less arterial hypertension and infrequent poor health status. This information is essential to support health promotion and prevention with appropriate programs.
Health Insurance; Health Services Accessibility; Mammography; Interview
Introdução
O setor suplementar de saúde compreende o mercado de planos privados de assistência à saúde. As operadoras de planos de saúde - empresas que estruturam, gerenciam e comercializam planos de saúde - atuam no Brasil desde a década de 40. Daquela época até o final dos anos 90, houve baixa interferência do Estado na dinâmica de funcionamento do mercado, especialmente no que se refere aos modelos da atenção à saúde. Com isso, a organização das ações em saúde nas operadoras se dava de acordo com a visão e os interesses dos empresários do setor, e priorizavam os aspectos econômicos, deixando em segundo plano a qualidade assistencial 1,2.
A saúde suplementar tem se expandido e o ápice se deu ao final dos anos 80, o que resultou na necessidade de regulamentação do setor, visando à garantia da qualidade da atenção à saúde, serviço considerado de relevância pública 2. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) estimou que 25,9% da população brasileira possuíam cobertura de ao menos um plano de assistência médica em 2008 3.
Os marcos na regulação do setor foram: a Lei nº. 9.656/98 4, que determina regras para o funcionamento, e a Lei nº. 9.961/2000 5, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse marco legal trouxe para o âmbito da regulamentação estatal a questão dos modelos assistenciais praticados no setor suplementar, ao fixar garantias assistenciais aos beneficiários de planos de saúde e ao definir como competência da ANS a elaboração de normas e a fiscalização das operadoras, inclusive quanto aos conteúdos e modelos assistenciais. Desde então, configura-se como um grande desafio a obtenção de informações seguras, objetivas, confiáveis e sistematizadas, que expressem as características do modelo de atenção à saúde do setor e subsidiem a elaboração de diretrizes para indução da qualificação do mercado 1.
As informações sobre usuários de planos de saúde no Brasil são dispersas e não sistemáticas. Existem pesquisas sobre a oferta de serviços da base de dados da Assistência Médica Sanitária (AMS), mostrando as desigualdades na oferta e na utilização de serviços em prol da população com planos de saúde 6, informações sobre oferta e acesso aos serviços, informações gerenciais e administrativas, perfil de morbi-mortalidade das bases de dados da ANS 7,8,9,10. Foram realizadas ainda linkage de grandes bases de dados como o Sistema de Informação de Beneficiários (SIB) com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 11 e o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) 12, pesquisas junto às operadoras sobre as ofertas de prestação de serviços de promoção e prevenção 13, informações obtidas pela PNAD 3 e pesquisas junto às operadoras 9,14,15.
Torna-se importante monitorar outras informações sobre essa população, como, por exemplo, os fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), considerando-se a magnitude destas doenças nos cenários nacional e mundial, que atualmente são responsáveis por mais de 60% das mortes no mundo e no Brasil 16,17,18.
Informações comparando populações cobertas e não por planos de saúde e fatores de risco para DCNT são objeto de monitoramento há alguns anos nos Estados Unidos, por meio de inquéritos populacionais, com destaque para o Behavior Risk Factor Surveillance System (BRFSS) 19,20.
Os dados sobre fatores de risco e proteção de DCNT, morbidade auto-referida e acesso a exames preventivos passaram a ser monitorados no Brasil em 2006, por meio do Sistema Nacional de Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). O inquérito é realizado em todas as 26 capitais de estados brasileiros e no Distrito Federal, e tem como objetivo o monitoramento contínuo de alguns fatores de risco e proteção de DCNT junto à população adulta (> 18 anos) 21,22.
O artigo descreve as características da distribuição da morbidade auto-referida e acesso a exames preventivos entre usuários de planos de saúde, comparando ainda esta distribuição entre os que informaram possuir planos de saúde e aqueles que não são cobertos pelos referidos planos.
