ARTIGO ARTICLE

 

Velocidade de ganho de peso nos primeiros anos de vida e excesso de peso entre 5-11 anos de idade, Salvador, Bahia, Brasil

 

Weight gain rate in early childhood and overweight in children 5-11 years old in Salvador, Bahia State, Brazil

 

 

Sheila Maria Alvim de MatosI; Sandra Rego de JesusII; Silvia Regina D. M. SaldivaIII; Matildes da Silva PradoI; Silvana D'InnocenzoI; Ana Marlúcia Oliveira AssisIV; Laura C. RodriguesV; Maurício Lima BarretoI

IInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
IIInstituto Multidisciplinar em Saúde,Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
IIIInstituto de Saúde, Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo, Brasil
IVEscola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
VDepartment of Epidemiology and Populations Health, London School of Hygiene and Tropical Medicine, London, UK

Correspondência

 

 


RESUMO

Crianças com sobrepeso estão mais propensas a se tornarem adultos com sobrepeso ou obesos, sendo a prevenção mais eficaz a intervenção em fases precoces da vida. Analisou-se a associação entre ganho de peso nos primeiros anos de vida e sobrepeso/obesidade em 1.056 crianças menores de 11 anos de idade. Foram coletadas informações relacionadas ao estilo de vida, saneamento, condições socioeconômicas, peso ao nascer e aleitamento materno. O ganho de peso do nascimento até diferentes intervalos (até 12 meses, > 12 a 18, > 18 a 24, e > 24 a 60 meses) foi considerado de forma contínua em escores-z. Foi considerado excesso de peso o índice de massa corporal (IMC) maior ou igual a +1 escore-z, usando referências da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2006 e 2007. Adotou-se a regressão linear e Poisson multivariada. A velocidade do ganho ponderal mostrou-se associada ao IMC, observando-se duas vezes mais sobrepeso/obesidade a cada incremento de uma unidade no desvio-padrão da velocidade do ganho ponderal para o intervalo de 24 e 60 meses (RR = 2,08; IC95%: 1,87-2,32). Encontrou-se associação entre o rápido ganho de peso em todos os intervalos de idade e a ocorrência de sobrepeso/obesidade anos mais tarde.

Ganho de Peso; Sobrepeso; Obesidade; Criança


ABSTRACT

Overweight children are more prone to become overweight or obese adults. The most effective prevention is intervention in early childhood. We analyzed the association between early weight gain and overweight/obesity in 1,056 children under 11 years of age. Data were collected on lifestyle, sanitation, socioeconomic status, birth weight, and breastfeeding. Weight gain from birth until different age brackets (< 12, > 12 to 18, > 18 to 24, and > 24 to 60 months) was considered a continuous variable in z-scores. Overweight was defined as body mass index (BMI) > +1 z-score, based on 2006 and 2007 World Health Organization (WHO) guidelines. Poisson regression and linear regression were used in the multivariate statistical analysis. Weight gain rate was associated with BMI, and overweight or obesity in the 5-11-year age bracket increased twofold for each unit increase in the weight gain standard deviation between 24 and 60 months of age (RR = 2.08; 95%CI: 1.87-2.32). For all early childhood age brackets, there was an association between rapid weight gain and subsequent overweight or obesity.

Weight Gain; Overweight; Obesity; Child


 

 

Introdução

Nas últimas décadas a prevalência do sobrepeso e da obesidade vem aumentando rapidamente em todo o mundo, sendo os problemas de saúde de mais rápido crescimento dentre as doenças crônicas não transmissíveis 1. A obesidade é uma doença crônica que se constitui em fator de risco para outras doenças como as cardiovasculares, diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, asma, entre outras 2,3. No Brasil, onde a transição nutricional ocorre rapidamente, tem-se observado declínio da desnutrição, em diferentes intensidades e em todas as faixas etárias e estratos sociais, e ascensão do sobrepeso/obesidade 4,5, havendo argumentos suficientes para que a prevenção da obesidade também seja prioridade nas políticas públicas de saúde em países que passam por modificações no seu padrão nutricional populacional, incluindo o Brasil.

