ARTIGO ARTICLE

 

Interação entre consumo alimentar e polimorfismos da GSTM1 e GSTT1 no risco para o câncer de cabeça e pescoço: estudo caso-controle em São Paulo, Brasil

 

Interaction between dietary intake and GSTM1 and GSTT1 polymorphisms in head and neck cancer risk: a case-control study in São Paulo, Brazil

 

 

Dirce Maria Lobo MarchioniI; Gilka Jorge Figaro GattásII; Otavio A. CurioniIII; Marcos Brasilino de CarvalhoIII

IFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIIServiço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo foi investigar a interação entre fatores dietéticos e polimorfismos de enzimas de metabolização de xenobióticos (GSTM1 e GSTT1) associadas ao câncer de cabeça e pescoço em um estudo caso controle de base hospitalar, no Município de São Paulo, Brasil. Participaram 103 casos incidentes, histologicamente confirmados, e 101 controles. O consumo alimentar foi obtido por um questionário de frequência alimentar validado. Os polimorfismos GSTM1 e GSTT1 foram avaliados pelo método PCR. Observou-se aumento de risco no mais alto tercil de consumo de carne bovina na presença do alelo nulo da GSTM1 (OR = 10,79; IC95%: 2,17-53,64) e GSTT1 (OR = 3,41; IC95%: 0,43-27,21). Considerando-se a razão entre alimentos de origem animal e vegetal, verificou-se para o tercil intermediário a OR = 2,02 (IC95%: 0,24-16,0) e no tercil superior OR = 3,23 (IC95%: 0,40-25,92). Os resultados apontam para uma possível interação entre o consumo de carne e variantes polimórficas dos genes GSTM1 e GSTT1 na modulação do risco para o câncer de cabeça e pescoço, influenciados pelo consumo de alimentos de origem vegetal.

Glutationa Transferase; Polimorfismo Genético; Neoplasias de Cabeça e Pescoço


ABSTRACT

A hospital-based case-control study was conducted to investigate the potential interaction between dietary factors and polymorphisms in phase II metabolic enzymes GSTM1 and GSTT1, associated with head and neck cancer risk. The study included 103 histologically confirmed incident cases and 101 controls. Food intake was estimated with a validated food frequency questionnaire. The gene polymorphisms were evaluated by PCR. Increased risk was observed in the highest tertile of beef consumption in the presence of the GSTM1 (OR = 10.79; 95%CI: 2.17-53.64) and GSTT1 null alleles (OR = 3.41; 95%CI: 0.43-27.21). Assessment of dietary intake considering the ratio between animal product and vegetable consumption showed OR = 2.35 (95%CI: 0.27-19.85) in the intermediate tertile and OR = 3.36 (95%CI: 0.41-27.03) in the highest tertile. The results suggest a possible interaction between meat intake and GSTM1/GSTT1 polymorphisms in modulating the risk of head and neck cancer, influenced by vegetable consumption.

Glutathione Transferase; Genetic Polymorphism; Head and Neck Neoplasms


 

 

Introdução

A população masculina do Brasil tem o mais alto risco no mundo para o câncer de cabeça e pescoço depois da França e da Índia 1. Os dados temporais relativos a São Paulo mostram uma consistente elevação nas taxas entre as mulheres, a partir de 1993 2.

Os produtos metabólicos do consumo de tabaco e álcool, principais fatores de risco para esse tipo de câncer 3, podem induzir mutações diretas no DNA e aumentar a produção de espécies reativas de oxigênio, levando a danos no DNA e peroxidação lipídica 4. As frutas e os vegetais contêm compostos que podem estar envolvidos em atividades quimio-preventivas pela regulação de enzimas detoxificantes, como algumas das glutationas S-transferases (GSTs) 5, família de enzimas da fase II de metabolização 6. Essa classe de enzimas, portanto, pode ter um papel relevante na susceptibilidade ao câncer 6,7.