Material e métodos
O VIGITEL é um estudo transversal de base populacional, que avalia a população adulta (> 18 anos de idade), residente nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. A amostra para estimar a prevalência de fatores de risco e proteção de DCNT foi determinada considerando-se intervalo de 95% de confiança (IC95%) e erro amostral de 2%, obtendo-se um tamanho mínino de duas mil entrevistas por localidade, totalizando pouco mais de 54 mil entrevistas por telefone fixo. A amostra foi definida em dois estágios: sorteio de residências com linha telefônica fixa e sorteio de um morador adulto da residência para responder à entrevista. Maiores detalhes podem ser vistos em outras publicações 21,22.
O VIGITEL compõe o sistema de monitoramento de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis, e seu questionário inclui perguntas sobre variáveis sociodemográficas (local de residência, sexo, idade e escolaridade), fatores de risco e proteção para DCNT, como hábito de fumar, uso de bebidas alcoólicas, hábitos alimentares, atividade física, realização de exames preventivos como mamografia e citologia oncótica, e morbidade auto-referida (diabetes, hipertensão, dislipidemia, osteoporose e asma, entre outras). O VIGITEL está em operação de forma contínua desde 2006, e no ano de 2008 foram incluídas duas perguntas para estudar a cobertura por plano de saúde: "Você tem algum plano de saúde? Qual é o nome deste plano?". Por meio da variável "ter plano de saúde" foi possível estratificar a população total avaliada pelo VIGITEL em dois grupos: beneficiários e não beneficiários de planos de saúde, e desta forma conduzir análises comparativas entres estes grupos.
O VIGITEL usa fatores de ponderação específicos, a partir da distribuição sociodemográfica (sexo, idade e escolaridade) do censo de 2000, para representar a população adulta total das cidades avaliadas 21,22. Para essa avaliação, foram construídos fatores próprios, utilizando-se a mesma metodologia. Pelo fato de a amostra do VIGITEL não ter sido construída para estratificação segundo plano de saúde (sim/não), há limitações do número de entrevistas conforme os estratos de faixa etária e escolaridade. Assim, foram construídas 24 categorias (sexo: masculino ou feminino; faixa etária: 18-34, 35-44, 45-54 ou > 55 anos de idade); e nível de escolaridade (0-8, 9-11 ou > 12 anos de estudos). O peso final utilizado foi o resultado da multiplicação de três fatores: peso interno (número de adultos/número de linhas telefônicas de cada residência), razão censo-VIGITEL (frequência de cada categoria no censo/frequência da mesma categoria na população beneficiária de planos de saúde por localidade) e fração amostral de cada localidade (número de habitantes adultos na localidade no censo de 2000/número de habitantes adultos beneficiários de planos de saúde avaliados na respectiva localidade).
Neste trabalho são apresentadas as estimativas referentes à cobertura de planos de saúde nas localidades, por sexo e faixa etária: (18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 ou > 65 anos) e escolaridade (0-8, 9-11 ou > 12 anos), com IC95%. São ainda calculadas as freqüências em relação à realização de exames preventivos em mulheres, como mamografia e citologia oncótica; morbidade auto-referida (diabetes, hipertensão, dislipidemia, osteoporose e asma); e avaliação do estado de saúde. São comparados dois estratos distintos: população com e sem plano de saúde.
Razões de prevalência e respectivos IC95%, ajustadas para a idade e escolaridade, foram calculados para as variáveis estudadas, separadamente para cada sexo, tendo como base a população não beneficiária de plano de saúde, utilizando-se a regressão de Poisson. As análises de dados foram realizadas com o auxílio do aplicativo Stata versão 9 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
Este estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde. Por se tratar de pesquisa por telefone, o termo de consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal.
Resultados
Foram analisadas 54.353 entrevistas com indivíduos de 18 ou mais anos de idade pelo sistema VIGITEL em 2008, sendo excluídos da amostra 117 que não quiseram informar se tinham plano de saúde, restando 54.236. Aplicou-se os fatores de expansão para ajustar a população estudada à distribuição sociodemográfica da amostra do Censo de 2000. Assim, 58,2% da população estudada referiram não ter nenhum plano de saúde, sendo caracterizada como população SUS-dependente, e 40,3% com um e 1,5% mais de um plano, totalizando 41,8% de adultos beneficiários de planos de saúde.