Uma das formas mais eficazes de prevenção do sobrepeso/obesidade na idade adulta é a intervenção em fases precoces da vida. Crianças com sobrepeso estão mais propensas a se tornarem adultos com sobrepeso ou obesos 6. Fatores de risco para obesidade foram identificados em diferentes períodos do curso de vida, especialmente aqueles relacionados ao início da vida como a recuperação do ganho de peso 7. A obesidade pode ocorrer com maior frequência entre adolescentes e adultos que quando crianças apresentaram rápido ganho de peso compensatório ocorrido durante a reabilitação de enfermidades na primeira infância 8. Estudos sugerem que a recuperação precoce em peso pode afetar negativamente a saúde no futuro, havendo evidências de que crianças nascidas com baixo peso, mas que recuperam rapidamente nos primeiros anos de vida, apresentam maior prevalência de obesidade na infância 6,8.

Contudo, é controverso o papel da recuperação nutricional, especialmente em sociedades pobres. Em ambiente desfavorável ao crescimento e desenvolvimento na infância, a recuperação rápida do crescimento auxilia na redução da morbidade e mortalidade infantil 9. Além do que, sabe-se que crianças com ganho de peso lento estão em risco de consequências adversas tais como a baixa estatura, problemas de comportamento e atraso no desenvolvimento 10. Recentemente, em um estudo que reuniu informações de cinco diferentes coortes foram observadas evidências de que a recuperação do crescimento ponderal em crianças nascidas com baixo peso aumentou as chances de a criança frequentar a escola anos mais tarde 11.

Por outro lado, em populações de países desenvolvidos, o ganho de peso rápido esteve associado ao sobrepeso/obesidade em pré-escolares e adolescentes 12,13. Estudos recentes têm mostrado evidências que indicam que este pode ser um problema também em populações urbanas pobres, visto que o ganho de peso rápido até os dois primeiros anos de vida foi associado ao sobrepeso/obesidade em pré-escolares e escolares de baixa renda 14,15 e também em adolescentes brasileiros 6.

No Brasil, a literatura sobre o tema é escassa e se limita a estudos realizados em uma coorte no Sul do Brasil 6. No Nordeste brasileiro, com condições de vida tão divergentes do restante do país, este é o primeiro estudo que se propõe a analisar a associação entre o ganho de peso nos primeiros anos de vida e o excesso de peso anos mais tarde em crianças de baixa renda.

 

Métodos e procedimentos

População de estudo

Este estudo foi realizado em Salvador, Bahia, cidade com aproximadamente 2,5 milhões de habitantes, localizada no Nordeste brasileiro, no período de 1997 a 2005. Mais de 80% da população é preta ou parda 16. As crianças incluídas neste estudo fazem parte de três coortes inicialmente formadas com o intuito de avaliar o impacto de um programa de saneamento ambiental sobre a ocorrência de diarreia infantil. Crianças oriundas de 24 microáreas não saneadas à época do estudo e com idade entre 0 e 5 anos foram aleatoriamente selecionadas. No ano 2005, com o objetivo de estudar fatores de risco para a ocorrência de asma e outras doenças alérgicas, foram estudadas 1.445 crianças. Este procedimento foi descrito em detalhes anteriormente 17,18.

Para efetuar as análises deste estudo, foram utilizadas 1.056 crianças que tinham informações completas das medições antropométricas e demais variáveis do estudo.

Variáveis do estudo

• Variável de desfecho

O índice de massa corporal (IMC) por idade e sexo foi calculado com medidas de peso e altura obtidas no ano de 2005, entre 4 e 11 anos de idade. Para tanto, foram utilizadas as curvas de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2006 19, para menores de 5 anos, e de 2007 20, para as crianças mais velhas. O IMC em escore-z foi considerado como variável contínua e também categorizada de forma dicotômica: sobrepeso/obesidade > +1 escore-z e déficit/eutrofia < +1 escores-z.