As enzimas GSTs são codificadas em cinco loci distintos, dois dos quais podem ter relevância para a susceptibilidade ao carcinoma de célula escamosa de cabeça e pescoço, por codificarem as enzimas GSTM1 e GSTT1. Indivíduos com deleções homozigotas, tanto do GSTM1 quanto do GSTT1, não têm atividade enzimática funcional da enzima respectiva 6, resultando em níveis aumentados de carcinógenos ativados 8. Componentes das frutas e vegetais, são indutores das glutationa-transferases 5. Adicionalmente, esses fitoquímicos são também substratos para as GSTs 9. Por outro lado, os processos culinários para o preparo de carnes podem favorecer a formação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), agentes que têm sido associados ao aumento de risco para câncer em diversos sítios 10. Modificação da quimioprevenção do câncer de cabeça e pescoço devido aos polimorfismos GSTM1 e GSTT1 é plausível biologicamente, tendo em vista sua atuação na eliminação não só de carcinógenos ambientais, mas também de substâncias anticarcinógenas e carcinógenas presentes na dieta 11.

Este estudo objetivou investigar a interação entre fatores dietéticos e polimorfismos das enzimas metabólicas GSTM1 e GSTT1 associadas ao câncer de células escamosas de cabeça e pescoço.

 

Material e métodos

Trata-se de um estudo do tipo caso-controle, de base hospitalar, aprovado pelo Comitê de Ética do Complexo Hospitalar Heliópolis e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP; parecer 04/99). Entre dezembro de 2000 e dezembro de 2003, 103 pacientes com carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço, histologicamente confirmados, foram recrutados no pré-operatório (92 homens, 11 mulheres, idade média 53±9 anos) do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Complexo Hospitalar Heliópolis. Esse Complexo Hospitalar está localizado na capital paulista, com atendimento exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço é referência nacional em atendimento a pacientes com câncer das vias aerodigestivas superiores. Foram incluídos neste estudo os casos incidentes de câncer classificados com os códigos C00 a C14 (cavidade oral e orofaringe) de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) 12, com exceção dos casos classificados como C00.0, C00.1, C00.2, relativos ao lábio externo e C11 (nasofaringe). A exclusão desses últimos baseou-se na literatura, que postula que os cânceres nesses sítios não compartilham os mesmos fatores de risco.

O grupo controle foi formado por 101 pacientes identificados a partir dos internados ou em tratamento ambulatorial no mesmo hospital e período que os casos, pareados aos casos por frequência de sexo e idade (em quinquênios). Os controles (93 homens, 8 mulheres, idade média 53±10 anos), não poderiam ter história ou suspeita de câncer de cavidade oral ou de laringe no presente ou passado. Pacientes admitidos no hospital por doenças associadas negativamente ou positivamente com os fatores de risco conhecidos ou suspeitos para câncer de cavidade oral ou laringe não foram incluídos no estudo. No grupo controle, 82% possuíam diagnóstico nos capítulos IX e XI do CID-10 12, correspondentes a doenças do sistema circulatório e doenças do sistema digestivo, respectivamente.

O cálculo da amostra para o estudo do efeito principal foi realizado estimando-se a prevalência da exposição ao gene deletado entre controles de 50%, considerando-se um poder de 80%, um nível de significância estatística de 95% e supondo-se uma odds ratio (OR) de 2,5. O tamanho estimado foi 85 casos e 85 controles.

Coleta de dados

Utilizou-se um questionário padronizado sobre dados sociodemográficos e culturais, história ocupacional, história detalhada do hábito de fumar e de consumo de bebidas alcoólicas, e um inquérito dietético, realizados por entrevistadores treinados, sem conhecimento da hipótese do estudo. Os casos foram identificados e entrevistados antes do início do tratamento específico da doença. A variável tabagismo foi mensurada levando-se em conta a experiência de fumo durante todo o período de vida, definido como a exposição cumulativa para o número de pacotes de cigarros consumidos diariamente 13: tabaco em maços/ano (pack years). Foram considerados o consumo de cigarro, charuto e cachimbo. Considerou-se que 1g de tabaco corresponde a 1 cigarro; 1 charuto a 4 cigarros e 1 cachimbo a 3 cigarros 14. Estabeleceu-se o consumo médio diário de pacotes de cigarro e multiplicou-se pelo número de anos como fumante, em seguida, categorizou-se em nunca fumou, até 20 maços/ano, 20-40 maços/ano e mais que 40 maços/ano.