As coberturas de planos de saúde, de acordo com as entrevistas telefônicas realizadas pelo VIGITEL, variaram nas capitais entre 19,3% em Boa Vista e 54,7% em Florianópolis. As maiores coberturas ocorreram nas capitais do Sudeste e Sul (variando de 45 a 54%), no Centro-oeste (entre 34 e 44%), e as menores coberturas ocorreram no Nordeste (23 a 39%) e Norte (19 a 39%), dados não mostrados.
A cobertura de planos de saúde tende a ser maior com a idade, chegando a 51,2% em maiores de 60 anos. Cresce em quase três vezes com o aumento da escolaridade, passando de 27,1% entre aqueles que estudaram até oito anos para 80,7% naqueles com 12 ou mais anos de estudos (Tabela 1).
Na avaliação da realização de exames preventivos em mulheres cobertas por planos de saúde, a cobertura de mamografia, pelo menos uma vez nos últimos dois anos entre aquelas com 50 a 69 anos de idade, foi de 83,6%, e de citologia oncótica, pelo menos uma vez nos últimos três anos entre aquelas com 25 a 59 anos de idade, atingiu 88,7% (Tabela 2). Quanto ao diagnóstico médico prévio auto-referido de hipertensão arterial, dislipidemia, osteoporose e asma, as mulheres apresentam maior frequência do que os homens. No que se refere à avaliação do estado de saúde como ruim, as mulheres também apresentam maior frequência (Tabela 2).
A Tabela 2 compara ainda esses indicadores entre beneficiários e não beneficiários de planos de saúde. As coberturas de mamografia e de citologia oncótica são maiores entre as mulheres beneficiárias de planos de saúde. Quanto à auto-referência de diagnóstico médico de doenças, apenas o diagnóstico de dislipidemia foi mais auto-referido entre as mulheres beneficiárias de planos de saúde. As demais doenças apresentaram frequências semelhantes, assim como a referência à saúde ruim.
A Tabela 3 mostra as razões de prevalência das variáveis estudadas, ajustadas para idade e escolaridade, em homens e mulheres, tendo como padrão a população não beneficiária de planos de saúde. Os homens beneficiários de planos de saúde apresentam maior probabilidade de diagnóstico de dislipidemia (p = 0,001), não havendo diferença para as demais variáveis. Entre as mulheres, observa-se que as beneficiárias de planos de saúde apresentam maior probabilidade de realização de exames de mamografia (p < 0,001) e de citologia oncótica (p < 0,001), dislipidemia (p < 0,001) e osteoporose (p < 0,052). Observa-se menor probabilidade de diagnóstico médico auto-referido de hipertensão arterial entre as mulheres beneficiárias de planos de saúde (p < 0,004). A avaliação do estado de saúde ruim foi menor entre as mulheres beneficiárias de planos de saúde (p = 0,011).
Discussão
A população coberta por planos de saúde tem se expandido no país. O VIGITEL apontou 41,8% de cobertura nas capitais. A PNAD 2008 3 identificou 25,9% de cobertura de planos no país, o que correspondia à cerca de 49,1 milhões de usuários 3. A PNAD apresentou estimativas para o Brasil, estados e regiões metropolitanas, não chegando a estimar para as capitais. Entretanto, os dados da PNAD mostram que a população coberta por planos de saúde se concentra nas áreas urbanas, especialmente nas regiões Sul e Sudeste 3.
Dados cadastrais do SIB da ANS apontam que os municípios com população entre 100 mil e 1 milhão de habitantes concentram 26,2% dos beneficiários de planos de saúde, e os municípios com mais de 1 milhão de habitantes concentram 43,3% destes beneficiários. Os dados da ANS mostraram que em dezembro de 2008 havia cerca de 52 milhões de beneficiários de planos médicos e odontológicos inscritos, com uma cobertura estimada para as capitais de 39,9% 7. O SIB não inclui os beneficiários de planos públicos (municipal, estadual, militar), por não serem regulados pela ANS. Portanto, as estimativas do VIGITEL de cobertura de planos de saúde nas capitais parecem refletir os dados cadastrais da ANS e também são consistentes com a PNAD 2008.