• Variável de exposição principal

Todas as medições foram realizadas em dupla série, por profissionais e estudantes de nutrição devidamente treinados, admitindo-se variação de 100g e de 0,1cm, respectivamente, para peso e comprimento/altura, e a média entre as duas medições foi considerada a medida final. Foram observados as normas 21 e os critérios técnicos recomendados 22 em todas as etapas da avaliação antropométrica. As crianças foram pesadas em balanças microeletrônicas, portátil (modelo E-150/3P; Filizola, São Paulo, Brasil), com capacidade de 150kg e precisão de 100g, fornecida pelo extinto Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) do Ministério da Saúde e medidas usando infantômetro de madeira (Leiscester Height Measure, Londres, Inglaterra). Os instrumentos foram calibrados periodicamente. As idades das crianças foram registradas pelo uso da Certidão de Nascimento ou Cartão da Criança e foram calculadas as diferenças entre a data de medição e a data de nascimento.

Para calcular os escores-z para o ganho de peso do nascimento até 12 meses, > 12 a 18, > 18 a 24, e > 24 a 60 meses, foi usada a curva de referência da OMS para as crianças até cinco anos de idade 19, considerando o sexo e a idade da criança. Calculou-se o escore-z do peso ao nascer (escore-z início) e o escore-z do peso da primeira medida antropométrica da criança (escore-z final). Com a finalidade de corrigir os efeitos do fenômeno de regressão à média, ajustou-se o escore-z da medida inicial, multiplicando o mesmo pelo coeficiente de correlação referente ao intervalo de tempo transcorrido entre a medida inicial e a final, realizando-se posteriormente a subtração do escore-z final pelo escore-z inicial 23.

• Fatores de confusão

Questionários padronizados foram aplicados às mães/responsáveis das crianças para obtenção de informações sobre condições socioeconômicas, demográficas, tabagismo materno, peso ao nascer e tempo de aleitamento materno. Todas as informações foram obtidas quando as crianças tinham idade entre 0 e 5 anos, exceto renda familiar e tabagismo materno durante a gestação, obtidas em 2005. O peso ao nascer foi registrado pela consulta ao Cartão da Criança.

A escolaridade materna foi classificada em dois níveis, levando-se em conta a idade da mãe, sendo considerada satisfatória, quando referido "segundo grau completo a superior completo" em qualquer idade e "ginásio incompleto a segundo grau incompleto" para mães com menos de 20 anos; e insatisfatória, quando "ginásio incompleto a segundo grau incompleto" para mães com mais de 20 anos e "analfabeta a primário completo" quando a mãe tinha qualquer idade. O número de crianças no domicílio representa o número de crianças menores de cinco anos de idade no domicílio (até 1 criança e mais que 1 criança). A renda familiar foi obtida pela sinalização da faixa de renda salarial em uma tabela que variou de "sem rendimento" até 4 ou mais salários mínimos (SM) em valores de janeiro de 2005 (< 1 SM; > 1 e < 2 SM; > 2 SM). Além das variáveis sociodemográficas foram incluídas outras variáveis do início da vida das crianças, possíveis confundidoras da associação em estudo como: peso ao nascer (< 2.500g; > 2.500g e < 3.000g; > 3.000g e < 3.500g; > 3.500g), tempo de aleitamento materno (nunca, < 2 meses; > 2 meses) e tabagismo materno durante a gestação (sim/não).

• Análises estatísticas

Para análise dos dados, empregaram-se o teste t de Student e a análise de variância, seguida pelo pós-teste de Tukey-Kramer e teste χ2.