Para o etilismo, considerou-se o hábito de consumo por indivíduo em três categorias de resposta: (1) sim, ainda bebe; (2) nunca; e (3) só no passado. Se o indivíduo reportasse que havia parado de consumir bebidas alcoólicas há menos de um ano, era classificado na categoria (1), ou seja, como etilista corrente.

Inquérito dietético

O inquérito alimentar foi realizado por meio de um questionário de frequência alimentar (QFA) semiquantitativo desenvolvido pela International Agency for Research on Cancer (IARC) e validado em São Paulo 15. Para cada item foi estabelecida a porção usual de consumo. Cada participante do estudo foi solicitado a responder, para cada item do QFA, com que média de frequência semanal aquela quantidade de alimento era consumida, antes dos sintomas da doença surgirem, ou, para os casos, no ano anterior à entrevista. As respostas foram abertas, o que permitiu o tratamento dessa variável como contínua. Os itens alimentares foram agrupados em: carne bovina; todas as carnes (bovina, suína, de aves e pescados); alimentos de origem vegetal (vegetais folhosos, legumes, frutas e leguminosas); e alimentos de origem animal (laticínios e carnes). A composição dos grupos de alimentos foi selecionada de acordo com a hipótese do estudo e com as associações entre dieta e câncer de cabeça e pescoço descritas na literatura 10. A somatória das frequências de consumo dos alimentos de cada grupo discriminou o consumo. Essas variáveis foram categorizadas em tercis de frequência de consumo de acordo com a distribuição da população de controles.

Genotipagem

Após a extração do DNA genômico a partir de linfócitos de 5mL de sangue periférico, por meio de procedimento não orgânico de extração do DNA, uma única reação usando-se PCR (polimerase chain reaction) multiplex foi realizada para amplificação simultânea dos genes GSTM1 e GSTT1. Cinquenta nanogramas de DNA foram amplificados em 25-μL de reação para PCR, contendo 30pmol de cada um dos seguintes primers: GSTM1 (G1-5 GAA CTC CCT GAA AAG CTA AAG C 3 e G2-5 GTT GGG CTC AAA TAT ACG GTG G 3), e dos seguintes primers para o GSTT1 (T1-5-TTC CTT ACT GGT CCT CAC ATC TC 3 e T2-5 TCA CCG GAT CAT GGC CAG CA 3). Como um controle externo da reação, o exon 7 do gene CYP1A1 foi também amplificado (5 GAA CTG CCA CTT CAG CTG TCT 3 e 5 CAG CTG CAT TTG GAA GTG CTC 3). Na reação final, além dos primers foram adicionados 1.5 mM MgCl2, 200μmol dNTPs, 5μL 10 × PCR buffer (10 × 500 mM KCl, 100 mM Tris-HCl, pH 9.0), e 2U TaqDNA polymerase (Promega, Madison, Estados Unidos). A amplificação no termociclador incluiu 94°C (5 minutos) seguidos por 35 ciclos de 2 minutos a 94°C, 1 minuto a 59°C, e extensão por 1 minuto a 72°C. A reação foi mantida por 10 minutos a 72°C (extensão) para finalização do processo. O produto de PCR da co-amplificação do GSTM1 (215bp) e GSTT1 (480bp) foi visualizado em gel de agarose 2%, em coloração com brometo de etídeo. Os participantes foram classificados como genótipo não nulo, homozigoto ou heterozigoto, quando houve a detecção do fragmento esperado na amplificação. Ausência do fragmento esperado significou deleção ou genótipo nulo.