Existem grandes variações entre as capitais, e as regiões com maior concentração de riqueza detêm a maior parcela da população coberta por planos 3,8,21. Adicionalmente, essa hipótese se sustenta pela maior cobertura de beneficiários de planos de saúde entre as pessoas com maior escolaridade, que chega a mais de 80% na faixa de 12 ou mais anos de estudos 3.
O VIGITEL aponta, nos dois sexos, o predomínio de idosos como detentores dos planos de saúde. Dados do SIB da ANS confirmam esses achados quando comparados com a pirâmide etária da população geral 7. A maior cobertura da população idosa pelos planos revela uma necessidade maior de oferta de serviços para esta faixa etária, colocando-a como maior demandadora dentre as demais faixas etárias da população 8,23,24.
Nos Estados Unidos, a cobertura de planos na população norte-americana adulta maior que 18 anos varia entre os estados de 70,2% a 92,4% 25. Entretanto, existem diferenças expressivas no conceito de população coberta e não coberta por planos de saúde no nosso país, em relação ao conceito empregado nos Estados Unidos. No Brasil, há aproximadamente 26% de adultos cobertos por planos de saúde e, os não detentores de planos são potencialmente usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). São descritas as desigualdades regionais no acesso aos serviços, muitas vezes determinadas pela distribuição heterogênea de equipamentos, serviços e recursos humanos 3,26. O direito universal à saúde e ao SUS torna as comparações com outros países, sobre acesso aos serviços e coberturas assistenciais, muito difíceis. Entretanto, pela escassez de literatura nacional em relação aos fatores de risco de DCNT e comparação entre usuários de planos e não planos, optamos por estabelecer algumas comparações com a realidade americana, observando a diferença conceitual entre o significado de estar, ou não, coberto por planos de saúde, nos Estados Unidos e no Brasil.
Nos Estados Unidos, a população beneficiária de planos de saúde inclui aquela coberta pelos planos privados e pelos planos financiados pelo governo: Medicare ou Medicaid, Indian Health Service (IHS) e Department of Veterans Affairs (VA). O Medicare é voltado para a população acima de 65 anos de idade e incapacitados permanentes e o Medicaid é focalizado na população de baixa renda, definida por testes de capacidade financeira 15,27. A população não coberta por planos nos Estados Unidos, e que não pode pagar pelos serviços, é excluída da assistência, apresentando os piores resultados 19,20.
Nos Estados Unidos, o inquérito por telefone do BRFSS 28 analisa a distribuição de doenças crônicas e seus fatores de risco, como também a qualidade do cuidado fornecido, comparando as populações cobertas e não cobertas por plano de saúde. Diversos estudos mostram que usuários sem coberturas de planos de saúde apresentam maior risco de DCNT e menor acesso a serviços do que os que têm planos de saúde 19,20,28. Estudo conduzido por Nelson et al. 20 concluiu que as coberturas de planos de saúde em mulheres são maiores entre as mais velhas, brancas não-hispânicas, casadas, inseridas no mercado de trabalho, com maior rendimento; e menores coberturas em mulheres jovens, com outra etnia que não a branca, autônomas, desempregadas ou donas-de-casa, não grávidas e que possuem baixo salário. Outros estudos também associam a não cobertura de planos de saúde e população de baixa renda 19,29,30.
No VIGITEL não existem dados sobre a renda da população estudada, trabalha-se com a escolaridade como aproximação da condição socioeconômica. Vários estudos no Brasil e no mundo mostram que a escolaridade está fortemente associada com renda e saúde. A variável escolaridade contribui para analisar as condições de vida e situação de saúde da população 30,31,32,33.