Foram construídos modelos de regressão linear simples e múltiplos, considerando a velocidade do ganho de peso nos diferentes intervalos (0 a 12; > 12 a 18; > 18 a 24; > 24 a 60 meses) como variável de exposição principal; e como variável desfecho o IMC, sendo avaliado o coeficiente de determinação múltipla do ganho ponderal como medida de explicação e ajuste do modelo. Foram analisados os resíduos do modelo para avaliar o seu ajuste. Adicionalmente ao modelo de regressão linear, optou-se por utilizar o modelo de regressão de Poisson com variância robusta para derivar a medida do risco relativo (RR) 24, tomando o IMC como categorizado como variável de desfecho. A interação entre ganho de peso e as variáveis escolaridade materna, renda familiar e tempo de aleitamento materno foi testada e interpretada como a mudança na magnitude do efeito na presença de uma terceira variável avaliada pelo teste Wald. Essas variáveis não foram classificadas como "variáveis de interação", tendo em vista que apresentaram valor de p > 0,10 25,26. Adotou-se como critério estatístico para o reconhecimento do confundidor o desvio da medida de associação em 10 ou mais pontos percentuais provocado pela variável quando comparado com aquela estimada na sua ausência 25,26. O procedimento de eliminação progressiva (backward) foi o método adotado para a realização dessas estatísticas. As análises foram realizadas utilizando-se Stata, versão 9.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), obtendo aprovação em relação à sua pertinência ética. A participação das crianças esteve condicionada à concordância dos responsáveis. Após terem conhecimento dos objetivos do estudo, foram convidados a participar e a assinar o Termo de Consentimento Informado. A impressão digital foi o recurso utilizado por analfabetos.

 

Resultados

Foram acompanhadas 1.445 crianças, mas para realizar as análises conduzidas neste estudo foram incluídas 1.056 crianças. As demais 389 crianças foram excluídas por não possuírem informações completas referentes às variáveis utilizadas, não havendo diferenças entre os grupos com relação ao IMC e demais covariáveis (dados não apresentados).

A maioria das crianças é do sexo masculino (53,8%) e no ano de 2005, 70,8% tinham mais de seis anos de idade. A população estudada pode ser considerada de baixa renda e escolaridade, sendo observada renda familiar < 1 SM para quase metade das crianças (49,4%), e 61% das mães apresentaram escolaridade insatisfatória. Em análise não ajustada, crianças do sexo masculino, com peso ao > 3.000g, que residiam em domicílios com até uma criança menor de cinco anos de idade, pertencentes a famílias com maior renda familiar e cujas mães possuíam escolaridade satisfatória apresentaram maiores médias de escore-z IMC/idade do que aquelas em diferentes condições, com diferenças estatisticamente significantes (Tabela 1).

A comparação entre os sexos não mostrou diferenças entre as médias do ganho de peso segundo intervalos de idade nos primeiros cinco anos de vida, havendo diferenças apenas entre as médias dos pesos. Em todos os intervalos de idade, crianças do sexo masculino foram mais pesadas quando comparadas àquelas do sexo feminino (Tabela 2).

A Tabela 3 apresenta o resultado do coeficiente angular (β1) e do coeficiente de determinação (R2) do modelo de regressão linear simples e múltiplo para IMC, segundo intervalo de faixa etária de avaliação do ganho ponderal. A variação do ganho ponderal foi significante para todos os intervalos de idade. Observa-se um aumento da explicação da variabilidade observada no IMC quando ajustado pelas variáveis confundidoras: sexo da criança, idade da criança em 2005, renda familiar, escolaridade e idade materna. O ganho ponderal entre 24 e 60 meses explica, isoladamente, 39,6% da variabilidade constatada no IMC no modelo ajustado, e neste intervalo de idade a aquisição de uma unidade de escore-z no ganho ponderal promoverá um acréscimo de 0,74 unidades de escore-z no IMC, posteriormente (Tabela 3).

 

 

O ganho ponderal mostrou-se associado com a incidência de sobrepeso/obesidade em todos os diferentes intervalos de idade, encontrando-se risco duas vezes maior para sobrepeso/obesidade quando a velocidade do ganho de peso foi avaliada entre > 18 e < 24 meses (RR = 2,05; IC95%: 1,49-2,82) e 24 e 60 meses (RR = 2,08; IC95%: 1,87-2,32), após ajuste por confundidores (Tabela 4). O menor RR para o IMC foi verificado quando a velocidade do ganho de peso foi avaliada até o primeiro ano de vida (RR = 1,36; IC95%: 1,06-1,75), após ajuste. O RR ajustado para o sobrepeso/obesidade aumentou 68% a cada incremento de uma unidade no desvio-padrão da velocidade do ganho de peso para o intervalo de > 12 e < 18 meses (Tabela 4). As variáveis escolaridade materna, renda familiar e tempo de aleitamento materno após análise estatística não se confirmaram como modificadoras de efeito da associação estudada.