Análise estatística

O risco para o câncer de cabeça e pescoço foi estimado comparando-se sujeitos com genótipo GSTM1 nulo ou GSTT1 nulo com aqueles com pelo menos um dos alelos do gene estudado, por regressão logística múltipla não condicional. Na análise multivariada foram utilizadas para o ajuste as variáveis de pareamento do estudo, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas. Foram testados modelos com a inclusão da variável educação, como uma variável indicadora de status socioeconômico, e de peso do indivíduo, pois são variáveis freqüentemente associadas com consumo alimentar. No entanto, como não houve mudança nos parâmetros da regressão, e, devido ao número amostral, optamos por manter o modelo parcimonioso.

As interações entre o genótipo e as variáveis dietéticas foram testadas adicionando-se no modelo termos multiplicativos. O teste para tendência foi estimado colocando-se os tercis das variáveis dietéticas como variáveis contínuas no modelo de regressão final 16. Todas as análises foram feitas no programa estatístico Intercolled Stata for Windows 98/95/NT (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

 

Resultados

As características demográficas e sociais dos participantes do estudo estão descritas na Tabela 1. Como esperado, os casos apresentaram maior consumo de álcool e maior proporção de fumantes que os controles.

Nas Tabelas 2 e 3 são apresentados os resultados para os efeitos combinados dos genótipos polimórficos da GSTM1 e da GSTT1, respectivamente, no risco de câncer de cabeça e pescoço.

Após o ajuste para as variáveis de pareamento do estudo e dos principais fatores reconhecidos para o câncer de cabeça e pescoço, evidenciou-se aumento de risco significativo para portadores do genótipo nulo da enzima GSTM1 (OR = 10,79; IC95%: 2,17-53,64) no mais elevado tercil de consumo de carne bovina, comparado ao menor tercil dos indivíduos com genótipo não nulo destas enzimas. Aumento de risco para o consumo mais elevado de carne e menor de vegetais, expresso pela razão entre estes dois grupos de alimentos foi verificado (Tabela 3).

 

Discussão

Este estudo investigou a possível interação entre o consumo de alimentos de origem animal, especialmente as carnes, e de origem vegetal, e variantes polimórficas dos genes GSTM1 e GSTT1 no risco para o câncer de cabeça e pescoço. Observou-se interação estatisticamente significativa para o consumo de carne bovina e o genótipo GSTM1, com excesso de risco para os indivíduos com o genótipo nulo, com tendência significativa para maior risco com a elevação do consumo, após o controle pelos principais fatores de risco reconhecidos, tabagismo e etilismo.

A diminuição de risco para o câncer oral pelo consumo de alimentos vegetais pobres em amido foi considerada provável em recente e extensiva revisão da literatura 10. Estudos conduzidos no Brasil evidenciaram diminuição de risco para o consumo de alimentos vegetais 17,18. Componentes das frutas e vegetais são indutores das GSTs 19. Adicionalmente, esses fitoquímicos são também substratos para as glutationa-transferases 9. Pessoas com o genótipo para as GSTs que corresponde à baixa atividade enzimática, como por exemplo o genótipo nulo para GSTM1 e GSTT1, podem se beneficiar mais dos efeitos de compostos bioativos de frutas e vegetais que pessoas com um genótipo de alta atividade, pois estes compostos podem ter uma taxa mais baixa de biotransformação e subsequente excreção. Alternativamente, pessoas com o gene funcional para as GSTs poderiam se beneficiar mais, pois, devido à habilidade destes compostos em induzir a ação de enzimas de detoxicação, poderiam facilitar a biotransformação e excreção de substratos danosos, como os encontrados na fumaça do cigarro 11. De fato, a presença do GSTM1 nulo sozinho, ou associado com o polimorfismo CYP1A1Msp1, responsável pela detoxificação de compostos bioativos do cigarro, aumentou de forma significante o risco de câncer de cabeça e pescoço (GSTM1 nulo: OR = 2,2; IC95%: 1,24-3,79; GSTM1 nulo e CYP1A1 mutado: OR = 2,4; IC95%: 1,13-5,10) e de câncer oral (OR = 2,8; IC95%: 1,28-5,98) nesta mesma população estudada 20.