A PNAD 2008 mostrou que indivíduos que apresentam renda familiar inferior a um e meio salário mínimo per capita têm 6,4% de cobertura de planos de saúde, aumentando progressivamente com o crescimento da renda, até atingir 82,5% de cobertura entre aqueles que recebem cinco ou mais salários mínimos per capita 3.
Em relação aos exames preventivos, é maior a razão de prevalência entre mulheres com planos tanto em relação à mamografia (RP = 1,49; IC95%: 1,41-1,57) quanto à citologia oncótica (RP = 1,14; IC95%: 1,11-1,18). Observa-se que o último exame apresenta menores diferenças entre mulheres com e sem plano, o que pode ser explicado pelo fato do exame de Papanicolau se constituir em ação incorporada à Estratégia Saúde da Família, alcançando amplas coberturas. A PNAD 2008 3 revelou cobertura de citologia oncótica de 87% entre mulheres de 25 a 69 anos e de 71,1% para exames de mamografia entre 20 e 69 anos, portanto, dados próximos ao VIGITEL. Da mesma forma foram apontadas na PNAD desigualdades nessas coberturas que favorecem as mulheres com planos de saúde e com maior renda, embora estas diferenças venham se reduzindo no país nos últimos anos 3.
Estudo com base na AMS concluiu que existe oferta de 1,91 leito/mil habitantes na rede SUS e 2,9 leitos/mil habitantes na rede privada. Da mesma forma, os equipamentos são mais disponíveis para os clientes de planos, por exemplo, existem 4.461 mamógrafos por 100 mil habitantes na rede privada e 0,912 mamógrafo por 100 mil habitantes no SUS 6. A leitura dos dados da AMS não pode ser feita de forma automática, uma vez que não é realizada a separação, dentre a oferta privada, do que serve duplamente aos planos de saúde e também aos usuários do SUS, uma vez que inclui os equipamentos conveniados ao SUS que são da rede privada 34. De qualquer maneira, mostram que existe maior oferta no setor privado, e pode explicar as diferenças de coberturas, já que a maior parte dos equipamentos está mais acessível para uma menor proporção da população coberta por planos.
Quando comparadas com a cobertura de exames preventivos entre mulheres americanas, encontramos frequências de 83% para o exame Papanicolau e de 79,5% para a mamografia 35, maiores que no atual estudo, mas com diferenças não tão marcantes. Ter acesso a planos de saúde nos Estados Unidos também é um indicador de acesso a serviços preventivos, como mamografia, colonoscopia, e citologia oncótica 1.
Ahluwalia et al. 19 verificaram que mulheres que não possuem planos de saúde referem em menor freqüência a realização de check-up no período de dois anos e de visita regular ao médico do que as que possuem planos (p < 0,05). Os autores concluem que o custo é uma barreira para a obtenção de cuidado de saúde (p < 0,05). Também relatam que a falta de cobertura por planos de saúde deixa muitas mulheres vulneráveis ao acesso aos serviços preventivos, de diagnóstico e tratamento, podendo ocasionar mortes prematuras.
O rastreamento de exames preventivos é um indicador da qualidade da oferta dos cuidados de saúde oferecidos tanto pelo setor público como por planos de saúde, tornando-se importante monitorá-los como forma de avaliação de desempenho dos serviços 36.
O presente estudo pode subestimar as prevalências dos diagnósticos auto-referidos (hipertensão, diabetes, osteoporose, dislipidemia, asma e outros), pois a pesquisa reflete diagnósticos médicos prévios e, portanto, a oferta de serviços. A literatura aponta vantagens nessa forma de coleta por ser não invasiva, de baixo custo e, o diagnóstico auto-referido de hipertensão mostra boa sensibilidade, sendo um bom indicador 37.
A hipertensão arterial (HA) em geral é mais freqüente em homens, porém, no estudo atual as mulheres apresentaram maior freqüência, provavelmente por tratar-se de diagnóstico auto-referido, o que é compatível com a maior procura dos serviços de saúde pelas mulheres 38. Este estudo mostrou que mulheres com planos de saúde têm menores prevalências de HA, o que poderia ser explicado pela maior oportunidade de obtenção de medidas de promoção, prevenção e assistência.