 

 

Discussão

Neste estudo, encontrou-se associação entre a velocidade do ganho de peso avaliada em todos os intervalos de idade (até 12 meses; > 12 a 18; > 18 a 24; > 24 a 60 meses) e ocorrência de sobrepeso/obesidade na idade pré-escolar e escolar, havendo aumento gradativo do risco para sobrepeso/obesidade com o aumento da idade para a avaliação da velocidade do ganho ponderal. Contudo, observou-se que, entre crianças cuja velocidade do ganho de peso foi avaliada entre 18 e 24 meses e 24 a 60 meses, o risco para sobrepeso/obesidade foi duas vezes maior, mas o intervalo entre 24 e 60 meses foi aquele em que a velocidade do ganho de peso promoveu maior acréscimo no IMC e que melhor explicou a variabilidade do modelo.

A literatura mostra que o período além do segundo ano de vida é um período crítico para o crescimento. Há evidências da ocorrência de dois períodos críticos relacionados ao sobrepeso/obesidade e que não estão significantemente correlacionados entre si 12. Tais períodos abrangem do nascimento até os seis meses de vida e dos dois anos em diante. Em ambos os períodos, a dieta oferecida à criança determina a velocidade do crescimento ponderal, influenciando o desenvolvimento das células do tecido adipocitário 27. O primeiro período está relacionado à composição corporal, pois nesse momento ocorre intensa formação do tecido adipocitário, desenvolvimento de funções endócrinas e secreção transitória de hormônios com efeitos anabólicos. Fatores genéticos, hábitos alimentares dos pais e o nível de atividade física podem ser os determinantes mais próximos da velocidade do crescimento ponderal no segundo período 28.

Verifica-se ainda que neste segundo período crítico de desenvolvimento, geralmente entre 4 e 6 anos de idade, ocorre o segundo aumento fisiológico do IMC, conhecido como rebote da adiposidade, cuja ocorrência em idade precoce está relacionada ao maior risco para sobrepeso/obesidade futuro, uma vez que influencia o aumento da velocidade do ganho ponderal e hiperplasia celular 29. O ganho de gordura corporal nesse período pode explicar a variabilidade no ganho de peso observado. Em função das características da amostra do nosso estudo, sendo todas as idades em 2005 avaliadas como um único grupo, não foi possível determinar em qual momento ocorreu o rebote da adiposidade em nossas crianças.

Em outras investigações o ganho de peso rápido na infância tem sido associado ao sobrepeso e obesidade na idade pré-escolar e escolar, como evidenciado em nosso estudo. Recentemente, estudo realizado com crianças norte-americanas, oriundas de famílias de baixa renda, mostrou que aquelas que apresentaram ganho de peso rápido no primeiro ano de vida apresentaram risco 9,24 vezes maior (IC95%: 3,73-22,91) de se tornarem obesas ainda na idade pré-escolar 14. Também em crianças francesas o ganho de peso rápido esteve associado ao risco de sobrepeso e obesidade em adolescentes. Analisou-se a velocidade de crescimento ponderal em diferentes intervalos até os cinco anos de idade e, em concordância com o nosso estudo, observaram maior risco de ocorrência de sobrepeso/obesidade aos três e cinco anos de idade, quando o aumento de 1 desvio-padrão na velocidade do ganho ponderal representa risco de 2,43 (IC95%: 1,75-3,39) para sobrepeso e 5,08 (IC95%: 3,19-8,09) para obesidade 12.

Em populações de países em desenvolvimento como a deste estudo, nas quais se tem observado o crescimento do sobrepeso e da obesidade entre adultos, a influência do nível socioeconômico na primeira infância sobre o IMC na adolescência e na vida adulta pode ter explicações que se valham do campo biológico. Restrições nutricionais na infância podem promover perdas musculares permanentes, enquanto a adiposidade central pode ser preservada 7,30. Ao atingir a adolescência e a idade adulta, a ação dos hormônios sexuais, especialmente no sexo feminino, é outro fator que contribui para o armazenamento de gordura como forma de garantir a fase de procriação e aleitamento materno 31. Embora não se tenha avaliado a composição corporal das crianças deste estudo, pode-se supor que populações em risco nutricional como a que foi aqui analisada, podem beneficiar-se de intervenções que tenham como objetivo promover a nutrição adequada na infância, sobretudo após o segundo ano de vida, fundamental na constituição do tecido adiposo, por prevenir a ocorrência do sobrepeso/obesidade anos mais tarde, entre outras vantagens.