No entanto, no presente estudo, não foram encontradas evidências que suportem as hipóteses anteriormente mencionadas, pois não foram observadas modificações de efeito para o câncer de cabeça e pescoço associado aos genótipos nulos GSTM1 e GSTT1, de acordo com o consumo de alimentos vegetais, ou seja, não se observou um padrão claro para o comportamento do risco segundo estas variáveis. Nossos resultados estão de acordo com Gaudet et al. 21 e Boccia et al. 22.

Por outro lado, um importante achado do estudo foi o aumento de risco para o câncer de cabeça e pescoço nos indivíduos deletados para os genes GSTM1 e GSTT1 que relataram maior consumo de carne. No presente estudo, quando analisamos os dados considerando-se o consumo de carne bovina, o excesso de risco foi de 10 vezes para os indivíduos com genótipo nulo da GSTM1 no mais alto tercil de consumo de carne bovina, quando comparado com indivíduos com genótipo não nulo com consumo no tercil mais baixo.

Os resultados deste estudo apontam para uma possível interação entre o consumo de carne bovina e variantes polimórficas das enzimas GSTM1 e GSTT1 na modulação do risco para o câncer de cabeça e pescoço, influenciados ainda pelo consumo de alimentos de origem vegetal. Os dados da literatura são escassos em relação à contribuição de variáveis genéticas e a dieta no risco de câncer de cabeça e pescoço. É interessante ressaltar que variáveis específicas em nossa população podem contribuir para os resultados observados, como a frequência desses polimorfismos em diferentes grupos populacionais do Brasil 23. Por outro lado, mesmo a alimentação pode ser extremamente variável em decorrência de fatores ambientais e culturais. A incidência de câncer de cabeça e pescoço é alta no Brasil, diferente para cada uma de suas regiões, e o estudo de padrões de consumo de álcool, tabaco e dieta pode ser decisivo na identificação do risco e na definição de estratégias de prevenção, controle e acompanhamento da população de risco.

Este estudo tem limitações. O delineamento, caso controle de base hospitalar, é suscetível ao viés de informação e seleção 24. Em virtude do tipo de delineamento e da forma de perguntar, não se pode excluir a possibilidade de viés diferencial na recordação do consumo de alimentos 24,25. No entanto, os estudos mostram que os casos podem modificar sua dieta quando recebem o diagnóstico, e que a dieta atual obscurece e confunde-se com a dieta recordada 26,27. O efeito causado é a atenuação ou causalidade reversa, com alimentos de forte indicação pela literatura por atuarem como protetores serem identificados como responsáveis pelo aumento do risco, e vice-versa. No nosso estudo foi possível observar um efeito, apesar dessas possibilidades de atenuação. Além disso, tanto os casos quanto os controles e também os entrevistadores desconheciam a hipótese sob investigação. Não foi possível manter o status do paciente (caso/controle) desconhecido do entrevistador, porém como o questionário era bastante abrangente, compreendendo questões de estilo de vida, antropometria, histórico familiar, ocupação, entre outras, a exposição dietética investigada não se tornava evidente nem para o entrevistador nem para o paciente.

O estadiamento do tumor não foi considerado nesta análise. Pode-se supor que os casos com estadiamento avançado da doença mudem seu hábito alimentar, evitando especialmente o consumo de alimentos ácidos, como frutas e vegetais, ou de consistência rígida, que exigiria mais mastigação, como as carnes, especialmente a bovina. Nesse caso, haveria um efeito protetor para frutas e vegetais e para carnes, consumidas, hipoteticamente, com maior frequência pelos controles. No entanto, não foi o que se observou. Esse efeito, potencialmente presente, pode ter atenuado as medidas de efeito observadas. Também, o tamanho da amostra possivelmente afetou a estabilidade da estimativa da OR, limitando a capacidade do estudo em quantificar o efeito e as medidas de modificação do efeito 28. Embora a amostra tenha poder estatístico para detectar o efeito principal, o número de casos é baixo para a análise de interações gene-ambiente 29.