Pesquisa realizada em Pelotas analisando o desempenho do rastreio do perfil lipídico conforme o financiamento da consulta médica, por planos ou pelo SUS, identificou que os profissionais médicos que trabalham para planos de saúde tendem a solicitar mais exames, mesmo quando não há indicação clínica, realizando sobre-rastreio nesta população. Essa condição pode explicar a maior oportunidade de acesso ao diagnóstico junto à população coberta por planos 39. Com isso, podemos supor que a diferença encontrada de maior diagnóstico de dislipidemia em pacientes com planos, pode ocorrer em função da maior oportunidade de diagnóstico e não da diferença real nas prevalências da população com e sem planos de saúde.
Em relação à osteoporose, os dados da literatura associam a maior prevalência a mulheres, especialmente acima de 50 anos de idade, o que foi compatível com o atual estudo, entretanto associa ainda com mulheres brancas e menor nível de escolaridade. A maior freqüência nas usuárias de planos de saúde, mesmo após ajuste de idade e escolaridade, poderia também ser explicada pela maior oportunidade de diagnóstico e não prevalência real 40.
A auto-avaliação do estado de saúde é um indicador utilizado internacionalmente como medida objetiva de morbidade e de uso de serviços, constituindo um poderoso preditor da mortalidade 41. A influência do nível socioeconômico na condição de saúde auto-avaliada foi analisada na PNAD, identificando que a população com melhor renda e escolaridade, melhor avalia seu estado de saúde e tem menor proporção de avaliação de estado de saúde ruim 3,41.
Este trabalho possui algumas limitações, dentre elas o fato de usar entrevistas telefônicas, incluindo apenas os indivíduos que possuem telefone fixo, o que pode reduzir a participação de populações de baixa renda, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Porém, esse viés foi minimizado por meio da utilização dos fatores de expansão do censo. Outro limite refere-se à utilização da morbidade auto-referida. As experiências nacional e internacional mostram que algumas variáveis auto-referidas, em especial hipertensão arterial e avaliação do estado de saúde, conseguem obter boas estimativas, além de apresentar vantagens como rapidez na informação, sensibilidade e baixo custo 38,41.
Outra limitação consiste em não se pesquisar o local onde ocorreu a consulta que forneceu o diagnóstico ou onde foi feito o exame preventivo. Embora o indivíduo tenha informado que dispõe de plano de saúde, o diagnóstico ou o exame pode ter sido feito no SUS, em consultas pelo plano ou mesmo em particulares. Estudos mostram que usuários da saúde suplementar podem ter duplo acesso às redes de serviços de saúde, tanto públicas quanto privadas. Essa duplicidade no acesso às redes pode se dar, por exemplo, pela facilitação de profissionais de saúde ou pelas próprias estratégias dos usuários na busca por atendimento, aumentando as oportunidade de acesso dos usuários de planos e ampliando as desigualdades em saúde 42.
Este estudo vem agregar dados sobre usuários de planos de saúde, população ainda pouco estudada, dada a dificuldade de obtenção de informações. O VIGITEL possibilita o monitoramento contínuo da distribuição dos fatores de risco, acesso a exames preventivos, morbidade referida de DCNT, bem como a comparação entre a população com e sem planos de saúde. Essas informações são importantes para subsidiar ações de promoção e prevenção.
Colaboradores
D. C. Malta, E. C. Moura, M. Oliveira e F. P. Santos participaram da concepção do manuscrito, análise e interpretação dos dados; redação do artigo e aprovação da versão final.
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Correspondência:
D. C. Malta
Ministério da Saúde
SQS 111, Bloco A 402
Brasília, DF 70374-010, Brasil
dcmalta@uol.com.br
Recebido em 18/Jan/2010
Versão final reapresentada em 24/Jun/2010
Aprovado em 11/Ago/2010