Além disso, o nível socioeconômico também pode determinar padrões nutricionais ao nascimento e crescimento pós-natal 32 que estão relacionados ao estado nutricional na adolescência e vida adulta. Famílias de baixo nível socioeconômico têm maior chance de ter um recém-nascido que tenha apresentado retardo de crescimento intrauterino e que tenha nascido com baixo peso. Essas crianças, quando submetidas a condições de vida menos desfavoráveis ao nascer podem recuperar seu crescimento mais rapidamente. A recuperação rápida do crescimento, particularmente após ocorrência de retardo de crescimento intrauterino, é fator de proteção para consequências adversas tais como a baixa estatura, problemas de comportamento, atraso no desenvolvimento e menor escolaridade 10,11. Porém, assim como nos países desenvolvidos, em sociedades em que ocorre a transição nutricional, como a brasileira, o ganho ponderal rápido no período pós-natal pode também ter efeitos indesejados 33,34. Fatores que podem contribuir para o ganho ponderal rápido do nascimento até os dois anos de idade têm sido relacionados desde que se realizou uma coorte de nascimento conduzida com crianças alemãs 35. Os autores observaram que crianças nascidas de gestações mais curtas, primogênitas e alimentadas com mamadeira apresentaram ganho ponderal mais rápido. Aquelas cujas mães fumaram durante a gravidez apresentaram ainda maior percentual de gordura corporal dos dois aos seis anos de idade do que as que não foram expostas ao cigarro 35.

Algumas fragilidades evidenciadas em estudos anteriores não se repetiram nesta investigação. Em nosso estudo os dados prospectivos foram obtidos no domicílio, junto aos responsáveis das crianças, com razoável número de crianças, seguindo a mesma metodologia para coleta dos dados desde as coortes anteriores, com manutenção de grande parte da equipe técnica de campo. A disponibilidade de informações antropométricas em diferentes momentos na idade pré-escolar permitiu constatar a não linearidade do ganho ponderal. Os dados disponíveis permitiram ainda o ajuste por múltiplos confundidores socioeconômicos, ambientais e outros relacionados à saúde da criança reciprocamente relacionados com a exposição e com a doença. Uma limitação deste estudo, inerente a qualquer estudo longitudinal, foram as perdas de acompanhamento, que, embora tenham sido de 27%, não mostraram diferenças entre aqueles que participaram ou não das análises. Os dados de comprimento/altura foram insuficientes para serem estudados nesta população devido a perdas ocorridas na amostra e por não se dispor de medidas para estimar a composição corporal. Outra limitação foi a não disponibilidade de informações sobre a idade gestacional, variável que, quando obtida pelo relato materno em geral, é de baixa precisão. Também não foi possível avaliar o rebote da adiposidade, pois as diferentes idades que as crianças apresentaram em 2005 foram avaliadas como um único grupo e se avaliadas de forma estratificada os resultados poderiam ser diferentes.

Em conclusão, este estudo adiciona evidências à hipótese de que o ganho ponderal rápido na infância e na idade pré-escolar está associado à ocorrência do sobrepeso/obesidade mesmo em crianças de baixa renda e que esta associação se torna mais forte à medida que se distancia do momento do nascimento. Por mais que a recuperação do crescimento seja recomendada para crianças pequenas para idade gestacional ou que tenham sofrido retardo de crescimento intrauterino, trazendo importantes benefícios ao desenvolvimento cognitivo e contribuindo para a redução da mortalidade infantil, deve-se considerar que o crescimento acelerado vem sendo associado com a resistência à insulina e à obesidade central 34. A velocidade do ganho ponderal em populações de países em transição demográfica deve ser monitorada com manutenção das políticas públicas voltadas para a educação nutricional e estímulo à prática de atividade física desde o início da vida das crianças para que o crescimento saudável seja alcançado.