Apesar de o consumo de tabaco e álcool, os mais importantes fatores de risco para o câncer de cabeça e pescoço 10, terem sido considerados na análise, não se pode deixar de aventar a possibilidade da ocorrência de viés residual, em função da imprecisão da medida obtida pela coleta dos dados, em especial do etilismo. No entanto, ainda assim foi possível verificar uma diferença significativa entre casos e controles em relação a essas duas variáveis. Os mecanismos de ação pelos quais os compostos dietéticos estão envolvidos na etiologia do câncer de cabeça e pescoço podem incluir o envolvimento com o metabolismo do álcool e do tabaco. O consumo elevado de tabaco e de álcool causam aumento da necessidade de vitaminas e minerais hidrossolúveis encontrados nas frutas e vegetais 9.

O presente estudo apresentou resultados positivos de uma interação entre consumo de carne bovina e variantes do gene GSTM1, plausível biologicamente. Tendo em vista que a frequência do polimorfismo varia entre 40% e 50%, e o consumo de carnes é prevalente em nossa população, essa observação tem importância clínica e epidemiológica. O achado, no nosso conhecimento o primeiro da literatura, necessita ser confirmado por outras investigações, com amostras maiores, que permitam melhor controle das variáveis envolvidas na etiologia do câncer de cabeça e pescoço.

 

Colaboradores

D. M. L. Marchioni participou da concepção, desenho, análise, interpretação do estudo e redação do artigo. G. J. F. Gattás colaborou na concepção, desenho, análise e interpretação do estudo, aprovação final do artigo. O. A. Curioni contribuiu na concepção, desenho, aquisição dos dados e revisão crítica e aprovação final do artigo. M. B. Carvalho participou da concepção, desenho, aquisição dos dados e revisão crítica e aprovação final do artigo.

 

Referências

1. Wünsch V. The epidemiology of oral and pharynx cancer in Brazil. Oral Oncol 2002; 38:737-46.         

2. Mirra AP, Latorre MRDO, Veneziano DB. Incidência de câncer no Município de São Paulo, Brasil; 1997-2003: tendências no período 1969-2003. São Paulo: Ministério da Saúde; 2007.         

3. Blot WF, McLaughin JK, Winn DM, Austin DF, Greenberg RS, Preston-Martin S, et al. Smoking and drinking in relation to oral and pharyngeal cancer. Cancer Res 1988; 48:3282-7.         

4. Collins A, Harrington V. Repair of oxidative DNA damage: assessing its contribution to cancer prevention. Mutagenesis 2002; 17:489-93.         

5. Greenwald P, Clifford CK, Milner JA. Diet and cancer prevention. Eur J Cancer 2001; 37:948-65.         

6. Hayes J, Pulford D. The glutathione S-transferase supergene family: regulation of GST and the contribution of the isoenzymes to cancer chemoprevention and drug resistance. Crit Rev Biochem Mol Biol 1995; 30:445-600.         

7. Zhong S, Howie AF, Ketterer B, Taylor J, Hayes JD, Beckett GJ, et al. Glutathione S-transferase mu locus: use of genotyping and phenotyping assays to assess association with lung cancer susceptibility Carcinogenesis 1991; 12:1533-7.         

8. Geisler SA, Olshan AF. GSTM1, GSTT1 and the risk of squamous cell carcinoma of the head and neck: a mine-HuGE review. Am J Epidemiol 2001; 154:95-105.         

9. Wormhoudt LW, Commandeur JN, Vermeulen NP. Genetic polymorphisms of human N-acetyltransferase, cytochrome P450, glutathione-S-transferase, and epoxide hydrolase enzymes: relevance to xenobiotic metabolism and toxicity. Crit Rev Toxicol 1999; 29:59-124.         

10. World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research. Food nutrition, physical activity and the prevention of cancer: a global perspective. Washington DC: American Institute for Cancer Research; 2007.         

11. Cornelis MC, El-Sohemy A, Campos H. GSTT1 genotype modifies the association between cruciferous vegetable intake and the risk of myocardial infarction. Am J Clin Nutr 2007; 86:752-8.         

12. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde, 10ª Revisão. v. 1. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português; 1995.         

13. Franco EL, Kowalki LP, Oliveira BV, Curado MP, Pereira RN, Silva ME, et al. Risk factors for oral cancer in Brazil: a case-control study. Int J Cancer 1989; 43:992-1000.         

14. International Agency for Research on Cancer. Tobacco smoking: monographs on the carcinogenic risk of chemical to humans. Lyon: IARC Press; 1986.         

15. Matarazzo HCZ, Marchioni DML, Figueiredo RAO, Eluf-Neto J, Wunsch-Filho V. Reprodutibilidade e validade do questionário de frequência de consumo alimentar utilizado em estudo caso-controle de câncer oral. Rev Bras Epidemiol 2006; 9:316-24.         

16. Breslow NE, Day NE. Statistical methods in cancer research: the analysis of case-controls studies. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 1980. (IARC Scientific Publications, 32).         

17. Toledo ALA, Koifman RJ, Koifman S, Marchioni DML. Dietary patterns and risk of oral and pharyngeal cancer: a case-control study in Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saúde Pública 2010; 26:135-42.         

18. Marchioni DML, Fisberg RM, Góis Filho JF, Ko-walski LP, Carvalho MB, Abrahão M, ET al. Fatores dietéticos e câncer oral: estudo caso-controle na Região Metropolitana de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:553-64.         

19. Greenwald P, Clifford CK, Milner JA. Diet and cancer prevention. Eur J Cancer 2001; 37:948-65.         

20. Gattás GJ, Carvalho MB, Siraque MS, Curioni OA, Kohler P, Eluf-Neto J, et al. Genetic polymorphisms of CYP1A1, CYP2E1, GSTM1, and GSTT1 associated with head and neck cancer. Head Neck 2006; 28:819-26.         

21. Gaudet MM, Olshan AF, Poole C, Weissler MC, Watson M, Bell DA. Diet, GSTM1 and GSTT1 and head and neck cancer. Carcinogenesis 2004; 25:735-40.         

22. Boccia S, Cadoni G, Sayed-Tabatabaei FA, Volante M, Arzani D, De Lauretis A, et al. CYP1A1, CYP2E1,GSTM1, GSTT1, EPHX1 exons 3 and 4, and NAT2 polymorphisms, smoking, consumption of alcohol and fruit and vegetables and risk of head and neck cancer. J Cancer Res Clin Oncol 2008; 134:93-100.         

23. Gattás GJ, Kato M, Soares-Vieira JA, Siraque MS, Kohler P, Gomes L, et al. Ethnicity and glutathione S-transferase (GSTM1/GSTT1) polymorphisms in a Brazilian population. Braz J Med Biol Res 2004; 37:451-8.         

24. Michels KB. The role of nutrition in cancer development and prevention. Int J Cancer 2005; 114:163-5.         

25. Pereira RA, Koifman S. Uso do questionário de frequência na avaliação do consumo alimentar pregresso. Rev Saúde Pública 1999; 33:610-21.         

26. Friedenreich CM, Slimani N, Riboli E. Measurement of past diet: review of previous and proposed methods. Epidemiol Rev 1992; 14:177-96.         

27. Dwyer JT, Coleman KA. Insights into dietary recall from a longitudinal study: accuracy over four decades. Am J Clin Nutr 1997; 65(4 Suppl):1153S-8S.         

28. Greenland S, Rothman KJ. Concepts of interaction. In: Rothman KJ, Greeland S, editors. Modern epidemiology. 2nd Ed. Philadelphia: Lippincott Rave; 2008. p. 329-42.         

29. Garcia-Closas M, Lubin JH. Power and sample size calculations in case-control studies of gene-environment interactions: comments on different approaches. Am J Epidemiol 1999; 149:689-92.         

 

 

Correspondência:
D. M. L. Marchioni
Departamento de Nutrição
Faculdade de Saúde Pública
Universidade de São Paulo
Av. Dr. Arnaldo 715
São Paulo, SP 09895-400, Brasil
marchioni@usp.br

Recebido em 28/Mai/2010
Versão final reapresentada em 17/Nov/2010
Aprovado em 06/Dez/2010

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br