 

Colaboradores

S. M. A. Matos foi responsável pela redação do manuscrito, participou na coleta dos dados antropométricos, realizou a análise estatística e contribuiu na revisão final do manuscrito. S. R. Jesus e S. R. D. M. Saldiva realizaram a análise estatística e revisão do manuscrito. M. S. Prado projetou a metodologia de coleta de dados, coordenou a coleta dos dados antropométricos e contribuiu na revisão do manuscrito. S. D'Innocenzo e A. M. O. Assis contribuíram na revisão crítica do manuscrito. L. C. Rodrigues foi responsável pelo financiamento, coordenou o estudo e contribuiu na revisão do manuscrito. M. L. Barreto foi responsável pelo financiamento e coordenou o estudo, projetou a metodologia de coleta de dados e contribuiu para a revisão do manuscrito.

 

Agradecimentos

Agradecemos às crianças e a seus pais que participaram deste estudo. A Wellcome Trust, Reino Unido (ref. 072405/Z/03/Z), Programa de Apoio a Núcleos de Excelência-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Ministério da Ciência e Tecnologia (PRONEX-CNPq/MCT, contrato 66.1086/1998-4, SEDUR).

 

Referências

1. World Health Organization. Nutrition: controlling the global obesity epidemic. http://www.who.int/nut/obs.htm (acessado em 21/Jan/2010).         

2. World Health Organization. The global burden of disease: 2004 update. Geneva: World Health Organization; 2008.         

3. Beauther DA. Obesity and asthma. Clin Chest Med 2009; 30:479-88.         

4. Monteiro CA, Benicio MHD'A, Konno SC, Silva AC, Lima AL, Conde WL. Causas do declínio da desnutrição infantil no Brasil, 1996-2007. Rev Saúde Pública 2009; 43:35-43.         

5. Monteiro CA, Conde WL, Popkin BM. The burden of disease from undernutrition and overnutrition in countries undergoing rapid nutrition transition: a view from Brazil. Am J Public Health 2004; 94:433-4.         

6. Monteiro POA, Victora CG, Barros FC, Monteiro LM . Birth size, early childhood growth, and adolescent obesity in a Brazilian birth cohort. Int J Obes 2003; 27:1274-82.         

7. Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal PC, Martorell R, Richter L, et al. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet 2008; 371:340-57.         

8. Ong KK, Ahmed ML, Emmett PM, Preece MA, Dunger DB. Association between postnatal catch-up growth and obesity in childhood: prospective cohort study. BMJ 2000; 320:967-71.         

9. Victora CG, Barros FC, Horta BL, Martorell R. Short-term benefits of catch-up growth for small-for-gestational-age infants. Int J Epidemiol 2001; 30:1325-30.         

10. Olsen EM, Skovgaard AM, Weile B, Jørgensen T. Risk factors for failure to thrive in infancy depend on the anthropometric definitions used: The Copenhagen County Child Cohort. Paediatr Perinat Epidemiol 2007; 21:418-31.         

11. Martorell R, Horta BL, Adair LS, Stein AD, Richter L, Fall CH, et al. Weight gain in the first two years of life is an important predictor of schooling outcomes in pooled analyses from five birth cohorts from low- and middle-income countries. J Nutr 2010; 140:348-54.         

12. Botton J, Heude B, Maccario J, Ducimetière P, Charles MA; FLVS Study Group. Postnatal weight and height growth velocities at different ages between birth and 5 y and body composition in adolescent boys and girls. Am J Clin Nutr 2008; 87:1760-8.         

13. Dennison BA, Edmunds LS, Stratton HH, Pruzek RM. Rapid infant weight gain predicts childhood overweight. Obesity 2006; 14:491-9.         

14. Goodell LS, Wakefield DB, Ferris AM. Rapid weight gain during the first year of life predicts obesity in 2-3 year olds from a low-income, minority population. J Community Health 2009; 34:370-5.         

15. Stettler N, Bovet P, Shamlaye H, Zemel BS, Stallings VA, Paccaud F. Prevalence and risk factors for overweight and obesity in children from Seychelles, a country in rapid transition: the importance of early growth. Int J Obes Relat Metab Disord 2002; 26:214-9.         

16. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2003.         

17. Teixeira MG, Barreto ML, Costa MCN, Strina A, Martins Jr. D, Prado M. Sentinel areas: a monitoring strategy in public health. Cad Saúde Pública 2002; 18:1189-95.         

18. Barreto ML, Cunha SS, Alcântara-Neves N, Carvalho LP, Cruz AA, Stein RT, et al. Risk factors and immunological pathways for asthma and other allergic disease in children: background and methodology of a longitudinal study in a large urban center in Northeastern Brazil (Salvador-SCAALA study). BMC Pulm Med 2006; 6:15.         

19. WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl 2006; 450:76-85.         

20. de Onis M, Onyango A, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85:661-8.         

21. Organización Mundial de la Salud. Medición del cambio del estado nutricional. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 1995.         

22. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaing: Human Kinetcs Books; 1988.         

23. World Health Organization Working Group. Use and interpretation of anthropometric indicators of nutritional status. Bull World Health Organ 1995; 73:165-74.         

24. Barros A, Hirakata V. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3:21.         

25. Kleinbaum D, Kupper L, Morgenstern H. Epidemiologic research. Belmont: Lifetime Learning Publications; 1982.         

26. Rothman KJ, Greenland S. Modern epidemiology. Philadelphia: Lippincott-Raven Publications; 1998.         

27. Soriguer Escofet FJ, Esteva de Antonio I, Tinahones FJ, Pareja A. Adipose tissue fatty acids and size and number of fat cells from birth to 9 years of age: a cross-sectional study in 96 boys. Metabolism 1996; 45:1395-401.         

28. Wells JC, Hallal PC, Wright A, Singhal A, Victora CG. Fetal, infant and childhood growth: relationships with body composition in Brazilian boys aged 9 years. Int J Obes 2005; 29:1192-8.         

30. Rolland-Cachera MF, Deheeger M, Bellisle F, Sempe M, Guilloud-Bataille M, Patois E. Adiposity rebound in children: a simple indicator for predicting obesity. Am J Clin Nutr 1984; 39:129-35.         

31. Yajnik CS, Fall CH, Coyaji KJ, Hirve SS, Rao S, Barker DJ, et al. Neonatal anthropometry: the thin-fat Indian baby. The Pune Maternal Nutrition Study. Int J Obes Relat Metab Disord 2003; 27:173-80.         

32. Zafon C. Oscillations in total body fat content through life: an evolutionary perspective. Obes Rev 2007; 8:525-30.         

33. González D, Nazmi A, Victora CG. Childhood poverty and abdominal obesity in adulthood: a systematic review. Cad Saúde Pública 2009; 25 Suppl 3:S427-40.         

34. Barker DJP, Osmond C, Forsen TJ, Kajantie E, Eriksson JG. Trajectories of growth among children who have coronary events as adults. N Engl J Med 2005; 353:1802-9.         

35. González DA, Nazmi A, Victora CG. Growth from birth to adulthood and abdominal obesity in a Brazilian birth cohort. Int J Obes (Lond) 2010; 34: 195-202.         

36. Karaolis-Danckert N, Buyken AE, Kulig M, Kroke A, Forster J, Kamin W, et al. How pre- and postnatal risk factors modify the effect of rapid weight gain in infancy and early childhood on subsequent fat mass development: results from the Multicenter Allergy Study 90. Am J Clin Nutr 2008; 87:1356-64.         

 

 

Correspondência:
S. M. A. Matos
Instituto de Saúde Coletiva
Universidade Federal da Bahia.
Rua Basílio da Gama s/n, Campus Universitário Canela, 5º andar
Salvador, BA 40110-040, Brasil
sheilaalvim@hotmail.com

Recebido em 09/Jul/2010
Versão final reapresentada em 06/Fev/2011
Aprovado em 28/Fev/2011

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br